O lúdico na aprendizagem da pessoa com autismo: uma análise sobre suas potencialidades e possibilidades[1]

 

Rosemeire Matias dos Santos[2]

UNIBAHIA – Faculdades Integradas Ipitanga

Projeto “Qualificar o saber para mudar o fazer”

CEFEC- Centro de Formação em Educação Contemporânea

Resumo

 

O presente estudo buscou analisar a relação entre o educando com Autismo e o lúdico como ferramenta utilizada pelo professor no Atendimento Educacional Especializado (AEE), além de identificar quais atividades lúdicas proporcionam estimulação necessária para o desempenho sociocognitivo, partindo do seguinte questionamento: como a atividade lúdica no atendimento educacional especializado contribui para o desenvolvimento da criança autista? Como ocorre a aprendizagem do autista? No processo de investigação buscou-se examinar uma bibliografia baseada na concepção interacionista, das quais se cita alguns autores: Piaget (1996), Vigostky (1998), Feurstein (1993), dentre outros. Para a metodologia optou-se pela Pesquisa-Ação numa abordagem qualitativa na medida em que se preocupou com o fenômeno e as principais dificuldades enfrentadas pelo sujeito em seu desenvolvimento social e adaptativo visando o desempenho satisfatório da sua aprendizagem, cujos dados foram eminentemente descritivos. Os resultados apesar de não serem conclusos revelam que o aluno apresenta interesse, ainda que por tempo limitado, por jogos que o desafie e pelo material lúdico de forma geral mostrando-se atencioso e concentrado na manipulação dos mesmos.

 

Palavras-chave: autismo, aprendizagem, ludicidade.

 

Resumen

 

El presente estúdió buscó analizar la relación entre el educando con Autismo y lo lúdico como herramienta utilizada por el profesor en el Atendimento Educacional Especializado (AEE) , además de identificar cuales actividades lúdicas proporcionan la estimulación necesaria para el desempeño socio-cognitivo, partiendo de los siguientes cuestionamientos: como la actividade lúdica en el atendimento educacional especializado contribuye para el desarrollo del niño autista? Como ocurre el aprendizaje del autista? En el proceso de investigación se ha buscado examinar una bibliografia baseada en la concepción interaccionista, de las cuales se ha citado algunos autores : Dessen (2007), Melo (2004), Coll, Marchesi e Palacios 2004), Piaget (1996 ),Vygostky (1998), Feurstein (1993),entre otros. Para la metodologia se ha optado pesquisa-acción Em un abordaje cualitativo a la medida de La preocupación con el fenômeno y las principales dificultades enfrentadas por el sujeto en su desarrollo social y adaptativo visando el desempeño satisfactorio de su aprendizaje, cuyos dados fueron eminentemente descriptivos. Los resultados a pesar de no ser conclusivos, revelaron que el alumno presenta interés, aunque por tiempo limitado, por juegos que lo desafie y por el material lúdico de forma general mostrándose atento y concentrado em la manipulación de los mismos.

 

Palabras-llaves: Autismo. Aprendizaje. Ludicidad.     

 

Introdução

 

 

Este artigo apresenta uma reflexão fomentada a partir da temática: o desenvolvimento da aprendizagem do aluno autista. O interesse pelo estudo foi impulsionado pela caminhada como professora da área de (TGD) autismo, defendendo uma educação de qualidade que contribua para o processo da aprendizagem significativa desse sujeito.

O professor apresenta um caminho que colabora para o desenvolvimento do autista. No entanto, o desenvolvimento dessa aprendizagem efetiva não pode se restringir ao espaço escolar. Ela precisa se constituir inicialmente na família, pois a família configura-se o primeiro grupo sócio-cultural no qual são inseridos esses sujeitos. É nela que as primeiras referências afetivas, sociais, culturais são estabelecidas.

A pesquisa teve como objetivo geral investigar quais os fatores interferem na aprendizagem do sujeito autista, bem como verificar quais estratégias são necessárias para garantir a aprendizagem significativa desse sujeito e investigar como as atividades lúdicas poderão contribuir para a aprendizagem da pessoa com autismo.

A escolha desse tema partiu do interesse em refletir conceitos tais como: Transtorno Global do Desenvolvimento, autismo, família, professor de Atendimento Educacional Especializado e todos envolvidos na relação com a criança com (TGD) autismo. Após observações feitas em um Centro de Apoio Pedagógico, no município de Santo Antonio de Jesus, foram percebidos resultados satisfatórios na aplicação de atividades lúdicas, que melhoraram o desempenho e a intervenção pedagógica.

Sendo assim, tomou-se como base referenciais teórico-metodológicos na perspectiva interacionista, os autores Dessen (2007), Melo (2004), Coll, Marchesi E Palacios (2004), Piaget (1996), Vigostky (1998), Feurstein (1993), que tratam da temática a cerca do autismo e a importância do lúdico na prática pedagógica do professor de educação especial para efetivação do processo de aprendizagem do educando autista e, assim, permitir uma melhor exploração das suas potencialidades e possibilidades.

Foi utilizado como técnica o estudo de caso que possibilitou levantar dados relativos à interação entre o professor do AEE e o educando com TGD - autismo. Tendo como norte a abordagem qualitativa que possibilitou compreender o mecanismo decisivo para a intervenção no processo de aprendizagem de um educando com autismo, atendido pelo Centro de Apoio Pedagógico, em Santo Antonio de Jesus. Destarte, essa abordagem qualitativa de pesquisa vem contribuir de modo significativo para os propósitos do presente estudo.

Diante disso, essa temática é relevante tendo em vista a possibilidade de preencher a lacuna presente nos estudos sobre o desenvolvimento da aprendizagem de crianças autistas. No decorrer desse artigo, será apontado o papel do educador na aprendizagem através do lúdico na prática pedagógica para educação dessas crianças.

 

 

Autismo: Um universo a descobrir

 

 

O autismo é um distúrbio de desenvolvimento humano que vem sendo estudado pela ciência há várias décadas. Atualmente, compreende-se o autismo como o resultado de uma perturbação de determinadas áreas do sistema nervoso central, que afetam a linguagem, o desenvolvimento cognitivo e intelectual e a capacidade de estabelecer relações com outras pessoas.

