O massacre das farmácias
Publicado em 29 de fevereiro de 2012 por Osorio de Vasconcellos
Resumo: Respirar não é coisa que se prescreva sem perda de dignidade profissional.
O massacre das farmácias
Caminhar é preciso, respirar não é preciso.
Esta abertura lembra Fernando Pessoa e a famosa frase de Pompeu – “viajar é preciso, viver não é preciso” – na qual o poeta descobriu vestígios de eternidade.
Uso-a aqui – a abertura – com ambições bem diferentes. Da sentença original – “navegar é preciso, viver não é preciso” – aproveito apenas o eco paradoxal e a ressonância erudita.
E o faço para afastar de mim o cálice das diatribes banais. Se devo brigar, exijo armas elegantes.
Eles nos mandam caminhar. Eles nos dão boas razões para caminhar. Eles nos orientam: os melhores horários, os melhores sapatos, a melhor indumentária. Caminhar é preciso.
Mas eles se esquecem de nos mandar respirar. Omissos, nada ensinam a respeito. Atuam como se a respiração nada fosse além de uma função mecânica que dispensasse tratos culturais.
Nos limites dessas concepções eles se permitem ignorar as maravilhas da respiração consciente. Desprezam-lhe o prodigioso repertório profilático, descartam-lhe o poder balsâmico e curativo.
Parecem decididos ao convencimento de que a respiração serve unicamente ao mister de evitar a asfixia.
Nestes termos, sugerem, respirar não é preciso.
Logo, respirar não é coisa que a ciência possa prescrever sem perda de dignidade. Seria como receitar um lambedor, uma garrafada, ou chá de cidreira.
Ninguém faz isso.
Por outro lado, além de atentar contra a dignidade profissional, prescrever o uso da respiração consciente pode ser arriscado.
Se não tanto, pelo menos mais arriscado que prescrever caminhadas.
Mais arriscado porque, diferentemente de caminhar, respirar não afeta o PIB, pode ser praticado por qualquer um, pobre ou abastado, gratuitamente, em casa, em qualquer lugar, a qualquer hora.
Quer dizer, o tiro pode sair pela culatra.
Vamos que, de repente as pessoas descubram os tesouros da respiração consciente e dispensem a tutela das clínicas e dos hospitais. Vamos que escapem ao massacre das farmácias.
Não! Nem pensar! Nem pensar numa heresia dessas.