O JULGAMENTO DE SÓCRATES[1]:O conceito de liberdade no mundo antigo.

                                                                                              Fernando Muniz[2]                                                                                     Francisca Santos[3]

 

Sumário: Introdução; 2 O individuo e a liberdade de expressão no mundo antigo; 3 Democracia e liberdade de expressão na atualidade; Considerações finais.

RESUMO

Realiza-se um estudo sobre os aspectos teóricos e práticos acerca da liberdade de expressão no mundo antigo analisando sua contribuição para formação do atual conceito de Estado Democrático de Direito. Ressalvando-se, por fim, o quão importante foi o julgamento de Sócrates para a formação do pensamento jurídico atual.

PALAVRAS-CHAVE

Liberdade de Expressão. Sócrates. Grécia. Filosofia.

INTRODUÇÃO

    Sócrates, de acordo com alguns historiadores, nasceu entre 470/469 a.c época em que os gregos enfrentam as Guerras Médicas onde o Mar Egeu passa a ser um mar “helênico”. Atenas assume nesse período a hegemonia da Grécia onde já esta instituído o governo democrático além da forte influência dos chamados “sofistas” que usavam o jogo da linguagem para difundirem seus pensamentos a cerca de temas como justo, belo, bom mediante pagamento, passando assim a seculariza a filosofia buscando-a por seu valor utilitário, negando assim, o absolutismo da verdade, pois concebem a verdade como uma criação do homem, uma construção histórica, um convenção social, e atribuem essas características aos conceitos sobre Direito, Liberdade, Bem-estar, etc.

A partir daí surge a figura de Sócrates que vem para romper e quebrar esses paradigmas existentes, reposicionando a atividade lógica ( constituindo uma critica aos sofistas) em que a verdade só pode ser alcançada senão por uma certeza e opinião, conceito e preconceito. Fundando assim a ontologia da “descoberta do ser” concentrando sua filosofia no “conhecer-se a si mesmo” tentando assim instigar o individuo a pensar por si mesmo. Deste ponto começa nossa pesquisa a cerca de como esse individuo relaciona-se com essa “liberdade de expressão”, mediante o pensamento de liberdade para Sócrates, fazendo uma breve analise entre o julgamento de Sócrates e a formação dos Estados Democráticos e por fim fazer uma analise da necessidade e objetivo da fortificação da liberdade de expressão na atualidade.

2 INDIVIDUO E A LIBERDADE NO MUNDO ANTIGO       

Para começar nossa alise de antemão torna-se necessário analisar as varia concepções que se tem no mundo antigo de liberdade e mesmo de individuo. Partindo deste ponto chegamos a três concepções principais expostos por Gigon a seguir:

 A primeira é a concepção em que se tem a liberdade como forma de vida do Estado e do indivíduo no Estado e na sociedade. Já a segunda  é a que concebe a liberdade como pressuposto de toda ação eticamente responsável e, por isso, serão consideradas sobretudo as limitações que, justamente, de muitos lados, restringem essa liberdade. E na terceira, perguntar-se-á como, na perspectiva cosmológica e teológica, pode-se afirmar a liberdade da ação humana.

Tanto na antiguidade quanto na atualidade, a concepção de “liberdade” é considerada um fim intrínseco a realidade, tanto do individuo como da sociedade em que ele vive, e por conseqüência também influencia a história mundial no âmbito de seu conjunto.

No mundo antigo “cidadão era aquele que tinha o direito e a competência para emitir opiniões sobre todos os assuntos da cidade, de ouvir todas as opiniões diferentes e de discutir todas elas para poder decidir e votar” (CHAUI, 2002, p.203). Vale ressalvar, nem todos eram considerados cidadãos, e por conseqüência nem todos tinham o direito a chamada “liberdade” aqui esta era para aquele grupo de indivíduos que conseguiram superar o domínio da Zoe e se encontravam no chamado domínio da Bios, que seria uma forma de vida idealizada, no qual o âmbito principal seria a questão da política do bem viver que poderia ser discutida.