O termo autista vem do grego (autos) e denota o comportamento de voltar para si mesmo. Foi utilizado pela primeira vez pelo psiquiatra Suíço Eugem Bleuler, em 1911, que primeiro conceituou a esquizofrenia como doença mental diferente da demais demência. Ele descreveu o autismo como fuga da realidade e o retraimento para o mundo interior perda de lucidez, capacidade de julgamento e escolha, características de idades mais avançadas e o fenômeno psicótico que geralmente acometia pessoas mais jovens. (BELISÁRIO FILHO, 2010)

Kanner (apud. RIVIÈRE, 2004) ao estudar e descrever a condição de 11 crianças consideradas especiais observou que elas demonstravam capacidades incomuns de se relacionar com outras pessoas, com os objetos concomitantes e apresentavam graves desordens no desenvolvimento da linguagem. A maioria delas não falava e, quando falava era comum a ecolalia, inversão pronominal e concretismo, tinham um comportamento salientado por atos repetitivos, não suportavam mudanças de ambiente e preferiam ficar isolados.

O médico austríaco, Hans Asperger descreveu crianças que tinham as mesmas semelhanças descritas por Kanner. As principais diferenças entre o Transtorno de Asperger e o Espectro Autismo ou Autismo Clássico de Kanner, segundo Rivière (2004), encontra-se essencialmente nas capacidades lingüísticas formais, e na inteligência impessoal fria apresentada nas pessoas com transtorno de Asperger. Vale salientar também a diferença sobre o enfoque de interesse desses teóricos, enquanto Kanner se preocupou com o aspecto clínico, Asperger preocupou-se com a educação, focando essencialmente o desenvolvimento de procedimentos de modificação da conduta e a escolas especializadas. 

Novos estudos aglutinam esses transtornos a um grupo denominado Transtorno Global de Desenvolvimento (TGD) que além do autismo, considera ainda, a Síndrome de Asperger, a Síndrome de Rett e a Síndrome de Heller ou Psicose Regressiva. No Brasil não há indícios ainda de realização de estatísticas oficiais, entretanto, estima-se cerca de um milhão de casos de autismo. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) 35 milhões de pessoas apresentam autismo no mundo. A OMS ainda destaca que a incidência é maior entre o sexo masculino, sendo quatro vezes mais em meninos do que em meninas.

Com o surgimento do conceito Transtorno Global de Desenvolvimento (TGD) através de estudos de M. Rutter e D. Cohen o autismo passou a ser descrito e compreendido como “um conjunto de transtornos qualitativos de funções envolvidas no desenvolvimento humano, diferenciado da psicose infantil” (BELISÁRIO FILHO, 2010, p. 12). A partir daí, foram verificados outras características diferentes.

O diagnóstico do TGD é eminentemente clínico e multidisciplinar, apesar de existir outros instrumentos que ajudam na identificação dos indivíduos afetados. Existem vários tipos de tratamentos para o bom desempenho do autista. Esses tratamentos requerem desde profissionais especializados como: fonoaudiólogo; psicólogo; terapeuta ocupacional infantil, e outros profissionais na área da educação. No que diz respeito ao tratamento farmacológico, não existe medicação e nem tratamento específico   para o transtorno autista. Entretanto, algumas substâncias são eficazes para auxiliar a controlar os sintomas do autismo em alguns casos.

Segundo Schahwatzman (1994), as causas para o TGD são multifatorial, que dependem de fatores genéticos e ambientais. Geralmente o diagnóstico do autismo se dá antes dos três anos de idade, tendo como critério básico perdas significativas da linguagem expressiva e receptiva, competências sociais e adaptativas, controle dos esfíncteres vesicais e ou anais, jogos simbólicos ou imaginativos, destrezas motoras. Podem-se acrescentar as principais características da pessoa autista em três aspectos, segundo Kanner (apud. RIVIÈRE, 2004, p. 235): as relações sociais (sociabilidade seletiva, dificuldade na interação social, padrões restritos e repetitivos de comportamentos, recusa colo ou afagos, não estabelece contos com os olhos); a comunicação e linguagem (atrasos ou ausência do desenvolvimento da linguagem, dificuldades em expressar necessidades, dificuldades acentuadas no comportamento não-verbal, ausência de resposta aos métodos normais de ensino); e a insistência em não variar o ambiente (assume formas inflexíveis de rotinas, preocupação insistente com partes de objetos, em vez do todo).    

Ressalta-se que, para elaboração de cuidados educativos e terapêuticos da criança autista, é importante um diagnóstico preciso e precoce. Mesmo que muitos autores descrevam o autismo como uma síndrome incapacitante, ainda é um caminho obscuro no qual permanece um mistério quanto a sua origem e sua evolução, uma vez que o diferente achado ainda não cobre toda a extensão de diferenças individuais ao logo do espectro, embora tenham contribuído para desmistificar, em parte, a ideia caricata de um indivíduo com autismo.

Portanto, não se pode descartar a importância do papel do educador no Atendimento Educacional Especializado para o desenvolvimento da criança autista, pois se tem observado avanços significativos em seu aspecto comportamental. Sabe-se ainda que não há uma causa determinada, mas quase todos concordam que o tratamento indicado é a partir da intervenção comportamental e programas sócio-educativos. 

 

O papel do educador no Atendimento Educacional Especializado para o desenvolvimento da criança autista

 

O desenvolvimento e a aprendizagem das crianças autistas precisam de tempo e espaço para acontecer, porque sua realização não é fácil e nem imediata. Supõe entregar-se e confiar na possibilidade de promover atividades cotidianas que favoreçam a aprendizagem, que só se confirmará pouco a pouco no encanto do seu desenvolvimento. Um espaço que supõe coordenar pontos de vista, prestar atenção a muitos detalhes, criar novas possibilidades, reorganizar a vida e quem sabe melhorar ou aprofundar as estruturas (cognitivas, afetivas, sociais, etc).

É importante que o educador compreenda as manifestações das crianças com autismo por meio da Função Executiva, pois o desenvolvimento da maioria das crianças recebidas na escola se sustenta em grande parte no uso dela. Por outro lado, a atuação do educador, frente às crianças, implica no aprimoramento e na ampliação de possibilidades de uso dessa função. Contudo, essa compreensão e interface permitem identificar possibilidades de atuação com alunos autistas.

