RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo um estudo acerca da utilização do writ constitucional, o mandado de segurança, para conseguir o fornecimento gratuito de medicamentos do Estado. Em primeiro momento uma análise de alguns principais fatos históricos que deram origem ao direito à saúde. Em seguida, um enfoque constitucional do direito à saúde, o entendimento doutrinário de ser um direito fundamental, bem como o modo de sua efetivação, tendo em vista o dever do Estado para assegurar o direito à saúde, observando, também, como funciona o sistema de distribuição de medicamentos previsto no SUS. Em um segundo momento, a possibilidade de utilização do mandado de segurança para conseguir o fornecimento gratuito dos medicamentos, analisando seus requisitos necessários para o deferimento do pedido, a necessidade de demonstrar o direito líquido e certo com prova de plano, a utilização do relatório médico como documento fundamental para provar o direito, a discussão da doutrinária a respeito do tema e o entendimento da jurisprudência. Finalmente, o pedido de liminar no mandado de segurança. Esperamos com esse trabalho uma compreensão e esclarecimento melhor acerca do tema.

 

PALAVRAS-CHAVE: Mandado de segurança; Fornecimento de medicamento; Direito à saúde; Dever do Estado.

INTRODUÇÃO

               Atualmente, muitas pessoas com doenças que não possuem capacidade econômica para adquirir remédios, procuram o Sistema Único de Saúde (SUS) para que consigam tal remédio.       

              Porém são inúmeras as doenças, e a demanda da sociedade é grande para a aquisição de medicamentos. Portando, em alguns casos, o Estado se recusa a fornecer os medicamentos, distribuindo apenas aqueles mencionados em sua listra padronizada do Sistema Único de Saúde ou até mesmo pela demora para o fornecimento.         

               Os indivíduos prejudicados pela morosidade da Administração ou a sua omissão, buscam medidas alternativas para a solução do conflito o mais rápido possível, pois, dependendo do caso, é rápida a evolução da doença, precisando de auxílio farmacêutico o mais rápido possível.

               O mandado de segurança aparece como essa alternativa, tendo em vista seu objetivo de garantir direitos previstos em nossa Constituição Federal, ele tem um procedimento rápido, de urgência que não permite fase probatória, apenas provas que podem ser provadas de plano.

               Porém, alguns doutrinadores questionam a utilização do remédio constitucional para o fornecimento de medicamentos, pois o simples laudo médico não é suficiente para provar o direito liquido e certo do impetrante. Sendo assim, deveria o indivíduo se valer de ações ordinárias, com o pedido de tutela antecipada.

              A jurisprudência veio pacificar o entendimento, no sentido de que, o Estado deve assegurar o direito à saúde, inclusive na assistência farmacêutica. Preservando os princípios da dignidade da pessoa.

               Destarte, a possibilidade do indivíduo de exigir do Estado medicamentos é uma prestação positiva, sendo uma garantia constitucionalmente prevista. Ultimamente, muitos têm se utilizado do mandado de segurança para assegurar tal garantia, e o judiciário vem aceitando os pedidos, desde que provados com laudos de médico regularmente constituído.

                       

  1. 1.      BREVE RELATO HISTÓRICO DO DIREITO À SAÚDE

                

          Não poderíamos iniciar esse trabalho sem antes elucidar fatos históricos que deram origem aos primeiros indícios da Seguridade Social e, consequentemente, ao direito à saúde.

               Atualmente o direito à saúde é um dos direitos assegurados pela seguridade social, conforme prevê o artigo 194 e seguintes da Constituição Federal.

    As primeiras legislações acerca da Seguridade Social aparecem em 1601, a Inglaterra editou a Poor Relief Act (Lei de Amparo os Pobres), que instituía a contribuição para fins sociais (MARTINS, 2002, p.17). Em seguida, uma das maiores contribuições acerca da Seguridade Social, foi a preservação da saúde do trabalhador na Alemanha. Otto Von Bismarck, primeiro chanceler do império alemão, instituiu o seguro social. “O seguro-doença era custeado por contribuições dos empregados, e do Estado. O seguro contra acidentes do trabalho foi criado em 1884, sendo custeado pelos empresários.” (MARTINS, 2002, p.17).

                Passado alguns anos, por volta de 33 anos, “temos a Constituição Mexicana de 1917, tratou do seguro social (art. 123). Em seguida a Constituição de Weimar, de 1919, colocou em seu texto várias disposições sobre matéria previdenciária” (MARTINS, 2002, p.18).

               Anos mais tarde, apareceram reflexos na legislação americana. “Nos Estados Unidos, foi aprovado o Social Security Act, de 1935, para ajudar os idosos e estimular o consumo, instituindo também o auxilio-desemprego para trabalhadores que temporariamente ficassem desempregados.” (MARTINS, 2002, p.18).

              Nota-se a evolução histórica em favor da preservação da dignidade e da saúde dos indivíduos, principalmente dos trabalhadores em meados do século XVIII (Revolução Industrial), na Inglaterra, expandindo-se mais tarde para outros países. A consciência da dignidade e saúde ainda não estava clara, pois, a proteção da saúde, ainda, se mantinha aparentemente restrita aos trabalhadores e previdência. Somente em 1948 com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a saúde e o bem-estar tomam uma importância maior no âmbito internacional.

            Após alguns anos, a Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969, conhecida como Pacto de San José, prevê em sua essência a preservação da vida. Sendo ratificado pelo Brasil anos mais tarde, em 25 de setembro de 2002.

            Cremos que foi a Constituição italiana a primeira a reconhecer a saúde como fundamental direito do indivíduo e interesse da coletividade (art. 32). Depois, a Constituição portuguesa lhe deu uma formulação universal mais precisa (art. 64), melhor do que a espanhola (art.43) e a da Guatemala (arts. 93-100). O importante é que essas quatros constituições o relacionam com a seguridade social. (SILVA, 2002, p. 309)

1.1 Direito à saúde e ao fornecimento de medicamentos no Brasil

 

              A princípio a saúde não era objetivo do Império, tendo em vista que não existia previsão legal para tal direito, em 1824, carregada de princípios do liberalismo com herança absolutista, conforme ensina D’ARBO:

Em 1824, quando foi outorgada a Constituição do Império, o Brasil, recém-declarado independente, iniciava a construção de uma nova sociedade. Essa constituição refletia a aplicação das teorias do liberalismo e tinha forte herança absolutista. A saúde e os serviços de vigilância sanitária eram escassos, se é que realmente existiam. Tratando-se de um Estado Liberal, não cabia ao poder público interferir nessa questão (D’ARBO, 2011, p.62)

             Após anos de evolução, o Brasil finalmente começa a caminhar para a proteção do direito à saúde. A Constituição de 1934 inaugurou o estado social brasileiro, estabelecendo normas relativas à vigilância sanitária, responsabilizando-a. “União, os estados e os municípios quando à matéria” (D’ARBO, 2011, p.62)

               Passados 12 anos, “somente em 1946, com constituição da Organização Mundial da Saúde (OMS), definiu-se um novo conceito de saúde: a saúde é completo bem-estar físico, mental e social, e não apenas a ausência de doenças.” (D’ARBO, 2011, p.62)

                Com a Constituição de 1988 foi promulgada em 5-10-88, tendo todo um capítulo que trata da Seguridade Social (arts. 194 a 204). A Previdência Social, a assistência social e a Saúde passaram a fazer parte do gênero Seguridade Social. (MARTINS, 2002, p.20).

                 No Brasil, por volta dos anos noventa, os que tiveram maior influência relativa a prestações positivas do Estado, foram os casos da síndrome da imunodeficiência adquirida, exigindo do Estado uma prestação positiva, tendo em vista o alto custo dos medicamentos e a rapidez com que a doença se desenvolvia no organismo. Como explica GOUVÊA:

Ao longo dos anos noventa, foi-se tornando cada vez mais freqüente a propositura de ações judiciais visando ao fornecimento de remédios necessários à terapêutica da síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS) e de outras doenças, especialmente daquelas que representam ameaça à vida, tais como a fenilcetonúria (doença do pezinho), o câncer, a cirrose, a doença renal crônica e a esclerose lateral amiotrófica (ELA). (GOUVÊA, 2004, p.201)

                

Com notória necessidade diante da “nova” doença que se apresentava, as associações de defesa de soropositivos iniciaram então intensa pressão junto ao Governo e ao Congresso, visando à aprovação de lei que, regulamentando a norma constitucional, previsse expressamente a distribuição, pelo poder público, de medicamentos necessários ao combate à AIDS. (GOUVÊA, 2004, p.202).

                Finalmente em 13 de novembro de 1996, premiado pela intensa mobilização da sociedade civil, finalmente o Governo fez vir a lume a Lei nº 9.313, dispondo sobre “a distribuição gratuita de medicamentos aos portadores do HIV e doentes de AIDS. (GOUVÊA, 2004, p.202)

              Observamos que o Estado assumiu um papel de protagonista na efetivação dos direitos sociais, junto à constituição de 1988, instituiu um Sistema de Saúde (SU), sendo que tais dispositivos constitucionais foram regulamentados através da Lei nº 8.080/90 e mais tarde devido às novas condições que se apresentavam na sociedade brasileira a Lei n° 9.313/96, garantindo aos portadores de AIDS acesso ao medicamento.

             Atualmente, o direito à saúde aparece insculpido como postulado fundamental da ordem social brasileira no art. 6º da Carta Constitucional. Os artigos. 196 a 200 esclarecem o papel do Estado na assistência à saúde, sendo que o art. 198 define o Sistema Único de Saúde (SUS) (GOUVÊA, 2004, p.206).

2. DIREITO À SAÚDE

 

              O direito à saúde está previsto em nossa Constituição Federal, como direito social, conforme artigo 6º, in verbis:

Art. 6º: São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (grifo nosso)

            Tais direitos sociais mencionados no art.6º correspondem à preservação da dignidade da pessoa humana, norteados pelo principio trazido em seu art. 3º, III, do mesmo diploma legal, in verbis:

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

(...)

 III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

            

A Constituição Federal também prevê mais adiante, no capitulo destinado à seguridade social, o dever do Estado a garantir à saúde, vejamos:

Art. 196 A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantindo mediante políticas sociais, econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

O direito a uma vida digna, além de assegurado constitucionalmente, é em ultima análise a razão de ser dos Poderes, inspirando todo o ordenamento jurídico e justificando a existência de tal, sendo um valor supremo na ordem constitucional, que justifica todos os demais direitos fundamentais. Tal é o entendimento de MENDES:

Proclamar o direito à vida responde a uma exigência que é prévia ao ordenamento jurídico, inspirando-o e justificando-o. Trata-se de um valor supremo na ordem constitucional, que orienta, informa e dá sentido último a todos os demais direitos fundamentais (MENDES, 2009, p.394).

