Existe no ser humano uma necessidade de entendimento sobre sua existência que provavelmente faz de nossa espécie a mais angustiada de todas. Claro que nossa angústia não gira somente em torno da existência, mas é nesta que indubitavelmente todas as angústias encontram um ponto de partida ou de chegada.

            Em estudos que contam com contribuições de diversas ciências, destacando a História, a Arqueologia e a Antropologia, é sabido que para explicar o inexplicável, os grupos humanos criaram hipóteses temporárias, mas que enquanto eram a única hipótese deveriam ser entendidas como possibilidade real. Claro que essas possibilidades foram ganhando o status verdades com o tempo, e assim nasceram os mitos.

            A complexidade em torno dos mitos e suas correlações abriram as portas para o fortalecimento da sua credibilidade. Surgiram rituais, surgiram homens sábios que guiavam os grupos, surgiram práticas condenáveis, surgiram deuses, enfim, nasceram as religiões.

            O mais interessante é que os mitos vieram da curiosidade de investigação humana, que com as religiões passou a ser interrompida, afinal, se há um dogma que conduz à verdade, a verdade já está posta, não precisa mais ser buscada.

            Claro que isso não foi absorvido por todos, houve aqueles que deram continuidade à investigação, abrindo caminho para a Filosofia e depois para o comportamento que hoje é chamado de científico. A ironia está, portanto, na origem da religião e da ciência, pois ambas, mesmo estando hoje sob uma rivalidade antagônica, tem sua gênese no mito. A diferença fica na trajetória que cada uma tomou a partir do mito, pois enquanto uma o fortaleceu, a outra o questionou.

            De modo bem objetivo, temos na religião um conforto existencial, enquanto que na ciência se tem uma busca pela existência. São dois caminhos distintos, mas é improvável que se consiga encontrar alternativa de caminhada que não em um deles. Contudo, é no caminho religioso que se tornou hegemônica a ideia da bondade.

            A bondade religiosa é pautada em um sentimento que deve se materializar em prática diária: o amor ao próximo. Instituiu-se pelas religiões, sobretudo as cristãs, um conceito de bondade ligado ao amor, e a bondade se tornou uma obrigatoriedade quando se tem a salvação da alma como objetivo.

            Não há qualquer problema em torno disso quando pensamos que a religiosidade é um processo individual e, nos dias de hoje, de escolha absolutamente livre. Mas a intensidade em que isso atinge as regras informais do convívio humano e, até mesmo, o peso que isso traz nas decisões políticas, atinge os organismos sociais em essência.

            Pensando a bondade filosoficamente, não ligada ao amor, mas sim à virtude, percebemos uma relação real entre bondade e felicidade. Desejar e praticar a bondade, favorece ao estado de felicidade, e por razões simples. Se minha felicidade está no desejo pelo mal, apenas a alcançarei com a catástrofe alheia. Ao passo que se minha felicidade está no desejo pelo bem, a alcançarei pelo êxito do outro, ou a alcançarei na tentativa de contribuir para o seu êxito.

            Veja que filosoficamente, em nenhum momento o desejo do bem é um desejo ligado ao amor. Pode-se simplesmente querer o bem do próximo, sem ter que amá-lo. Fica, portanto, sob a ótica da Filosofia, o amor restrito a grupos menores, mais próximos e íntimos. Em outras palavras, posso ser um disseminador de bondade sem disseminar amor algum.

            Talvez tivéssemos uma organização social mais eficiente se a cultura do amor ao próximo fosse substituída pela cultura do respeito ao próximo. Afinal, respeito é algo que se aprende, é um valor. Já o amor é um sentimento, ou se ama, ou não.

            Defender que o amor ao próximo é o melhor caminho para o bom convívio social, foi um dos maiores desserviços sociais das religiões, pois, em nome da defesa do amor ao próximo o respeito ao próximo foi violado, havendo uma cobrança desrespeitosa pelo amor dos indivíduos como elemento que irá mensurar sua bondade.

            Não se dá uma gorjeta a um entregador de pizza, nem se agradece por uma informação em um posto de gasolina, ou ainda se cumprimenta um cliente por amor a eles. Isso ocorre por respeito e/ou interesse. Sim, por interesse também, o que não merece questionamento algum, afinal, em última finalidade, a bondade do amor ao próximo está ligada à salvação da alma do indivíduo que pratica tal amor. Quer interesse maior do que este?