O que Kanner e Eisenberg chamavam de insistência na invariância, ou seja, que as pessoas com autismo insistem na mesma rotina e reagem a variações que corresponderia ao conceito neuropsicológico da Função Executiva. Desse modo, compreende-se que o autismo implica em um transtorno da Função Executiva não flexível. Sabe-se que a flexibilidade estratégica possibilita inibir, adiar, avançar ou retroceder por alcançar um propósito. O autista apresenta dificuldades acentuadas na realização de tarefas mesmo que essas sejam simples.

Diante de situação adversa, fora da sua rotina o autista tende a reagir por meio de choro intenso, de movimentos corporais, de indiferença aos apelos e tentativas de ajuda, de apegos a determinados locais fixos na escola e de recusa em declarar-se conforme orientado. Em casos mais complexos, auto-agressão ou reação abrupta envolvendo objeto ou mesmo alguma outra pessoa. A ocorrência de tais manifestações não deve ser interpretada como o estado permanente da criança ou no que consiste a ser por vir. Na verdade trata-se de reação esperada mediante a uma alteração importante na sua rotina, uma vez que a escola, naquele momento, é uma experiência desconhecida e de difícil apropriação de sentido e propósito pela criança.

As estereotipias sensório-motores são prejudicadas por causa da inflexibilidade de balançar o corpo, bater palmas, fazer e desfazer, ordenar e desordenar como também, apego a objetos que levam a todos a lugares, controle rigoroso de situações do ambiente da rotina e rígido perfeccionismo. Também apresenta a dificuldade de dar sentido aos acontecimentos e as atividades. Existem características de prejuízo na reciprocidade social, descrita como (externa solidão), pode ser explicada pela inflexibilidade mental das pessoas com autismo.

A diferença nas relações sociais tem haver com o nível de exigência de flexibilidade nesse campo humano, tornando-o o campo de maior impossibilidade para algumas dessas pessoas. As relações sociais exigem antecipar, dar sentido, significado e ter propósitos. E, implica no uso de símbolo, de sentidos múltiplos e não lhe dar com situações não antecipáveis.

Trabalhar com aluno autista em sala de aula, é uma situação crítica. Na área de educação conhece-se pouco sobre autismo e muitas crianças ainda estão sem diagnósticos e educação adequada ao seu desenvolvimento. Portanto, é grande o impacto nos profissionais de educação que atuam na escola quando se deparam com as reações dessas crianças, que tanto quanto os professores, estão diante de uma experiência nova. “Os modelos pouco individualizados do processo de ensino-aprendizagem são incapazes de atender às necessidades das crianças cujo modo de desenvolvimento se afasta mais do modelo padrão de desenvolvimento humano”. (RIVIÈRE, 2004, p. 249) Assim, a família precisará atentar para os fatores para definir a orientação educativa adequada. Rivière apresenta os seguintes fatores:

  1. São preferíveis as escolas de pequeno porte e número baixo de alunos, que não exijam interações de grande complexidade social. Devem-se evitar escolas excessivamente ruidosas e “despersonalizadas”.
  2. São preferíveis escolas estruturadas, com estilos didáticos diretivos e formas de organização que tornem “previsível” a jornada escolar.
  3. É imprescindível um compromisso efetivo do conjunto dos professores e dos professores concretos que atendam a criança com TGD ou Autismo.
  4. É importante haver recursos complementares e especialmente psicopedagogos com funções de orientação e de logopedia.
  5. É muito conveniente proporcionar pistas aos colegas da criança autista para compreender e apoiar suas aprendizagens. (RIVIÈRE, 2004, p. 249)

Salienta-se ainda que se deve evitar mudanças frequentes. Contudo, a opção educativa por uma escola regular ou centro de apoio pedagógico em um determinado momento da criança, não deve, segundo Rivière (2004, p. 249), ser entendida como “uma sentença para toda a vida escolar”.

Independentemente do que muitos acreditam a inclusão de alunos autistas não objetiva apenas a integração de autista com crianças normais, mas pela relevância disso para seu desenvolvimento, pois favorece um momento de liberação da compensação das suas limitações sociais e podem ser reduzidas indiretamente no desempenho educativo. Quanto menor for a criança autista maior o papel do professor(a) o que acontece é que um professor comprometido , cria fortes laços  com a criança, influenciando diretamente em seu desenvolvimento, é quem possibilita abertura do mundo autista , a partir de uma relação intersubjetiva de onde resultam “intuições educativas”  de valor inestimável ao desenvolvimento da criança.  

Para Feurstein (1997, p. 25) “uma pessoa é capaz de aumentar o seu potencial de inteligência, independente de problemas que possa ter, ou da idade”. Nessa perspectiva, a família precisa ter uma interlocução direta com o professor, pois o envolvimento da família é um dos fatores inexoráveis no êxito das atividades educacionais e terapêuticas com a criança autista. É válido lembrar que a exposição direta da aprendizagem mediada é o ponto de equilíbrio para o desenvolvimento do educando, inclusive com deficiência. Vygostsky (1998) postula que a estrutura do cérebro no campo da aprendizagem esta relacionada a zona de desenvolvimento proximal e que a partir da mediação dessa, se estimula o funcionamento dos sistemas da aprendizagem interneurossensorial e da aprendizagem integral.

Vygotsky (1998, p. 97) define a zona de desenvolvimento proximal como “A distância entre o nível de desenvolvimento real que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial (...)”; assim, a zona de desenvolvimento proximal se determina “(...) através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes.” (VYGOTSKY, 1998, p. 97).

Diante disso, afirma-se que a interação e a mediação são fundamentais para o processo do ensino e da aprendizagem. A aprendizagem interneurossensorial funciona na interligação que é o que interessa aos educadores (professor, família), pois é nela que se realizam diversas atividades integradas, a fim de desenvolver potencialidades, pois nela podem-se trabalhar simultaneamente vários sistemas visuais, táteis, auditivos, desencadeando outras possibilidades de reconhecimento das habilidades que os educadores necessitam despertar no educando (RELVAS, 2009, p.63).

A aprendizagem interneurossensorial (específica) é aquela em que o sistema cerebral está interligado, porém, caso alguma estrutura tenha algum comprometimento, outras não necessariamente apresentarão disfunções, apesar do cérebro funcionar na integridade.

