O JUIZ INQUISIDOR E O ATUAL PARADIGMA PROCESSUAL PENAL BRASILEIRO

Sarah dos Santos Silva[1]

 

 

Introdução

A figura do juiz inquisidor remonta a época do império Romano e não é bem vista nos dias de hoje na nossa conjuntura processual, pois fere diversos princípios constitucionais (Constituição Federal de1988). Neste trabalho buscamos resgatar o que vem a ser essa idéia de Juiz Inquisidor e demonstrar a sua presença no nosso ordenamento jurídico, sem, contudo deixar de fazer as devidas críticas a essa presença.

 

1. Sistemas Processuais

Antes de entrarmos na análise aprofundada da presença do Juiz Inquisidor no novo âmbito processual penal, convém destacar que são três os sistemas processuais: Acusatório, Inquisitivo e Misto.

O sistema acusatório caracteriza-se por haver a separação entre acusação, defesa e julgamento, uma vez que cada função é exercida por pessoas e órgãos diversos entre si; liberdade de defesa e igualdade de posição entre a acusação e o réu; procedimento público e dominado pela oralidade; julgamento popular, ou por órgãos judiciários imparciais; livre apresentação das provas pelas partes; ativação da causa pelas partes; o contraditório; é segundo a doutrina, o que está em maior consonância com a Constituição Federal, pois prevê a rígida separação de atribuições entre os personagens envolvidos na persecução penal. O ônus da prova cabe a quem alega.

No sistema inquisitivo, ao contrário do acusatório, existe a concentração das funções processuais (acusar, defender e julgar) no órgão judiciário, que em regra é agente representativo do poder dominante (juiz inquisidor), não sendo observado em tal sistema à ampla defesa, nem o contraditório, imperando o segredo e o procedimento escrito, conferindo-se amplos e irrestritos poderes de investigação aos órgãos judicantes.

Já o sistema processual misto, divide o processo em duas fases: de instrução preparatória e de julgamento, predominando na primeira os princípios e regras do sistema inquisitivo e no segundo um procedimento com caracteres do sistema acusatório.

No Processo Penal Brasileiro, vigora o sistema acusatório, sendo que em razão da adoção do referido sistema, os papéis dos sujeitos da relação processual são justamente delimitadas: ao Ministério Público (titular exclusivo da ação penal pública) compete a função de acusar, e sendo hipótese de ação penal privada, essa função compete ao ofendido; ao advogado ou defensor público cabe realizar a defesa plena do acusado; e ao juiz incumbe julgar.

 

2. A Figura Do Juiz

Ao magistrado, compete apenas se preocupar em julgar, mantendo das partes e, por conseguinte, permanecendo imparcial. Colocando na fronte da racionalidade a Constituição Federal, percebe-se que o mesmo não pode nem deve partir espontaneamente para colheita de provas, uma vez que se trata de atribuição exclusiva da polícia judiciária.

Apesar de o Brasil ter adotado o sistema acusatório, podemos encontrar no Código de Processo Penal, bem como na lei 9.034/95, resquícios do sistema inquisitivo no atual âmbito da persecução penal brasileira.

Neste sentido vejamo-los,

Código Processual Penal

Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício:

I - ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida;

Lei 9.034/95 (Lei do Crime Organizado)

Art. 3º Nas hipóteses do inciso III do art. 2º desta lei, ocorrendo possibilidade de violação de sigilo preservado pela Constituição ou por lei, a diligência será realizada pessoalmente pelo juiz, adotado o mais rigoroso segredo de justiça.

[...]

§ 2º O juiz, pessoalmente, fará lavrar auto circunstanciado da diligência, relatando as informações colhidas oralmente e anexando cópias autênticas dos documentos que tiverem relevância probatória, podendo para esse efeito, designar uma das pessoas referidas no parágrafo anterior como escrivão ad hoc.