Liberdade, atualmente, é concebida como condição na qual um Estado, ou mesmo um individuo, “nem é dependente da vontade de outro nem precisa do auxílio de outro, mas, sob determinadas condições de uma ordem política ou ética, escolhe por sua própria ponderação aquilo que reconhece como obrigatório para si” (GIGON, 2010). Conceito este que difere, e muito, do conceito que se tinha de liberdade no mundo antigo. Onde “nada havia no homem de independente. O seu corpo pertencia ao Estado e estava voltado a sua defesa” (COULANGES,2004,P.247). Onde o “ateniense, concebido como inconstante, caprichoso e tão livre-pensador, nutre, pelo contrário, singular respeito pelas antigas tradições e velhos ritos” ( idem, p.243). Motivo este, pelo o qual Sócrates fora condenado em 399 a.C,  por uma acusação de "impiedade" sendo acusado de ateísmo, ou seja, pregar novos deuse o que era imperdoavel, e de corromper os jovens com a sua filosofia, de não serguir as tradições e leis instituidas pelo Estado. Porém aqui , “é importante encara-lo como criador de uma atitude humana que define o apogeu de uma longa e laboriosa tragetoria de liberdade moral do homem por si só” (JAEGER, 2001, p.509). Contudo, o que nota-se, de acordo com a leitura de apologia de Sócrates escrita pelo seu discipulo Platão, foi que na realidade, estas acusações encobriam ressentimentos profundos por parte dos poderosos da época.

3 DEMOCRACIA E LIBERDADE DE EXPRESSÃO NA ATUALIDADE

Para falarmos sobre democracia no mundo antigo precisamos antes explanar o que seria a democracia, e assim chegar ao sentido que seus limites sociais implicam.

Para os indivíduos desse período a autarquia seria a forma ideal de poder, já que ela significa, em primeiro lugar, a pretensão de poder satisfazer a todas as necessidades físicas por suas próprias forças ou sem depender do serviço prestado por um estranho, no que toca ao indivíduo, a autarcia pode traduzir a tentativa de contar integralmente consigo mesmo para sua sobrevivência física representando assim sua importância como expressão da independência espiritual do individuo, onde o mesmo basta-se a si próprio e não precisa da presença de qualquer outro homem. (GIGON ,2010).  

Mas o que significa democracia e qual sua relevância na antiguidade? . As primeiras análises sobre o significado do termo democracia foram feitas por Aristóteles no seu livro Política. Neste livro ele faz a distinção de “seis formas de governo”. Aristóteles “chamou de demokratia (demos, povo; Kratos, poder) um governo injusto governado por muitos, e de politeia um sistema justo governado por muitos, normalmente traduzido como república (do latim res publica, aquilo que é público)” por tanto os antigos viam a democracia como uma forma de governo má em que o ideal seria uma monarquia ou mesmo autarquia como idealizava Aristóteles e Platão. (FUMES, 2010). Atualmente, o termo democracia diz respeito “a um governo pelo povo seja direto ou representativo” (Ibid ,p.3); e o termo república geralmente é usado para se referir a “um sistema político onde um chefe de estado é eleito por um tempo limitado, oposto de uma monarquia constitucional”.(Ibid )

Mas se a forma ideal de governo seria uma monarquia, e neste viés a democracia seria uma forma de governo não ideal, qual a contribuição de Sócrates para a sua instauração na atualidade?  . Como já foi dito na introdução deste artigo o filósofo Sócrates foi condenado em júri publico a morte (envenenado por tomar cicuta) acusado de corromper a juventude e de pregar a existência de novos deuses na cidade. Sócrates não tentou nem ao mesmo se defender ao invés disso lutou até o seu fim para defender  suas idéias, o que o fez até o último minuto da sua vida. Depois disto, se passado mais de 24 séculos pouco refletimos sobre a grandiosidade do ato desse ilustre pensador que marcou o pensamento filosófico. Com sua determinação de preferir ser condenado à deixar de filosofar, “ Eu nunca deixarei de pensar”,  Sócrates estabeleceu as bases da luta pelo direito a manifestação de pensamentos e defesa dos mesmos, a chamada liberdade de expressão, que influenciada junto com os ideais iluministas contribuiu para a formação das atuais democracias . Com a posição de Sócrates a filosofia ganhou vida. Além de deixar também um dos maiores legados as sociedades contemporâneas democráticas: o exemplo de luta pelo direito de expor suas  idéias e pensamentos  e defendê-los. Sócrates morreu injustamente, porem, em defesa do pensamento e da verdade.