É relevante à formação do professor um programa adequado ao processo de aprendizagem, seja ela em uma formação inicial ou continuada, já que a criança especial se caracteriza pela falta de uniformidade do seu rendimento, levando-se em consideração o nível de desenvolvimento da aprendizagem que geralmente é lento e gradativo. Portanto, caberá ao professor adequar o seu sistema de comunicação a cada aluno, respectivamente, considerando aquilo que é peculiar a esse aluno, suas referências, seus interesses, seu potencial, suas experiências, e suas competências.

Diante do processo de aprendizagem, a criança autista pode reagir violentamente quando submetida ao excesso de pressão, porém é preciso levar em conta, se o programa está sendo positivo, se precisa haver outras mudanças, algo que não o prejudique. Embora haja prejuízo na área de comunicação, dependendo do quadro que se trata as crises podem se manifestar de forma distinta entre categoria e até mesmo entre pessoas com o mesmo transtorno.

Para atuar com essas crianças na escola ou em centro de atendimento especializado, é importante não perder de vista que a ausência ou as peculiaridades da comunicação e linguagem não são aspectos isolados ou mesmo causais do transtorno. O desenvolvimento da competência de fazer uso da comunicação e linguagem é resultante de funções cognitivas desenvolvidas por meio das experiências afetivas, sócias e da relação com ambiente e da repercussão destas no circuito cerebral. Os prejuízos na Função Executiva e Cognição Social, identificados nas pessoas que apresentam TGD, tornam o campo da comunicação, em função de flexibilidade mental exigida no desenvolvimento desta e no seu uso funcional no meio social, muito mais desafiado, e menos acessível para elas do que para as demais pessoas.

Assim sendo, estabelecer estratégias na escola ou Atendimento Educacional Especializado requer que se leve em consideração os prejuízos no campo das flexibilidades mental, as dificuldades de realizar a antecipação e de imprimir sentido àquilo que não se repete, mas de atribuir sentido e produzir algo com sentido novo. Ou seja, é preciso compreender as dificuldades de comunicação e linguagem se deve neste caso o fato de que o campo da comunicação humana e o discurso é por essência mutante e permanentemente produtor de novos sentidos e de sentidos metafóricos.

Somado a isso, este campo exige a apreensão de sentidos e intenções inferidos a partir de atitudes e expressões faciais e corporais nos outros indivíduos, além da tensão compartilhada, competências difíceis para pessoas com TGD, em decorrência dos prejuízos.

No âmbito da educação escolar o trabalho envolvendo estratégias voltadas para comunicação e linguagem junto as crianças com TGD não tem por objetivos a implementação de metodologias estruturadas já existentes para este fim, pois tais metodologias são do campo terapêutico para pessoas com autismo ou outros transtornos que afetam estas funções.

Ao trabalhar com algum aluno que receba atendimento desta natureza, a interlocução com estes terapeutas poderá ser interessante se estiver pautada na troca de impressões, relatos e avaliação desenvolvimento de aluno, sem que se perca de vista as especificidades de cada campo de atuação neste desenvolvimento.

Na educação escolar, as estratégias de comunicação encontram-se entrelaçadas com objetivos de proporcionar a antecipação da rotina escolar, a ampliação progressiva da flexibilidade da criança mediante as mudanças na rotina ou no ambiente, além, obviamente, de ampliar a possibilidade de acesso deste aluno à linguagem receptiva e expressiva. Assim, pode-se presumir que essas estratégias deverão estar estruturadas em prol de situações reais a serem experimentadas pela criança no cotidiano escolar, provocando desenvolvimento cognitivo a partir da destinação de sentido real a seu uso.

Uma estratégia que poderá ajudar é a utilização de recursos de apoio visual confeccionados pela escola ou centro de atendimento especializado já que deve ser criada, uma base no seu cotidiano, junto ao aluno, para serem associados, ao se dirigir a ele, a fim de comunicar-lhe sobre o que se espera dele, o que acontecerá em seguida na rotina escolar e para oferecer-lhe o atendimento a suas necessidades ou a oportunidade de fazer escolhas. Tais recursos podem ser fotos de locais ou do aluno em diferentes momentos e espaço do cotidiano da turma, de objetos que indiquem necessidades básicas. Além de fotos, os objetos também  poderão facilitar a comunicação com o aluno .

Na comunicação com o aluno, em qualquer situação com uso do material de apoio visual, deve estar sempre presente a verbalização objetiva. É preciso, ao comunicar-se com o aluno com TGD, acreditar no entendimento dele do que está sendo dito e nas suas reais condições de orientar-se a partir daí. Nunca se deve deixar de se dirigir oralmente a esse aluno pelo fato de ele não falar ou não reagir às intervenções.

É fundamental que o cotidiano do aluno não se torne inflexível, para que ele tenha oportunidade de ampliar sua flexibilidade mental e desenvolva novas competências. As habilidades e competências apresentadas pela as crianças com autismo, nas áreas de prejuízo já conhecidas são muito variadas implicando diretamente no desenvolvimento do trabalho do educador em sala de aula.

Se o educador continuar inflexível às diferenças desse aluno, esperando simplesmente que ele se adapte a suas interações em sala de aula, pouco será a contribuição para novas competências. Se isto é uma prática com qualquer aluno, para o autista, tal perspectiva torna-se mais evidente e a transformação das práticas escolares passa a ser imprescindível. Não adianta esperar que o aluno com TGD - autismo, com a ausência na comunicação verbal e não verbal, possa mostrar de imediato, sua hipótese em relação à lógica de código escrito.

Da mesma forma, em nada poderá ajudar ao educador e ao aluno com TGD, esperar reações comuns a outros alunos ao ingressar na escola, se ele apresentar grande rigidez mental e nem uma experiência anterior com o ambiente escolar. Entre os alunos que chegam à escola com o diagnóstico de Espectro Autismo encontram-se, muitas vezes, crianças que respondem rapidamente às intervenções em sala de aula, aderindo rapidamente às tarefas escolares e mostrando, com o decorrer do tempo, um desempenho bastante significativo nas atividades e avaliações realizadas na escola. Nesse caso, incluem-se as crianças com Transtorno de Asperger, Autismo com autofuncionamento, entre outros.

