O JULGAMENTO DE NUREMBERG: IMPARCIALIDADE? 

Raimundo Nascimento Gama[1] 

RESUMO:

O presente trabalho tem por propósito maior a abordagem de um dos momentos mais bestiais da história, a Segunda Guerra Mundial, enfocando mais especificamente os julgamentos realizados na cidade alemã de Nuremberg, entre os anos de 1945 e 1946, onde foram sentenciados por um Tribunal Internacional Militar os mais graduados lideres nazistas e juízes do III Reich responsáveis pelas barbaridades cometidas contra a humanidade. O Tribunal Internacional Militar, instituído para esse fim a partir de um acordo entre os governos dos Estados Unidos da América, União das Republicas Socialistas Soviéticas, Reino Unido e França, buscou, num grande esforço político maior, encontrar e aplicar uma justiça humana de tamanho ideal para os crimes contra a humanidade cometidos pelos acusados, sendo que, no decorrer dos processos, não aceitou as duas principais alegações da defesa, quais sejam: a de que somente os Estados podem ser considerados responsáveis por crimes de guerra, isentando os indivíduos; e a de que o processo e o enquadramento dos acusados eram de fatos passados (ex post facto). O argumento maior utilizado pelo Tribunal Internacional Militar foi o de que os crimes de guerra são cometidos por homens, portanto, somente punindo a estes é que torna possível fazer cumprir a lei internacional, pois os fatos imputados eram universalmente considerados crimes antes mesmo da Segunda Guerra Mundial. Busca-se neste trabalho apresentar situações do Julgamento de Nuremberg à luz do Direito Internacional Público que implicou no fortalecimento deste a partir de então.

PALAVRAS-CHAVE: Direitos Humanos; Crimes de Guerra; Julgamento; Justiça; Tribunal Internacional.

1 INTRODUÇÃO

Com a Segunda Guerra Mundial surgiu a união de Estados para discutir o tratamento pós-guerra que deveria ser dado aos líderes nazistas que foram responsáveis ou consentiram as atrocidades e os crimes monstruosos cometidos contra a humanidade, submetendo suas vidas a julgamento. A Declaração de Moscou, como um dos atos precedentes do Tribunal de Nuremberg, estabeleceu que os membros do Partido Nazista diretamente ligados aos crimes de guerra deveriam ser encaminhados para os países nos quais cometeram os atos abomináveis para serem julgados e punidos.

Em agosto de 1945 é assinado o Ato Constitutivo do Tribunal de Nuremberg pelos Governos dos Estados Unidos da América, do Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte, da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas e o Provisório da República Francesa, com o objetivo de processar e punir os maiores crimes de guerra do Eixo Europeu, definindo, no referido documento, as regras dos processos de julgamento, os crimes a serem tratados e o local do julgamento, tendo sido escolhida a cidade de Nuremberg.

O rol de horrores composto pelas monstruosidades cometidas pelos alemães nazistas não permitia virar a página da história da humanidade sem apuração e punição dos responsáveis pela tortura, humilhação, crueldades e desumanidades inimagináveis, condenação de povos à escravidão, aniquilamento de minorias e morte de milhões de homens, mulheres e crianças.

Assim fica proposto neste trabalho, à luz da obra O Tribunal de Nuremberg, de Ana Luiza Almeida Ferro pontuar fatos relativos a crimes cometidos durante a Segunda Guerra Mundial que desencadeou a formação de um Tribunal Internacional Militar.

2 OS PRECEDENTES HISTÓRICOS.

A imposição de sanções penais a responsáveis por crimes de guerra é uma idéia antiga que vem desde a Grécia Antiga, passando por Atenas, onde os lacedemônios julgaram e condenaram à morte os vencidos atenienses, e pela antiguidade Romana, dando origem às manifestações de Direito Internacional Público que serviram de alicerce para a criação do Tribunal de Nuremberg.

Os registros históricos da antiguidade que apontam para a submissão completa dos vencidos ante os vitoriosos, expondo os primeiros às práticas de arbitrariedade dos segundos, fato comum até a Idade Média, indicam que a concepção do amor cristão e fraternidade humana originada na Igreja, foram as primeiras idéias claras daquilo que exorbitava a guerra, indicando os excessos praticados contra as populações civis. Ainda na Idade Média surge um novo precedente: o julgamento, em 1474, de Sir Peter of Hagembach, governador de Breisach, julgado por juízes da Áustria e cidades aliadas em face da implantação de um período de terror sob o seu domínio.

