1Introdução

O período que passamos a retratar foi denominado de "O Milagre Econômico" – 1967/68 até 1973 – em função das altas taxas de crescimento do produto interno, que teve média de 11,5% a.a.

No início do ano de 1967, o Presidente Castelo Branco é substituído, pelo também general do exército, Arthur da Costa e Silva. Para comandar a economia, são nomeados Antônio Delfin Neto – Ministério da Fazenda – e Hélio Beltrão – Ministério do Planejamento.

Em 1969, Costa e Silva adoece e morre, sendo substituído na Presidência da República pelo general Emílio Garrastazu Médici. Delfin Neto é mantido, porém a pasta do Planejamento é dada ao novo ministro João Paulo dos Reis Veloso.

Os militares no poder não davam sinais para a retomada da redemocratização do país e precisavam de sustentabilidade para o regime implantado com o golpe de 31 de março de 1964. Então, o crescimento econômico era primordial para justificar o projeto de poder deste governo autoritário, não importando o preço que fosse necessário pagar.

A nova equipe econômica, liderada por Delfin Neto, apresentou novo diagnóstico para inflação, que antes era tratada basicamente como de demanda, e neste período passa a ter o componente "custos" como fator preponderante, principalmente os custos financeiros – as empresas captavam recursos a custos altos e repassavam estes custos ao preço final.

A equipe econômica do PAEG – de Campos e Bulhões – direcionava seu arsenal para o combate à demanda agregada. As políticas monetária, fiscal e creditícia reduziram a capacidade de compra, da população, e de investimentos, das empresas. Com o novo diagnóstico a leitura era que estas ações alimentavam os preços finais, via aumento dos custos de produção.

As políticas tributária e fiscal, porém, foram, de certa forma, positivas para as proposições do novo governo. O déficit público estava sob controle, em função do aumento da arrecadação[1]e do corte de gastos federais, respectivamente.

A indústria, que vinha sofrendo com a política restritiva do PAEG, estava com sua capacidade ociosa, na ordem de 75%. Portanto, medidas adequadas na direção da retomada do crescimento, não careceriam de investimentos volumosos imediatamente.

O cenário externo também era favorável a uma retomada do crescimento. Os Estados Unidos da América continuavam mantendo sua economia aquecida, via déficit público crescente, e Europa e Japão aumentavam sua participação no comércio mundial. Havia demanda externa para as nossas commodities agrícolas e para os produtos manufaturados.

O Brasil conquistou oTri-Campeonato mundial de futebol em 1970.

2Decisões de Políticas Econômicas do Período

A equipe econômica ao lançar o PED "Programa Estratégico de Desenvolvimento", em 1967, deixa claro que a meta do governo continuava a ser o desenvolvimento econômico e que as ações internas e externas focariam o progresso social. As diretrizes econômicas do PED tinham dois objetivos fundamentais:

·A aceleração do desenvolvimento;

·A contenção da inflação.

Com a nova equipe econômica teve início uma política de controle de preços, devidamente alinhada com o novo diagnóstico inflacionário, onde os reajustes deveriam ter o "consentimento" do governo federal. São criados o CONEP (Comissão Nacional para a Estabilidade de Preços), em 1967, e o CIP (Conselho Interministerial de Preços), em 1968, que sucedeu o primeiro. Estes órgãos vieram institucionalizar os reajustamentos de preços com base nas variações de custos. As análises das autorizações se baseavam nos custos envolvidos no processo produtivo (diretos e indiretos), como também nos níveis de rentabilidade, influência dos produtos e serviços na cadeia de formação de custos de outros produtos e condições estruturais de mercado (oligopolista – monopolista).

A partir de 1967 Delfin & Cia. adotam políticas monetárias, fiscais e creditícias expansionistas, como forma de aumentar a demanda agregada e impulsionar o desenvolvimento econômico.

A política agrícola era voltada para expandir a produção, via subsídios e fomento.

A política cambial adotou as mini-desvalorizações que tornavam mais competitivos nossos produtos. Entre 1970 e 1973, a taxa de câmbio ficou apreciada em relação ao dólar americano, com reajustes superiores às inflações registradas nos períodos.

A política econômica externa foi muito favorável aos investimentos estrangeiros no país. Multinacionais recebiam recursos de suas matrizes sob a forma de empréstimos intercompanhia. Bancos comerciais foram autorizados a captarem recursos externos e aplicarem, sob forma de empréstimos, no mercado interno.