No entanto, mesmo com tais características de desenvolvimento nas atividades escolares, podem estar presentes manifestações como: pouco compartilhamento social ou interesses restritos; pautas estereotipadas, repetitivas ou pouco contextualizadas; pouco interesse em atender as solicitações em sala de aula, embora aptos a fazê-lo, entre outros.

Sendo assim, a reflexão sobre o papel do professor no desenvolvimento da aprendizagem do aluno com TGD que apresenta prejuízo importante na comunicação, compartilhamento social e flexibilidade mental implica em promover intervenções pedagógicas que se pautem inicialmente os aspectos de ensino e aprendizagem pertinentes ao campo de desenvolvimento cognitivo relativo a organização do ambiente, ao melhor domínio da rotina escolar, ao estabelecimento de vínculos e estratégias de comunicação/ antecipação e à destinação de sentido à experiência no meio social da escola.

É necessário que a criança consiga, aos poucos, prever a rotina escolar, ao mesmo tempo em que amplia sua flexibilidade mental frente aos acontecimentos não previstos da escola. Durante esse período inicial, os profissionais da escola precisam buscar um equilíbrio entre estratégias de acolhimento às necessidades desse aluno e a oferta da vivência do dia-a-dia da escola, sem efetuar grandes modificações que possam postergar o alcance destas competências por parte da criança.

É comum que aspectos básicos como permanecer em sala de aula, participar da refeição com os colegas, alimentar-se com autonomia, manifestar seus desejos e necessidades, demonstrar iniciativa de adesão aos rituais escolares (fila de entrada, seguir com a turma para a sala de aula...) não sejam exercidos facilmente desde os primeiros dias pelo aluno. Tais aspectos constituem os primeiros passos do desenvolvimento desta criança na escola e são, na maioria dos casos, conquistados com muito esforço e superação por parte da criança, de seus colegas e professores. Estas não são conquistas sem importância, pois há relatos de familiares em que, a partir deste desenvolvimento na escola, a criança conseguiu generalizar esses aprendizados, passando a participar de situações sociais na família, entre amigos e vizinhos, demonstrando grandes avanços no comportamento e interação.

Durante as atividades em sala de aula, a atitude de dirigir-se ao aluno verbalmente é fundamental. As estratégias da comunicação podem ser utilizadas para o desenvolvimento do trabalho em classe, fazendo as devidas adequações aos objetivos desse espaço e do tema em questão. Essas crianças podem ou não assimilar determinadas regras de convivência social (direitos e deveres), porém sempre segundo suas convivências. Podem aprender nos casos graves, aprendem comportamentos adaptativos simples, no mesmo grave, pode haver aprendizagem escolar com maior ou menor grau de desenvolvimento, porém com dificuldade significativa.

A forma de mediar a aprendizagem, a arte de ensinar, os procedimentos, os métodos e as técnicas para ensinar vão depender da busca do educador, em suas leituras e pesquisas. Ele precisa ter roteiros de atividades que deverão ser realizadas para alcançar determinados objetivos fundamentados na formação da personalidade cidadã, através das instruções (conhecimentos e habilidades) e da educação propriamente dita, (valores individuais e sociais).

Deve-se ficar atento ao progresso da aquisição de flexibilidade mental por parte da criança autista, desse modo, o professor pode se orientar na flexibilidade de estágios e de oportunidade de ofertas, novos desafios cognitivos para não barrar a criança em seu desenvolvimento. O tempo para que o aluno com autismo possa começar dar respostas ao trabalho pedagógico em sala de aula, varia de aluno para aluno. Varia também a condição de envolvimento e execução de tarefas escolares no percurso da escolarização. Ao mesmo tempo, podem ocorrer respostas surpreendentes, demonstrando aquisição de conhecimento por esse aluno que o professor até então desconhecia. As técnicas de modificação comportamentais atuais constituem-se como meio de intervenção a ter em consideração quando aliada ao programa terapêutico, por terem já uma base teórica e empírica bastante desenvolvida, com várias vantagens para o autista.

É essencial para propiciar a construção do conhecimento pelo aluno autista e desenvolver a sua aprendizagem, partir da vivência da criança de como ela age e aprende, buscando a melhor maneira de trabalhar com autista, utilizando situações concretas e próximas de sua vivência.

 

 

O lúdico no desenvolvimento da criança autista

Essa pesquisa parte da concepção interacionista do jogo, ou seja, pensa-o como um instrumento para garantir a construção de conhecimentos e a facilitar a interação entre os indivíduos. Dessa forma, trazer o jogo para dentro da escola representa a possibilidade de discorrer sobre a educação numa perspectiva criadora, autônoma e consciente.

Diante da dicotomia existente entre as concepções construtivistas de Piaget que confronta às ideias de desenvolvimento e aprendizagem e as teorias de Vygostsky (1998) que ressalta a relevância para a compreensão do contexto sócio-cultural e das interações sociais como pontos chaves nesses processos. Para Piaget (1996) o desenvolvimento do conhecimento parte de um processo espontâneo, ligado ao processo geral da embriogênese, que se refere ao desenvolvimento do corpo, do sistema nervoso e das funções mentais. Enquanto, a aprendizagem situa-se do lado oposto do desenvolvimento, pois geralmente é provocada por situações criadas pelo educador. Esse autor afirma que a aprendizagem é colocada como aquisição em função do desenvolvimento, pois os indivíduos adquirem o conhecimento de acordo com o seu estágio de desenvolvimento: sensório-motor, operações pré-operatórias, concretas, formais.

Cada estágio define uma etapa do desenvolvimento, que se diferencia dos anteriores pelas mudanças qualitativas evidenciadas no comportamento, marcando um início de outro estágio do desenvolvimento intelectual.  A trajetória percorrida pelas crianças são sempre as mesmas, o que se diferencia é o ritmo com que cada uma adquire as novas habilidades. Sendo assim, as faixas etárias discriminadas em cada período não podem ser tomadas como parâmetros rígidos, em função das diferenças individuais e do meio ambiente. (MAFRA, 2008)

Piaget (1996) enfatiza que a partir das diversas formas de aquisição do conhecimento é que ocorre a aprendizagem. Destaca ainda o lúdico como essencial ao desenvolvimento infantil harmonioso, por proporcionar a expressão do imaginário, a aquisição de regras e a apropriação do conhecimento. “Para o autor, ao manifestar a conduta lúdica, a criança demonstra o nível de seus estágios cognitivos e constrói conhecimentos” (KISHIMOTO, 2008, p.32).