A decadência da jurisdição eclesiástica e o crescente fortalecimento do poder real deram início a um movimento doutrinário representado por Francisco de Vitória[2] e Francisco Suarez[3], alcançando o apogeu com Grotius[4].

Sob o temor do surgimento de movimentos socialistas a partir da quebra da bolsa de Nova Iorque em 1929, surge o Nazismo, regime ditatorial alemão, que teve na ascensão de Adolf Hitler a manutenção do capitalismo. O regime exaltava a raça ariana como sendo superior, responsabilizando os judeus pela crise alemã, ao tempo em que Hitler pregava a importância de se ampliar o território alemão que levou à segunda Guerra Mundial.

Foi durante a segunda guerra, que vários campos de concentração e extermínio foram construídos e tinham, entre outras, as funções de promover experiências em seres humanos e também de exterminar os judeus.

3 OS OBJETIVOS DO TRIBUNAL DE NUREMBERG.

Objetivava o Tribunal de Nuremberg processar e julgar os criminosos de guerra protagonistas da degradação humana e extermínio de milhões de pessoas durante a Segunda Guerra Mundial, uma atrocidade sem precedentes, dado a crueldade com que, principalmente os civis, eram tratados até a dizimação em campos de concentração, pois não era crível que os responsáveis por tamanha bestialidade, imbuídos de uma filosofia alicerçada no ódio e no desprezo para com os até então vencidos, saíssem ilesos, sem punições pessoais, apenas com o título de perdedores da guerra, pois se tratava de crimes de magnitudes incomparáveis, empregando um esforço político capaz de encontrar na justiça humana o peso ideal para crimes tão horrendos, numa combinação de elementos do Direito Anglo-Americano com os das leis civis do continente europeu.

Com a competência de julgar os crimes contra a paz, os crimes de guerra e os crimes contra a humanidade cometidos ao longo do nazismo, o Tribunal de Nuremberg julgou as atrocidades perpetradas pelos nazistas, responsabilizando-os no âmbito internacional, legal e politicamente, pelos acontecimentos de guerra em seu território com seus próprios nacionais, encontrando nas ações dos alemães, durante a guerra, justificativa forte para o julgamento dos criminosos:

Se é verdade que o caminho para o efetivo julgamento de grandes criminosos de guerra foi pavimentado ao longo da história da humanidade, com intensificação de esforços durante o período entre as duas grandes guerras, não é menos verídico que um tribunal do porte do de Nuremberg só foi possível em virtude do horror provocado pelas atrocidades cometidas durante a Segunda Guerra Mundial, particularmente pelos nazistas.  (FERRO, 2002 p. 36)

Nuremberg tornou-se prova inconteste de que a proteção dos direitos humanos não mais poderia ficar reservada ao Estado, fortalecendo a idéia de que a maneira como um Estado trata seus cidadãos é de interesse do mundo e que, portanto, os indivíduos têm direitos protegidos na ordem internacional.

4 OS CRIMES

No decorrer dos processos do Julgamento de Nuremberg foram reveladas ao mundo crueldades assustadoras praticadas pela Alemanha contra populações indefesas, crianças, mulheres e velhos e, principalmente, contra uma raça determinada, a judia, que, aliás, não estava em guerra contra a Alemanha, fatos que levaram as nações aliadas e ofendidas a tomarem uma decisão para punir os culpados.

Não se tratava de julgar atos próprios de guerra, e sim aqueles praticados durante a luta armada e considerados como crimes de guerra. Para tanto, os governos dos Estados Unidos, da França, do Reino Unido e da União Soviética concluíram um acordo no sentido da criação de um tribunal militar, destinado a processar e punir os maiores criminosos de guerra, pertencentes aos países inimigos, sob a forma de um Estatuto elaborado pelos representantes das grandes potências aliadas, ou seja, era preciso criar os delitos nas leis, pois aos olhos do mundo eles já existiam, assim sendo o Estatuto do Tribunal de Nuremberg estabeleceu três categorias de crimes:

Crimes contra a paz: aqueles classificados do ponto de vista do planejamento, da preparação, da iniciação, da realização ou do empreendimento de uma guerra de agressão, violando tratados ou garantias internacionais, e a participação num plano comum, ou conspiração para a execução de qualquer desses atos ou fatos.