           

A demora da consciência da importância do direito fundamental relativo à saúde chama atenção de SILVA, que faz breve comentário acerca do tema:

É espantoso como um bem extraordinariamente relevante à vida humana só agora é elevado à condição de direito fundamental do homem. E há de informar-se pelo princípio de que o direito igual à vida de todos os seres humanos significa também que, nos casos de doença, cada um tem o direito a um tratamento condigno de acordo com o estado atual da ciência médica, independente de sua situação econômica [...] (SILVA, 2002, p. 94).

Portanto, nota-se uma demora para a consciência da importância da preservação da saúde para uma vida digna, principalmente, conforme doutrinador acima citado, para aqueles que não possuem condição econômica para buscar um tratamento de acordo com o estado atual da ciência médica.

Para uma melhor compreensão, observamos que em 1946, “com a constituição da Organização Mundial da Saúde (OMS), definiu-se um novo conceito de saúde: a saúde é o completo bem-estar físico, mental e social, e não apenas a ausência de doenças” (D’ARBO, 2011, p. 62). Destarte, não basta a inexistência de doenças para ficar estabelecida a saúde, abrangendo saúde como um todo, um bem-estar físico, mental e social.

No mesmo sentido lembramos a lição de TAVARES, citando CORREA e CORREA:

A compreensão do que seja saúde “implica sua conceituação a partir da ótica de uma política destinada à prevenção e ao tratamento dos males que afligem o corpo e a mente dos humanos, com a criação inclusive de um sistema organizado que atenda aos doentes. (TAVARES, 2007, p.754)

             Portanto, o direito à saúde previsto em nossa atual Constituição, deve procurar prevenir não apenas aquelas doenças físicas e sim as mentais também, objetivando uma vida mais saudável e consequentemente mais digna.

2.1 Saúde como direito fundamental

 

Os direitos fundamentais do homem estão em constante evolução e passaram a ser positivados a partir da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em 1789. (D’ARBO, 2011, p. 67). Anos mais tarde os reflexos trazidos pela Declaração aparecem no México. A Constituição Mexicana de 1917 foi pioneira e positivou os direitos sociais como direitos fundamentais do cidadão, sendo seguida pela Carta da União Soviética. (D’ARBO, 2011, p. 67). Passados alguns anos, em 1919, na Alemanha, a Constituição de Weimar manteve os direitos sociais no capítulo dos direitos fundamentais e criou o estado social de direito. (D’ARBO, 2011, p. 67)

              Sobre o tema, SILVA ensina:

O reconhecimento dos direitos fundamentais do homem, em enunciados explícitos nas declarações de direitos, é coisa recente, e está longe de se esgotarem suas possibilidades, já que cada passo na etapa da evolução da Humanidade importa na conquista de novos direitos. (SILVA, 2002, p. 150)

             

Portanto, os direitos fundamentais estão em constante evolução e mudanças, adaptando o direito com a realidade social, a saúde somente depois de diversas constituições conseguiu chegar com status de direito fundamental, mesmo relacionada com o direito à vida e à dignidade.

              D’ARBO, cita as palavras de SILVA acerca sobre o tema:

Dimensão dos direitos fundamentais do homem, são prestações positivas proporcionadas pelo Estado direita ou indiretamente, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais. São, portanto, direitos que se ligam ao direito de igualdade. Valem como pressuposto do gozo dos direitos individuais na medida em que criam condições materiais mais propícias ao auferimento da igualdade real, o que, por sua vez, proporciona condição mais compatível com o exercício efetivo da liberdade. (SILVA apud D´ARBO, 2011, p.68)

              Nota-se que a abrangência dos direitos fundamentais está ligada a prestações positivas efetivadas pelo Estado, prevista constitucionalmente.

                Afirma, ainda, SILVA:

No qualificativo fundamentais acha-se a indicação de que se trata de situações jurídicas sem as quais a pessoa humana não se realiza, não convive e, às vezes, nem mesmo sobrevive; fundamentais do homem no sentido de que a todos, por igual, devem ser, não apenas formalmente reconhecidos, mas concreta e materialmente efetivados (SILVA, 2002, p.178) 

Destarte, a ausência de situações jurídicas, a pessoa ficará impossibilitada viver uma vida digna, tal dignidade um princípio-matriz de nossa carta magna. Podemos concluir que para termos uma vida digna, a saúde é necessária, tanto na esfera física como na psicológica.

Os princípios de igualdade e liberdade são fundamentos para um Estado Democrático. Assegurado por nossa Constituição em seu artigo 1º, in verbis:

Art.1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos.

Observa-se que “no estado democrático de direito, os direitos sociais ganham status de direitos fundamentais do homem e condicionam a atuação estatal, vinculando o poder público a realizar mudanças na procura da efetivação desses direitos.” (D’ARBO, 2011, p. 68). “É uma modalidade estatal que procura transformar a realidade por meio da lei, que obriga tanto os governados como os governantes.” (D’ARBO, 2011, p. 67)

Salienta ainda D´ARBO:

Os direitos sociais previstos no artigo 6º da Constituição Federal assim como a educação e a segurança social, um direito de prestação, ou seja, direito do particular a obter algo através do estado. Por isso, a possibilidade de acionar o Poder Judiciário para obter o adimplemento da obrigação. (D’ARBO, 2011, p. 68).

Ou seja, como objeto deste trabalho a utilização do mandado de segurança individual para o cumprimento de tal obrigação, utilizando o individuo, o writ constitucional para o fornecimento de medicamentos que necessite para voltar a ter uma qualidade de vida digna.

2.2. O mínimo existencial

              

O mínimo existencial encontra-se implícito no caráter orientador do princípio da dignidade da pessoa humana, na medida em que exige a garantia de meios que satisfaçam as mínimas condições de vivência digna do indivíduo e de sua família. (D’ARBO, 2011, p.60). Sendo assim, o entendimento que o indivíduo tenha uma vida mais digna.

              No mesmo sentido, GOUVÊA, afirma,

No caso dos remédios, é imperioso reafirmar que, além de qualquer decisão política, cumpre ao administrador público proporcionar o acesso irrestrito aos medicamentos de caráter essencial, vinculados à noção de mínimo existencial, indispensáveis à manutenção das condições de vida condigna do indivíduo. (GOUVÊA, 2004, p.250)

              Portanto, o Administrador tem o dever de proporcionar o acesso aos medicamentos, trazendo a manutenção de uma qualidade mais saudável de vida e, consequentemente, mais digna.

              O entendimento de uma vida mais digna relaciona-se diretamente à saúde. Sua preservação e até mesmo o fato de voltar a ter saúde. Não assegurando apenas uma existência humana, mas sim uma vida mais digna, principalmente para aqueles que não possuem poder aquisitivo para recuperar a saúde, utilizando-se do Sistema Único de Saúde.

               Conforme entendimento de D’ARBO acerca do assunto:

Assim o conceito de dignidade da pessoa humana e sua previsão como princípio fundamental fez surgir na doutrina pátria o direito fundamental a um mínimo existencial que, na verdade, vão além de pura e simplesmente assegurar a existência humana, mas, mais do que isso, visa assegurar uma existência digna, uma vida com dignidade, que é a aspiração de um estado democrático de direito. (D’ARBO, 2011, p.60, grifo nosso)

 

 

 

2.3. O princípio da reserva do possível

                

O princípio da “reserva do possível regula a possibilidade e a extensão da atuação estatal, no tocante à efetivação de alguns direitos, condicionando a prestação do Estado à existência de recursos públicos disponíveis.” (D’ARBO, 2011, p.58)

                  Dessa forma, a reserva do possível é uma condicionante que o estado deve obedecer para dar efetividade ao exercício de determinados direitos que demandem gastos públicos. (D’ARBO, 2011, p.59)

                Segundo o entendimento de D’ARBO acerca do tema:

Assim sendo, embora a Constituição Federal de 1988 estabeleça inúmeros direitos fundamentais do homem, nem todos têm condição de aplicabilidade imediata, especialmente os direitos sociais de prestação positiva, cuja efetivação é limitada à atuação do Legislativo (normas programáticas) e à reserva do possível. (D’ARBO, 2011, p.59)

                 Ainda que se admita o argumento da reserva do possível, é forçoso ter em mente, em primeiro lugar, que tal contingenciamento não se presume, devendo ser demonstrado pela Administração. (GOUVEA, 2004, p.250).

                O ministro Celso de Mello do Supremo Tribunal Federal em julgamento do dia 23 de agosto de 2011 ensina sobre o tema:

A cláusula da reserva do possível - que não pode ser invocada, pelo Poder Público, com o propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar a implementação de políticas públicas definidas na própria Constituição - encontra insuperável limitação na garantia constitucional do mínimo existencial, que representa, no contexto de nosso ordenamento positivo, emanação direta do postulado da essencial dignidade da pessoa humana. (ARE 639337 AgR / SP - SÃO PAULO, AG. REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO)

Portanto, tendo em vista a limitação orçamentária, o princípio da reserva do possível é um argumento para negar, por vezes, uma prestação positiva do Estado. Observando que os recursos públicos disponíveis podem estar em desacordo com um caso concreto. Para a resolução deste aparente conflito, encontra-se a solução no princípio do “mínimo existencial”. Lembrando que, o mínimo existencial busca a garantia da dignidade da pessoa, garantindo as condições mínimas de existência.

3. EFETIVAÇÃO DA SAÚDE NO BRASIL

 

 

                O direito à saúde assegurada pela Constituição Federal, em seu artigo 6º, como direito social, e artigos 193 e seguintes, relativos à ordem social, bem como a Lei regulamentadora do Sistema Único de Saúde (SUS), conseguem garantir direitos para que a população tenha uma vida mais digna.

                Porém, falta uma efetivação concreta no plano social, tendo em vista um dos principais problemas, a grande demanda da sociedade, sendo assim, a norma não atinge seu objetivo.

                Atualmente a situação mais notória acerca da efetivação da saúde está ligada com a falta de atendimento, conforme elucida LOTTENBERG:

No entanto, não requer muito esforço colher histórias de filas imensas de homens e mulheres aguardando por atendimento, de consultas marcadas com meses de espera e de ausência de procedimentos mínimos. (LOTTENBERG, 2007, p.33)

               Agrava-se a situação quando principalmente para aqueles que não possuem condições financeiras para arcar com um plano privado de saúde, utilizando-se, portanto, do Estado para garantir tal direito.

