O MEDO NOS POEMAS DE CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE E ALEXANDRE O'NEILL: CONGRESSO INTERNACIONAL DO MEDO E POEMA POUCO ORIGINAL DO MEDO

Giulia Pereira 
Nayara Stefanie Mandarino Silva

RESUMO

O presente artigo propõe uma comparação literária entre as obras Poema pouco original do medo e Congresso Internacional do Medo de Alexandre O'Neill e Carlos Drummond de Andrade, respectivamente, apreciando, principalmente, a presença do medo em tais poemas. Para alcançar tal objetivo, foram feitas pesquisas e análises dos tipos qualitativa e bibliográfica com relação aos autores e seus contextos de produção e o significado do medo, em textos escritos por D’elia (2013), Palmeira (2005), Talarico (2006), entre outros que abordam a temática em questão. Assim, neste artigo há um o estabelecimento de um paralelo literário entre os poemas.

Palavras-chave: Literatura. Alexandre O´Neil. Carlos Drummond de Andrade. Medo.


1 INTRODUÇÃO

O campo da literatura comparada surgiu na literatura entre o final do século XIX e o inicio do século XX, mas só a partir da segunda metade deste se consolidou como campo disciplinar institucionalizado. Quanto à sua definição, Henry H. H. Remak afirma que ela é “a comparação de uma literatura com outra ou outras, e a comparação da literatura com outras esferas da expressão humana” (REMAK, 1961, p. 3 apud ALÓS, 2012, p.10).
Levando em consideração que uma comparação literária deve “estabelecer filiações entre obras e autores de um país e obras e autores de outro ou de outros países (SILVEIRA apud CARVALHAL, 2006, p. 36) optou-se por um autor português, O'Neill, e um autor brasileiro, Drummond. Sendo assim, surgem questões como qual é a ideologia por trás dos poemas de tais autores? Será possível identificar semelhanças?
Tendo isso em mente, este artigo tem como objetivo estabelecer uma comparação literária entre as obras Poema pouco original do medo e Congresso Internacional do Medo de Alexandre O'Neill e Carlos Drummond de Andrade, respectivamente. Para tanto, é preciso analisar o que é o medo como ele é apresentado nas obras, apontar o contexto de publicação dos poemas e observar possíveis semelhanças e diferenças. Sendo assim, esse estudo se trata de uma pesquisa qualitativa do tipo bibliográfica baseada na apreciação de literaturas que abordam a temática proposta e na análise dos poemas em questão. 
As discussões propostas são baseadas, fundamentalmente, nas concepções discutidas por D’elia (2013), Palmeira (2005), Talarico (2006), entre outros.

2 OS AUTORES E SEUS CONTEXTOS DE PRODUÇÃO
2.1 Carlos Drummond de Andrade

Carlos Dummond de Andrade nasceu em 1902, no estado de Minas Gerais. O poeta, ensaísta, contista e cronista faz parte do Modernismo brasileiro. 
O poema em questão neste trabalho, Congresso Internacional do Medo, é parte do livro Sentimento do mundo, que foi publicado em 1940. Segundo Antonio Candido (apud TALARICO, 2006, p. 7), nessa obra
              a poesia chamada participante ganhou no Brasil uma tonalidade diferente, pois o poeta conseguia exprimir o estado de sua alma de um jeito que importava simultaneamente em negar a ordem social dominante, não faltando poemas nos quais eram visíveis a adesão ao socialismo e a negação do sistema capitalista. Tudo isso em chave de lirismo, como alguma coisa que vem de dentro e existe antes de mais nada enquanto modo de ser; mas revelando tão claramente a posição política, incompatível com as funções de chefe de gabinete, que não foi possível lançar o livro no mercado, naquele momento de censura total. Ele saiu numa tiragem fora do comércio, de cento e cinqüenta exemplares, que, no entanto, se difundiram razoavelmente por meio de cópias feitas para leitores de empréstimo.

Quanto ao contexto histórico de Sentimento do mundo, o mundo que tinha acabado de passar pela Primeira Guerra Mundial (1914-1918), estava submetido à Segunda Guerra Mundial (1939-1945) e via crescerem os regimes totalitários. No Brasil, Getúlio Vargas estava no poder, período conhecido como Estado Novo.
Drummond, inquieto, como afirma Talarico (2006, p. 13), parecia incapaz de ignorar o social e sua individualidade. Ele procura manter um vínculo com a realidade, tentando “redimir o eu pelo conhecimento do mundo e o mundo por sua reintegração ao universo volitivo do eu” (TALARICO, 2006, p. 13).