Segundo Mafra (2008), o jogo contribui para o desenvolvimento cognitivo, dando acesso a mais informações e tornando mais rico o conteúdo do pensamento infantil. Além disso, o jogo infantil proporciona a prática do intelecto, pois utiliza a análise, a observação, a atenção, a imaginação, o vocabulário, a linguagem e outras dimensões próprias do ser humano. Para a concepção piagetiana as atividades lúdicas são relevantes nas diversas fases da aprendizagem escolar, pois possibilita a sensibilização, a socialização e a conscientização da criança.

Enquanto Vygotsky postula (1998) que no começo da vida de uma criança, os fatores biológicos superam os sociais, e posteriormente, aos poucos, a integração social tornar-se-á fator decisivo para o desenvolvimento do seu pensamento. Nesse contexto, o autor opõe-se às teorias em que o desenvolvimento se divide em estágios individuais. Para ele, primeiramente, as respostas que as crianças dão ao mundo determinam-se a partir dos processos biológicos, entretanto é na mediação contínua com adultos ou pessoas mais experientes que os processos mentais mais complexos, próprios do ser humano é que começam a tomar forma.

Desse modo, as funções cognitivas se elaboram pela interação social. Na perspectiva Vygotskyana, assevera que é, sobretudo, através das trocas sociais que ocorre a elaboração das funções complexas do pensamento, e nessas trocas, o aspecto relevante é a linguagem, ou seja, a comunicação entre os homens. Para essa teoria, as funções psíquicas do individuo constroem-se na medida em que são utilizadas, defende ainda que as interações não devem estar atrelados ao processo de amadurecimento. Vygotsky (1998) afirma que a criança amadurece ao ser ensinada e educada, ou seja, é apropriando-se do conhecimento elaborado pelas gerações precedentes e disponível em sua cultura, sob a mediação de adultos ou companheiros mais experientes.

Vygostky (1998) apresenta o conceito de zona de desenvolvimento proximal, que é a distância entre o que a criança faz sozinha (nível de desenvolvimento real) e o que ela é capaz de fazer com a intervenção de um adulto (nível de desenvolvimento potencial). O qual destaca que a potencialidade para aprender, não é a mesma para todas as pessoas. Para o autor, existe uma relação estreita entre o jogo e a aprendizagem, no qual o desenvolvimento cognitivo surge a partir da interação da criança com as pessoas com quem ela mantém relação regularmente. Na visão Vygotskyana, a brincadeira, o jogo são atividades específicas da infância e nelas é que a criança recria a realidade usando sistemas simbólicos. Segundo o sociólogo:

é enorme a influência do brinquedo no desenvolvimento de uma criança. É no brinquedo que a criança aprende a agir numa esfera cognitiva, ao invés de agir numa esfera visual externa, dependendo das motivações e tendência sinternas, e não por incentivos fornecidos por objeto sexternos. (VYGOTSKY, 1989, p.109)

Segundo Kishimoto (2008), ao atender as necessidades infantis, o jogo infantil torna-se forma adequada para a aprendizagem dos conteúdos escolares.  Sendo assim, o portal da criança para o conhecimento de si mesma e do mundo acontece através do lúdico e do imaginário. Ao reinventar a experiência brincando, ela dá significado e valor a confusão estonteante da vida. O bebê transforma todo objeto que toca em algo a ser sugado.

Desse modo, passa a conhecer os limites de sugar e a natureza dos objetos. Pela imitação de papeis adultos no jogo dramático, a criança descobre novos potenciais e capacidades humanas. A criança transforma objetos lúdicos como peças de jogo de damas ou xadrez e bolas de futebol em ferramentas valiosas de intercâmbio social. Todas essas reivindicações contribuem para que ela amplie sua compreensão da realidade social e pessoal. E, a criança autista como se comporta diante do lúdico? Será que a atividade lúdica constitui-se uma possibilidade de aprendizagem para esse público?

Para concretização desse estudo escolheu-se um Centro de Apoio Pedagógico - CAP, instituição pública de porte especial, localizada na cidade de Santo Antônio de Jesus, município do Recôncavo da Bahia. A contribuição teórica apresentada serviu de base para análise dos dados da pesquisa, na qual envolveu a professora de atendimento educacional e o aluno autista, na tentativa de demonstrar a contribuição da atividade lúdica na aprendizagem dessas crianças. Vale ressaltar, que o sujeito colaborador da pesquisa tem a sua privacidade preservada, identificado apenas pela inicial do pré-nome.

A técnica utilizada para a realização dessa pesquisa foi a da observação, que teve como norte abordagem qualitativa que possibilitou compreender o mecanismo decisivo para a intervenção no processo da interação entre o professor e o lúdico no processo de aprendizagem do educando com autismo, atendido pelo CAP, a partir do registro das experiências relatadas pela professora quanto ao processo de aprendizagem dessa e através de atividades lúdicas.

A observação do desempenho da criança autista em atividade lúdica foi realizada durante o período em que a criança se submetia ao atendimento educacional especializado no período de primeiro de setembro a 30 de novembro de 2011. Cada atendimento tem em média a duração de 100 minutos. Primeiramente, foi solicitada a autorização da direção da escola e a obtenção do consentimento livre e esclarecido da família do participante. Em seguida, definiram-se os procedimentos metodológicos que conduziram a investigação e o conjunto de processos. Com isso, pretendeu-se obter uma melhor compreensão, decifração, interpretação, análise e síntese dos dados obtidos na investigação.

Vale salientar que para a realização dessa pesquisa teve como sujeito investigado um aluno com autismo atendido no Centro de Apoio Pedagógico, cuja estrutura física é considerada muito boa, com dois pavimentos, laboratório de informática, contudo há apenas cinco computadores, nove salas de aulas iluminadas naturalmente, com boa ventilação e mobiliários conservados, banheiros adaptados para cadeirantes, porém ainda não possui acessibilidade ao pavimento superior, pois não dispõe de rampa ou elevadores. O quadro de profissionais é composto por professores efetivos da rede pública Estadual e Municipal, em processo de qualificação na área de educação especial. O pedagógico se divide em núcleos: de Atendimento Educacional Especializado – AEE; núcleo de convivência; tecnologia e adaptação de material; articulação; formação de professores e pesquisa.