               Explica COHN (2005, p.14), como agravante, além de sua inépcia, como o acesso da população carente e pobre a determinados bens e serviços essenciais, esse emaranhado dos programas sociais leva um profundo descrédito quanto à competência do Estado no setor.

               Tendo em vista os reflexos da efetivação da saúde na população com menos poder aquisitivo, CONH, faz o seguinte comentário:

E se onde a pobreza é mais presente é maior a mortalidade por doenças típicas dessa situação social, ocorrendo o contrário nas áreas mais ricas do país, o fato é que essa convivência de doenças típicas da pobreza e da riqueza, com distintas e inúmeras combinações segundo as realidades sociais do país, faz com que não bastem medidas tipicamente preventivas, de caráter coletivo, exigindo também ações de atenção médica de alta complexidade tecnológica. (COHN, 2005, p. 39)

               Cumpre examinarmos, neste passo, o problema se agrava quando os medicamentos se tornam um produto lucrativo, envolvendo interesses comerciais, deixando de lado o interesse individual. Tal é o entendimento GOUVÊA, citando o ex-secretário de saúde Gilson Cantarino, in verbis:

Os problemas que muitas vezes são interpretados como solucionáveis apenas por vontade administrativa, na prática, não são tão simples. A compra de medicamentos envolve procedimentos administrativos legais e variáveis, de acordo com o mandado expedido [...] O Tribunal de Justiça, o Ministério Público Estadual e o Federal, a Procuradoria-Geral do Estado e a Secretaria de Estado de Saúde já estabeleceram, em recentíssima reunião, uma agenda convergente, norteada pela filosofia de que medicamento compõe um bem da vida em contraposição à realidade ainda vigente de mero produto lucrativo disputado pelo mercado em benefício de interesses comerciais. (GOUVEA, 2004, p.199)

              

Nota-se o problema na efetivação da saúde no Brasil, sistema de saúde brasileiro vive uma tensão constante. Usuários, fornecedores de serviços e fontes pagadoras reclamam do atendimento, da remuneração e das regras do mercado. (LOTTENBERG, 2007, p.59), sendo os mais prejudicados aqueles que não possuem renda suficiente para arcar com plano de saúde privado.

              Atualmente, o meio para a efetivação do direito à saúde é através do Sistema Único de Saúde (SUS) bem como o programa “dose certa”, todavia não são capazes de suprir as demandas vindas da sociedade. No mesmo sentido afirma LOTTENBERG:

A criação do SUS e a garantia do direito universal à saúde são peças fundamentais para a garantia de um padrão justo de vida aos cidadãos brasileiros. A questão é que, desde essa época, não se viabilizou um projeto que assegure a manutenção desde direito nos moldes do que preconiza a lei. (2007, p.33)

             

Portanto, no atual estágio de desenvolvimento, o Brasil apresenta uma realidade alarmante de políticas públicas para a efetivação da saúde e conseqüentemente o fornecimento de medicamentos.

3.1 Sistema Único de Saúde

 

 

             O grande papel na efetivação do direito à saúde está intimamente ligado ao Sistema Único de Saúde, que promove o acesso universal para todos aqueles que necessitem utilizar do sistema para recuperarem sua saúde.

             O Sistema Único de Saúde (SUS) está previsto na Constituição e regulado através da Lei nº 8080/1990, prevendo as suas condições, promoções, sua organização bem como serviços correspondentes.

               O Conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da administração direita e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público, constitui o Sistema Único de Saúde (SUS) (MARTINS, 2002, p.159). Essas ações e serviços públicos devem integrar-se em todo o território nacional, compondo um sistema único, regionalizado e hierarquizado, organizado de maneira descentralizada, com direção única em cada uma das esferas de governo (TAVARES, 2007, p.755).

             O artigo 198 da constituição Federal estabelece que, será o sistema único descentralizado e com atuação em todas as esferas de governo, permitindo o acesso universal da população.

Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:

I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo;

                

Um dos objetivos principais do SUS é o atendimento a todos, portando não cabendo nenhuma discriminação de qualquer natureza no atendimento, como por exemplo, poderia acontecer nos casos de doenças de alta complexidade ou de alto custo para os cofres públicos. Acerca do tema elucida TAVARES:

Portanto, não só todos têm direito à saúde como esta deve ser prestada de maneira completa, sem exclusões de doenças ou patologias, por dificuldades técnicas ou financeiras do Poder Público. Não é permitido a este esquivar-se da prestação de saúde. (TAVARES, 2007, p.755)

             Observa-se, que de acordo com o artigo 200 da Constituição Federal, cabe ao SUS uma gama de atribuições, o além do atendimento universal, como o de executar ações de vigilância sanitária, epidemiológica e de saúde do trabalhador, cabe também, fiscalizar e inspecionar alimentos e bebidas, compreendendo-se aí seu teor nutricional.

Art. 200. Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei:

I - controlar e fiscalizar procedimentos, produtos e substâncias de interesse para a saúde e participar da produção de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos, hemoderivados e outros insumos;

II - executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica, bem como as de saúde do trabalhador;

III - ordenar a formação de recursos humanos na área de saúde;

IV - participar da formulação da política e da execução das ações de saneamento básico;

V - incrementar em sua área de atuação o desenvolvimento científico e tecnológico;

VI - fiscalizar e inspecionar alimentos, compreendido o controle de seu teor nutricional, bem como bebidas e águas para consumo humano;

VII - participar do controle e fiscalização da produção, transporte, guarda e utilização de substâncias e produtos psicoativos, tóxicos e radioativos;

VIII - colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho.

           

A Lei n° 8080/90, em seu artigo 5º traz em seu corpo os objetivos do sistema Único de Saúde, em conformidade com a Constituição, in verbis,

Art. 5º São objetivos do Sistema Único de Saúde SUS:

I - a identificação e divulgação dos fatores condicionantes e determinantes da saúde;

II - a formulação de política de saúde destinada a promover, nos campos econômico e social, a observância do disposto no § 1º do art. 2º desta lei;

III - a assistência às pessoas por intermédio de ações de promoção, proteção e recuperação da saúde, com a realização integrada das ações assistenciais e das atividades preventivas.

           

Nota-se que em seu inciso III, prevê a assistência às pessoas, inclusive a recuperação da saúde, incluindo o fornecimento de medicamentos para tal fim.

           Nesse mesmo sentido, afirma MACHADO:

Percebe-se que entre os princípios do SUS, está o da integralidade da assistência, entendida como o conjunto articulado de ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso, em todos os níveis de complexidade do sistema. Vale dizer que os medicamentos estão incluídos na assistência prestada pelo SUS, em qualquer caso, seja na atenção básica à saúde, na atenção de média complexidade (especialidades) ou na alta complexidade. (MACHADO, 2010, p.5)

         

Fica evidenciado o importante papel que assume o SUS na efetivação do direito à saúde no Brasil, divulgando os fatores condicionantes e determinantes da saúde, a criação de políticas sociais em prol de uma saúde mais digna, bem como a o acesso às pessoas que necessitem dele para recuperar a saúde. Porem, tal efetivação é limitada, tendo em vista a gama de demandas vindas da sociedade. Consequentemente obrigando essas pessoas a buscarem algum “meio” para recuperar sua saúde mais rapidamente, pois com o tempo e sem a medicação  ocorre, por vezes, o desenvolvimento acelerado da doença.

 

3.2 Sistema de distribuição de medicamentos pelo SUS

            

O fornecimento de medicamento no Brasil tornou-se de grande importância em meados da década de 90, com grande número de pessoas portadoras do HIV no Brasil. Os soros positivos não tinham poder aquisitivo para adquirir os medicamentos, chamados de coquetéis, que na época era um dos únicos tratamentos. Em 1996, foi editada a Lei 9.313, que tratava do fornecimento de medicamento aos portadores do HIV. Antes dessa lei, muitos pacientes não tiveram acesso ao tratamento e aos medicamentos necessários, e ingressaram na justiça em busca do direito à saúde. A lei 9.313/96 determina que o Estado distribua gratuitamente todos os medicamentos necessários ao tratamento da AIDS.

            O Sistema de distribuição de medicamentos pelo SUS está previsto na Lei 8080/2009, em seu artigo 6º, in verbis:

Art. 6º Estão incluídas ainda no campo de atuação do Sistema Único de Saúde-SUS:

 I - a execução de ações:

         a) de vigilância sanitária;

         b) de vigilância epidemiológica;

         c) de saúde do trabalhador; e

         d) de assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica.

           

A distribuição de medicamentos é um dos precipícios do SUS, oferecendo assistência terapêutica integral, de medicamentos e tratamentos. Observando que “o medicamento não deve ser concebido isoladamente, mas como um dos componentes do tratamento. É, contudo, um componente essencial e cuja disponibilidade necessita ser garantida.” (MACHADO, 2010, p.5).

Do ponto de vista normativo, o SUS tem sido constantemente aperfeiçoado ao longo dos vinte anos de sua criação. Atualmente encontra-se muito bem estruturado e regulado, desde o custeio até a assistência e o pagamento. Falta adequar a realidade à norma. (MACHADO, 2010, p. 14). Tendo em vista a grande demanda vinda da sociedade, pacientes que possuem uma doença que necessite de medicamento não previsto em lista padronizada do SUS, conhecida como RENAME (Relação Nacional de Medicamentos Essenciais), não consegue assegurar seu direito à saúde, restando o judiciário para solucionar o conflito.

3.3 RENAME, Relação Nacional de Medicamentos Essenciais.

             

Atualmente o Brasil possui uma lista de medicamentos padronizados que auxiliam os programas de distribuição. RENAME (Relação Nacional de Medicamentos Essenciais) é utilizado pelo SUS, nos programas de distribuição de medicamentos.

               Conforme ensina, na época que foi publicado a RENAME do ano de 2000, Dr. FONSECA:

É com grande satisfação que apresentamos a Relação Nacional de Medicamentos – Rename –, instrumento fundamental para que o Sistema Único de Saúde – SUS – possa cumprir a sua atribuição de prover, com os medicamentos necessários, as pessoas que deles precisam. (FONSECA, 2000, p.5)

               

Portanto, a RENAME é um instrumento essencial para que o Sistema Único de Saúde (SUS) possa exercer suas atividades, neste caso, relativa ao fornecimento de medicamentos, uma lista padronizada, que deve ser atualizada ao passar do tempo, se enquadrando assim a realidade de doenças que forem surgindo.

