Titulo: O Mercado da Água e a sua problemática na África Subsariana

Dr. Eduardo Simões Palma Murteira Martins

Universidade de Évora

Mestrado em Economia

                                                                                           2011                            

Resumo

 

Sendo a água um bem fulcral para a vida, a sua privação em algumas partes do mundo, condena parte da humanidade a vidas de pobreza, vulnerabilidade e incapacidade para participar activamente no mercado e na sociedade em si. O Estado como entidade que controla a distribuição da água nos países da África Subsariana tem o dever de garantir o acesso de modo equitativo pelos seus habitantes independentemente do nível de rendimentos. Ultrapassar a crise no acesso da água potável é um dos verdadeiros desafios do desenvolvimento humano no século XXI. O presente Paper pretende compreender a origem e os fundamentos da problemática da “escassez” da água, analisar a gestão da água e a sua distribuição nos países da África Subsariana e opor o modelo de gestão privada da água em relação à gestão pública do sector. Se por um lado o Estado é ineficaz na gestão e na distribuição da água, o recurso aos mecanismos de preço e de mercado pode desprover os mais desfavorecidos do seu acesso.

Abstract

As water is a key to life, the deprivation in some parts of the world condemns part of humanity to lives of poverty, vulnerability and inability to participate actively in the market and in society itself. The State as an entity that controls the distribution of water in Sub-Saharan countries has a duty to ensure equitable access for its residents regardless of income level. Overcoming the crisis in access to drinking water is one of the real challenges of human development in the XXI century. This paper attempts to understand the origin and fundamentals of the problem of "scarcity" of water, to analyze the management of water and its distribution in sub-Saharan countries and oppose the model of private management of water in relation to public sector management. On the one hand the State is ineffective in the management and distribution of water; the use of price mechanisms and market may deprive the poor of your access.

Palavras-chaves

 Escassez de Água, Bem Económico, Direitos Humanos, Gestão Privada, Gestão Pública

Keys-Words:

Water Scarcity, Economic Good, Human Rights, Private Management, Public Management

1.Introdução

A escassez da água constitui-se com uma das principais problemáticas da actualidade levando a que diversas instituições internacionais reflictam acerca da sua gestão e dos princípios que devem nortear a sua distribuição. De acordo com a perspectiva neoliberal a água é um bem económico e como tal deve ser transaccionada segundo a óptica de economia de mercado. Assim sendo o Estado deve abandonar o papel activo que tem na gestão da água, uma vez que este é ineficiente e ineficaz, devendo sim garantir as condições propícias para o investimento privado para que a distribuição da água possa ser efectuada de acordo com as leis da oferta e da procura de mercado. Em oposição existem diversos teóricos que acreditam que deve ser o Estado a continuar a ser o principal agente responsável pela distribuição da água, garantindo assim uma maior equidade no acesso da água a toda a população. A água é um bem essencial à vida e por isso deve ser encarada como tal, ao ser submetida a sua transacção de acordo com as leis do mercado originará como consequência a privação de muitas pessoas do seu acesso violando os princípios consagrados na Declaração Universal dos Direitos da Água, nomeadamente o direito à água e inclusive o direito à vida.

Na maior parte dos países da África Subsariana os habitantes não têm capacidade para pagar o consumo de água e no futuro previsivelmente continuarão a não ter capacidade para assumir os reais custos do abastecimento de água. Apenas uma pequena percentagem do custo de transferência, tratamento e eliminação de resíduos da água tem sido suportado pelos utilizadores, o restante tem sido subsidiado. O papel do Estado revela-se assim fulcral na garantia do acesso água potável de modo equitativo aos seus habitantes. Contudo o que se tem revelado é que o Estado é incapaz de satisfazer as necessidades básicas à totalidade da população, existindo discrepâncias no acesso à água entre as zonas rurais e urbanas. De acordo com o relatório de 2006 do Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas 314 milhões de africanos, cerca de 45 por cento da população da região subsaariana, não têm acesso a fontes de água potável. De acordo com o mesmo relatório o problema não se trata da escassez da água mas sim da sua gestão. Torna-se fulcral desta forma ultrapassar as carências existentes, quer quanto ao nível de atendimento das populações, quer quanto à qualidade do serviço prestado. Privatizar a distribuição da água constitui-se como uma alternativa que pode garantir uma gestão mais eficiente dos recursos, no entanto esta via pode implicar um aumento das desigualdades no acesso à água potável e ao saneamento básico entre a população pondo em causa alguns dos princípios fundamentais como o direito à água e inclusive o direito à vida. O presente paper tem assim como principal objectivo reflectir acerca do modelo de gestão privada da água em alternativa à gestão pública nos países da África Subsariana.

2.Considerações introdutórias acerca da Escassez de água

 

A importância da temática da escassez da água pode-se compreender resumidamente numa simples frase: a água é o mais importante recurso natural essencial para vida para o qual, ao contrário de outros recursos, não há substitutos aliando-se ao mesmo uma grande importância social e inclusive económica. Outro factor a ter-se em conta quando se aborda esta temática é que não existe equidade na distribuição da água no mundo estimando-se que apenas 0,08% do total de água no planeta é acessível ao consumo humano. Podemos definir a escassez de água como a insuficiência de água disponível em quantidade e qualidade necessária para atender todas as necessidades humanas, dos ecossistemas e de todos os grupos de pessoas, países e sectores económicos.

