Se o mito já não sustenta o Papa, o Papa sustentará o mito.

O massacre racionalista

Ao ensejo da posse de Francisco I, augurando a Sua Santidade um Pontificado feliz, tomo a liberdade de por no papel alguns pensamentos que me acodem a respeito do Papa. Não deste, ou daquele, mas do Papa abstrato.  

O Papa se apresenta sob diversas titulações. Dentre outras, como Chefe de Estado, Bispo de Roma,  Sumo Pontífice, Vigário de Jesus Cristo, Servo dos Servos de Deus.

Digníssimos e belos,   todos esses modos  de definição resultam menos penetrantes  que o extraordinário poder simbólico inerente à imagem papal.  

Do Chefe de Estado  pouca gente toma conhecimento.  Como representante de uma religião, disputa com os representantes de outras religiões, mesmo que o não deseje, o galardão de detentor da Verdade e, por causa disso, sofre o desgaste natural da competição. Sua palavra, nesse campo de confronto, torna-se relativa e refutável.   

Só como símbolo o Papa é inatacável. Como símbolo não de uma experiência fragmentária, vale dizer, desta ou daquela religião,  mas do sentimento de  religiosidade comum a todos os corações humanos.   

Nessa perspectiva o Papa desfruta de uma posição privilegiada.

O amoldamento da figura do Papa à missão de simbolizar o caminho de acesso ao Absoluto deve-se à visibilidade a ela agregada desde os primórdios do Cristianismo e, principalmente, ao mito. Na versão do mito, aqui entendido como o relato do que aconteceu na origem da vida consciente,  o Papa já estava lá – in illo tempore -   colaborando pessoalmente com a Divindade.

Melhor credencial que essa, impossível.

No entanto, durma-se com um barulho desses, o mito  perdeu força no decurso do tempo e, nos dias de hoje, degredado,  humilhado, reduzido a sinônimo de conversa para boi dormir, ilusão, papo furado, invencionice, irracionalidade, parece agonizar ao pé da cova.

Eis aí o funesto resultado, aliás, denunciado por Nietzche, a que levou o massacre  racionalista.

Mas não tem nada não. Se o mito já não sustenta o Papa, o Papa sustentará o mito, e tudo voltará a ser como dantes – in illo tempore.

É o que sinto renovar-se com a chegada de Francisco I.

Dá-lhe, Chico, hermano querido.

(Escrito de Osorio de Vasconcello

Caucaia (CE) 19.03.2013