Partiu-se primeiramente, da observação da atividade lúdica realizada distintamente em dois momentos:

1. Livre: quando o professor não interferia no comportamento da criança diante dos brinquedos, apenas respondia quando solicitado;

2. Dirigida: o professor interferia explicando, indicando ou iniciando verbal e/ou motoramente a exploração da atividade.

Para comparação da atividade lúdica nessas duas situações, a sessão foi dividida em dois momentos. Nos primeiros 50 minutos, observou-se a expressão livre da criança e, nos minutos seguintes, a exploração dirigida. As sessões foram registradas observando as reações frente à atividade lúdica da criança.

R. tem nove anos de idade, encontra-se em atendimento à quatro anos nessa Unidade de Atendimento Educacional Especializado. Segundo a professora, R no início do ano letivo de 2011, apresentava um comportamento muito agitado:

R. chutava tudo, derrubava as coisas, por onde passava não ficava nada no lugar. Não tinha uma sala especifica para trabalhar com ele, as salas tinham muitas cadeiras e mesas, cheia de brinquedos, fantasias penduradas e outros alunos que gritavam muito e choravam, estava para enlouquecer, não sabia o que fazer, não havia comunicação, ele sequer parava um segundo. Foi quando a coordenadora pedagógica apresentou uma proposta de como poderia ser desenvolvido o trabalho em sala de aula. (professora de AEE)

O ideal é que se construa uma rotina, ter na sala o mínimo de informação possível nas paredes. A professora questiona-se: “E, agora por onde começar se ele não respondia a nada, tudo rasgava ou jogava fora, não falava, parecia que não ouvia. Não podia nem chegar perto, que começava a gritar.”

As primeiras respostas positivas se deram a partir do trabalho com música:

Era época de São João pedi pra gravar um monte de músicas no pen-drive, música sertaneja com ritmo calmo, (Canidé). Teve o período de recesso escolar quando ele voltou, estava ainda mais agitado, o pen-drive não pode ficar com o cordão porque ele puxava. O primeiro dia ele ainda resistiu e eu pensei que não ia dar certo. No segundo dia mudei a estratégia, botei a música foi quando ele começou a pular e gritar. Peguei-o para dançar e, dancei por mais uns dois atendimentos seguidos. Percebi que gostou, e a partir daí pude estreitar o laço de amizade e afeto e, então, trabalhar. Mesmo com a música R ainda ficava agitado e passava uma boa parte do tempo fora da sala. A conquista foi um pouco devagar. (professora do AEE)

Percebe-se que o tempo de concentração e interesse da criança autista é muito reduzido, devido a um repertório restrito e pouco criativo de interesses e atividades. Além do mais, seus focos de atenção, com frequência, mudam, rapidamente, de um objeto para outro.

A partir da manipulação dos brinquedos, peças de fantoches e diversos utensílios domésticos, bonecas, carrinhos em miniaturas de plástico organizados no chão e escolhidos possibilita desde a exploração sensório-motora, como levar objetos à boca, até o jogo simbólico, onde a criança poderá reproduzir vivências num jogo de faz-de-conta. A professora de AEE faz uso de brinquedos de plástico, geralmente que emita algum som, tais como: chocalho, uma espécie de tambor com uma bola pendurada em cada lado, uns ícones de sapinhos, pulseiras que se moldam no braço, corda, bola de soprar e a música.

Uma das características mais instigante, é a dificuldade acentuada na interação social. E, por muitas vezes o professor se vê só, com a criança aparentemente alheia à proposta, por mais divertida que pareça ser.  Como saber se a atividade proposta o agrada? Passou-se a observar que o tempo de permanência do aluno em sala de aula, começa a aumentar, mantendo-se atento a histórias com fantoches, ainda que por poucos minutos:

(...) comecei a ler histórias e trocar o nome do personagem pelo dele, usando fantoches na minha mão. Imitava a fala dos personagens e brincava com ele, fazendo cócegas, beijando, mexendo no cabelo e de vez em quando ele dava uma risadinha de canto de boca. (professora do AEE)

Diante da insistência em proporcionar um ambiente lúdico, em que a música e o contato físico foram constantes, pequenas mudanças, porém significativas, começaram a emergir. R., então começa a sentar-se no chão ou nas almofadas, e escolher o objeto que mais lhe chamava atenção (o tambor com as bolinhas penduradas do lado).

A criança autista não estabelece contato com os olhos, por apresentar dificuldade em acentuada nos comportamentos não-verbais. Mas o olhar de canto e um sorriso discreto, seria uma forma de comunicação?  Quando se trata de autista os avanços vão acontecendo e sendo necessária uma análise para cada momento, um passo de cada vez, o importante  é seguir uma rotina apresentada com dicas visuais, orientando o trabalho.

Vale salientar que esse trabalho não pode desvincular-se da família, pois se constitui uma tríade (família-escola-comunidade) que precisa ser reforçada, mantida e envolvida em um objetivo comum de tentar melhorar a qualidade de vida das crianças com autismo, nas áreas da linguagem e comunicação, relação social e a flexibilização do ambiente, garantindo a convivência desse sujeito em casa, o acesso à educação, e convívio social satisfatório.

Certamente, não existe um roteiro, um guia, uma fórmula de atendimento previamente indicada. Cada aluno autista exige um tipo de recurso a ser utilizado ou uma duração de atendimento, um plano de ação que garanta sua participação e aprendizagem nas atividades escolares. Ao utilizar a ludicidade no desenvolvimento da prática pedagógica, é preciso segundo Freire, colocar como absolutamente necessário o rigor metódico e intelectual e ainda que o educador deve desenvolver em si próprio, como pesquisador, sujeito curioso, que busca o saber e o assimila de uma forma crítica. Para ele "não há ensino sem pesquisa nem pesquisa sem ensino" (FREIRE, 1996, p. 32).

O fato é que o lúdico facilita o desenvolvimento de aprendizagem. O caminho está em aberto, o fato de aprender é que vai definir aonde o desenvolvimento vai dá. Vygotsky (1989) acredita que o sujeito se desenvolve porque aprende. Desse modo, a brincadeira, os jogos simbólicos, o faz de conta são momentos de desenvolvimento muito importantes.