Crimes contra a guerra: aqueles caracterizados como violações das leis e dos costumes da guerra, inclusive mortandade, maus tratos, deportação de populações civis, assassínio ou maus tratos de prisioneiros de guerra, morte de reféns, destruição desmotivadas de cidades, devastações não justificadas por necessidade militar, etc.

Crimes contra a humanidade: aqueles tipificados pelos assassinatos, pela exterminação, pela redução à escravatura, pela deportação, e por outros atos desumanos cometidos contra qualquer agrupamento civil antes ou durante a guerra, ou ainda por perseguições por motivos políticos, raciais ou religiosos, em execução ou em conexão com qualquer crime, etc. É nesse contexto de crime em que o genocídio é enquadrado.

De acordo com o Estatuto do Tribunal de Nuremberg, o art. 7° estipulou que as posições oficiais dos acusados, como os chefes de Estado ou funcionários responsáveis em departamentos governamentais, não os livrariam de responsabilidade nem abrandariam suas responsabilidades, e, também, o art. 8° do referido Estatuto preceituava que o fato de um acusado ter agido por ordem de seu governo ou de um superior não o livraria de responsabilidade

5 O JULGAMENTO

O Julgamento de Nuremberg perpetua o momento da confluência de leis, costumes e doutrinas jurídicas, constituindo-se numa das principais contribuições à codificação do Direito Internacional Público e na utilização mais fiel do Direito como meio formal de se atingir e assegurar a consecução do ideal de Justiça.

O Tribunal de Nuremberg, quando foi instalado, aplicou um Direito que até então não estava escrito, bem como penas não previstas em tratado algum antes dos crimes que estavam sendo imputados aos acusados, ou seja, as regras foram estabelecidas no Estatuto de Nuremberg, e nesse sentido temos que:

Com respeito aos crimes previstos no Estatuto de Nuremberg, o Procurador britânico enfatizou que os direitos e deveres dos Estados são direitos e deveres dos homens. Esses direitos e deveres não se aplicando aos indivíduos, na verdade a nada mais obrigam. Em seqüência, manifestou-se criticamente acerca do argumento da Defesa baseado na tese do “ato de governo, expressando que a mesma ocultava as pessoas que o executaram atrás do princípio da soberania, objetivando desculpá-las “como órgãos do Estado”. (FERRO, 2002 p. 88)

 Entretanto, apesar de ferido o princípio de legalidade (não há crime e nem pena sem lei que os preveja) representou grande avanço para a humanização da guerra, constituindo séria advertência aos provocadores de guerras de agressão. Vale ressaltar que o princípio de legalidade não é anterior ao Direito Penal, surgindo depois o nullum crimen sine lege, nulla poena sine lege, ou seja, inexistência de crime ou pena que não esteja previsto pela lei penal.

Em que pese essas imprecisões, não se pode ignorar o reconhecimento de um princípio jurídico: o de que o homem possui direitos e liberdades fundamentais inerentes ao ser, de forma que nenhum Estado ou Governo pode desprezar, mesmo que sob a justificativa de prevalecência dos interesses coletivos sobre o individual, . Assim sendo, o Julgamento de Nuremberg representou uma grande melhoria para alcançar a desejada implantação de um regime em que tais direitos e liberdades sejam devidamente respeitados, protegidos e sancionados internacionalmente. É possível dizer que se abriu no campo do Direito Público Internacional um capítulo de importância ímpar: o do Direito Penal das Nações.

A Assembléia das Nações Unidas, ao aprovar em 1948 a Declaração Universal dos Direitos do Homem, restabeleceu o princípio do nullum crimen, nulla poena sine lege. Em seu art. 11, parágrafo 2° está preceituado: "ninguém será condenado por ações ou omissões que, no momento em que foram cometidas, não constituíam atos delituosos no Direito Nacional ou Internacional".

Verifica-se, entretanto, que em Nuremberg, para caracterizar o crime de guerra, invocaram os julgadores a violação de tratados e acordos internacionais, que não delimitavam sanções como penas de morte ou prisão perpétua para condenar os infratores. Embora contrariando o princípio da legalidade, não foram apenas simples assassinatos e atrocidades que constituíram o ponto essencial das acusações. A acusação é da participação consciente e deliberada, num sistema de governo organizado e com poderio militar, de crueldade e injustiça, em violação a todos os princípios morais, éticos e legais aceitos por todas as nações civilizadas.