No tocante a liberdade de expressão, esta, segundo Alexandre Magno Fernandes Moreira, em seu artigo os Crimes contra a honra como um atentado a liberdade de expressão, significa “o direito de se manifestar opiniões livremente”. (MOREIRA, 2010), segundo o mesmo autor a liberdade de expressão é “um direito negativo, de primeira geração”,(Ibid) ou seja ela se refere aqueles direito inerentes aos indivíduos. Os direitos negativos  tem como objetivo a abstenção do Estado, chegamos a outro ponto de semelhança em relação a Sócrates e as democracias atuais, já que o filosofo “não simpatizava com a intervenção política ativa dos atenienses nas assembléia da polis ou com jurados nos tribunais da justiça” (JAEGER, 2001, p.514).  Trazendo para a atualidade a Constituição Federal de 1988, inicialmente preservou a liberdade de expressão de modo supremo. Contudo, sabe-se que essa liberdade pode alcançar outros direitos considerados fundamentais mesmo que de forma não direta. De acordo com Alexandre Moreira os direitos constitucionais “devem ter sua abrangência limitada por outros direitos, de modo que um não seja anulado ou por demais restritos por outro. Trata-se do princípio da proporcionalidade, há muito reconhecido pela jurisprudência e pela doutrina”.(Ibid,). A liberdade de expressão deve, portanto, dá lugar “sempre que colocar em risco concreto bens jurídicos mais valiosos, como vida, liberdade e propriedade”. (Ibid, p.5 ).

Hoje, após o julgamento e  condenação de Sócrates, vemos o fortalecimento da liberdade de expressão impulsionado cada vez mais pela a mídia, tanto nacional quanto internacional, que torna-se um importante instrumento nas denúncias sobre corrupções, sobre as injustiças sociais, na divulgação de idéias e na contribuição de esclarecimento da verdade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Qual é a relação do conceito antigo de liberdade e o atual? Dessa relação, de acordo com Gigon, pode dizer-se tudo, menos que é simples! De um lado, os textos antigos, os dos historiadores e oradores não menos que os dos filósofos, sempre exerceram influência e transmitiram para o pensamento dos tempos modernos terminantes palavras de ordem. De outro lado, precisamos ter bem claro para nós que, no desenvolvimento do pensamento moderno, sempre participaram dois fatores que, no sentido aqui considerado, não se originaram dos antigos.

A pluralística liberdade de pensamento, adquirida com a destruição da teologia e da metafísica, apenas cria o espaço para algo inteiramente diferente Daí resulta uma das mais visíveis diferenças entre o que é desejável para os antigos e para os modernos. Já falamos da diferença. Para os antigos a liberdade é basicamente o não ser dependente de ninguém e de coisa alguma. Esse alvo teve, sempre e sempre, uma prioridade decisiva em relação à melhoria das condições de vida. No presente, contudo, acontece bem o contrário. A programática da liberdade apenas disfarça a interdependência cada vez maior de todos em relação a todos que, no interesse da melhoria das condições de sobrevivência, não só é aceita, mas também expressamente concebida como algo desejável

Na Antiguidade a liberdade é, em primeiro lugar, a autarcia que acabamos de mencionar e, depois, a cautelosa relação com os poderes exteriores e circunstâncias incontroláveis, e está sempre pronta para recolher-se naquela região mais íntima do homem na qual o indivíduo, em todos os casos e definitivamente, é senhor de si mesmo. A nossa época não valoriza a autarcia, desconfia do recolhimento na intimidade como sendo uma fuga e, no que se refere ao trato com o mundo exterior, não vê nenhum motivo para a cautela: o mundo exterior aí está para ser dominado e utilizado pelo homem e isso é o que, de preferência, pode ser chamado de "liberdade criadora". Esse conceito, todavia, é um conceito de liberdade sobre o qual os antigos diriam de bom grado que não cabe ao homem, mas só à divindade.

Na Antiguidade, por fim, a liberdade não é nenhum fim em si mesmo. Apenas prepara o espaço no qual o homem age por decisão responsável. Essencial é o que ele faz da liberdade.

Dever-se-ia perguntar em que medida, no presente, a liberdade é realmente um fim último em si mesmo e, também, em que medida, para além da liberdade, o alvo é a melhoria sem fim das condições de sobrevivência física. Em todo caso parece que o moderno conceito de liberdade carece ainda de muitos esclarecimentos. Acredito que, para tais esclarecimentos, o conceito de liberdade dos antigos que procuramos caracterizar poderá ser extremamente útil, senão indispensável.

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ZABALZA, A. Miguel. Os alunos universitários. O ensino universitário: seu cenário e seus protagonistas. Trad. Ernani Rosa. Porto Alegre: Artmed, 2004.


 

[1] Paper apresentado como requisito para aprovação pessoal da disciplina de Historia do Direito ministrada pelo prof  Elton Fogaça.

[2] Acadêmico do 2º período vespertino do Curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB, [email protected].

[3] Acadêmica do 2º período vespertino do curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB, [email protected]