§ 3º O auto de diligência será conservado fora dos autos do processo, em lugar seguro, sem intervenção de cartório ou servidor, somente podendo a ele ter acesso, na presença do juiz, as partes legítimas na causa, que não poderão dele servir-se para fins estranhos caso de divulgação. (grifos nossos)

           

Podemos ainda extrair do texto constitucional a divisão das funções de investigador e inquisidor. As atribuições conferidas ao Ministério Público estão contempladas no art. 129, I e VII e § 2º CF/88; e às atribuições das Polícias Federal e Civil no art. 144, §1º, I e IV, e §4º, CF/88. A realização de inquérito é função que a Constituição reserva à polícia.

A lei 11.690/20008, trouxe significativas alterações ao Código de Processo Penal, entretanto, ocorreu um alargamento das atribuições e poderes do magistrado à frente do processo penal, podendo, inclusive, de ofício, intervir no curso das investigações, antes de instaurada a ação penal (art. 156, I do CPP).

“Tendo o Brasil adotado o sistema acusatório, e sendo introduzido (pela lei 11.690/08) o novo art. 156, inciso I, há um manifesto conflito entre o sistema vigente e o novo dispositivo, pois este permite ao juiz de ofício “ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida”, trazendo assim, a figura do juiz inquisidor.”

3. A Constituição e o Processo Penal

A presença do juiz inquisidor no ordenamento pátrio viola, manifestamente, os princípios do devido processo legal, da iniciativa das partes, da imparcialidade do juiz, tendo em vista que não há um devido processo legal com a usurpação da função do Ministério Público (que é o único titular da ação penal pública), bem como não havendo a inércia do juiz ou a iniciativa das partes, ocorre de modo aberto o comprometimento da imparcialidade do julgador, que ao produzir uma prova antes do início da ação penal, corre o sério risco de ficar a ela (prova) vinculado psicologicamente, sendo certo que dentro deste quadro, poderá ocorrer do juiz formar sua convicção exclusivamente nesta prova produzida, o que é injusto, pois um juiz inquisidor é um juiz que representa enorme perigo ao processo penal constitucional, portanto, não pode jamais ser admitido sob pena de intensa e lastimável regressão do sistema processual penal.

Sendo assim, é claramente inconstitucional a autorização atribuída pelo ao juiz para determinar, de ofício, a produção antecipada de provas antes mesmo de iniciada a ação penal. Verdadeiramente, nesta situação ainda não há sequer ação penal instaurada nem mesmo acusação formal veiculada. Portanto, não pode o magistrado violar sua inércia, atuando como verdadeiro juiz inquisidor.

No que diz respeito ao art. 3º da lei 9.034/95, dita lei do crime organizado, assim como o art. 156, I do CPP, fere a garantia da imparcialidade do juiz, indo de encontro ao devido processo legal; e é inconstitucional na medida em que torna vulnerável o sistema acusatório de processo entre as partes, ao considerar os ofícios de acusação e defesa como funções essenciais ao exercício jurisdicional, atribuindo esta aos juízes, que não têm competência de investigar no âmbito extraprocessual.  É tão provado que o TSF Julgou a ADIN nº 1570/DF, declarando a inconstitucionalidade do art. 3º da referida lei

 

4. Conclusão

Concluímos que é fato notório que ainda há a presença de processo inquisitivo (juiz inquisidor) no ordenamento pátrio, mas admitir a aplicabilidade de regras que resgatam a figura do juiz inquisidor além de configurar um retrocesso jurídico fere princípios constitucionais como: o princípio do juiz natural e imparcial (arts. 5º, LIII, e 126, CF/88); princípio do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, LV, CF/88), o e, principalmente, da promoção privativa da ação penal pública assegurada ao Ministério Público (art. 129, I, CF/88).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

MODESTO, Danilo Von Beckerath. O art. 3º da Lei do Crime Organizado e a imparcialidade do juiz criminal. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1513, 23 ago. 2007 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/10307>.

DOMENICO, Carla. Juiz inquisidor e a reforma do código de processo penal: uma questão controvertida, disponível em: <http://www.carladome nicoadv.com.br/artigos/CarlaDomenico-Juiz_inquisidor.pdf>

PINTO, Tartiere Meister. Juiz inquisidor: a reforma do processo penal refletida em uma realidade inconstitucional? disponível em: <http://www.esmesc.com.br/up load/arquivos/8-1273187937.PDF



[1] Graduanda do 10º semestre do Curso de Direito da Faculdade Paraíso do Ceará