O princípio da lei criminal, em qualquer nação civilizada, estabelece como norma que qualquer pessoa que obrigue outra a cometer assassinato, ou que forneça os meios ou arma para a finalidade do crime, ou ainda, que seja cúmplice do crime, é culpada. Isto posto, constata-se que homens que se tornaram parte de leis e decretos cujo propósito era o extermínio de seres humanos que, em posições importantes no Estado, quer como autores ou executores, participaram na execução de leis ilegais, seja sob a ótica do Direito Natural ou mesmo sob a ótica do Direito Positivo, ainda que na tentativa de favorecer sua nação acreditando estar fazendo o correto, porém distantes de princípios e valores morais, alheados pela ausência de um espírito da justiça, devem ser processados, julgados e punidos exemplarmente.

6 CONCLUSÃO

Afirmar que o Tribunal de Nuremberg agiu com total imparcialidade em face das barbaridades cometidas pelos alemães contra as Nações constituintes do próprio tribunal é expressar ingenuidade, pois, em verdade, foi um tribunal de vencedores julgando vencidos e, diga-se de passagem, com regras criadas a partir dos acontecimentos, não anteriores a esses, porquanto os crimes não estavam definidos em lei. Entretanto, não há como negar a contribuição para o atual estágio do Direito Internacional Público, fato que indica que os acertos foram maiores do que os erros e estes últimos são perfeitamente justificáveis ante o cenário estabelecido pelas ações alemãs, pois a condenação dos principais criminosos de guerra obedeceu à consciência universal, com garantias aos acusados de ampla defesa.

A paz foi o desiderato comum que motivou a criação do Tribunal Penal Internacional, com balizamento, de certa forma, principiado no Tribunal de Nuremberg como forma de alertar àqueles que queiram enveredar-se na provocação de guerras injustificadas, sem propósitos, desumanas e cruéis.

7 REFÊRENCIAS

ANTUNES, Irandé. Lutar com palavras: coesão e coerência. São Paulo: Parábola, 2005.

BECHARA, Evanildo. Moderna gramática portuguesa. 37. ed. Rio de Janeiro: Lucema, 1999.

Dicionário Eletrônico Houaiss. Versão monousuário 3.0 – junho 2009. Copyright Ó 2001..2009. Instituto Antonio Houaiss.

Dicionário jurídico Acquaviva. Organização Marcus Cláudio Acquaviva. – 2. ed. – São Paulo: Riddel, 2008.

FERRO, Ana Luiza Almeida. O tribunal de Nuremberg: dos precedentes à confirmação de seus princípios. – Belo Horizonte: Melhoramentos, 2002.

LAKATOS, Eva Maria. Metodologia do trabalho científico: procedimentos básicos, pesquisa bibliográfica, projeto e relatório, publicações e trabalhos científicos. – 6. ed. – São Paulo: Atlas, 2001.

SANTOS, José Wilson dos, BARROSO, Russel Marcos Batista. Manual dos trabalhos acadêmicos: artigos, ensaios, fichamentos, relatórios, resumos e resenhas. – Aracaju: Sercore, 2007.



[1] Graduado em Letras Vernáculas, Literatura Brasileira e Literatura Portuguesa pela Universidade do Estado da Bahia – UNEB – Campus XXII, Euclides da Cunha – Bahia e Acadêmico do Curso de Bacharelado em Direito pela Faculdade de Ciências Humanas e Sociais AGES, Paripiranga - Bahia.

[2] Francisco de Vitória (Burgos ou Vitória, 1483 — Salamanca, 1512) teólogo espanhol neo-escolástico e um dos fundadores da tradição filosófica da chamada "Escola de Salamanca", sendo também conhecido por suas contribuições para a teoria da Guerra Justa e como um dos criadores do moderno direito internacional.

[3] Francisco Suárez (Granada, 1548 — Lisboa, 1617) foi um jesuíta, filósofo, jurista e pensador dos séculos XVI e XVII, destacando-se como uma das principais figuras do jusnaturalismo e do Direito Internacional da Idade Moderna.

[4] Hugo Grotius, (1583—1645) foi um jurista a serviço da República dos Países Baixos. É considerado o precursor, junto com Francisco de Vitória, do Direito internacional, baseando-se no Direito natural.