Face ao risco real de escassez em diversas partes do mundo será essencial repensar os princípios que norteiam a gestão dos recursos hídricos. Esta temática tem suscitado um grande interesse e preocupação por parte de diversas instituições como destaque para a Organização das Nações Unidas que identificaram em assembleia geral o período de 2005 a 2015 como a Década Internacional para a Acção Água para a vida. Da mesma forma, instrumentos internacionais contemplaram o assunto, a exemplo da Declaração Universal dos Direitos da Água, nascida em 1992, que consagrou:

“A água não é somente herança de nossos predecessores; ela é, sobretudo, um Empréstimo aos nossos sucessores. Sua protecção constitui uma necessidade vital, assim como a obrigação moral do homem para com as gerações presentes e futuras.”

A água é um recurso imprescindível, finito, vulnerável e escasso, com vários sectores competindo entre si por ela. Nesse sentido, a Declaração de Dublin afirma no seu quarto princípio que:

“A água tem valor económico em todos os usos competitivos e deve ser reconhecida como um bem económico. No contexto deste princípio, é vital reconhecer inicialmente o direito básico de todos os seres humanos do acesso ao abastecimento e saneamento a custos razoáveis.”

Neste princípio é introduzindo o conceito da água enquanto bem económico cujo seu acesso está limitado ao pagamento de um valor razoável.    

3.Problemática da Escassez de Água

 

A problemática da escassez de água torna-se alarmante quando se estima que cerca de 2 biliões de pessoas carecem da mesma, de acordo com a ONU (PNUD, 2006). A mesma organização estima que se não se forem adoptadas medidas para travar o seu consumo de modo insustentável, dentro de 25 anos estima-se que 4 biliões de pessoas estarão carecidas do acesso a água afectando inclusive as suas necessidades básicas. A escassez de água também terá graves repercussões ao nível da produção de alimentos uma vez que a agricultura é a grande consumidora de água (70% do total), seguida pela indústria (20%) e pelo consumo domestico (10%) (PNUD, 2006).

De acordo com dados divulgados pela Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económico (OECD) cerca de 5 milhões de pessoas falecem todos os anos em consequência de problemas de baixa qualidade da água. De acordo com o mesmo estudo a melhoria das condições sanitárias teria um impacto na redução da mortalidade por diarreia em cerca 32%.

Actualmente cerca de um terço da população mundial vive em países que sofrem de stress hídrico moderado a alto em que o consumo de água é superior em 10% à capacidade de renovação dos recursos hídricos e 2.500 milhões de pessoas não possuem meios para eliminar resíduos humanos das proximidades dos cursos de água (PNUD, 2006). A falta de água potável e de equipamentos sanitários e de higiene são as principais causas de morte de 3,3 milhões de pessoas por ano, e a maioria são crianças com menos de 5 anos. Já no princípio da década de 90 cerca de 80 países sofriam de grave escassez de água e de acordo com algumas previsões daqui a 25 anos, cerca dois terços da população global viverão em países com problemas de stress hídrico. Em 2020 devido ao crescimento da população, aumentará em 40% a necessidade de água para consumo e a acrescentar a esse valor, será ainda necessário ainda mais 17% de água para produção de alimentos (Riva, 2002).

No Planeta existem diversas situações em diversos países de problemas ao nível de tensões em relação aos recursos hídricos. A China em 1998 viveu uma das piores enchentes registadas. Esta catástrofe natural deveu-se a acções de desmatamento que provocaram erosão dos solos e a sedimentação dos rios. Na Índia o consumo insustentável de água da principal fonte hídrica (rio Ganges) levou ao seu esgotamento colocando em risco o atendimento as necessidades de mais de um bilião de habitantes. No Norte de África é consumido 120% dos recursos renováveis, devido ao uso excessivo de água subterrânea, a mesma não pode ser renovada pondo em risco a sustentabilidade dos recursos.

Vários autores têm estudado a temática da escassez de água e os riscos de conflitos associados, segundo estes, a maioria das bacias em risco de gerar conflitos, encontram – se na África e Ásia, os dois continentes mais densamente povoados no Mundo. A falta de água não é causa directa para a existência de conflitos, mas sim as alterações sociais e económicas que ela pode provocar, como por exemplo, migração e diminuição da produção, as quais dependendo do quadro político - institucional e económico – social que vigora, pode ou não despoletar tensões e consequentemente conflitos (Lopes, 2009).

O continente africano é descrito como um dos continentes mais vulneráveis às mudanças climáticas e como um dos continentes que mais se encontra em situação de escassez hídrica e com várias bacias transfronteiriças em risco de tensão. A causa da escassez hídrica em África é a má gestão dos recursos e desigualdades estruturais, as quais irão ser agravadas pelas alterações climáticas por isso é necessário que os governos apliquem medidas flexíveis e giram melhor os recursos hídricos disponíveis para que os impactos das alterações climáticas neles não sejam graves (Lopes, 2009).

Um dos maiores problemas existente em África é a falta de saneamento adequado para todas as populações e uma má gestão dos recursos hídricos, que faz com que em algumas áreas já se verifiquem problemas graves de escassez de água. Também o crescimento populacional tem contribuído para o aumento da procura de recursos hídricos não só para consumo mas também para a produção de alimentos (UNECA, 2006). A escassez de água que se verifica nestas zonas obrigou os governos a encontrarem soluções para satisfazer as necessidades de água doce, por exemplo, levou a que se implantassem técnicas que convertem a água salgada dos aquíferos em água potável e se procedesse a uma reutilização das águas residuais (FAO, 2003).

