O LÚDICO E O PAPEL DO JOGO NA APRENDIZAGEM INFANTIL

 

                                                                         Claudia Zajac Dudar

                                                      Jandira Inez Garcia dos Santos

 

 

Resumo

 

A atual perspectiva sobre os jogos infantis tem levado educadores a estimular a prática do jogo como forma de proporcionar a aprendizagem e o desenvolvimento infantil. Estudiosos em suas pesquisas veem a ludicidade como um instrumento pedagógico significativo e de grande valor social. O foco desse artigo é verificar como ocorre o desenvolvimento e aprendizagem infantil através do lúdico. A pesquisa está baseada nas teorias de Piaget e Vygotsky, e uma abordagem bibliográfica de cunho qualitativo. Apresentando como resultado que a utilização do lúdico pelos professores na Educação Infantil condiciona uma prática que favorece o desenvolvimento e a aprendizagem da criança.

Palavras chaves: Lúdico; Jogos; Brincadeiras; Desenvolvimento e Aprendizagem Infantil.

INTRODUÇÃO

 

As gerações atuais brincam de forma diferente em relação às gerações anteriores, e isso porque o homem se constrói, sendo ele um ser histórico com desejos e interesses que variam ao longo do tempo. Nesse sentido, entendemos que o lúdico na educação infantil, é um meio primordial, que possibilita a criança utilizar ao mesmo tempo, diferentes tipos de linguagens, facilitando a apropriação de significações e conceitos.

Utilizar a ludicidade como recurso pedagógico requer que o processo se debruce frente às inúmeras brincadeiras infantis e às suas relações com o aporte teórico, explore recursos e materiais, organize objetivos e elabore espaços e ambientes que favoreçam as ações educativas e recreativas.

O lúdico e a educação devem caminhar indissociavelmente, a proposta do lúdico é promover uma aprendizagem significativa na prática educacional, é incorporar conhecimentos, garantindo o direito e as especificidades da infância.

Na atividade lúdica, o que importa não é apenas o produto da atividade o que dela resulta, mas a própria ação, o momento vivido. Possibilita a quem a vivencia, momentos de encontro consigo mesmo, com a fantasia e a realidade.

Segundo Oliveira (1985, p.74) o lúdico é:

                                        “(...) um recurso metodológico capaz de propiciar uma aprendizagem espontânea e natural. Estimula a crítica e a criatividade, a socialização, sendo, portanto reconhecida como uma das atividades mais significativas – se não a mais significativa – por seu conteúdo pedagógico social”.

Assim, o lúdico passa a ser uma ponte entre a educação e a criança, pois a criança é um ser essencialmente brincante, resiste, luta, fantasia, tem força e energia.

O corpo que brinca, é o corpo da festa, da ginga, da fantasia, da criatividade, é aquele que se manifesta enquanto construtor de signos sociais subversivos e resistentes à ordem alienante. O brincar é o seu modo mais privilegiado de expressão e de comunicação da criança, permitindo-lhe desenvolver a partir das interações com o meio e com as estruturas que possui.

De acordo com Fantin (2000, p.205):

[...] a interação que estabelece na organização da brincadeira diz respeito a várias dimensões, tanto nas interações lúdicas [...] que passam e transmitem valores, formas de educar, como nas interações entre as crianças, pois quando brincam não estão “só brincando”, mas conversam entre elas renegociam papeis temas conteúdos e regras.

O brincar é visto com seriedade no desenvolvimento da criança, pois com a proposta do lúdico na educação, a criança será incentivada a uma aprendizagem prazerosa e significativa. A concepção do lúdico como um recurso direcionado à aprendizagem destaca-se, entre as questões da prática pedagógica do professor por estar ligada à questão do conhecimento.

 O professor interessado em promover mudanças poderá encontrar na proposta do lúdico uma importante metodologia que contribuirá para diminuir os altos índices de fracasso escolar e evasão verificada nas escolas.  Diante deste quadro, a utilização de atividades lúdicas, pode contribuir para uma melhoria nos resultados obtidos pelas crianças/alunos.

O movimento lúdico, simultaneamente, torna-se fonte prazerosa de conhecimento, pois nele a criança desenvolve sua afetividade, psicomotricidade, elabora sequencias lógicas e constrói classificações, ampliando conceitos das várias áreas da ciência (RONCA, 1989).

Através das brincadeiras lúdicas, a criança pode experimentar, descobrir, criar e recriar espaços e experiências, construir saberes sobre si própria e sobre o mundo que o cerca, assim sendo conclui Levin (1997), o próprio da infância é o ato lúdico como espelho que ata o real, o imaginário e o simbólico na infância.

Sendo assim, Santos et al (2010, p.103) conclui que “a criança passa a ser entendida como um ser social histórico que apresenta diferenças e que precisa ser conhecido, respeitado, amado e valorizado”.

 

O PAPEL DO JOGO NO DESENVOLVIMENTO INFANTIL

 

A teoria de Piaget sobre o desenvolvimento e aprendizagem destaca a importância do caráter construtivo do jogo no desenvolvimento cognitivo da criança.

