O artigo ora apresentado versa sobre a estória relatada no filme ‘O Lenhador’ e os efeitos da pena. Após doze anos preso pelo crime de pedofilia, Walter (Kevin Bacon) ganhou o benefício da liberdade condicional, e se instala em uma pacata cidade, onde consegue um emprego em uma marcenaria. Sua vida é retomada, e Walter conhece uma mulher, Vickie (Kyra Sedgwick), com a qual passa a manter um relacionamento, mas as marcas do passado continuam presentes.

Morando próximo a uma escola do primário, o ex-detento é obrigado a manter uma distância mínima de 100 metros de qualquer escola, ver um terapeuta com freqüência e receber o agente da condicional, o detetive Lucas (Mos Def), pelo menos uma vez por semana. Walter ainda é rejeitado pela irmã, além de viver com o estigma de pedófilo pela sociedade e precisar lidar com seus instintos para conseguir levar uma vida normal.

A discussão envolve dois posicionamentos. O primeiro é favorável aos efeitos da pena, e considera os pedófilos como pessoas com personalidade psicopática, um um risco para o convício social. Especialistas alertam que, nos casos de pedófilos que são beneficiados com a liberdade condicional, a reincidência do crime é muito alta. O artigo 18 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), por sua vez, defende a integridade física e mental de um jovem menor de idade. Já o artigo 227 da Constituição Federal assegura à criança e ao adolescente, entre outros, o direito à dignidade, ao respeito, além de deixá-los à salvo de qualquer violência. Por fim, o Projeto de Lei 5.658/09 tornou a pedofilia crime hediondo, tamanha a gravidade do delito.

O segundo posicionamento, desfavorável aos efeitos da pena, lamenta que Walter recebe obrigações que já iniciam um processo de rotulação social, resultando na marginalização, com um tratamento diferenciado por parte da sociedade. O preconceito só dificulta a reabilitação de uma pessoa nessa situação, que precisa se libertar do estigma social para tentar levar uma vida normal. Ademais, os sistemas penal e prisional brasileiros são falhos e impõem uma rotina sofrida e traumática, sofrimento que por si só representa grande parte da punição à qual o condenado é submetido.

FUNDAMENTOS QUE DEFENDEM OS EFEITOS DA PENA

A partir da análise do filme “O Lenhador”, temos uma abordagem do problema pelos olhos de um pedófilo em recuperação, de modo que o longa ofende o menos possível os sentimentos dos espectadores, deixando uma mensagem de esperança. Essa visão, em se tratando da realidade brasileira, trata-se de pura ficção.

A Organização das Nações Unidas (ONU) considera a pedofilia uma patologia, cujo portador é vítima de uma personalidade psicopática, “que se incluem nos transtornos de personalidade anti-social, segundo a décima revisão do Código Internacional de Doenças (CID – 10)” (FERES, 2002, p. 156).

A recuperação de Walter não reflete a realidade, principalmente no Brasil. A personalidade psicopática, somada à falta de um programa de recuperação eficaz no sistema prisional brasileiro, impossibilita que o apenado se recupere da patologia. Vítima de transtornos mentais, o pedófilo não tem acesso a um programa de recuperação para o seu restabelecimento e reinserção na sociedade, e aqui, é indiscutível que a pena não ressocializa ninguém, provocando um ciclo interminável (NÓBREGA, 2009). O criminoso é condenado, cumpre sua pena e, ao invés de “pagar” pelos seus crimes e receber uma assistência que garanta sua reabilitação ao final de sua reclusão, ele sai em situação pior, sofre preconceito e provavelmente reincidirá no crime, ingressando numa carreira criminal.

O sistema penal é falho e no prisional, a rotina é sofrida e traumática, sem assistência nem acompanhamento psicoterapêutico:

[...] e, em decorrência disso, assiste-se a uma transformação dos presídios, não só em São Paulo, em uma espécie de depósito para ‘inadaptados, perigosos, agressivos, psicopatas, etc.’, que absolutamente não apresentam condições de assimilar nenhum programa recuperacional, prejudicando fundamentalmente aquele que é estabelecido para o conjunto. (FERREIRA, 1981, apud FERES et al., 2002, p. 159).