O abastecimento de água em África, apesar de algumas diferenças regionais, não tem capacidade de atender às reais necessidades das populações africanas encontrando-se bastante inferior aos padrões internacionais. Entre 1990 e 2004, o acesso da população a uma fonte de água potável registou uma melhoria de 7 %, de 48 % para 55%. Relativamente ao acesso ao saneamento básico registou apenas um aumento de 5%, de 32 passou para 37 por cento. No mesmo período registou uma diminuição de 5% da população que vive abaixo da linha de pobreza. Apesar dessa melhoria 40 % da população africana em 2004 vivia abaixo da linha de pobreza (UNDP,2006).

3.1 As alterações climáticas em África e os seus impactos nos recursos hídricos

 

Todos sabemos que as alterações climáticas estão em curso e que afectam tanto países desenvolvidos como países em desenvolvimento. No entanto são os países em desenvolvimento os mais afectados pelos impactos das alterações climáticas, pois são eles que mais dependem dos recursos que a Natureza proporciona e sobretudo porque não têm meios financeiros, institucionais e humanos que permitam adaptarem – se e ultrapassarem da melhor forma os impactos das alterações climáticas e é isto que acontecerá no continente africano o qual será um dos mais afectados pelos impactos das alterações climáticas. É necessário então implantar políticas flexíveis e orientadas capazes de responder às adversidades do clima.

De acordo com o segundo relatório do Grupo de Trabalho sobre Mudança Climática de Desenvolvimento, as alterações climáticas que podem ocorrer em África são:

 Incremento da pressão sobre os recursos costeiros devido ao crescimento populacional;

 Aumento até 2050 de cerca de 1,6ºC das temperaturas nas zonas acima do Saara e nas regiões semi-áridas do sul de África;

 Acréscimo dos níveis de precipitação até 2050, na maior parte no continente, excepto no sul e no nordeste do continente onde os níveis de precipitação irão diminuir cerca de 10% e

 Subida de 25 cm do nível médio das águas do mar.

As alterações climáticas têm um grande impacto sobre os recursos hídricos, pois ao decorrerem irão afectar o ciclo hidrológico, a quantidade e qualidade de água subterrânea e superficial disponível e irá afectar também a segurança de abastecimento das grandes bacias hidrográficas. No continente africano já são muitas as comunidades que sofrem problemas de falta de água potável e se não se implantarem medidas de gestão dos recursos hídricos, cada vez mais pessoas sofrerão problemas de escassez de água (Desenvolvimento, 2005). Segundo as previsões, as alterações climáticas irão agravar o problema da escassez de água em África sobretudo no sul do continente devido à diminuição dos índices de precipitação no continente. Os rios irão ter uma redução do seu caudal, e por exemplo na região do Nilo, prevê – se que o caudal dos rios diminua cerca de 75% até 2100, o que terá graves impactos na agricultura (Desenvolvimento, 2005).

4.Desenvolvimento: Pobreza e Fome

De acordo com Amartya Sen (1999), o conceito de pobreza está relacionado com as capacidades básicas do Homem, se estas não forem satisfeitas e se os rendimentos disponíveis forem reduzidos, ou seja, inferiores a um patamar pré-definido, o ser humano encontra-se numa situação de pobreza. Para Sen (1999), uma pessoa pobre, é um individuo que tem parcos rendimentos mas que também não tem capacidades elementares para adoptar o estilo de vida que prefere. Assim segundo esta definição de pobreza, para que os indivíduos ultrapassem essa situação, devem ser promovidas as capacidades humanas. Para se avaliar o desenvolvimento das capacidades humanas, surgiu o índice de desenvolvimento humano a partir do conceito de desenvolvimento humano, o qual com o apoio dos valores da esperança média de vida, PIB per capita e nível de educação, avalia a longevidade, o nível de conhecimentos e se a população de um país tem um padrão de vida adequado. A juntar a este índice, há um índice de pobreza, o qual tem como objectivo perceber o nível de privação das capacidades fundamentais para a vida humana, para isto avalia a percentagem de população que: vive até aos 40 anos, é analfabeta, não tem acesso a serviços de saúde e água potável e também avalia a percentagem de crianças com menos de 5 anos que é mal nutrida.

De acordo com Amartya Sen a existência de fome deve-se ao facto de nem todas as pessoas terem acesso à quantidade de comida necessária à sua sobrevivência. Esta ausência de quantidade de comida necessária à sobrevivência humana ocorre não pela falta de alimentos per si, mas sim por falhas do sistema económico – social e falhas na sua distribuição e por isso são sempre que os que menos recursos financeiros têm que mais são afectados pela falta de acesso à comida.

Deepa Narayan (2000) tentou adicionar ao conceito de pobreza uma dimensão humana, para isso efectuo uma investigação a partir da qual retirou as seguintes conclusões:

- A existência de pobreza é um fenómeno cujo tipo de causa depende do contexto socioeconómico;

- A pobreza é a carência de bens essenciais e recursos e que tem como consequência a fome e em casos mais extremos pode levar à doença por falta de recursos para aceder a cuidados médicos.

Em resumo para Deepa Narayan (2000) ‘’ Pobreza é estar doente e não poder ir ao médico. Pobreza é não poder ir à escola e não saber ler. Pobreza é ter fome e não ter comida para se alimentar. Pobreza é não ter emprego, é temer o futuro, é viver um dia de cada vez. Pobreza é perder o seu filho para uma doença trazida pela água não tratada. Pobreza é falta de poder, falta de representação e liberdade”.