2. 2 Alexandre O'Neill 

        Alexandre O'Neill nasceu em 19 de dezembro de 1924 e morreu em 21 de agosto de 1986 em Lisboa, Portugal. O poeta participou da criação do grupo surrealista português por volta de 1947.
            O'Neill em 1958, lançou sua primeira obra na Dinamarca, além de diversas outras antologias ao longo da carreira. Dedicou sua vida basicamente para a publicidade, apesar de ter escrito para jornais, teatro, cinema e televisão. Segundo Maria Antónia (apud GONÇALVES, 2015) o jovem O´Neill desenvolveu um gosto literário baseado em autores brasileiros da década de 40 como Manuel Bandeira, Ribeiro Couto, Guilherme de Almeida, Cecília Meireles, Mário de Andrade, Jorge de Lima e  Carlos Drummond de Andrade.
               O poema estudado no presente artigo, O Poema Pouco Original do Medo, faz parte da obra Abandono Vigiado que foi publicada em 1960. O lirismo abordado nesse texto em específico é reflexo das quebras de regras na década passada, onde grandes revoluções tecnológicas e sociais aconteceram, denominando os anos 50 como os anos dourados, todavia é também um paralelismo com o contexto dos anos 60 que foram marcados com a corrida armamentista, o dualismo entre o socialismo e o capitalismo e o fortalecimento dos movimentos pacifistas e hippies.
                Palmeira (2005, p. 3) vem dizer:
              A realidade portuguesa da época de O’Neill é estranha, é ameaçadora, posto que cerceia os direitos individuais. O Surrealismo, como um movimento revolucionário, luta, com palavras, pela liberdade e contra o malestar a que nos referimos. A obra de O’Neill pode ter o seu embrião na repressão, na consciência do tolhimento da liberdade, no confronto do eu com a realidade que lhe é imposta. Mas o discurso lhe é favorável, ou, ao menos, tenta, na sua impossibilidade, exteriorizar o medo para dele se afastar.

3 O MEDO

              O ser humano é passível de diversos sentimentos e emoções que são resultados das situações que transpassam seu cotidiano. O medo é um deles.
Ele é basicamente uma reação de alerta do nosso organismo que nos previne contra situações de perigo, tornando-se assim um mecanismo natural de autopreservação de acordo com D’leía (2013).  Esse sentimento que é tão humanamente corriqueiro, assim como pode ser involuntário e particular de um determinado indivíduo, pode ter sido também desenvolvido como um instrumento doutrinário dentro de determinado círculo social. Podemos ter como exemplos os regimes totalitários que se utilizam do medo das pessoas para se manterem no poder utilizando de violência e outros recursos que promovem essa emoção de pavor.
"O medo de alguma forma está associado a um estado de angústia, angústia que castra, tolhe, inibe e reprime, algo que vai muito além do compreendido e manifesto." (D'ELÍA 2013). Nesse trecho da obra de D'elía podemos perceber como essa sensação deixa as pessoas vulneráveis e suscetíveis a qualquer tipo de situação e como esse sentimento é o causador de tantos problemas sociais. Normalmente a ideia do medo é sempre seguida de sofrimento e inconstância, emoções que torna as pessoas frágeis e abertas para qualquer solução que faça esse sentimento estagnar. 

4 COMPARAÇÃO LITERÁRIA ENTRE AS OBRAS

Diante de sua inquietude, como afirma Antonio Candido (apud TALARICO, 2006, p. 14), perante os acontecimentos, Drummond, dentre a pluralidade de temas em Sentimento do mundo, escreve sobre o medo no poema Congresso Internacional do Medo como o grande soberano, dominador social, não apenas no Brasil, mas no mundo, como o título sugere.  
O'Neill parece compartilhar desse mal-estar, também falando do medo, no seu Poema pouco convencional do medo, mas em um protesto contra esse sentimento, usando um inventário, ele o enfrenta através da palavra numa tentativa de exterioriazá-lo e assim livrar-se dele, como é dito por Palmeira (2005, p. 2), que destaca dois pontos na poesia de O’Neill:
 “a consciência de 
que se em um país a ordem vigente é ditatorial, torna-se impossível realizar uma obra 
dentro das propostas do Surrealismo; segundo, o retorno ao olhar primeiro seria a 
possibilidade de relembrar o significado do lúdico (da arte naïve, por exemplo) e, dessa 
forma, da estruturação do discurso literário (jogo) como forma de se combater as 
repressões sociais e morais, e da tradição, no que tange à arte.”