A política salarial do período 1967/1973 mostrou-se contracionista, se analisado apenas os reajustes do salário-mínimo (medida alinhada com o objetivo de redução de custos nas empresas). Porém houve favorecimento na acumulação de capital com a manutenção de elevada taxa de lucro e na remuneração seletiva de pessoal com maior qualificação. As regras salariais do PAEG foram alteradas em 1968, compensando-se as perdas pela subestimação da inflação. As faixas de maior remuneração obtiveram ganhos reais, especialmente no sudeste, onde a porcentagem dos trabalhadores que ganhavam apenas um SM[2] era menor que no resto do país.

3Conseqüências Econômicas das Decisões

As medidas adotadas pela equipe de Delfin Netto, mantinham-se, em sua maioria, com foco no aumento da demanda agregada como forma de dar novo impulso no desenvolvimento econômico. No período 68-73 a indústria de transformação cresceu à taxa média de 13,3%, com pico de 16,6% em1973.

As políticas fiscais e criditícias expansionistas serviram alavancar a demanda. Com maior liberdade para investimentos empresas estatais, como Petrobrás e CVRD, criaram diversas subsidiárias. Somente no período do "Milagre", foram criadas 231 novas estatais. Com a nova política de créditos, houve maior facilidade para as pessoas físicas e jurídicas contraírem empréstimos, tanto para o financiamento de bens de consumo duráveis (PF), quanto para investimentos produtivos (PJ). O Sistema Financeiro da Habitação – SFH – através do BNH e agentes do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimos - SBPE[3], deu grande impulso ao mercado imobiliário. A construção civil (grande empregadora) cresceu 15% a.a no períododitos, crpolCVRD, por exemplo,nos grupos 1 e 2 - quadro .

A política cambial mais realista atrelada à maior liberdade ao capital externo, favoreceu os exportadores, provocando aumento de 250% no volume das exportações entre 1967 e 1973. Os bancos foram autorizados a captarem recursos externos para aplicarem no mercado interno. Empresas multinacionais contraíam empréstimos junto às matrizes para seus investimentos.

A política salarial foi alterada e procurou compensar as perdas que os trabalhadores haviam sofrido, porém os ganhos dessa política ficaram concentrados nas classes média e alta, aprofundando a desigualdade na distribuição de renda.

A política agrícola favoreceu o campo através de isenções fiscais e juros subsidiados. Tinha objetivos de aumenta a oferta de alimentos, diminuindo a pressão inflacionária, aumentar as exportações do setor primário e corrigir os desequilíbrios regionais, aumentando a renda no campo e reduzindo o êxodo rural.

O governo, que já controlava boa parte dos preços da economia (câmbio, salários,juros e tarifas) passa, com a criação da CONEP e posteriormente da CIP, a controlar também os preços finais dos produtos, combatendo a inflação de custos, um dos propósitos do PED.

Apesar da economia aquecida, com crescimento médio de 11,5%a.a., a inflação caiu no período, saindo de 25% em 1968 para 16% em 1973. Era possível que, no combate à inflação, as políticas corretivas aprofundassem o nível de desemprego (curva de Phillips), porém nossa indústria encontrava-se com 75%, aproximadamente, de sua capacidade e as políticas adotadas não foram restritivas, mas sim expansionistas.

Outro fator que poderia comprometer o crescimento da economia e o combate à inflação era o déficit do balanço de pagamentos (BP). Porém no período 67/73, o financiamento do déficit do BP se deu pelo ingresso de recursos externos, pelo aumento do comércio mundial, que ajudou a melhorar nossa pauta de exportações, e pela melhora na performance de nossas commodities.

4Análise Crítica

Com a posse do segundo presidente militar, Costa e Silva, é feito um novo diagnóstico da economia brasileira, onde a equipe econômica, liderada por Delfim Netto, aponta como principal causa da inflação brasileira a pressão derivada dos custos, principalmente os custos financeiros. A partir de então, a economia brasileira toma um novo rumo, priorizando o crescimento econômico e colocando em segundo plano o combate à inflação. Este novo direcionamento da economia brasileira, juntamente com um cenário internacional favorável, proporcionaram ao Brasil a fase de maior crescimento do Produto Interno Bruto da história brasileira , conhecida como " Milagre Econômico " .

Esta nova equipe econômica teve méritos no diagnóstico e na correção dos rumos da economia, porém não se pode deixar de ressaltar que boa parte das medidas do 1° governo militar (Castelo Branco) serviram de base para o milagre alcançado pela economia entre 1968 e 1973, sendo as mais importantes: (i)Reforma tributária; (ii) combate ao déficit público; (iii) criação do SFN; (iv) criação do SFH/BNH; (v) combate à inflação.