5. África – Caracterização Socioeconómica

 

África é o segundo maior continente do mundo, com uma área total cerca de 3 025,8 milhões de hectares. Este continente é composto por 53 países, dos quais o Sudão é o maior, com uma área de 250.390 mil hectares e as Seychelles o menor, abrangendo apenas 45 600 ha. Em relação à densidade populacional, foi considerado em 2005, o país mais densamente povoado com 583 hab/km2, o Maurício e o menos povoado, a Namíbia com 2 hab/km2 (UNEP, 2006).

No início do século XX, o continente africano tinha cerca de 118 milhões de habitantes. Entre 1980 e 2000, a população africana passou de 469 milhões para 798 milhões de pessoas e em 2020 a população urbana será 646 milhões, tendo assim um aumento de cerca de 300 milhões de pessoas em 20 anos. Entre 2005 e 2030, a taxa de urbanização aumentará cerca de 14, 5%. Este enorme crescimento populacional coloca questões a nível do aumento dos níveis de consumo e de produção, o que é um grande desafio para um continente onde existem graves problemas de pobreza (UNEP, 2006).

Melhorar o índice de desenvolvimento humano é fundamental para se obter um desenvolvimento sustentável. Entre 1990 e 2005, aumentou o número de países em África que eram caracterizados por ter fraco índice de desenvolvimento humano, passando de 17 para 30 países. A divisão do trabalho e a igualdade de direitos e deveres entre géneros são importantes indicadores do desenvolvimento humano e em África existe uma enorme desigualdade de géneros tendo em conta esses indicadores, o que é visível pelo distinto acesso entre homens e mulheres a direitos básicos como o acesso a educação, cuidados de saúde e diferenças salariais, os quais geram desigualdades sociais, culturais e inclusão política, contudo vários países africanos estão entre os países que têm uma maior taxa de participação de mulheres nos respectivos parlamentos. (UNEP, 2006).

Em algumas áreas da África Subsaariana, tem - se verificado uma redução da mortalidade infantil, o que se deve a uma diminuição de óbitos por doenças diarreicas e ao aumento da prática da vacinação. As infecções respiratórias, a malária e a mortalidade neonatal são as principais causas de morte de crianças menores de cinco anos em África. Um desadequado saneamento e falta água potável são as principais causas dessa mortalidade. (UNEP, 2006).

A alfabetização é também um importante indicador de desenvolvimento. No continente africano em 2005 a taxa de alfabetização de pessoas com mais de 15 anos era de 67%, no entanto as mulheres tinham e continuam a ter actualmente uma maior taxa de analfabetismo em relação aos homens. Contudo no continente africano a taxa de alfabetização em 2005 era muito díspar pois havia taxas de quase 90% em países como o Zimbabwe, 50% em Marrocos e taxas de 12% no Burkina Faso. Uma melhoria dos níveis de alfabetização em África propiciaria a participação das comunidades nas questões de governança e permitia uma maior oportunidade de participação no sector económico (UNEP, 2006).

Em África, a pobreza é um dos factores que mais impossibilita o desenvolvimento do continente. Existem grandes disparidades a nível de rendimentos no continente africano, pois enquanto em Marrocos em 2005, só 15% da população vivia com menor de 2 dólares por dia, no Mali 90% da população que vivia com menos de 2 dólares por dia. Na África Subsaariana, entre 1981 e 2001 duplicou o número de pessoas que sobreviviam com menor de 1 dólar por dia.

Entre os anos de 1990 e 2003, a economia africana cresceu cerca de 2,6% por ano, obtendo o seu melhor desempenho económico em 2004, com um crescimento de 5,1%. Este crescimento económico é fundamental para que o continente africano atinja os objectivos do milénio, no que se concerne à redução da pobreza. No entanto até agora só é previsível que 6 dos 53 países africanos, os quais se localizam sobretudo no Norte de África, atinjam o objectivo de reduzir para metade o número de população que vive com menos de um dólar por dia. No entanto existem uma enorme desigualdade a nível do crescimento económico entre os países africanos devido às jazidas de petróleo e de minerais (UNEP, 2006).

A exportação de recursos naturais é uma das principais fontes de rendimentos de muitos países africanos, no entanto a instabilidade económica põe em causa esta fonte de rendimento. A maioria dos países africanos têm uma grande dependência em relação ao sector agrícola, este representa 70% do emprego nacional. Em relação ao sector industrial, o continente africano é pouco industrializado e apenas gera 15% do emprego, contudo actualmente muitos países desenvolvidos estão a transferir a sua indústria química para os países em desenvolvimento, o que traz consequências não só a nível do aumento de postos de trabalho, mas também aumento dos níveis de poluição e dos seus efeitos sobre a saúde humana nestes países (UNEP, 2006).

 

6.Questão da água na África Subsariana

O ciclo da água permite que a quantidade de água disponível no planeta seja constante e por isso mesmo os recursos hídricos têm sido utilizados pelo Homem como se fosse um bem sem riscos de escassez, mas o consumo muito superior à oferta dos recursos de água doce têm mostrado que água potável pode esgotar – se e as gerações futuras não terão acesso a este recurso, se não houver um consumo e utilização mais controlada deste.