Diante dessa realidade, a probabilidade de reincidência do criminoso que consegue o benefício de uma condicional é muito alta e, segundo alguns estudos internacionais, chegam mesmo aos 80 ou 90%", Paulino (2009). Esses dados são reforçados pela Teoria do Etiquetamento Social (NÓBREGA, 2009), cujos conceitos defendem que a rotulação poderá levá-lo à reincidência:

Em razão disso, a criminalização secundária seria a responsável pela estigmatização, pela rotulação e disto surgiriam mais criminalizações, ou seja, a reincidência. Assim, inserido numa subcultura da delinquência, após ser socialmente rotulado e marginalizado, o indivíduo trilharia uma espécie de carreira criminal. (NÓBREGA, 2009)

Estudos afirmam a dificuldade de readaptação social aos portadores desse desvio de personalidade, que desde criança, “manifestam uma certa crueldade e tendência a atividades delituosas” (Psiqweb - Portal de Psiquiatria, 2005):

A adaptação social também fica comprometida, tendo em vista a tendência acentuada do psicopata ao egocentrismo e egoísmo, características estas percebidas pelos demais e responsável pelas dificuldades de sociabilidade. Mesmo no meio familiar o psicopata tem dificuldades de adaptação. Durante o período escolar tornam-se detestáveis tanto pelos professores quanto pelos colegas, embora possam dissimular seu caráter sociopático durante algum tempo. Nos empregos a inconstância é a característica principal. (Personalidade Psicopática. Psiqweb - Portal de Psiquiatria, 2005, p. 10)

É fato que o criminoso já cumpriu sua pena para com a sociedade, e deve ter de volta todos os seus direitos de cidadão, mas diante da alta probabilidade de reincidência, torna-se primordial a garantia da integridade das crianças e dos adolescentes, protegidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA):

Art. 18. É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor.

O artigo 227 da Constituição Federal também assegura direitos às crianças e aos adolescentes:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Por fim, é válido acrescentar que o crime de pedofilia é considerado tão grave, que deverá ser incluído no rol dos crimes hediondos. Tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 5.658/09 de autoria do Senado Federal, que propõe a mudança e inclusão de artigos no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), nas leis de crime hediondo. O projeto será analisado pelas Comissões de Seguridade Social e Família, e Constituição e Justiça e de Cidadania, antes de ser votado pelo Plenário.

Por todo o exposto, depreende-se aceitável a rotulação social ao apenado condenado pelo crime de pedofilia, visto que a probabilidade de reincidência é alta, e o mais importante é garantir a integridade das crianças e dos adolescentes, protegidos pela Constituição Federal e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

 

REFERÊNCIAS

  1. Abusadores sexuais de crianças:a verdade escondida– Mauro Paulino. Março 20, 2009 – 5:58 pm; Publicado em Uncategorized; Tagged 9789896550110.
  1. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. 11. ed. Rio de Janeiro: Ed. Roma Vitor, 2007, p. 13.
  1. BRASÍLIA. Projeto de Lei n° 5.658/09, de 21 de julho de 2009. Altera as Leis nº 7.960, de 21 de dezembro de 1989 (Lei de Prisão Temporária), nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), e nº 8.072, de 25 de julho de 1990 (Lei de Crimes Hediondos), com a finalidade de aprimorar o combate à prostituição e à exploração sexual de crianças e adolescentes. Câmara dos Deputados. Disponível em: ˂http://www2.camara.gov.br/proposicoes/loadFrame.html?link=http://www.camara.gov.br/internet/sileg/prop_lista.asp?fMode=1&btnPesquisar=OK&Ano=2009&Numero=5658&sigla=PL˃. Acesso em: 14 mar. 2010.
  1. Carlos Roberto Feres, Rubens de Campos Filho, Sérgio José Alves de Almeida e José Antônio Cordeiro. Criminologia - Avaliação psicológica de grupos de criminosos do sistema penitenciário do Estado de São Paulo. Revista USP, São Paulo, n. 53, p. 153-164, mar./mai. 2002. Disponível em: ˂ http://www.usp.br/revistausp/53/14-rubens.pdf˃. Acesso em: 05 mar. 2010.
  1. BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente (1990). Disponível em: ˂http://www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/L8069.htm˃. Acesso em: 14 mar. 2010.
  1. Labeling Approach - A Teoria do Etiquetamento Social. Izanete de Mello Nóbrega. Disponível em: ˂http://www.investidura.com.br/biblioteca-juridica/artigos/direito-penal/3368-labeling-approach-a-teoria-do-etiquetamento-social.html˃. Acesso em: 05 mar. 2010.
  1. 7. Personalidade Psicopática. PsiqWeb - Portal de Psiquiatria, 2005. Disponível em: ˂http://www.sel.eesc.usp.br/informatica/graduacao/material/etica/private/personalidade_psicopatica.pdf˃. Acesso em: 06 mar. 2010.