Quando se trata de um aluno autista, o educador precisa está muito mais atento em relação às outras crianças. Na maioria das vezes as respostas não vêm através de palavras, devem prestar atenção aos olhares, aos gestos, a todos os detalhes, para que assim, possa motivá-lo a fazer algo. Segundo Oliveira (1994), ao brincar a criança desenvolve seu processo de adaptação à realidade aprendendo a lidar de forma cada vez mais intencional com seu corpo, situando-o em um contexto que é reconhecível.

O professor usa os jogos e brincadeiras como ferramenta para o desenvolvimento da aprendizagem do aluno autista fazendo a mediação na sua prática pedagógica. A mediação didática, segundo Feuerstein (1997) refere-se é aquela que liga o mediador a relação sujeito/ objeto.

Com essa mediação da aprendizagem, o professor vai trilhar um caminho, através do qual os estímulos são transformados pelo mediador. O professor mediador seleciona os estímulos (jogos e brincadeiras) os mais apropriados, faz esquemas, amplia algumas e ignora outras. Por meio desse processo de mediação a criança autista desenvolve a cognição, adquire padrões de comportamento que determinarão sua capacidade. Portanto, quanto maior a mediação oferecida pelo professor, maior capacidade da criança autista ser afetada e modificada.

 

Considerações Finais

 

Ao pensar numa criança autista e no modo com ela vê e constrói seu universo, revela inúmeros questionamentos que perpassa pela limitação que as pessoas têm de compreendê-lo. Assim, esta pesquisa deu origem a uma vasta discussão sobre as possibilidades que concretizam a educação do autista.

Percebeu-se que os métodos e técnicas utilizadas no processo de aprendizagem do autista devem acontecer com adaptações. O autismo traz alguns obstáculos para a inclusão escolar, bem como, para a inclusão social. Por isso, é necessário um trabalho sistematizado em que a ludicidade deva ser aplicada constantemente ajudando os alunos autistas a reconhecerem o mundo ao seu redor, interagindo com outros colegas, tornando-os ativos, participativos, que perceba suas potencialidades, apesar de suas limitações, como um ser bio-psico-social.

O interesse fundamental foi obter informações sobre o universo autista, bem como, seus aspectos comunicacionais, identitários e comportamentais frente ao meio e a construção do conhecimento sistematizado mediado pelo uso do lúdico no trabalho pedagógico em sala de aula. Também foram abordados pontos importantes sobre a temática, verificando a relevância da família e do professor/profissional que atende a criança com autismo, para o desenvolvimento da mesma.

A família deposita nas instituições educacionais, todas as suas expectativas e frustrações. A interação entre essas instituições sociais tornou-se primordial, por favorecer a potencialização de crianças com Transtorno Global de Desenvolvimento no que diz respeito a sua aprendizagem. Sabe-se que não há um único padrão de ensino. É preciso um novo olhar para educação, baseada numa dinâmica para a relação de ensino e aprendizagem, que atenda aos diferentes ritmos de aprendizagem, tendo maior ou menor afinidade e habilidades para algumas tarefas e não para outras.

A interação entre pais e professores é muito importante para o processo de aprendizagem da criança com autismo, pois juntas irão achar formas de atuação a fim de favorecer o processo educativo eficaz e significativo, na superação das dificuldades de uma criança com TGD (autismo). Uma via importante para alcançar novos patamares na aprendizagem destas crianças autistas é a utilização adequada dos jogos, desenvolvendo uma atividade lúdica prazerosa e eficiente que motive e ative a aprendizagem.

 

Muitos são os esforços para vencermos as barreiras, eliminar preconceitos e garantir o direito de todos a uma educação de qualidade e reconhecimento das diferenças. A intenção desta pesquisa foi a de contribuir para os estudos sobre o desenvolvimento da criança autista, um campo ainda pouco investigado, mas que se configura um espaço de ampla discussão nas escolas e nos centros acadêmicos na perspectiva de superar os desafios, instigar e investir em novos estudos e projetos de pesquisa que auxiliem a explanar as complexidades que envolvem a aprendizagem desse sujeito. 

 

Referências Bibliográficas

 

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FEURSTEIN, Reuven. Prólogo. In: MENTIS, Mandia (Coord.). Aprendizagem Mediada: Dentro e Fora da Sala de Aula. Programa de pesquisa cognitiva, Divisão de Educação Especializada da Universidade de Witwatersand, África do Sul. Trad. José Francisco Azevedo. São Paulo: SENAC/Instituto Pieron, 1997.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: Saberes necessários à prática educativa. 7 edição. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

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MAFRA, Sonia Regina C. O Lúdico e o Desenvolvimento da Criança Deficiente Intelectual. São Paulo. SEC/ PDE, 2008. Disponível em: http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/pde/arquivos/2444-6.pdf Acesso em: abr. 2012.

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PIAGET, Jean. A formação do símbolo na criança: imitação, jogo e sonho, imagem e representação. [tradução Álvaro Cabral, 1975]. Rio de Janeiro: Zahar, 1996.

RELVAS, Marta Pires. Fundamentos biológicos da educação: despertando inteligências e afetividade no processo de aprendizagem. 4 ed. Rio de Janeiro: Wak Editora, 2009.

RIVIÈRE, ÂNGEL. O Autismo e os Transtornos Globais do Desenvolvimento . In: Desenvolvimento Psicológico e Educação, Cesar Coll, Álvaro Marchesi, Jesus Palacios; trad. Fátima Murad. 2 ed. Porto Alegre: Artmed, 2004.

SCHWARTZMAN, José Salomão. Autismo Infantil. Brasília: Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência/CORDE, 1994.

VYGOSTSKY. Pensamento e Linguagem. 2ª ed., São Paulo: Martins Fontes, 1989.

VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1998.



[1] Artigo apresentado como requisito à conclusão do curso de Especialização em Educação Especial pela UNIBAHIA – Faculdades Integradas Ipitanga, em parceria com APLB , sob a orientação do Prof. Dr. Felix Marcial Diaz Rodriguez.

 

[2]  Pedagoga, pós-graduanda do curso de Especialização em Educação Especial.