O desenvolvimento tecnológico permitiu que o Homem desenvolve – se novas técnicas para transportar e controlar a água, no entanto este desenvolvimento possibilitou além de um maior consumo, um maior desperdício e poluição deste recurso tão vital para todos.

Na África Subsariana, a escassez de água potável deve – se à ineficaz gestão dos recursos hídricos e são as populações mais pobres que mais sofrem com esta situação. A falta de equipamentos, meios financeiros e técnicos faz com o abastecimento público de água que existe seja muito caro sobretudo para populações que têm diminutos rendimentos e que para conseguirem água só têm duas soluções, tentar encontrar água em poços cada vez mais longe ou recorrer ao mercado da água. A privatização da água tem cada vez mais se tornado uma alternativa à falta e ao ineficiente abastecimento público de água.

Os países da África Subsariana estão entre o grupo dos países menos desenvolvidos do mundo e a escassez da água constitui-se como dos principais entraves para os desenvolvimentos destes países (PNUD,2006). Contudo água a granel na África Subsariana não é um recurso escasso, o real problema é o acesso a água (Araújo, et all 2011). Verifica-se um acesso desigual à água entre os grupos de populações de acordo com o seu nível de rendimentos, sendo desprovidos do seu acesso a população que vive em condições de pobreza muitas vezes extrema. Tendo estes países o índice de Gini entre os mais altos do mundo considera-se que as pessoas ricas são bem servidas de água, em contraposto com a maioria das pessoas pobres que são desprovidas do acesso à água.

As economias dos países da África Subsariana baseiam - se sobretudo na exportação de petróleo, minerais e de bens agrícolas. Este tipo de economia apenas contribui para enriquecer as elites e deixar de parte o desenvolvimento local (Swatuk, 2008).

São sobretudo a agricultura e o sector da mineração as actividades que mais consomem água nas águas rurais, estas são sobretudo geridas por multinacionais o que leva a que os lucros resultantes destas actividades saíam do país de origem e tem consequência a diminuição dos recursos existentes (Swatuk, 2008).

O cruzamento de dados levou a que se concluí - se que uma grande quantidade de água disponível está localizada num curto espaço de terreno, o qual é utilizado sobretudo para culturas que se destinam à exportação, o que demonstra a má gestão dos recursos de água, pois esta quantidade de água deveria servir para abastecer as necessidades primárias da população e só de isso acontecer é que se deveria destinar uma parte dessa água para as culturas que se destinam á exportação (Araújo, et all 2011). O que se pode concluir com estas evidências é que a água existente destina-se a gerar lucro e as necessidades vitais das pessoas não são tidas em consideração, há uma grande desigualdade no abastecimento de água entre áreas urbanas as quais no geral são bem abastecidas e a áreas rurais onde há falta de abastecimento de água e de condições sanitárias condignas. No geral a população urbana consome 5 a 10 vezes mais água do que a população rural (Swatuk, 2008), não só as áreas urbanas têm um bom abastecimento de água mas também as áreas turísticas tem um bom nível de abastecimento, esta actividade gasta muita quantidade de água (Araújo, et all 2011) .

São várias as situações que demonstram que existe uma má gestão dos recursos hídricos por exemplo cada vez mais a água é utilizada para recreação o que leva ao desperdício de milhares de litros de água todos os anos, todo esse desperdício chegava para abastecer as populações da África Subsariana durante um bom tempo. O facto de por vezes não se efectuar um tratamento correcto das águas residuais leva à poluição de recursos hídricos não só superficiais mas também subterrâneos.

Segundo alguns investigadores, a aparente escassez dos recursos hídricos em África Subsariana devem-se sobretudo à elevada concentração populacional e às elevadas taxas de urbanização que afectam a quantidade e a qualidade dos recursos existentes (Araújo, et all 2011). A degradação da qualidade da água resultante das altas taxas de urbanização tem levado à propagação de muitas doenças causadas pela ingestão de água contaminada. A juntar à enorme pressão sobre os recursos hídricos, à degradação da qualidade de muitos, junta-se o problema da pobreza que leva a uma enorme desigualdade no acesso à água (Swatuk, 2008).

A tomada de consciência de que os recursos hídricos podem ser finitos levou a que se prestasse mais atenção à necessidade de ter em conta um desenvolvimento sustentável e não um consumo insustentável dos recursos, associada a esta noção surge o conceito de Gestão Integrada dos Recursos Hídricos. A eficiência, equidade e gestão ambiental são os princípios que norteiam a gestão integrada dos recursos hídricos, onde todos devem participar desde cidadãos individuais, empresas a Governos (Molle, 2008).

A má gestão da água não é só um problema preocupante característico dos países mais pobres, pelo contrário nos países desenvolvidos também há um enorme nível de uso e por vezes desperdício dos recursos hídricos, deve-se então urgentemente adoptar uma gestão integrada dos recursos hídricos de modo a que as gerações vindouras possam usufruir dos recursos hídricos tal como nós podemos usufruir na actualidade (Araújo, et all 2011).

O recurso a índices sintéticos permita uma melhor compreensão da gestão da água e sua utilização através do relacionamento de variáveis socioeconómicas e variáveis de água, tais como disponibilidade de água e uso da água. Sullivan (2002) criou o conceito de Índice de Pobreza da Água (WPI), que considera as seguintes varáveis: disponibilidade de água, acesso à água saudável, saneamento básico, e tempo necessário para colectar a água doméstica. Tais elementos podem ser combinados em índice sintético ou fórmula de WPI da seguinte forma:

Onde:

A = disponibilidade ajustada de água, avaliada em percentagem (%). Esta é a disponibilidade de água subterrânea e de superfície relacionadas aos requisitos humanos ecológicos + requisitos humanos básicos de água mais todos os usos domésticos e produtivos de água (Araújo, et all 2011).