Segundo Piaget (1971), “existem três formas básicas de atividade lúdica que caracterizam a evolução do jogo na criança, de acordo com a fase do desenvolvimento em que aparecem”.

Jogos de Exercício Sensório motor - Caracterizam a etapa que vai do nascimento até o aparecimento da linguagem. Os exercícios sensórios motores constituem a forma inicial do jogo na criança (esses exercícios motores consistem na repetição de gestos e movimentos tais como: o bebê estica e encolhe os braços e pernas, agita mãos e dedos, toca objetos, produz ruídos e sons etc.).

Salientamos que estes exercícios não são específicos dos dois primeiros anos de vida ou da fase de condutas pré-verbais, eles reaparecem em toda a infância e mesmo na fase adulta, “sempre que um novo poder ou uma nova capacidade são adquiridos” (PIAGET, 1971, p.149).

 Jogo Simbólico - Período compreendido entre os 2 a 6 anos, a tendência lúdica se manifesta, predominantemente, sob a forma do jogo simbólico, isto é, jogo de ficção, imaginação e imitação. Nesta categoria está incluída a metamorfose de objetos, por exemplo: um cabo de vassoura se transforma em um cavalo, uma caixa de fósforos em um carrinho, um caixote passa a ser um caminhão ou trenzinho, também ocorro o desempenho de papéis: brincar de mamãe e filho, professor e aluno, médico e paciente etc.

Nesse sentido, para Piaget (1969), o jogo simbólico é, simultaneamente, um modo de assimilação do real e um meio de auto expressão, pois à medida que a criança brinca de casinha, representando papéis de mamãe, papai e filho, ou brinca de escola, reproduzindo os papéis do professor e aluno, “ela está, ao mesmo tempo, criando novas cenas e também imitando situações reais por ela vivenciadas” (p.29).

A função desse tipo de atividade lúdica, segundo Piaget (1969, p.29) consiste em satisfazer o eu por meio de uma transformação do real em função dos desejos: “a criança que brinca de boneca refaz sua própria vida, corrigindo-a a sua maneira, e revive todos os prazeres e conflitos, resolvendo-os, ou seja, completando a realidade através da ficção”.

Destarte, o jogo simbólico, tem como função assimilar a realidade, seja através da resolução de conflitos, da compensação de necessidades não satisfeitas, ou da simples inversão de papéis.

Jogos de Regras - A terceira forma de atividade lúdica a surgir é o jogo de regras, que inicia por volta dos 5 anos, mas se desenvolve principalmente na fase que vai dos 7 aos 12 anos, predominando durante toda a vida do indivíduo.

                                        Os jogos de regras são combinações sensório-motoras (corridas, jogos com bolas) ou intelectuais (cartas, xadrez) em que há competição dos indivíduos (sem o que a regra seria inútil) e regulamentadas quer por um código transmitido de geração em geração, quer por acordos momentâneos. (PIAGET apud RAU, 2007, p.75).

O que caracteriza o jogo de regras é o fato da regulamentação por meio de um conjunto sistemático de leis (as regras) que asseguram a reciprocidade dos meios empregados. Na teoria de Piaget (1969), o jogo de regras, é uma conduta lúdica que supõem relações sociais ou interindividuais, pois a regra é uma ordenação, uma regularidade imposta pelo grupo, sendo que sua violação é considerada uma falta. Portanto, essa forma de jogo prevê a existência de parceiros e de “certas obrigações” comuns (as regras), o que lhe confere um caráter eminentemente social.

Segundo Piaget (1971, p.185) “as regras é a atividade lúdica dos ser socializado e começa a ser praticado por volta dos 7 anos, quando a criança abandona o jogo egocêntrico das crianças menores, em proveito de uma aplicação efetiva de regras e do espírito cooperativo entre os jogadores”.

O jogo na criança, inicialmente egocêntrico e espontâneo, vai se tornando cada vez mais uma atividade social, na qual as relações individuais são fundamentais.

Já no que diz respeito aos estudos de Vygotsky (1984), o jogo é considerado um estímulo à criança no desenvolvimento de processos internos de construção do conhecimento e no âmbito das interações com os outros. O autor, que se aprofundou no estudo do papel das experiências sociais e culturais a partir da análise do jogo infantil, aponta que no jogo, a criança transforma pela imaginação os objetos produzidos socialmente.

A teoria de Vygotsky (1984) afirma que toda atividade lúdica da criança possui regras. A situação imaginária em qualquer forma de brinquedo já contém regras que demonstram características de comportamento, mesmo que de forma implícita. Para esse autor, o jogo é o nível mais alto do desenvolvimento na fase pré-escolar, e é através dele que a criança se move.

Nesse sentido, Vygotsky (Apud Rau, 2007, p.76) destaca que o jogo é fundamental para o desenvolvimento cognitivo, pois “o processo de vivenciar situações imaginárias leva a criança ao desenvolvimento do pensamento abstrato, quando novos relacionamentos são criados no jogo entre significações e interações com objetos e ações”.

