O Mal do Amor ao Próximo
Publicado em 24 de setembro de 2014 por Felipe Milano Riveglini
Existe no ser humano uma necessidade de entendimento sobre sua existência que provavelmente faz de nossa espécie a mais angustiada de todas. Claro que nossa angústia não gira somente em torno da existência, mas é nesta que indubitavelmente todas as angústias encontram um ponto de partida ou de chegada.
Em estudos que contam com contribuições de diversas ciências, destacando a História, a Arqueologia e a Antropologia, é sabido que para explicar o inexplicável, os grupos humanos criaram hipóteses temporárias, mas que enquanto eram a única hipótese deveriam ser entendidas como possibilidade real. Claro que essas possibilidades foram ganhando o status verdades com o tempo, e assim nasceram os mitos.
A complexidade em torno dos mitos e suas correlações abriram as portas para o fortalecimento da sua credibilidade. Surgiram rituais, surgiram homens sábios que guiavam os grupos, surgiram práticas condenáveis, surgiram deuses, enfim, nasceram as religiões.
O mais interessante é que os mitos vieram da curiosidade de investigação humana, que com as religiões passou a ser interrompida, afinal, se há um dogma que conduz à verdade, a verdade já está posta, não precisa mais ser buscada.
Claro que isso não foi absorvido por todos, houve aqueles que deram continuidade à investigação, abrindo caminho para a Filosofia e depois para o comportamento que hoje é chamado de científico. A ironia está, portanto, na origem da religião e da ciência, pois ambas, mesmo estando hoje sob uma rivalidade antagônica, tem sua gênese no mito. A diferença fica na trajetória que cada uma tomou a partir do mito, pois enquanto uma o fortaleceu, a outra o questionou.
De modo bem objetivo, temos na religião um conforto existencial, enquanto que na ciência se tem uma busca pela existência. São dois caminhos distintos, mas é improvável que se consiga encontrar alternativa de caminhada que não em um deles. Contudo, é no caminho religioso que se tornou hegemônica a ideia da bondade.
A bondade religiosa é pautada em um sentimento que deve se materializar em prática diária: o amor ao próximo. Instituiu-se pelas religiões, sobretudo as cristãs, um conceito de bondade ligado ao amor, e a bondade se tornou uma obrigatoriedade quando se tem a salvação da alma como objetivo.
Não há qualquer problema em torno disso quando pensamos que a religiosidade é um processo individual e, nos dias de hoje, de escolha absolutamente livre. Mas a intensidade em que isso atinge as regras informais do convívio humano e, até mesmo, o peso que isso traz nas decisões políticas, atinge os organismos sociais em essência.
Pensando a bondade filosoficamente, não ligada ao amor, mas sim à virtude, percebemos uma relação real entre bondade e felicidade. Desejar e praticar a bondade, favorece ao estado de felicidade, e por razões simples. Se minha felicidade está no desejo pelo mal, apenas a alcançarei com a catástrofe alheia. Ao passo que se minha felicidade está no desejo pelo bem, a alcançarei pelo êxito do outro, ou a alcançarei na tentativa de contribuir para o seu êxito.
Veja que filosoficamente, em nenhum momento o desejo do bem é um desejo ligado ao amor. Pode-se simplesmente querer o bem do próximo, sem ter que amá-lo. Fica, portanto, sob a ótica da Filosofia, o amor restrito a grupos menores, mais próximos e íntimos. Em outras palavras, posso ser um disseminador de bondade sem disseminar amor algum.
Talvez tivéssemos uma organização social mais eficiente se a cultura do amor ao próximo fosse substituída pela cultura do respeito ao próximo. Afinal, respeito é algo que se aprende, é um valor. Já o amor é um sentimento, ou se ama, ou não.
Defender que o amor ao próximo é o melhor caminho para o bom convívio social, foi um dos maiores desserviços sociais das religiões, pois, em nome da defesa do amor ao próximo o respeito ao próximo foi violado, havendo uma cobrança desrespeitosa pelo amor dos indivíduos como elemento que irá mensurar sua bondade.
Não se dá uma gorjeta a um entregador de pizza, nem se agradece por uma informação em um posto de gasolina, ou ainda se cumprimenta um cliente por amor a eles. Isso ocorre por respeito e/ou interesse. Sim, por interesse também, o que não merece questionamento algum, afinal, em última finalidade, a bondade do amor ao próximo está ligada à salvação da alma do indivíduo que pratica tal amor. Quer interesse maior do que este?