S = População com acesso a água saudável e saneamento básico (% do total) (Araújo, et all 2011).

T = índice entre 0 e 100 para representar o tempo e o esforço empreendido na colecta de água para a casa => quanto maior o T, menor esta componente do WPI (Araújo, et all 2011).

wa, ws e wt são os pesos atribuídos a cada componente do índice para que wa + ws + wt = 1.

Uma vez que A, S e T estão por definição entre 1 e 100 e wa, ws e wt estão entre 0 e 1, para produzir um valor de WPI entre 0 e 100 (Araújo, et all 2011). A fórmula precisa de ser modificada como se segue:

Segundo Sullivan (2002), os países ricos como a Finlândia e o Canadá têm WPI igual a 78 e 77,7 respectivamente. Moçambique tem um dos menores WPI no mundo: 44,9.

 

7. A Gestão dos serviços de água e saneamento: Visão Neoliberal versus Gestão Pública

7.1. O Mercado da água – Visão neoliberal

Considerar a água enquanto bem económico é um conceito chave para compreendermos o modelo de mercado da água. A visão neoliberal oferece uma perspectiva que vai em conta a essa teoria. De acordo com essa corrente a água tem um valor estritamente económico, ou seja possuí valor de mercado e como tal deve ser considerada como qualquer outro bem. Este princípio foi consagrado na “Conferência Internacional sobre a Água e o Desenvolvimento”, organizada pelas Nações Unidas, em Dublin, em 1992. A Declaração de Dublin instituiu que “A água tem um valor económico em todas as suas diversas utilizações competitivas e deverá ser reconhecida como um bem económico”.

Segundo Ricardo Petrell (2002, citado por Bau, 2004: 3), a visão neoliberal assenta em 5 princípios:

1º Princípio da mercantilização segundo o qual a água deveria ser considerada um bem com valor económico pois a transformação da água enquanto recurso natural em um bem acarreta custos, e desta forma torna-se um bem igual aos outros,

2º Princípio da superioridade do investimento de acordo com o qual o facto de serem as empresas as principais motoras do desenvolvimento da economia, deveriam ser elas a dominar a gestão da água em detrimento da gestão pública;

3º Princípio da passagem de uma cultura de direitos a uma lógica de necessidades que sugere que o acesso à água, habitação, saneamento entre outros deveria ser considerado necessidades e não direitos, por isso os seres humanos devem ser considerados consumidores e clientes;

4º Princípio da privatização no qual existe a distinção entre a propriedade e a gestão de um bem ou serviço, e a distinção entre o poder político de decisão e fiscalização e o poder de execução e gestão”, de acordo com Ricardo Petrell (2002).

O quinto (e último) princípio é o da liberalização. Segundo Ricardo Petrell (2002) “a repartição óptima dos recursos (bens e serviços materiais e imateriais) exigiria a total liberdade de acesso ao mercado local, nacional e, sobretudo, mundial”.

Ora, de facto, a água tem uma dimensão económica mas tem também outras importantes dimensões, como a social, a cultural, a ambiental, a patrimonial, etc. Ou seja, a água tem um valor meramente económico de acordo com esta visão.

Compreende-se então de que considerar a água enquanto bem económico de acordo com a visão neoliberal permitiria resolver os problemas de escassez. Esta perspectiva privilegia, de entre as múltiplas dimensões específicas à dimensão económica em detrimento de todos os outros valores. O recurso aos mecanismos de preço e de mercado permitiria gerir eficazmente a escassez, recorrendo a uma gestão economicamente racional, óptima, de um recurso limitado cuja acessibilidade seria regulada pela solvabilidade dos utilizadores em competição por usos concorrenciais ou alternativos. A visão neoliberal defende que o sector da água deve ser auto-regulado através dos mecanismos de mercado ou se possível a ausência da mesma. A mesma assume o princípio do “utilizador-pagador”, desta forma o consumidor deverá pagar um preço que cubra os custos totais dos serviços (investimento e exploração). Desta forma os mais desfavorecidos não teriam acesso à água potável nem ao saneamento básico.

A gestão privada é assumida em muitos sectores da sociedade actual como mais eficiente do que a gestão pública. Os defensores desta visão assumem a existência de uma maior superioridade de desempenho das empresas privadas face às empresas públicas, sustentando-se nas vantagens teóricas do “mercado livre” em relação à burocracia associada a gestão pública (Hall e Lobina, 2005).

King em 1997 alertou para os problemas existentes quanto ao abastecimento de água, reflectindo acerca dos baixos níveis de salubridade e de qualidade de vida de uma grande parte da população mundial bem a grande necessidade de investimento que o sector carece e as oportunidades que daí advém para o investimento privado. Segundo King (1997) o crescimento da população mundial implicará um grande crescimento da procura em serviços de abastecimento de água e saneamento. Se consideramos então as necessidades elevadas de investimento no sector da água, e que os governos dos países da África Subsariana não têm capacidades para financiar o sector e suprimir as falhas de mercado que daí resultam, o sector privado assume-se assim como uma alternativa.