O poema do autor português é assimétrico, quanto ao ritmo, e de versos livres. O'Neill usou pouquíssimos sinais de pontuação, enquanto Drummond fez uso do acumulo de vírgulas e alguns pontos continuativo e final, alongando as pausas e, assim, o ritmo. As rimas no poema de única estrofe composta por 11 versos, do brasileiro, são internas e,  percebem-se aliterações (repetição do “o”).
O medo em ambos os poemas é um sentimento que domina, “o medo vai ter tudo” (O'NEILL, 1960, s/p), ele que é “nosso pai e nosso companheiro” (DRUMMOND, 1998, p. 12). É uma arma de poder que submete à (quase) todos.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Podemos afirmar, portanto, que os dois poemas apresentados e discutidos possuem semelhanças no tema proposto, nas suas questões líricas e até nos objetivos que os autores propuseram a esses textos. Possuem também diferenças em suas estruturas e em seus divergentes movimentos literários. O medo, esse sentimento tão corriqueiro ao ser humano, foi um elemento determinador na poesia de ambas as obras e foi visto pelos autores por uma amplitude diferente da que o público em geral teria, uma visão que foi até consensual entre Drummond e O'Neill, escritores de tempos tão diferentes e que abordaram ideias tão parecidas. 

6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALÓS, Anselmo Peres. A literatura comparada neste início de milênio: Tendências e perspectivas. Ângulo 130 – Literatura comparada. São Paulo, p. 7-12, jul./set., 2012. Disponível em: < http://www.fatea.br/seer/index.php/angulo/article/viewPDFInterstitial/1007/787 >. Acesso em: 18 jul. 2017. 

ANDRADE, Carlos Drummond de. Sentimento do mundo. 5. ed. São Paulo: Record, 1998. Disponível em: < http://www.etecpirituba.com.br/wp-content/uploads/2014/04/osentimentodomundo-completo-livro.pdf >. Acesso em: 3 jul. 2017.

CARVALHAL, Tania Franco. Literatura Comparada. 4. ed. São Paulo: Ática, 2006.

D'ELÍA, Karla Alessandra de Amorim. Uma abordagem psicológica do medo. Amazonas: CED/UFAM - Universidade Federal do Amazonas, 2013. Disponível em: . Acesso em: 20 jul. 2017.

GONÇALVES, Adelto. Alexandre O´Neill: uma biografia inovadora. São Paulo, 2015. Disponível em: . Acesso em: 24 jul. 2017.

PALMEIRA, Naduska Mário. Mal-estar, liberdade e amor na poesia de Alexandre O'Neill. Rio de Janeiro: PUC-Rio, 2005. Disponível em: < http://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/6189/6189.PDF >. Acesso em: 22 jul. 2017.

ROCHA, Veridiana. Análise de “Congresso Internacional do Medo”, Drummond. Disponível em: < http://www.recantodasletras.com.br/teorialiteraria/392991 >. Acesso em: 24 jul. 2017.
RODRIGUES, José Luis. Poema pouco original do medo por Alexandre O'Neill. Disponível em: < http://jlrodrigues.blogspot.com.br/2012/01/poema-pouco-original-do-medo-por.html?m=1 >. Acesso em: 23 jul. 2017.
SANTOS, Rubens Lima dos. Alexandre O´Neill: a estética surrealista. Disponível em: < http://diariodonordeste.verdesmares.com.br/mobile/cadernos/caderno-3/alexandre-o-neill-a-estetica-surrealista-1.388814 >. Acesso em: 24 jul. 2017.
TALARICO, Fernando Braga Franco. História e poesia: texto e contexto em A rosa do povo (1943-1945), de Carlos Drummond de Andrade. 2006. 300 f. Dissertação (Mestrado em História Social) - Faculdade de Letras, filosofia e ciências humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo.