Cena familiar: Manhã ensolarada de domingo, mãe lavando a louça, cantarolando baixinho, seus dois filhos e uma filha na mesa da cozinha, tomando café. Pai entra:

-Aluguei um apartamento na praia! Dez dias de sol no Guarujá!

A mãe vira a cabeça sorrindo - sem tirar a mão da pia. A filha solta um grito de contentamento e pensa que tem que comprar mais bikinis. O filho mais velho pensa em mulheres de bikini. Todos estão felizes e sorridentes, menos um. O menino mais novo continua bebendo seu suco de laranja, sem demonstrar nada.

-Filhinho, a gente tem que comprar alguma roupa pra você hoje. Pra ficar bonitão na praia.

-Não precisa, já tenho.

-Tem certeza?

Ele fez que sim com a cabeça.

-Que foi filhão? Não tá bem? - fala o pai com a boca cheia.

-Não, não isso. É que eu não gosto muito de praia.

A mãe derrubou os talheres na pia. A irmã apertou as teclas erradas do celular. O irmão chutou o pé da mesa. O pai engasgou com um pedaço de pão.

-Como... - tossiu o pai, engolindo a comida - Como assim "não gosto de praia"?

-Não gosto de praia, só isso.

-Tem que ser diferente... - diz a irmã, virando os olhos.

-Todo mundo gosta de praia! - exclamou o irmão, indignado

-Eu não.

-Filho... Pegar uma praia no final do ano é tradição. Tem gente que mataria pra poder ir lá e relaxar - fala o pai, severamente.

A mãe deixa os talheres na pia, enxuga as mãos e senta à mesa.

-Mas por que isso, filho? O mar é tão bonito. O sol é tão gostoso.

O menino respira fundo.

-Não sei bem porque não gosto. É muito quente...não dá pra dormir direito por causa do calor. Tá sempre lotado. Sempre cheio de gente, em todos os lugares. Você sempre reclama que não dá pra parar o carro, que sempre tem trânsito pra chegar e pra sair de lá. Tá tudo tão cheio de lixo, que não dá pra andar descalço, nem na areia. E os apartamentos são sempre pequenos e apertados. Você sempre fala que tá caro, e que o preço tá subindo. Não sei direito, eu só acho que eu não nunca descanso de verdade na praia. Parece muita dor de cabeça. Vocês conseguem relaxar lá?

Todos o olhavam com uma cara incomodada, mas pensativos. O menino ficou meio envergonhado, de cabeça baixa. A mesa estava silenciosa.

-É... - A voz da mãe quebrou o silêncio - Sempre é uma complicação arrumar tudo pra sair daqui. Ir fazer compras, pôr tudo no carro...A gente perde um dia inteiro só arrumando.

-E é um saco ficar esperando duas horas na fila pra comer no restaurante - fala a irmã - É verdade! - completa ela, após o olhar de reprovação do pai.

-A pior parte é o trânsito - fala o irmão, contemplando essa ideia - Ficar parado lá, sem nada pra fazer.

O pai, incomodado, acaba sua xícara de café e diz:

-Bem, mas agora já foi. A gente tenta aproveitar esse ano.Talvez no próximo a gente vai pra outro lugar.

Todos saem do seus devaneios, e se levantam da mesa. A mãe volta a lavar a louça, a irmã volta pro celular e o irmão sai da cozinha. O pai bate nas costas do menino mais novo e diz, agora com uma entonação animada.

-Mas agora vamos ver um joguinho, né? Daqui a pouco começa a final, vai ser um jogaço!

-Vamo...vamo...

-O que foi agora, filho? - Pergunta o pai, o aborrecimento explícito na voz.

-É que eu também não gosto muito de futebol.

 

FIM