Conforme o Ministério da Saúde, junto com a Secretária de Políticas Públicas, orientam o entendimento do REMAME:

Esta RENAME é composta de uma lista de medicamentos efetivamente adequada à nossa realidade epidemiológica, estando também acoplada à proposta de elaboração, pela primeira vez no Brasil, do Formulário Terapêutico Nacional, com informações adequadas, ágeis e de fácil consulta, que auxiliem os profissionais de

saúde no manuseio de fármacos e produtos terapêuticos disponíveis no mercado. Esse Formulário faz parte de diretrizes e prioridades estabelecidas pelo Ministério da Saúde com o objetivo de promover o uso racional de medicamentos [...] (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2000, p.8, grifo nosso).

              Sendo assim, a lista padronizada trás os principais e essenciais medicamentos, disponíveis no mercado.

               Deverá a lista padronizada de medicamentos, andar ao lado da realidade social, para que possua efetividade. Tal é o entendimento do Ministério da Saúde e a Secretaria de Políticas Públicas,

Uma lista de medicamentos essenciais não deve de forma alguma ser estanque. Ela precisa de atualizações permanentes à luz da evolução do conhecimento científico e do perfil de morbidade e mortalidade do País. (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2000, p. 7)

               

Vale lembrar, tendo em vista inúmeras doenças, existem casos da lista não prever a distribuição do medicamento para determinada doença, caberá ao Estado fornecer.             Comprovada a doença e ausência de previsão na lista, poderá o paciente procurar a solução de seu conflito no Judiciário. Lembrando o no artigo 196 da Constituição Federal, que prevê a saúde como direito de todos e dever do Estado.

Assim é o entendimento do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em julgado do dia 26 de junho de 2012, Des. Relator Claudio Augusto Pedrassi, ensina, in verbis:

Note-se que o fato de um determinado medicamento, necessário ao controle da doença, não fazer parte do programa de padronização, não tem o condão de justificar a indisponibilidade para dispensação e nem o descumprimento do disposto na Lei n.8.080/90, no que tange ao fornecimento de medicamentos [...]. A função de tais protocolos é padronizar a forma de atendimento e permitir ao Administrador Público organizar sua atuação, facilitando a aquisição de medicamentos. No entanto, tais instrumentos não têm o condão de obstar ou eliminar o atendimento às situações que neles não estão previstas. (Apelação/Reexame Necessário nº 0024855-54.2010.8.26.0564, Registro: 2012.0000309010)

            

 Destarte, a lista padronizada é utilizada para permitir que o Administrador se organize, facilitando a solução do caso concreto. Porém, nos casos em que o medicamento não está previsto na lista padronizada, e o indivíduo necessite de medicamento prescrito por médico regularmente habilitado, por vezes, a Administração nega o fornecimento do medicamento indicado, tendo em vista a ausência de previsão em lista. Tal argumento não é aceito pela jurisprudência dominante que, entende como não sendo argumento válido, não podendo a Administração eliminar ou obstar o atendimento nas situações que não estão previstas. O simples fato do medicamento não ser padronizado, não pode atingir o direito à saúde, garantido pela Constituição Federal.

 

 

 

 

 

 

4.  O DEVER DO ESTADO RELATIVO À EFETIVAÇÃO DO DIREITO AO FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTO

              

Como ocorre com os direitos sociais em geral, o direito à saúde comporta duas vertentes, conforme anotam CANOTILHO e MOREIRA apud SILVA: “uma, de natureza negativa, que consiste no direito a exigir do Estado ou de terceiros que se abstenha de qualquer acto que prejudique a saúde; outra, de natureza positiva, que significa o direito às medidas e prestações estaduais visando a prevenção das doenças e o tratamento delas” (SILVA, 2002, p. 309).

               Tendo em vista que o Estado tem ações de natureza positiva podemos dizer que “trata-se, portanto, de uma Constituição social, em que o Estado deve ser eficiente de forma a intervir e assegurar o bem-estar dos cidadãos” (D’ARBO, 2011, p. 70).

               O direto à saúde, previsto em nossa Constituição em seus artigos 196 e seguintes, norteiam acerca do tema, in verbis:

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantindo mediante políticas sociais e econômica que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. (grifo nosso)

               

Segundo entendimento MARTINS se observa os princípios da universalidade bem como a igualdade:

Dispõe o art. 196 da Constituição que a saúde é direito de todos e dever do Estado. A saúde é garantida mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para sua promoção, proteção e recuperação (MARTINS, 2002, p.157).

               

No mesmo sentido, GOUVÊA elucida:

A universalização e o acesso igualitário às ações de saúde, já enunciadas no Texto Maior são repisados no §1º ao art.2º. Neste importante dispositivo, percebe-se nitidamente a preocupação do legislador não apenas com a garantia das medidas preventivas (““ formulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos”) , incluindo aquelas originariamente ligadas a fatores aparentemente dissociados da questão da saúde (“ alimentação, moradia, saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte , o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais aos níveis de saúde da população”; listados no art. 3º e no art. 5º,II), como também com a assistência curativa (acesso universal e igualitário às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação) (GOUVÊA, 2004, p. 211).

            

 Observa-se a preocupação do doutrinador em se tratando de duas vertentes, ou seja, garantia de medidas preventivas e a assistência curativa, essa por sua vez norteada pelos princípios da universalização e da igualdade.

             Os demais princípios constitucionais relativos ao dever do Estado na prestação da saúde, previstos no artigo 3º e mencionados por SILVA:

[...] princípios relativos à prestação positiva do Estado: princípio da independência e do desenvolvimento nacional (art. 3º, III), princípio da justiça social (art. 3º, III) e princípio da não discriminação (art. 3º, IV). (SILVA, 2002, p. 94).

            Os direitos sociais são considerados pela maior parte da doutrina como direito de segunda geração, fazendo com que, os direitos fundamentais à saúde possam ser cobrados, exigidos do Estado a prestação. Sobre o tema, de igual forma, ensina PAULO:

Em verdade, a partir da denominada segunda geração (ou segunda dimensão), passaram a existir direitos fundamentais que exigem do Estado uma atuação comissiva, em prol do bem – estar do indivíduo, marcando o surgimento dos chamados direitos sociais. (PAULO, 2003, p. 8)

Desse modo, o direito à saúde, rotulado como direito de segunda geração, deve ser concretizado mediante políticas públicas, estas visando à prevenção e tratamento de doenças, lembrando que o acesso deve ser igualitário.

Tendo tal importância, tanto no âmbito particular como, principalmente no social, a Constituição de 1988, em seus artigos 5º, 6º, 196 a 200 e 227 caput, positivaram um papel fundamental na construção dos direitos relativos a saúde, materializando a responsabilidade do Estado em assegurar o direito à saúde tanto aos brasileiros e estrangeiros, de forma gratuita.

Dando origem a uma prestação de natureza positiva por parte do Estado, ou seja, o Estado possui a obrigação de prevenir e fornecer tratamento adequado para as doenças e de forma igualitária para todos, conforme elucida SILVA:

[...] há de informar-se pelo princípio de que o direito igual à vida de todos os seres humanos significa também que, nos casos de doença, cada um tem o direito a um tratamento condigno de acordo com o estado atual da ciência médica, independente de sua situação econômica. (SILVA, 2002, p. 308)

Destarte, o Estado assumiu um papel de protagonista na efetivação dos direitos sociais, junto à constituição de 1988, instituiu um Sistema de Saúde (SUS), sendo que tais dispositivos constitucionais foram regulamentados através da Lei nº 8.080/90, com o objetivo de trazer a todos o direito a saúde. Porém, deu origem a um sistema insuficiente, com pouco recurso financeiro e com cada vez mais demandas vindo da sociedade, forçando a população a procurar com recursos próprios a garantia de uma saúde digna. Deixando o Sistema de Saúde, apenas para aqueles que não possuem renda suficiente para pagar um plano de saúde particular.

5. UTILIZAÇÃO DE MANDADO DE SEGURANÇA PARA FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO

 

 

A Constituição Federal traz em seu artigo 5º, inciso LXIX e conjuntamente disciplinado pela nova Lei do Mandado de Segurança, 12.016, de 7 agosto de 2009.

            O texto de nossa carta magna prevê:

LXIX - conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público;

Com poucas mudanças no corpo do texto, mantendo a essência, a idéia que deve nortear o aplicador da lei, como a proteção do direito líquido e certo, não sendo amparado por habeas corpus ou habeas data, deixando claro que, qualquer pessoa poderá impetrar com o remédio constitucional (pessoa física ou jurídica), para que, evite ou cesse a lesão exercida por qualquer autoridade, independente de sua função, in verbis:

Art. 1o  Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça. 

                 

Segundo entendimento de BASTOS:

 O Mandado de Segurança constitui uma forma judicial de tutela dos direitos subjetivos, ameaçados ou violados, seja qual for a autoridade responsável. É um recurso técnico-jurídico que pressupõe uma determinada evolução no processo de controle do poder estatal e, conseqüentemente, da repercussão deste sobre os indivíduos, cujos direitos só foram efetivamente protegidos com o advento do liberalismo, inspirador de solenes Declarações de Direitos e de Constituições escritas. (BASTOS, 2002, p. 401-402)

              

 Busca o autor nesse conceito, proporcionar uma visão histórica, dando uma relativa importância na evolução política e social, que, conseqüentemente, desencadearam as Declarações de Direitos, oferecendo ao Mandado de Segurança uma importância na efetivação das normas, principalmente relativo ao poder Estatal, que exercia forte domínio sobre a liberdade individual. Porém, tal conceito é incompleto, deixando de analisar o coletivo, uma vez que, é uma ferramenta fundamental para a coletividade, de partido político, organização sindical, associação, portanto podemos elucidar nosso conceito com MEIRELLES:

Mandado de segurança é o meio constitucional posto à disposição de toda pessoa física ou jurídica, órgão com capacidade processual, ou universalidade reconhecida por lei, para a proteção de direito individual ou coletivo, líquido e certo, não amparado por habeas corpos ou habeas data, lesado ou ameaçado de lesão, por ato de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça (MEIRELLES, 2008, p. 25/26).