 Nos países mais carenciados, sustenta o modelo neoliberal, as empresas privadas desempenhariam igualmente um papel preponderante no desenvolvimento científico e tecnológico. Da mesma forma contribuiria também para incremento do tecido industrial, criação de emprego qualificado, etc. A liberalização do mercado e a entrada de investimentos privados traria benefícios através do financiamento necessário para modernizar as infra-estruturas existentes e para as ampliar, de forma a fazer chegar os serviços de água e saneamento às populações ainda não atendidas. Desta forma este modelo de gestão da água seria mais eficiente do ponto de vista operacional, contribuiria para o desenvolvimento da economia e  desenvolvimento do sector da água.

 

7.2 Uma nova perspectiva

 

De acordo com (Branco e Henriques 2009) o acesso a água potável é um bem fulcral para a sobrevivência humana e por isso mesmo é considerado um direito humano e como tal enquanto direito deveria ser o Estado e não o mercado a garantir o seu acesso a toda a população dos países da África Subsariana. O mercado não é o mecanismo mais eficiente para abastecer água às populações pois o seu objectivo é o lucro, logo só os indivíduos com capacidade económica é que vão poder beneficiar do seu acesso, ficando então os indivíduos mais pobres novamente excluídos do abastecimento de água. Além disto o mercado de concorrência é desajustado pois nem sempre o abastecimento das populações vem em primeiro lugar mas sim o abastecimento de água para a actividades que gerem lucros passando novamente o direito humano para segundo plano (Branco e Henriques 2009).

A água não deveria ser considerada um agente económico pois ela provém da natureza, não há substituto para ela e sobretudo é um direito humano, negar o seu acesso às populações é um atentado à vida humana (Branco e Henriques 2009).

Considera-se que a gestão privada da água, como defendida pela visão neoliberal, nem sempre se traduz num aumento da eficiência, mas sim num aumento das desigualdades no seu acesso. Para além disso não existem evidências físicas que comprovem uma maior eficiência da gestão privada em comparação com a gestão pública (Hall e Lobina, 2005). O Relatório de Desenvolvimento Humano 2006 da ONU sustenta este mesmo argumento, como se pode verificar através da seguinte citação: “embora os resultados tenham sido divergentes, o sector privado não se mostrou uma solução mágica. Em muitos casos, não se materializaram as vantagens financeiras, de eficiência e de governança que se esperavam do sector privado” (PNUD, 2006:77). A possibilidade de formação de parcerias público privadas (ppps) não é também uma garantia de existência de melhor nível de eficiência tal como sustenta o Fundo Monetário Internacional, em parceria com o Banco Mundial, através da seguinte citação: “não pode ser tomado como garantido que as PPPs sejam mais eficientes do que o investimento público e a prestação de serviços pelo Governo” (FMI, 2004: 3).

O problema da privatização do sector da água encontra-se associado aos problemas que advém do surgimento de monopólios naturais ao nível do fornecimento de água tratada e saneamento básico. Esta actividade económica é fulcral para a economia e para a sociedade, a qual gera externalidades e necessita de elevados investimentos ao nível da criação de infra-estruturas. O programa de privatizações de serviços públicos do Reino Unido fornece-nos amplas informações acerca das privatizações e de suas consequências. De acordo com Charles Howe (2000) a privatização do sector a água no Reino Unido levou a uma insatisfação pública generalizada. Segundo o mesmo autor, no Reino Unido as tarifas de água subiram de 100 a 200 por cento e o valor médio das acções das 25 empresas privatizadas de distribuição de água subiu 1000% em bolsa.

No Chile a privatização do sector da água resultou num aumento das desigualdades no acesso a água. As empresas de energia eléctrica possuem um bom nível de acesso à água em detrimento do sector agrícola e do abastecimento das cidades que necessitam de pagar elevados preços pelo fornecimento de água (Howe, 2000).

A privatização da água não é a solução ideal para responder à escassez de água sobretudo nos países em desenvolvimento, pois por exemplo os preços praticados tornam a água, um bem quase a inacessível à maioria da população com parcos rendimentos. No geral, a privatização da água não traz muitos benefícios aos países pois a diminuição de redução de postos de trabalho tem levado à perca de qualidade do serviço, a adopção do princípio da recuperação dos custos tem levado a que muitas pessoas fiquem sem acesso a água por não ter condições financeiras para pagar os altos preços por vezes praticados e sobretudo o facto de não haver sistemas de regulação que preceituem a acção das empresas privadas provoca que estas só procurem o lucro esquecendo-se dos mais pobres e incrementando as desigualdades no abastecimento de água entre ricos e pobres.

São muitas as empresas que ultimamente têm abandonado os países em desenvolvimento para se fixarem nos países mais ricos da Europa e América do Norte apenas com objectivo de buscar o lucro pois a baixa capacidade económica dos países pobres tem levado a uma diminuição substancial dos lucros das empresas de abastecimento privado de água, chegando muitas destas a falir. Actualmente o sector privado apenas é responsável pelos serviços de água e saneamento entre 5 a 7% da população mundial, sendo o sector público responsável pelo restante (93 a 95%).

No século XXI tem-se afirmado uma nova visão, uma nova perspectiva mais justa e mais equitativa para as populações. Esta perspectiva defende uma gestão pública de qualidade que assuma as suas responsabilidades perante a comunidade e perante cada um dos cidadãos consumidores (Bau, 2004). Em detrimento da perspectiva meramente económica assume-se a água como um direito, com valores ao nível social, cultural, patrimonial e ambiental para além do valor estritamente económico. As políticas devem ser adoptadas nos princípios da ética social, da solidariedade e da igualdade.

