Tem hora que a gente da de cara com o papel e não consegue escrever nada. Parece que o assunto está descansando e a caneta não quer responder a mão. São horas paquerando e fitando o papel e ele nem bola dá. Penso em desistir, mas não posso ficar mudo e ser vencido pela falta de criatividade.
Mil assuntos começam a se desenvolver, ou melhor, começam a surgir, mas nenhum quer me obedecer, todos querem se guardar. Fogem de mim, como o diabo foge da cruz. Nessa hora é que eu vejo que não tenho tanta intimidade com as palavras, pois quando a convoco, ela nem sempre se apresenta. Eu deveria respeitar o seu resguardo, mas não posso esperar a sua boa vontade para se mostrar. Por isso que muitas vezes tento arrancá-la a qualquer custo, usando até de força bruta, para assim ela surgir. Ela vem nervosa, exigindo logo o ponto final, mas eu persisto e coloco um parágrafo e vou em frente. Ponho a vírgula para tomar fôlego, mostrando que tenho gana e paciência.
Ela então me provoca e mostra suas regras, eu quebro algumas e imponho minha caneta. Tenho que vencer, não posso perder, se não vou ficar estático ouvindo um papel cantar seu mutismo. Tenho que ser perseverante até a última frase, pois um desleixo o assunto some e me deixa a ver navios, ou melhor, a escrever o nada. O papel em branco é assustador, mas tenho que vencer os meus traumas, pois as frases muitas vezes não aceitam medo e nem pudores. Eu tenho que acabar meu texto, tenho que provar pra mim mesmo que sou dono dos meus parágrafos. Enquanto não chego ao final eu não sossego, provocando na palavras até reações esdrúxulas, numa tentativa de conduzi-la à maneira que eu quero. De tanto insistir ela começa a me obedecer, eu a venço pelo cansaço e por minha força de vontade. Depois do texto terminado, e faço a revisão, pois a palavra pode me enganar e me fazer cometer erros, numa vingança desnecessária. Peço desculpa pela força usada e selo novamente assim nossa amizade. Um tanto quanto atribulada, mas sempre criativa.