               

Atualmente, o mandado de segurança se tornou o meio jurisdicional mais utilizado para garantir o fornecimento de medicamentos, tendo em vista seu procedimento diferenciando. No Brasil, a maioria das iniciativas de implementação judicial de direitos prestacionais tem focalizado o direito à saúde, especialmente no que toca ao fornecimento de medicamentos. (GOUVÊA, 2004, p.202). Além disso, afirma D’ARBO, “no caso do direito à saúde, os indivíduos têm-se valido dessa ação com o objetivo de conseguir o fornecimento de medicamentos, tratamentos, insumos, suplementos alimentares, exames, etc.” (D’ARBO, 2011, p.83)

               Outrossim, tendo em vista a utilização do remédio constitucional para conseguir a tutela prestacional em face das pessoas que não possuem capacidade econômica para a compra de medicamentos. GOUVÊA, em seu texto “O Direito ao Fornecimento Estatal de Medicamentos, cita o Ilustre Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Luís Felipe Salomão, in verbis:

Diante dos mandamentos constitucionais, os juízes vêm acolhendo os pedidos das pessoas que não possuem capacidade econômica para aquisição de medicamentos necessários ao tratamento de suas doenças. Na grandeza do jogo democrático, entre o interesse do Estado e o direito fundamental à saúde, os juízes fizeram a opção pela garantia da vida dos cidadãos. E para fazer valer essa escolha, diante da teimosia das autoridades públicas, os magistrados por vezes têm que usar de muita energia e determinação. (GOUVÊA, 2004, p.199)

                  

            Em linhas gerais, a discussão entre o interesse do Estado e o interesse do particular, nesse caso, os juízes vêm buscando garantir, preservar a dignidade da pessoa, melhorando ou restabelecendo uma vida saudável.

            Vale lembrar que, mesmo o direito à saúde sendo um direito fundamental, portanto, de aplicação imediata, conforme o próprio texto constitucional, em seu artigo 5º, § 1º, “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.”

           Não é esse o entendimento de D’ARBO, a norma que prevê o direito a saúde é uma norma de eficácia limitada, logo necessita de complementação, de uma regulamentação.          Portanto sem uma norma regulamentadora se tornaria uma norma constitucional sem eficácia.

           Nota-se tal entendimento em seu texto “O princípio da legalidade e o direito à saúde”, conforme abaixo citado:

Ao analisar as normas que disciplinam o direito à saúde e a classificação das normas constitucionais, conclui-se que, embora prescrevam um direito fundamental, não têm aplicação imediata, dependendo de atuação futura e legiferante do poder público, por meio de políticas públicas. (D’ARBO, 2011, p. 53)

                 

Observa-se que por ser considerado pelos doutrinadores como direito fundamental, o direito não é efetivado de imediato, assim, a insuficiência de lei regulamentadora impede a administração pública de atuar, o que leva os cidadãos a buscarem soluções no Poder Judiciário (D’ARBO, 2011, p. 54)

A solução encontrada, por alguns, é a utilização do mandado de segurança, tendo em vista a urgência da situação. Deverá, todavia, preencher alguns requisitos para conseguir impetrar com o mandado de segurança. O ato de autoridade negando o medicamento ou tratamento, a comprovação do direito líquido e certo lesionado, comprovado de plano e devendo estar no prazo para a impetração, ou seja, 120 dias a contar da negativa por parte da autoridade. Passando do prazo para a utilização do writ constitucional, poderá o interessado buscar seu direito com outras ações, por exemplo, a ação de obrigação de fazer. 

                     Porém, D´ARBO, traz, também a impossibilidade da utilização do mandado de segurança para o fornecimento de medicamentos

Não é todo e qualquer direito que pode ser protegido pela via mandamental, mas apenas o direito líquido e certo que, segundo posicionamento já consolidado, é aquele direito titularizado pelo impetrante, embasado em situação fática perfeitamente delineada e comprovada de plano por meio de prova pré-constituída. É direito capaz de ser comprovado de plano (D´ARBO, 2011, p.83).

                     

Como se nota, “o direito a saúde, genericamente considerado e dirigido a todos, é um direito líquido e certo, comprovado de plano, contudo o direito a um medicamento ou tratamento não é” (D’ARBO, 2011, p.84). Sendo assim afastando a possibilidade da utilização do remédio constitucional, tendo em vista a impossibilidade de provar de plano o direito líquido e certo.

Isto é, em se tratando de prova comprovada de plano no mandado de segurança, afirma D’ARBO:

E, para tanto, é evidente que não basta uma singela receita médica, principalmente sabendo-se que existem tantas e tão constantes divergências de diagnóstico e de indicação de tratamento de um médico para o outro, levanto-se em conta o grau de conhecimento, a sua experiência, a sua linha de conduta etc.

                  

Portanto, segundo D’ARBO, não caberia o writ constitucional para o fornecimento de medicamentos e tratamentos, tendo em vista a falta de prova pré-constituída. Sendo que, “a ausência de prova irrefutável do alegado na inicial, por si só, afasta a liquidez e certeza do direito, afastando a possibilidade de utilização do mandado de segurança (D’ARBO, 2011, p.84).

               No entanto, não é esse o entendimento que prevalece nos Tribunais. Segundo entendimento do Superior Tribunal de Justiça, O Ministro Relator Mauro Campbell Marques, afirma:
 
É admissível, em sede de mandado de segurança, prova constituída por laudo médico elaborado por médico particular atestando a necessidade do uso de determinado medicamento, para fins de comprovação do direito líquido e certo capaz de impor ao Estado o seu fornecimento gratuito. (AgRg no Ag 1107526/MG AGRAVO REGIMENTAL NO  AGRAVO DE INSTRUMENTO 2008/0210336-7)

                      Por sua vez, o atestado médico particular é admitido para comprovação do direito líquido e certo do impetrante. Outrossim, o Ministro Luiz Fux, elucida:

Consectário lógico é que se laudos de médicos particulares são, por força da jurisprudência, válidos para concessão de aposentaria e isenção de imposto de renda, quando há dispositivo legal que determine a expedição de laudo oficial para a concessão do benefício, tanto mais valerá como elemento de prova (AgRg no Ag 1194807/MG AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO 2009/0105479-2)

Destarte, o entendimento pacífico do Tribunal perante a utilização de apenas laudos médicos particulares para a concessão de outros direitos, como a isenção de imposto de renda, ou até mesmo para a concessão de aposentadoria, torna possível a utilização do laudo médico particular para a impetração do mandado de segurança para o fornecimento de medicamentos.

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo tem o mesmo entendimento, Des. Décio Notarangeli, afirma,

[...] médico regularmente habilitado, presumem-se idôneos a prescrição e o tratamento ministrados, cuja responsabilidade é do profissional e não do Poder Público, pelo que dispensável a apresentação de receituário da rede oficial do Estado (Ap. nº. 990.10.193159-1, rel. Des. Décio Notarangeli, j. 15/12/2010)

Por iguais razões, Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo Amorim Cantuária, conclui:

Outrossim, não cabe à apelante questionar o procedimento ou medicamentos prescritos, uma vez que o profissional da área médica, além de ser responsável pelo tratamento recomendado, é a pessoa mais indicada para aferir qual a melhor forma de tratar as moléstias que acometem seus pacientes, levando em conta peculiaridades clínicas que não comportam discussão no âmbito deste mandado de segurança (APELAÇÃO nº 0005108.12.2011.8.26.0297, registro sob nº Registro: 2012.0000271596)

No mesmo sentido, afirmando o entendimento da jurisprudência dominante, Gouvêa elucida acerca do tema,

[...] nos quais os entes de direito público recorrentes alegavam inexistir direito líquido e certo amparar as pretensões dos autores, deduzidas através de mandado de segurança. Por entender que a averiguação da liquidez e certeza daqueles direitos exigiria uma reavaliação do acervo probatório, o Tribunal inadmitiu tais recursos, nos termos da Súmula 7. Nos demais acórdãos proferidos pelo STJ, verifica-se a plena aceitação dos pedidos de medicamentos. Mesmo em arestos que, primordialmente, voltam-se para questões processuais, percebe-se uma nítida inclinação em favor do acolhimento destas pretensões.

Conclui-se, portanto, que a orientação recente do STJ é francamente favorável ao reconhecimento de direito ao fornecimento de medicamentos pelo Estado (GOUVÊA, 2004, p. 205), lembrando que o laudo médico configura prova pré-constituída, feito por um profissional da área médica, sendo assim, presume, idôneos a prescrição e os tratamentos ministrados, por fim dispensável a apresentação de laudo médico da rede oficial do Estado.

6. REQUISITOS PARA IMPETRAÇÃO DO MANDADO DE SEGURANÇA

 

                               

            O Mandado de Segurança é uma ação, logo, se sujeita aos seguintes requisitos, indispensáveis ao seu cabimento: possibilidade jurídica do pedido, interesse de agir e legitimidade ativa. Mas o writ, além de ser ação, também é uma garantia constitucional (CF, art 5, LXIX). (BULOS, 2007, p.579)

Nota-se que o instrumento mandado de segurança necessita preencher os requisitos como qualquer outra ação teria que preencher e mais os requisitos específicos, sejam eles: direito líquido e certo, prática de ato comissivo ou omissivo, ilegalidade ou abuso de poder e lesão ou ameaça de lesão. Como podemos observar na Lei nº 12016/2009, em seu artigo primeiro, a seguir transcrito:

Art. 1o  Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça. 

          

6.1.  Direito líquido e certo

 

               Requisito para ser legítimo o Mandado de Segurança, o direito líquido e certo é em si o direito do próprio do impetrante. Sendo o direito de outro, fica o indivíduo impossibilitado na utilização do Mandado de Segurança para a solução do conflito, porém, podendo se valer de outras medidas judiciais, como por exemplo, ação popular ou a ação civil pública. (MEIRELLES, 2008, p.38).

            

. Em se tratando do contraditório e ampla defesa nota-se, que, segundo ilustre doutrinador:

[...] por se exigir situações e fatos comprovados de plano é que não há instrução probatória no mandado de segurança. Há, apenas, uma dilação para informações do impetrado  sobre as alegações e provas oferecidas pelo impetrante, com subseqüente manifestação do Ministério Público sobre a pretensão do postulante. Fixada a lide nestes termos, advirá a sentença considerando unicamente o direito e os fatos comprovados com a inicial e as informações (MEIRELLES, 2008, p.39)

           

           Para o fornecimento de medicamento, a petição inicial deve ser demonstrado o direito líquido e certo será comprovado pelo laudo médico, particular ou funcionário público, desde que regularmente habilitado, comprovando de plano tal direito a ser garantido.