Cabe ao Estado garantir o direito à água de cada um dos cidadãos, evitando desta forma a marginalização das populações mais carenciadas ou das populações rurais, onde as expectativas de retorno de investimentos são baixas ou nulas.

Garantir o acesso generalizado à água potável às populações é um desígnio que apenas o Estado pode cumprir. Contudo como já referido um dos grandes problemas dos países em desenvolvimento, e especificamente dos países da África Subsariana, trata-se da ausência de financiamento necessário para a construção e renovação das infra-estruturas essenciais para a distribuição física da água. Em alternativa à implementação de uma economia de mercado da água sustenta-se que os países desenvolvidos devem ajudar solidariamente estes países de forma a garantir apoios financeiros necessários para que os desprovidos de recursos possam ter acesso á água potável essencial à sua sobrevivência (40/50 litros por pessoa e por dia).

Para além de garantir o acesso generalizado de água às populações, o Estado deve garantir a prestação de um serviço de qualidade aos consumidores, que vai além da qualidade em termos químicos e físicos mas também nos aspectos de ordem social, económica, patrimonial e ambiental (Bau, 2004). Só sendo possível através da maximização da eficiência no que respeita à utilização dos factores produtivos. Os serviços de abastecimento de água e saneamento devem assumir-se como factores de desenvolvimento local e regional, e geridos numa óptica de longo prazo (Bau, 2004).

Como já referido em secções anteriores, a origem da escassez da água nos países da África Subsariana deve-se sobretudo a uma ineficiente gestão pública, com isto não se quer negar a existência de escassez de água, pois ela é um facto, mas quando se verifica as diferenças significantes em termos de acesso à água por grupos de pessoas dentro do mesmo país, em grande parte devidas às diferenças do seu nível de rendimentos, percebe-se que mais do que um problema da escassez de água trata-se de uma problema de equidade na distribuição da água.

A escassez de água é uma realidade e dessa forma a política de gestão de recursos hídricos deve ter em consideração a conservação da água, a eficiência na sua utilização e uma gestão da procura. A sua gestão e consumo devem ter em conta os recursos existentes e a renovação dos mesmos. A incorporação destas orientações são fulcrais para sustentabilidade do sistema de gestão pública da água, evitando assim a criação de uma economia de mercado competitiva.

O objectivo de maximização dos lucros por parte das empresas privadas implicaria um aumento da vendas podendo gerar o seu consumo insustentável e para além disso os desfavorecidos de recursos seriam privados do acesso à água potável.

8.Conclusão

 

O elevado crescimento populacional em muitos países em desenvolvimento e consequente aumento da necessidade de água para produção de alimentos; o aumento dos níveis de consumo em todos os países desenvolvidos e em algumas economias emergentes fizeram surgir nos últimos anos um problema relacionado com a escassez de água doce, pois a taxa de consumo deste recurso é superior à sua natural taxa de regeneração. A escassez dos recursos hídricos disponíveis é um problema que afecta tanto, países desenvolvidos como países em desenvolvimento e é alarmante que problemas relacionados com a carência de água se verifiquem a nível mais ou menos intenso em todas as regiões do Planeta.

A água é um motor de desenvolvimento em todo o Mundo. É sobretudo em África, especialmente na Subsaariana, que actualmente se verifica um maior índice de escassez hídrica o que seria de esperar devido à maioria dos países africanos serem países em desenvolvimento, os quais carecem de infra-estruturas e equipamentos, de meios financeiros e ou de capital humano, o que limitam o acesso a água potável apesar de esta, estar fisicamente disponível em África.

O facto de a água ser um bem essencial à vida humana, o risco de escassez põe em causa a sobrevivência da espécie podendo gerar tensões entre povos e graves problemas humanitários.

 O problema da escassez da água evidência que os modelos de gestão da água têm que ser repensados e reajustados. A visão neoliberal defende que o recurso aos mecanismos de preço e de mercado permitiria gerir eficazmente a escassez, no entanto muitas pessoas seriam privadas do acesso a água potável o que deve ser considerado um crime aos direitos humanos. A água é essencialmente um direito humano e cabe aos governos dos países da África Subsariana garantir a sua distribuição à totalidade da população de forma equitativa, garantindo assim à mesma uma vida com dignidade, prosperidade e paz. Desta forma o mercado competitivo é inapropriado para satisfazer os direitos humanos e em especial o direito humano à água.

            Para os países da África Subsariana a privatização não é a solução, porque na prática existem poucas evidências que comprovem que esse modelo propicie uma maior eficiência, crescimento e desenvolvimento económico. As empresas privadas estão interessadas em maximizar o lucro e uma grande parte da população não seria capaz de assumir os custos das tarifas exigidas. Ao invés de se estabelecer uma economia de mercado deve-se optar por uma gestão pública de qualidade que tenha como principal objectivo satisfazer as populações, de acordo com os princípios fundamentais dos direitos humanos e promover a sustentabilidade dos recursos hídricos. Os países desenvolvidos podem ter um contributo importante na ajuda destes países através da criação de mecanismos de solidariedade que visem a criação de infra-estruturas e equipamentos necessários à distribuição de água à totalidade da população, com especial relevo às populações rurais onde a privação de água é mais sentida.

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