O Método e a Dialética socrática também estão ligados à essência do homem, assim tem a finalidade de descobrir a vaidade, de desmascarar a impostura e de seguir a verdade. Para melhor interpretar o método socrático de filosofar, somos convidados a conhecer o novo conceito de psyché: a alma e ao cuidado da alma, pois a referência ao novo conceito de psyché explica a ruptura com o método dos sofistas. Seu método e sua doutrina são contrários a doutrina e ao método dos sofistas. Eis alguns pontos de divergências:

a) Enquanto os sofistas buscam o sucesso e ensinam como alcançá-lo, Sócrates busca a verdade e ensina seus discípulos a encontrá-la.

b) No desejo de obter sucesso os sofistas tinham uma carreira, Sócrates na busca da verdade propunha uma análise sincera da alma e o desapego das riquezas.

c) Os sofistas se gabam de saberem tudo e ensinarem a todos. Sócrates é convicto de que ninguém pode ser mestre de ninguém.

d) Os sofistas tinham o aprender como algo muito fácil, por isso ensinavam a retórica e a arte de governar, no entanto cobravam um certo preço. Para Sócrates aprender é difícil, muitos diálogos terminam sem uma definição da verdade, da beleza e da justiça. Para ele, é somente lento e progressivamente que se chega a verdade, esclarecendo o que se pensa que sabe e definindo as questões com mais exatidão.

e) Para os sofistas qualquer conhecimento ou lei moral tem um valor relativo. Ao contrário, Sócrates defende que existem conhecimentos e leis morais de valor absoluto, universal.

Como nos diz Reale e Antiseri (2007): “dialogar com Sócrates levava a exame da alma e a prestação de contas da própria vida, ou seja, a exame moral.”

O “prestar contas da própria vida” praticamente resume toda a finalidade do método dialético de Sócrates. Ele pôde até o fim sustentar essa verdade. Muitos acreditavam que matar Sócrates era libertar-se de ter que desnudar a própria alma. Porém, o processo que Sócrates propôs já havia se tornado irreversível, a tal ponto de não mais ser detido. Num dos fragmentos de Reale e Antiseri tem-se a passagem em que Platão atribui uma profecia a Sócrates onde ele roga a vingança sobre o povo dizendo que mesmo com a morte dele seus discípulos continuarão seu trabalho e muito mais forte do que o que ele mesmo realizara. 

Quanto à estrutura do método socrático, pode-se dizer que está no seu dialogar. O “dia-logos” consta de dois momentos fundamentais: a refutação e a maiêutica. Ao criá-lo, Sócrates valia-se do “não saber e da ironia.” O não saber socrático consiste em colocar-se diante dos interlocutores na atitude de quem nada sabe, mas tendo tudo para aprender. Muitos erros foram cometidos em relação ao não saber de Sócrates, chegando a ver nele o princípio do ceticismo, enquanto ele deve ser visto como afirmação de separação do saber do questionamento dos físicos e dos sofistas e da cultura da “sabedoria humana” que Sócrates admitia possuir. O significado do não saber socrático só se mede exatamente pondo em relação com o saber de Deus, além da relação com o saber dos homens. Para Sócrates Deus é que sabe tudo e estende o seu conhecimento do universo ao homem. É comparando o homem com o saber divino que temos o saber humano em sua fragilidade e pequenez, ou seja, até mesmo a sabedoria humana de Sócrates resulta um não saber.

O não saber provoca nas relações com o interlocutor um efeito irônico e benéfico, o que chamamos de “ironia socrática”. De modo geral ela significa dissimulação, simulação, mas neste caso indica o jogo e estratégias realizadas por Sócrates para levar o interlocutor a dar conta de si mesmo.

Sócrates tem o cuidado de fazer com que a função da ironia seja transparente para quem observa de longe. Trata-se de um jogo em função de um objetivo sério, sempre metódico. Às vezes ele era tão irônico a ponto de acolher algo que o interlocutor trazia como certo, fazendo grande e depois derrubava-o  com a mesma lógica que lhe era própria, sustentando-a na contradição.

A refutação e a maiêutica aparecem como um momento construtivo estrutural da dialética. Constituía o momento em que Sócrates levava o interlocutor a reconhecer sua própria ignorância. Primeiro ele forçava uma definição do assunto e destacava as contradições e carências do interlocutor, depois levava o mesmo a uma nova definição, criticando-a e refutando-a e assim procedia até o momento em que o interlocutor se declarava ignorante. Essa discussão provocava irritação nos que se diziam sábios e nos medíocres, tendo efeito de purificação apenas nos melhores. E quem não fosse por ela beneficiado como impuro das graves impurezas poderia ser até privado da educação. Assim chega-se ao segundo momento do método socrático, “só se pode alcançar a verdade se dela a alma estiver grávida”. Da mesma forma que a mulher necessita da parteira para dar a luz, o discípulo também necessita da arte obstétrica espiritual que faz a verdade vir à luz. Nisso consiste a maiêutica socrática.

Ao analisar Sócrates, mesmo que num pequeno contexto, nota-se que, o que ele queria para si e para seus discípulos e interlocutores era descobrir a Verdade. Seria ignorância possuí-la e agir como se não a possuísse, assim, ele reconhece como sendo ignorante (sei que nada sei), partindo desse pressuposto desenvolve seu método. O não saber, a ironia, a refutação e a maiêutica levam o indivíduo a reconhecer também sua ignorância e depois de questionado, até mesmo com idéia oposta a que se defendia antes do questionamento começa o processo de parto. O discípulo nessa fase está apto a “não saber nada”, pois na sua ignorância ainda busca a verdade, porém é capaz de dar à luz, fazer parir novos saberes e levar o interlocutor a buscar a verdade também. Mas diante dessa busca pode-se questionar; O que é a verdade? Como se busca essa verdade na realidade de hoje? A verdade que se busca hoje esta de acordo com a verdade de Sócrates? É possível na atual situação em que vivemos, diante de tantos meios e métodos de ensino, passar por essas fases do método socrático?

Certamente muitos outros questionamentos nos rodeiam, mas com a ajuda do filósofo e reconhecendo nossa ignorância vamos descobrindo os meios de satisfazê-las. Para melhor entender esse método de Sócrates o livro Apologia de Sócrates nos mostra um pouco mais como funciona a dialética de tal filósofo. 

REFERÊNCIAS

REALE, Giovanni. História da Filosofia Antiga. Trad. Marcelo Perine. São Paulo: Loyola, 199. P 304-310. Vol.I.

REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da Filosofia: Antiguidade e Idade Média. São Paulo: Paulus, 2007. P 95-98. Vol. I. 9. ed.

MONDIN, Batista. Curso de Filosofia. Trad. Benôni Lemos. São Paulo, SP: Paulinas, 1982. p 47-49. Vol. I. 6. ed.