          Conforme o entendimento do Desembargador Relator do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Camargo Pereira, in verbis:

Há nos autos prova documental de que a impetrante sofre de Artrite Reumatóide, tendo o médico que a assiste receitado o medicamento em questão. Tudo isto está atestado pelo receituário médico que consta nos autos (fls. 13) e, por serem provenientes de profissional médico regularmente

habilitado, presumem-se idôneos as prescrições e os tratamentos indicados. (APELAÇÃO CÍVEL Nº. 0166189- 27.2007.8.26.0000, grifo nosso)

    

Observa-se que, o médico regularmente habilitado é fundamental para que seja possível ser apreciado o direito liquido e certo do impetrante, lembrando que, no mandado de segurança inexiste fase probatória, tendo em visa sua urgência, logo, não existindo outra oportunidade para se comprovar a doença presente.

6.2. Ato de autoridade comissivo ou omissivo

 

O remédio constitucional aqui exposto, somente poderá ser impetrado contra autoridade. Para isso cabe distinguir, o que exatamente, seria a autoridade coatora.

Segundo o critério utilizado por GRECO FILHO é verificar se a autoridade que praticou o ato tem competência para desfazê-lo (GRECO FILHO, 2010, p 15). Portanto, tendo poderes para praticar o ato, tendo consequentemente os mesmos poderes para desfazê-lo, não se subordinando a nenhuma autoridade.

Para melhor compreensão, Meirelles faz o comentário distinguindo autoridade pública e agente público:

Deve-se distinguir autoridade pública do simples agente público. Aquela detém, na ordem hierárquica, poder de decisão e é competente para praticar atos administrativos decisórios, os quais, se ilegais ou abusivos, são suscetíveis de impugnação por mandado de segurança quando ferem direito líquido e certo; este não pratica atos decisórios, mas simples atos executórios, e, por isso, não responde a mandado de segurança, pois é apenas executor de ordem superior. (MEIRELLES, 2008, p.36)

        

Portanto, existem dois gêneros de autoridade, autoridade pública e agente público, sendo o critério para distingui-las e identificá-las, é o poder decisório. Enquanto a autoridade pública possui grande poder discricionário, decisório e, portanto tendo o poder de desfazer o ato que praticou, o agente público não pratica atos decisórios, são simples atos executórios, portanto, não passíveis de mandado de segurança.

Como mencionado no começo do capítulo, os atos de autoridade poderiam se configurar sendo qualquer manifestação, desde que, praticados por autoridade pública. Ao longo dos anos a doutrina e jurisprudência firmaram o entendimento de que os atos judiciais, ou seja, acórdão, sentença ou despacho, seriam passíveis de mandado de segurança, desde que os efeitos chegassem a atingir o direito líquido e certo.

Tal é o entendimento de MEIRELLES (2008, p.36):

Atualmente é pacífico o entendimento de que os atos judiciais – acórdão, sentença ou despacho – configuram atos de autoridade, passíveis de mandado de segurança, desde que ofensivos de direito líquido e certo do impetrante, como também os atos administrativos praticados por magistrados no desempenho de funções de administração da justiça sujeitam-se a correção por via do mandamus.

       

No Mandado de segurança, tanto individual, como coletivo, o objeto do mandado de segurança será sempre a correção de ato ou omissão de autoridade, desde que ilegal e ofensivo de direito individual ou coletivo, líquido e certo, do impetrante (MEIRELLES, 2008, p.41).

Para utilização do mandado de segurança para o fornecimento do medicamento, é necessária a comprovação da negativa de fornecimento, ou seja, a recusa da Administração em fornecer determinado medicamento solicitado. Conforme elucida o Ilustre Desembargador, relator do Tribunal de Justiça de São Paulo, Carvalho Viana, in verbis: 

Sabe-se que é garantia constitucional a assistência integral à saúde, inclusive a assistência farmacêutica (art. 6º, I, d da Lei 8080/90), de modo que a recusa da Administração em fornecer o necessário tratamento do impetrante, afronta o direito que é constitucionalmente garantido a todos, sem qualquer discriminação econômico-social ou mesmo do tipo de medicamento indicado para cada cidadão. (Registro: 2012.0000277281, Apelação nº 0175061-94.2008.8.26.0000, grifo nosso)

       

 A negativa do Estado perante o particular ocorre, portanto o ato de recusar o fornecimento de medicamento solicitado. Atualmente o SUS possui um mecanismo padronizado de medicamentos disponíveis, uma tabela de medicamentos padronizados. Conforme elucida D’ ARBO:

Há previsão de diversos medicamentos que são distribuídos gratuitamente nos programas de assistência farmacêutica e que atendem a grande parcela da população e ficam disponíveis nas farmácias hospitalares e ambulatoriais, de acordo com as necessidades e peculiaridades locais. São os chamados medicamentos padronizados. (D’ARBO, 2011, p.87):

Sem uma padronização, o poder público jamais conseguiria ou conseguirá atender a toda a demanda da população brasileira para todas as áreas da saúde (D’ARBO, 2011, p.87). De fato, a padronização é procedimento administrativo feito pelo Ministério da Saúde que traduz expresso cumprimento ao princípio da legalidade (D’ARBO, 2011, p.87). Porém, caso o particular interessado receba uma recusa da administração com o fundamento de que o remédio solicitado não se encontra na listra padronizada, o ato de autoridade fica configurado, portanto, a recusa da Administração em fornecer o necessário tratamento.

6.3.  Prazo para impetração

 

 

O prazo para impetração está previsto na Lei, 12016/2009, que disciplina o mandado de segurança, em seu artigo 23, in verbis:

Art.23 O direito de requerer mandado de segurança extinguir-se-á decorridos 120 (cento e vinte) dias, contados da ciência, pelo interessado, do ato impugnado.

O prazo para impetrar mandado de segurança é de cento e vinte dias, a contar da data em que o interessado tiver conhecimento oficial do ato a ser impugnado. Este prazo é de decadência do direito a impetração, e, como tal, não se suspende nem se interrompe desde iniciado. (MEIRELLES, 2008, p.59).

Observa-se nos casos para o pedido de medicamentos o prazo deve se contar, portanto, 120 (cento e vinte) dias do conhecimento do ato oficial, sendo a partir daquele momento capaz de produzir lesões.

Conclui-se que, o prazo previsto pelo legislador é de 120 (cento e vinte) dias a contar da ciência do ato impugnado, ou seja, da negativa da Administração para o fornecimento do medicamento, poderá ser, também, a natureza do writ preventivo, ou seja, buscando evitar futuras lesões, desde que o ato já esteja em construção, suspenso ou apenas faltando algum complemento para sua completa formação, e apto a causar efeitos. Observando-se, conforme o entendimento de Meirelles citado, a decadência do prazo, bem como sua prescrição ao longo da demanda.

       7. LEGITIMIDADE ATIVA E PASSIVA PARA O MANDADO DE SEGURANÇA

 

 

Do latim “legitimu”, significa legítimo. Ser legítimo, podemos entender, que significa estar de acordo com os requisitos necessários para determinado objetivo, ou seja, de acordo com as leis, lógica ou a razão.

             No caso da legitimidade ativa, o requisito a ser preenchido pelo impetrante é ser detentor do direito líquido e certo, não podendo ser esse direito amparado por habeas corpus ou habeas data. AIERES FILHO divide ainda dois grupos de pessoas capacitadas para impetrar com o mandado de segurança. Sendo elas pessoas propriamente ditas (físicas e jurídicas) e órgãos despersonalizados, porém dotados de capacidade processual ou capacidade de estar em Juízo (AIERES FILHO, 1998, p.25).

             Ainda, acerca da legitimidade ativa, efetivamente, além das pessoas e entes personificados, na ordem privada, podem ainda lançar mão do mandado de segurança as universidades (reconhecidas por lei); o espólio; a massa falida; o condomínio; a herança jacente ou vacante (AIERES FILHO, 1998, p.26, grifo autor).

        

 

8. COMPETÊNCIA NO MANDADO DE SEGURANÇA PARA O FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO

 

 

             A princípio, os mandado de segurança contra atos das autoridades estaduais e municipais, o juízo competente será o da respectiva comarca, conforme entendimento de MEIRELLES:

Para os mandados de segurança contra atos das autoridades estaduais e municipais o juízo competente será sempre o da respectiva comarca, circunscrição ou distrito, segundo a organização judiciária de cada Estado, observados os princípios constitucionais e legais pertinentes. (MEIRELLES, 2008, p.76)

Vale lembrar que não importa a natureza do ato, ”para a fixação do juízo competente em mandado de segurança não interessa a natureza do ato impugnado; o que importa é a sede da autoridade coatora e sua categoria funcional, reconhecida nas normas de organização judiciária pertinente.” (MEIRELLES, 2008, p.77)

Além disso, nas comarcas em que haja Varas privativas das Fazendas Públicas o juízo competente para o mandado de segurança será sempre o dessas Varas, conforme o ato impugnado provenha de autoridade federal, estadual ou municipal, tal é o entendimento de MEIRELLES:

 Nas comarcas em que haja Varas primitivas das Fazendas Públicas o juízo competente para mandado de segurança será sempre o dessas Varas, conforme o ato impugnado provenha de autoridade federal, estadual ou municipal, ou de seus delegados, por outorga legal, concessão ou permissão administrativa (MEIRELLES, 2008, p.78).

Vale lembrar que o dever de assistência à saúde é obrigação do Estado e também é solidária entre os entes federativos. Portanto, sendo a União, o Estado, o Distrito Federal e o Município são partes legítimas para figurar no pólo passivo.

Afirma sobre o tema Desembargador e relator Peiretti de Godoy do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo,

A obrigação de assistência à saúde é solidária e concorrente entre os entes federativos. Destarte, a União, o Estado, o Distrito Federal e o Município são partes legítimas para figurar no pólo passivo nas demandas cuja pretensão é o fornecimento de medicamentos imprescindíveis à saúde de pessoa carente podendo a ação ser proposta em face de quaisquer deles ou contra todos. (Registro: 2012.0000298675, AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 0044175-65.2012, grifo nosso)

 

Isto é, as demandas que têm como pretensão o fornecimento de medicamentos essenciais à vida e à saúde de pessoa carente poderá ser impetrada em face da União, Estado, Distrito Federal ou Município, tendo em vista a obrigação de assistência solidária e concorrente.