A partir das teorias de Piaget e Vygotsky entende-se que é preciso refletir sobre o papel do educador ao utilizar o lúdico como recurso pedagógico, o que lhe possibilita o conhecimento sobre a realidade lúdica da criança, sobre seus interesses e necessidades.

Assim, ao utilizar o jogo como recurso pedagógico, o educador deve considerar a organização do espaço físico, a escolha dos objetos e dos brinquedos e o tempo que o jogo irá ocupar em suas atividades diárias na educação infantil. Esses pontos são definidos como requisitos básicos, fundamentais, para o trabalho com o lúdico no processo de desenvolvimento cognitivo infantil.

O entendimento sobre os aspectos favorecidos através do lúdico como recurso pedagógico vem ao encontro da necessidade de simbolização das vivências cotidianas pela criança, facilitando que diferentes linguagens, verbais e não verbais socializadas e idealizadas, transformem-se em um instrumento do pensamento. “Entende-se que o pensamento é formado por relações e que o homem passa por meio de símbolos, construídos nas relações dialéticas com o mundo cultural, social e físico”. (RAU, 2007, p.78).

Ao tratar desse assunto Vygotsky (1984) discorre que a criança precisa de tempo e espaço para identificar e construir sua própria realidade e a realiza por meio da prática da fantasia. Para o autor, a imaginação na ação, ou o brinquedo, é a primeira interação da criança no campo cognitivo o que permite ultrapassar a dimensão perceptiva motora do comportamento.

Na infância, as linguagens expressivas subjetivas dão formas às vivencias cotidianas e as transforma em pensamento, numa construção dialética, sistematizando os processos primários, básicos ou elementares, em processos complexos. Ao passar por esse processo a criança apropria-se da cultura, tornando-se parte dela, e a representação simbólica, segundo essa teoria, possibilita a interiorização do mundo que a rodeia.

Os estudos de Kishimoto (1999, p.37), apontam a “necessidade da criação de espaços como salas de jogos e cantos que permitam às crianças ter mais liberdade e possibilidades diferentes nos seus movimentos, bem como investir na atividade de exploração”.

Os espaços criados, recriados ou construídos nas instituições educativas contribuem de forma significativa, oportunizando as crianças inúmeras aprendizagens. Neste ínterim, o espaço é considerado como algo que educa a criança, Edwards et al (1999).

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pesquisa possibilitou educar nosso olhar para a prática educativa envolvendo o jogo. Não basta o professor somente ter a noção de que se faz necessário o jogo na educação das crianças, deixando-as a jogar. É importante criar situações de incentivo ao jogo, fazendo com que estas identifiquem e reflitam sobre o processo de ensino aprendizagem que o jogo pode proporcionar.

De acordo com Kishimoto (1999, p.11):

                                         (...) o jogo e a criança caminham juntos desde o momento em que se fixa a imagem da criança como um ser que brinca. Portadora de uma especificidade que se expressa pelo ato lúdico, a criança carrega consigo as brincadeiras que se perpetuam e se renovam a cada geração.

Ainda complementando a fala Santos et al. (2010, p. 104) esclarece que “a brincadeira é a atividade mais nobre da infância”, e recusar o seu papel na escola é talvez renegar a nossa própria história de aprendizagem.

A brincadeira é inerente à infância, desde o tempo dos nossos pais, avôs e bisavôs, ela existe. Acreditamos que devemos resgatar um pouco das brincadeiras do nosso passado afim de que possamos alicerçar o futuro das nossas crianças.

Desta forma esperamos que todos os adultos inseridos no contexto das instituições educativas sensibilizem-se e compreendam a importância do jogo e da brincadeira, para e pela as crianças.

 

 

REFERÊNCIAS

 

EDWARDS, Carolyn; GANDINI, Lella. FORMAN, George. As cem linguagens da criança: a abordagem de Reggio Emilia na educação da primeira infância. Porto Alegre: Artmed, 1999.

 

FANTIN, M. No mundo da brincadeira: jogo, brinquedo e cultura na Educação Escolar: Cidade Futura, 2000.

 

KISHIMOTO, Tizuko, Morchida et. al. Jogo, brinquedo, brincadeira e a educação. São Paulo: Cortez, 1999.

LEVIN, E. A infância em cena: constituição do sujeito e desenvolvimento psicomotor. Petrópolis: Vozes, 1997.

PIAGET, J. A Formação do Símbolo na Criança. Rio de Janeiro: Zahar, 1971.

______. Seis Estudos em Psicologia. Rio de Janeiro: Forense, 1969.

______. Et al. A Psicologia da Criança. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1969.

RAU, M. C. T. D. A Ludicidade na Educação: Uma Atitude Pedagógica. Curitiba: IBPEX, 2007.

RONCA, P.A.C. A aula operatória e a construção do conhecimento. São Paulo : Edisplan, 1989.

SANTOS, Jandira. I. G. et al. Ludicidade, Espaço e Aprendizagem: uma relação possível. In: Voos, Jordelina. B. A. e Becker, Rosana (Org.). Diálogos e Trajetórias: Da perspectiva individual à docência compartilhada. São Paulo: All Print, 2010.

VYGOTSKY, L. S. A Formação Social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1984.