Resumo: Respirar não é coisa que se prescreva sem perda de dignidade profissional.

 

O massacre das farmácias

 

Caminhar é preciso, respirar não é preciso.

Esta abertura lembra   Fernando Pessoa e a famosa frase de Pompeu – “viajar é preciso, viver não é preciso” – na qual o poeta descobriu vestígios de eternidade.   

Uso-a aqui – a abertura – com ambições bem diferentes. Da sentença original – “navegar é preciso, viver não é preciso” – aproveito apenas o eco  paradoxal e a ressonância erudita.

E o faço para afastar de mim o cálice das diatribes banais. Se devo brigar, exijo armas elegantes.

Eles nos mandam caminhar. Eles nos dão boas razões para caminhar. Eles nos orientam: os melhores horários, os melhores sapatos, a melhor indumentária. Caminhar é preciso.

Mas eles se esquecem de nos mandar respirar. Omissos,  nada ensinam a respeito. Atuam como se a  respiração  nada fosse além de uma função mecânica que dispensasse tratos culturais.

Nos limites dessas concepções eles se permitem ignorar as maravilhas da respiração consciente. Desprezam-lhe o prodigioso  repertório profilático,  descartam-lhe o poder balsâmico e curativo.

Parecem decididos ao convencimento de que a respiração serve unicamente ao mister de evitar a asfixia.

Nestes termos, sugerem, respirar não é preciso.

Logo, respirar não é coisa que a ciência possa prescrever sem perda de dignidade. Seria como receitar um lambedor, uma garrafada, ou chá de cidreira.

Ninguém faz isso.

Por outro lado, além de atentar contra a dignidade profissional, prescrever o uso da respiração consciente pode ser arriscado.

Se não tanto, pelo menos mais arriscado que prescrever caminhadas.

Mais arriscado porque, diferentemente de caminhar, respirar não afeta o PIB, pode ser praticado por qualquer um, pobre ou abastado,  gratuitamente, em casa, em qualquer lugar, a qualquer hora.  

Quer dizer, o tiro pode sair pela culatra.

Vamos que, de repente as pessoas descubram os tesouros da respiração consciente e dispensem a tutela das clínicas e dos  hospitais. Vamos que  escapem ao massacre das farmácias.

Não! Nem pensar! Nem pensar numa heresia dessas.