            Tem o mesmo entendimento o Supremo Tribunal Federal Ministro do Supremo Tribunal Federal e relator, Luiz Fux conclui:

 

Qualquer dos entes políticos da federação tem o dever na promoção, prevenção e recuperação da saúde. 2. A ausência da inclusão de fraldas geriátricas nas listas prévias, quer no âmbito municipal, quer estadual, não pode obstaculizar o seu fornecimento por qualquer dos entes federados, desde que demonstrada a imprescindibilidade para a manutenção da saúde do cidadão, pois é direito de todos e dever do Estado promover os atos indispensáveis à concretização do direito à saúde, quando desprovido o cidadão de meios próprios. (RE 668724 AgR / RS - RIO GRANDE DO SUL  AG.REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO Julgamento:  24/04/2012 , grifo nosso)

         Vale lembrar que a Constituição Federal em seu artigo 24, prevê a competência concorrente da União, Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente, in verbis:

         

Artigo 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:

[...] XII- previdência social, proteção e defesa da saúde.( grifo nosso )

          Observa-se, ainda, a Lei regulamentadora do SUS, 8080/90, divide a competência entre o entes federativos, em seu artigo 16 e seguintes, in verbis:

Art. 16.A direção nacional do Sistema Único da Saúde  (SUS)compete:

I - formular, avaliar e apoiar políticas de alimentação e nutrição;

II - participar na formulação e na implementação das políticas [...]

         Em artigos 17 e 16 é observada a competência, Estadual e Municipal, de direção do SUS, in verbis:

 Art. 17. À direção estadual do Sistema Único de Saúde (SUS) compete:                                                 I - promover a descentralização para os Municípios dos serviços e das ações de saúde;                                                                                                              II - acompanhar, controlar e avaliar as redes hierarquizadas do Sistema Único de Saúde (SUS);                                                                                    III - prestar apoio técnico e financeiro aos Municípios e executar supletivamente ações e serviços de saúde [...]

Art. 18. À direção municipal do Sistema de Saúde (SUS) compete:                 I - planejar, organizar, controlar e avaliar as ações e os serviços de saúde e gerir e executar os serviços públicos de saúde;                                                 II - participar do planejamento, programação e organização da rede regionalizada e hierarquizada do Sistema Único de Saúde (SUS), em articulação com sua direção estadual;                                                                   III - participar da execução, controle e avaliação das ações referentes às condições e aos ambientes de trabalho [...]

                                                                                                                                                      

        Porém, os medicamentos de alta complexidade e os básicos, além de outras regulamentações são feitas através de um Plano Diretor de Regionalização ( PDR) . Conforme a prevê a Portaria 373 de 27 de fevereiro de 2002, Capitulo 1, nº 3:

3. O PDR fundamenta-se na conformação de sistemas funcionais e resolutivos de assistência à saúde, por meio da organização dos territórios estaduais em regiões/microrregiões e módulos assistenciais; da conformação de redes hierarquizadas de serviços; do estabelecimento de mecanismos e fluxos de referência e contra-referência intermunicipais, objetivando garantir a integralidade da assistência e o acesso da população aos serviços e ações de saúde de acordo com suas necessidades.( grifo nosso )

 

           A garantia mínima de tratamentos e medicamentos está prevista no mesmo capítulo da Portaria, nº 4, in verbis:

4. O PDR deverá ser elaborado na perspectiva de garantir:

a) O acesso dos cidadãos, o mais próximo possível de sua residência, a um conjunto de ações e serviços vinculados às seguintes responsabilidades mínimas:                                                                                                             - assistência pré-natal, parto e puerpério;                                                                                                     - acompanhamento do crescimento e desenvolvimento infantil;                                                               - cobertura universal do esquema preconizado pelo Programa Nacional de Imunizações, para todas as faixas etárias;                                                                                                                                               - ações de promoção da saúde e prevenção de doenças                                                                                - tratamento das intercorrências mais comuns na infância;                                                                             - atendimento de afecções agudas de maior incidência;                                       - acompanhamento de pessoas com doenças crônicas de alta prevalência;                                                                                                                              - tratamento clínico e cirúrgico de casos de pequenas urgências ambulatoriais;- tratamento dos distúrbios mentais e psicossociais mais freqüentes;                                                                                                                - controle das doenças bucais mais comuns;- suprimento/dispensação dos medicamentos da Farmácia Básica. ( grifo nosso )

           Vale lembrar, ainda, a competência solidária entre os entes federativos nos procedimentos de alta complexidade, Portaria 373 de 27 de fevereiro de 2002 em seu Capitulo 1.5 Da Política de Atenção de Alta Complexidade, nº 23.1:

23.1. A garantia de acesso aos procedimentos de alta complexidade é de responsabilidade solidária entre o Ministério da Saúde e as Secretarias de Saúde dos estados e do Distrito Federal. ( grifo nosso )

           A competência municipal acerca do fornecimento de medicamentos e tratamentos de alta complexidade e alto custo, está prevista no mesmo Capitulo, nº 25.1:

25.1 A regulação dos serviços de alta complexidade será de responsabilidade do gestor municipal, quando o município encontrar-se na condição de gestão plena do sistema municipal, e de responsabilidade do gestor estadual, nas demais situações.

           Portanto, a competência de fornecimento de medicamento é solidária entre os entes da Federação, devendo respeitar o seu Plano Diretor Previsto, previsto pela Portaria 373/2002. Porém, observa-se, o mínimo de tratamento deve ser preservado, bem como a garantia de acesso aos procedimentos de alta complexidade de responsabilidade solidária entre a União e os estados e do Distrito Federal.

9. A PETIÇÃO INICIAL E NOTIFICAÇÃO

 

 

                A petição inicial de mandado de segurança, além de atender às exigências do art. 282 do CPC, deve ser apresentada com cópias de seu texto e de todos os documentos que a instruem para encaminhamento ao impetrado, juntamente com o ofício de notificação (MEIRELLES, 2008, p.80). Vale lembrar, para o fornecimento de medicamentos, é obrigatório o relatório do médico, nos documentos que seguem junto com a petição inicial.

Em linhas gerais, a União e o Estado, em ações ordinárias, serão citados na pessoa de seus procuradores, e o Município na pessoa do prefeito ou procurador; no mandado de segurança será notificada a própria autoridade. (GRECO FILHO, 2010, p.14 )

GRECO FILHO comenta acerca do tema:

Ainda que o objeto seja o mesmo e ainda que tenha sido impetrada a segurança, se, faltando qualquer de seus pressupostos, não puder ser conhecido o mérito da causa, a ação ordinária sucedânea seguirá essas regras de legitimidade, sob pena de carência da ação (GRECO FILHO, 2010, p.10).

               Deferindo a inicial, o juiz ordenará a notificação pessoal do impetrado, o que é feito por ofício acompanhado das cópias da inicial e documentos, com a fixação do prazo de dez dias para prestação das informações (MEIRELLES, 2008, p.80).

             Observa-se, a Lei n. 12.016/2009, em seu artigo 10, regulamenta neste sentido, previsto o indeferimento da petição inicial, in verbis:

Art. 10. A inicial será desde logo indeferida, por decisão motivada, quando não for o caso de mandado de segurança ou lhe faltar algum dos requisitos legais ou quando decorrido o prazo legal para a impetração.

 

          

  Como se nota, nos casos de indeferimento da inicial, por não ser caso de mandado de segurança ou por falha nos requisitos processuais, os autos serão arquivados. Ensina MEIRELES sobre o tema:

O despacho de indeferimento da inicial, como é óbvio não adentra o mérito da segurança, e, portanto, se configurando em apelação, ou proferido em acórdão originário, não enseja recurso ordinário ou extraordinário e não impede se repita a impetração em termos adequados às exigências processuais (MEIRELLES, 2008, p.82).

 

10. PEDIDO DE LIMINAR NO MANDADO DE SEGURANÇA

 

               O pedido de liminar no mandado de segurança visa à concessão da tutela desde o início da ação, evitando um dano irreparável ou de difícil reparação, desde que preenchidos requisitos legais para sua admissibilidade.

              A liminar não é uma liberalidade da Justiça; é medida acauteladora do direito do impetrante, que não pode ser negada quando ocorrem seus pressupostos como, também, não deve ser concebida quando ausentes os requisitos de sua admissibilidade (MEIRELLES, 2008, p.84). Deverá preencher requisitos estabelecidos em lei para sua concessão. MEIRELLES ensina sobre o tema:

Para a concessão da liminar devem concorrer os dois requisitos legais, ou seja, a relevância dos motivos em que se assenta o pedido na inicial e a possibilidade da ocorrência de lesão irreparável ao direito do impetrante se vier a ser reconhecido na decisão de mérito- fumus boni júris e periculum in mora (MEIRELLES, 2008, p.83, grifo nosso)

Os requisitos para a concessão de liminar se distinguem de tutela antecipada, sendo esse utilizado em diversas situações, desde que preenchidos os requisitos do art. 273 do CPC. Porém, ambos possuem o fumus boni júris e periculum in mora (fumaça do bom direito e perigo da demora) previsto no art. 273 do CPC, in verbis:

Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e:

                                      I - haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação              

         

MEIRELLES entende que, “a medida liminar não é concedida como antecipação dos efeitos da sentença final, é procedimento acautelador do possível direito do impetrante, justificado pela iminência de dano irreversível de ordem patrimonial, funcional” (MEIRELLES, 2008, p. 83). Sendo assim, busca a proteção, de dando de ordem patrimonial ou funcional. Por isso mesmo, não importa pré-julgamento; não afirmam direitos; nem nega poderes à Administração. Preserva, apenas, o impetrante de lesão irreparável, sustando provisoriamente os efeitos do ato impugnado (MEIRELLES, 2008, p.83). Além disso, devemos observar as vedações para a concessão estão previstas no §5º do artigo 7º da Lei 12.016/2009.

Além disso, nem sempre o mandado de segurança será acompanhado do pedido de liminar, somente quando a demora da solução do conflito acarretar em um dado que não poderá mais ser reparado. Acerca do tema afirma GRECO FILHO:

A liminar não é condicionante do mandado, o qual pode ser processado sem ela, mas deverá ser concedida quando a demora puder acarretar dano irreparável para o impetrante. Deve o juiz conceder também a medida quando a lesão ao direito individual puder consumar-se com a demora [...]. (GRECO FILHO, 2010, p.31).

Destarte, o critério da liminar, portanto, não é o prognóstico de sucesso da concessão definitiva, mas sim a irreparabilidade do dando no caso da demora, desde que exista fundamento relevante. (GRECO FILHO, 2010, p.31).

Vale lembrar que, os efeitos da liminar, se concedida, persistem até a sentença final, ficando mantidos se o mandado for procedente e automaticamente cassado se denegada à ordem por qualquer motivo (GRECO FILHO, 2010, p.32). Prevê o artigo 7º, §3º, “Os efeitos da medida liminar, salvo se revogada ou cassada, persistirão até a prolação da sentença.”