Os números do crescimento econômico excepcional e a queda gradual da inflação podem caracterizar o sucesso obtido governo porém, a grande maioria da população brasileira não se beneficiou da riqueza gerada. O processo econômicoimplementado manteve a renda brutalmente concentrada. Celso Furtado, economista da CEPAL, apresentou proposta para uma política de redistribuição de renda, taxando os 10% mais ricos (4º e 3º grupos)[4] que concentravam 41,3% das riquezas. Os recursos obtidos serviriam à implantação de indústrias trabalho-intensivas que ajudariam na inserção de parcelas dos grupos 1 e 2 no aproveitamento das conquistas do desenvolvimento econômico. Vale lembrar que esta parcela da sociedade concentrava 90% da população, porém dispondo apenas de 58,7% da renda total4. Este processo de redistribuição de renda levaria TEMPO e o regime militar precisava de resultados macroeconômicos e sociais, se possível, o mais rápido possível.

O processo de substituição das importações atendeu as indústrias de bens simples, como têxteis e alimentos, enquanto que na modernização da indústria nacional, a planta implementada era capital-intensivo, produzindo bens de alto valor agregado e destinados às classes média e alta. Produtos como automóveis, gravadores "hi-fi", máquinas de lavar, por exemplo, eram produzidas por estas indústrias dinâmicas e cada vez mais sofisticadas. A proposta de Furtado afetaria os consumidores destes produtos (taxação da renda) e, não se deve esquecer, o regime era conduzido por membros da classe média e apoiado pela classe alta. Então, o que se fez foi incentivar a concentração da renda na expectativa de que em algum dia a economia brasileira iria incorporar os excluídos (1º grupo e parte do 2º), igualmente como o que ocorreu na revolução industrial na Europa e USA. Contudo a nova planta industrial era capital-intensiva, enquanto na industrialização européia e americana, trabalho-intensiva. Este processo de concentração foi defendido por Delfin, alegando que era preciso fazer o "bolo" crescer para depois dividi-lo.

Quadro I -PERFIL DA DEMANDA GLOBAL NO BRASIL

Grupos

% da População

População (1.000)

Renda percapita (US$)

Renda total (US$1.000,00)

% da renda

50

45.000

130

5.850

18,6

40

36.000

350

12.600

40,1

9

8.100

880

7.128

22,7

1

900

6.500

5.850

18,6

Total

100

90.000

350

31.428

100

O modelo de Delfin Netto, beneficiando a concentração de renda, tinha o objetivo de manter a demanda dos bens e serviços produzidos por empresas que utilizavam tecnologia de ponta. Estas modernas empresas, capital-intensivas, empregavam pessoal com maior qualificação, oriundos dos grupos 3 e 4, que também eram os consumidores dos produtos finais dessas empresas. Nota-se uma marginalização das classes mais baixas, que excluídas do círculo descrito, não participavam da atividade econômica moderna. Ademais, os produtos não consumidos internamente eram facilmente exportados (câmbio favorável, mercado mundial aquecido), corroborando com modelo de concentração.

O regime procurava venderà população - despolitizada e em sua maioria alheia aos acontecimentos – o novo período iniciado em 1964 como passo fundamental à guarda da soberania nacional e recolocação do Brasil no caminho do desenvolvimento. A construção da rodovia transamazônica, obra megalômica, serviu para manter o espírito da defesa do território nacional em alta, bem como anunciava efetivamente uma construção a altura de um "grande governo", como foi a Belém-Brasília para o governo Juscelino. Outra frente era o emocional nacionalista, com o regime implementando campanhas nos meios de comunicação como "BRASIL, AME-O OU DEIXE-O" e ' ESTE É UM PAÍS QUE VAI PRÁ FRENTE".

Por fim, releve-se que o regime militar tinha que apresentar algo substancial à nação além do nacionalismo de direita e o combate ao "monstro" comunista que se mostrava persistente com o surgimento de diversos grupos terroristas de esquerda. O crescimento macroeconômico seria a melhor resposta ao porquê da ditadura militar, não importando o preço a ser pago por ele. O "Milagre", segundo Bresser Pereira, não era necessário ao Brasil, porém ao governo sim. A ausência de algo a ofertar poderia por em cheque o regime, gerando desgaste à sua manutenção.

Bibliografia:

·Anotações de aula do professor Renaut Michel;

·BRESSER, Luiz Carlos – Desenvolvimento e Crise no Brasil

·ABREU, Marcelo Paiva – A Ordem do Progresso.

·Internet: estadao.com.br



[1] Criação de novos impostos: ICM, IPI, IPTU, ITR, IR...; combinados com a adoção da correção monetária, que reduziu a sonegação em função da atualização das dívidas em atraso.

[2] Estes trabalhadores se situavam nos grupos 1 e 2 – quadro I na pág. 7 – e não consumiam os produtos da "nova" indústria.

[3] BNH, Caixas Econômicas, APE's – Associações de Poupança e Empréstimo, Cooperativas.

[4] Quadro I