Portanto, permanecerá os efeitos se ficar provado o direito do impetrante, podendo caso contrário ser denegar a liminar. O doutrinador e professor GRECO FILHO entende que “da decisão do juiz de primeiro grau, que conceder ou denegar a liminar, cabe agravo de instrumento, nos termos do Código de Processo Civil (§ 1º) (GRECO FILHO, 2010, p.32). Conforme norteia o artigo 7º da Lei 12.016/2009, in verbis:    

 

Art.7º Ao despachar a inicial, o juiz ordenará:

[...] § 1º Da decisão do juiz de primeiro grau que conceder ou denegar a liminar caberá agravo de instrumento, observado o disposto na Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo civil

 

10.1 A Liminar para o fornecimento de medicamentos

 

O pedido de liminar no mandado de segurança que busca o fornecimento de medicamento tem grande importância, tendo em vista a urgência dos casos. Como, por exemplo, a rápida proliferação de determinada doença que necessite de um medicamento para conter e restabelecer a saúde. Por isso, normalmente, tais mandados de segurança acompanham o pedido de liminar.

Cumpre examinarmos neste passo, o artigo 461 do Código de Processo Civil, in verbis:

Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.

              

  É de verificar-se, que o mandado visa o cumprimento de obrigação de fazer por parte do Estado, exigindo a prestação positiva.

Observamos no mesmo artigo em seu parágrafo §3º, “sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou mediante justificação prévia, citado o réu [...]”. Sendo assim, como visto anteriormente, o fato de existir uma possibilidade de dano irreversível é um requisito fundamental, tendo em visa que, se o dano se concretizar, não podendo mais ser reparado, não existe mais utilidade da ação. Podemos exemplificar nos casos de uma doença crônica, que o paciente e impetrante necessita de caráter urgente medicamentos, correndo o risco de perder a vida.

Outrossim, nos casos em que for deferida a concessão de liminar e por parte da Administração não ocorrer o cumprimento da obrigação, o juiz poderá impor multa diária, fixando um prazo pra seu cumprimento, conforme prevê artigo 461,§ 4º “O juiz poderá, na hipótese do parágrafo anterior ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido ao autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando-lhe prazo razoável para o cumprimento do preceito.”

Conforme o entendimento Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo o Desembargador, relator Vicente de Abreu Amadei, acórdão proferido em 26/06/2012, ensina:

Concessão de medida liminar em mandado de segurança é espécie de tutela de urgência, necessária à efetividade do processo, de feição excepcional e natureza satisfativa (não apenas conservativa, como é a cautelar), embora provisória e resultante de sumária cognição, que, na forma do prescrito no art. 7º, III, da Lei nº 12.016/09, pressupõe: (a) fundamento relevante; (b) perigo da ineficácia da medida. (Agravo de Instrumento nº 0062972-89.2012.8.26.0000, reg. 2012.0000309297)

Portanto, dois requisitos necessários para a concessão da liminar, o fundamento relevante bem como o perigo da ineficácia da medida.

Por tais razões, a liminar no mandado de segurança é um meio eficiente para proteger o impetrante de um dano irreparável ou aquele dano de difícil reparação, nas ações que visam o fornecimento de medicamentos, tratamentos, portanto, são matérias relacionadas à vida, à saúde, à dignidade da pessoa, de modo geral um bem estar físico e psicológico. Destarte a liminar salva vidas que dependem de uma decisão judicial autorizando tal benefício. A demora dos procedimentos, a burocracia, a formalidade, dependendo do caso pode ser a causa do agravamento da doença ou a perda da vida do paciente, impetrante.

CONCLUSÃO

 

                A demora no fornecimento do medicamento ou a recusa pode significar, por vezes, um sistema de saúde inútil. Sendo assim, para garantir a eficácia do direito à saúde, bem como o direito ao fornecimento de medicamentos, o nosso ordenamento jurídico permite algumas medidas judiciais, dentre elas o mandado de segurança. 

               Um breve estudo dos antecedentes históricos do direito à saúde demonstra uma preocupação em preservar a dignidade da pessoa humana, tanto no Brasil como no estrangeiro. No início, a garantia do direito à saúde estava principalmente ligada aos trabalhadores. No Brasil, a preocupação com a efetivação do direito à saúde e, consequentemente, ao fornecimento de medicamentos, surgiu na década de 90, com os inúmeros casos de HIV. Atualmente, o direito à saúde está previsto em nossa Constituição Federal nos artigos 196 e seguintes, bem como previsão legal do Sistema Único de Saúde, regulamentado posteriormente com a lei nº 8080/90.

              Em síntese, o dever do Estado na efetivação do direito à saúde é exercido pelo SUS; sendo assim, para o fornecimento de medicamentos, o Ministério da Saúde criou vinculado ao SUS, uma lista padronizada de medicamentos, chamada de RENAME. Tal lista tem como objetivo estabelecer quais serão os medicamentos que poderão ser fornecidos. Desta forma, o ato de autoridade que negar o fornecimento de medicamentos com fundamento da não-previsão na lista padronizada do SUS, poderá ser objeto do mandado de segurança. Além disso, a demora do fornecimento também pode ser objeto do mandado de segurança, tendo em vista a omissão da Administração na preservação do direito à saúde.

            A utilização do mandado de segurança para o fornecimento de medicamentos vem sendo aceita pela jurisprudência. Porém, alguns requisitos devem ser preenchidos para que seja julgado procedente o pedido, dentre estes a negativa ou a omissão da autoridade coatora (dentro do prazo de cento e vinte dias), e a prova pré-constituída do direito líquido e certo do impetrante. No entanto, alguns doutrinadores não concordam com a utilização do writ constitucional para tal pretensão, pois o simples atestado médico particular não é considerado como uma prova pré-constituída. Sendo assim, devendo o indivíduo procurar a solução do seu conflito nas vias ordinárias, como, por exemplo, ação de obrigação de fazer com pedido de tutela antecipada. Destarte, não é esse o entendimento da jurisprudência dominante, o laudo médico particular desde que seja de um médico regularmente constituído é considerado como uma prova suficiente para demonstrar a necessidade de determinado medicamento.

            Além dos requisitos necessários para possibilitar o fornecimento dos medicamentos através do mandado de segurança, deverão ser observados os requisitos como legitimidade ativa do impetrante e a legitimidade passiva, podendo ser autoridade municipal, estadual e federal.

            O pedido de liminar no mandado de segurança para o fornecimento de medicamentos é muito utilizado, tendo em vista a urgência da solução de um conflito, pois, a natureza da doença pode, em determinados casos, necessitar de um tratamento o mais rápido possível, para não agravar mais ainda o quadro do impetrante. Lembrando que sem a concessão da liminar pode ocorrer a ineficácia da medida, nos casos em que o medicamento é essencial para a manutenção da vida.      

            Este trabalho não visa criticar o Sistema Único de Saúde, e sim elucidar alguns fatos e controvérsias existentes no campo jurídico, não se pretende também exaurir o tema tão complexo, ao invés disso, o objetivo é trazer novas contribuições para o Direito.          

             Ante todas as considerações, o Estado e a população devem caminhar juntos para conseguir construir uma sociedade mais justa e solidária. O mandado de segurança utilizado para o fornecimento de medicamentos é um instrumento usado para garantir um direito previsto constitucionalmente e para sanar um problema temporário, ou seja, a saúde que deve ser preservada ou restaurada.

        

REFERÊNCIAS

 

ABREU, Ana Rosa (coord.). Saúde. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seb/ arquivos/pdf/livro092.pdf.> Acesso em: 01 de maio de 2012

AIERES FILHO, Durval. Dez Faces do Mandado de Segurança. Brasília: Brasília Jurídica, 1988.

ARAÚJO, Luiz Alberto David; Nunes Júnior, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional. 13.ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Celso Bastos Editora, 2002.

BULOS, Uadi Lammêgo, Curso de direito constitucional. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

CAPEZ, Fernando. Direito Constitucional. 16. ed. São Paulo: Damásio de Jesus, 2007

CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2009.

COHN, Amélia, Saúde no Brasil; políticas e organizações de serviços. 6. ed. São Paulo: Cortez: CEDEC, 2005.

D’ARBO, Carla Pittelli Paschoeal. O princípio da legalidade e o direito à saúde. In: Revista da Escola Superior da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, v. 2, n. 1, jan/dez 2011. São Paulo: Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, Escola Superior, 2011.

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 34. ed. São Paulo, Saraiva, 2008.

GOUVEA, Marcol Maselli. O Direito ao Fornecimento Estatal de Medicamentos. In: A Efetividade dos Direitos Sociais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004.

GRECO FILHO, Vicente. O novo mandado de segurança: (comentários à Lei n. 12.016/2009, de 7 de agosto de 2009). São Paulo: Saraiva, 2010.

LENZA, Pedro. Direito Constitucional esquematizado. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

LOTTENBERG, Claudio. A saúde brasileira pode dar certo. São Paulo: Atheneu, 2007.

MACHADO, Gustavo Silveira. Fornecimento de Medicamentos no Sistema Único de Saúde. Disponível em: <   http://bd.camara.gov.br/bd/bitstream/handle/bdcamara/4323/ fornecimento _ medicamento_machado.pdf?sequence=1. Acesso em: 28 de maio de 2012.

______. Fornecimento de Medicamentos no Sistema Único de Saúde. Disponível em: <http://bd.camara.gov.br/bd/bitstream/handle/bdcamara/4323/fornecimento_medi camento_machado.pdf?sequence=1>. Acesso em: 05 de junho de 2012.

______. Fornecimento de Medicamentos no Sistema Único de Saúde. Disponível em: <   http://bd.camara.gov.br/bd/bitstream/handle/bdcamara/4323/fornecimento_medicamento_machado.pdf?sequence=1>. Acesso em: 07 de junho de 2012.

MARTINS, Sergio Pinto, Fundamento da Seguridade Social. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2002.

MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de Segurança. 31.ed. São Paulo:Malheiros, 2008.

MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet Curso de direito constitucional, 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

MINISTÉRIO DA SAÚDE. Relação Nacional de Medicamentos Essenciais, RENAME. Disponível em: <http://www.fef.br/biblioteca/arquivos/data/rename1.pdf>>. Acesso em: 02 de julho de 2012.

PAULO, Marcelo Alexandrino Vicente. Direitos Fundamentais. Rio de Janeiro: Impetus, 2003.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 20.ed. São Paulo: Malheiros, 2002.

TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 5.ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

TEMER, Michel, Elementos de direito constitucional. 6.ed. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1989.