Dalcides dos Santos Aniceto Júnior
Universidade Federal de Roraima
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PALAVRAS-CHAVE: Inclusão, Intérprete, Desafios, Formação.

"Ser Intérprete de Língua de Sinais é muito mais do que ser identificado pela língua que fala, muito mais do que estar presente nas comunidades surdas ou ainda estabelecer um elo entre mundos lingüísticos diferentes. Ser Intérprete é conflitar sua subjetividade de não surdo e surdo, é moldar seu corpo a partir da sua intencionalidade, reaprender o universo do sentir e do perceber, é uma mudança radical onde a cultura não é mais o único destaque do ser" (MARQUES; OLIVEIRA, 2009 p. 396,397).

A figura do profissional tradutor e intérprete de Libras está ganhando mais espaço no cenário educacional brasileiro, principalmente depois da Lei nº 10.436 de 24 de Abril de 2002 e do Decreto nº 5.626 de 22 de Dezembro de 2005, que regularizaram a Língua Brasileira de Sinais como a segunda língua oficial do país, impulsionando assim as políticas de inclusão de surdos e o uso e difusão da Libras em todas as esferas sociais e, no âmbito da educação, em todos os níveis e modalidades de ensino.

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Essas leis também, especialmente o Decreto nº 5.626,12/05, deram ênfase ao papel do profissional intérprete de Libras como meio legal de garantir as propostas de inclusão do surdo previstas nas leis. Assim, a atuação do profissional intérprete é de grande importância nesse novo contexto de inclusão da pessoa surda em nossa sociedade.
No entanto, essas novas perspectivas de inclusão para o surdo apontaram novas necessidades indo muito além de apenas difundir a Língua Brasileira de Sinais e formar intérpretes. Pois a oficialização da Libras em 2002 tornou definitivamente o sujeito surdo ativo e participativo na sociedade com direitos e deveres específicos defendidos por lei e foi o marco do surgimento legal de um novo mercado de trabalho carente de mão-de-obra a nível nacional, a de tradutor e intérprete de Libras. Isso não significa que antes de 2002 não havia esforços de promover a inclusão de surdos e que não existiam profissionais intérpretes já atuantes e organizados no Brasil, pois se sabe da presença de intérpretes em trabalhos religiosos nos anos 80 e nesta mesma década a Federação Nacional de Educação e Integração de Surdos (FENEIS) promoveu o I Encontro Nacional de Intérpretes de Língua de Sinais com o objetivo de promover a interação entre alguns intérpretes do Brasil e a avaliação da ética do profissional intérprete.
O foco deste trabalho não é abordar uma corrente do tempo para esse profissional e sim, fazer uma reflexão sobre os anseios, as inquietações e os desafios desse profissional nesse período que se sucedeu à homologação da lei federal que reconheceu a língua brasileira de sinais como língua oficial das comunidades surdas e que representou um passo importante "no processo de reconhecimento e formação do profissional intérprete da língua de sinais no Brasil, bem como, a abertura de várias oportunidades no mercado de trabalho que são respaldadas pela questão legal" (QUADROS, 2004 p. 15).
Com as comunidades surdas interagindo cada vez mais e de forma mais aguda com as comunidades ouvintes, as possibilidades de atuação do intérprete de Libras vem crescendo e, conseqüentemente, a demanda por esse tipo de profissional e sua melhor formação e capacitação à medida que o sujeito surdo passa a interagir com grupos, com tipos de informações e de conhecimentos que antes não tinham acesso por causa da barreira lingüística estabelecidas tanto pelo desconhecimento da Língua de Sinais por parte dos sujeitos ouvintes quanto pela ausência do intérprete.
Com isso, o profissional intérprete precisa atuar em quaisquer espaços onde estiverem surdos presentes para possibilitar o acesso à informação e à cidadania, garantidos por lei. Entretanto, este trabalho visa dar ênfase ao campo que define e resume toda a proposta e finalidade da lei nº 10.436,04/02 e o decreto nº 5.626,12/05, a saber, o campo da educação.
Neste aspecto, destaca-se a presença obrigatória do profissional intérprete nas instituições públicas federais e estaduais e privadas de ensino superior a fim de assegurar aos alunos surdos o acesso à comunicação, à informação e à educação. Dessa forma, muitos surdos tomaram ânimo para ingressarem em um curso superior com uma nova perspectiva, a certeza de que teriam a assistência de um intérprete. A partir desse novo contexto, surgiram novas necessidades: preparar e qualificar intérpretes de Libras (isto também previsto no decreto de 2005), proporcionar aos professores acesso à literatura e informações sobre a especificidade lingüística do aluno surdo e sobre as atribuições e papel do intérprete além da utilização de equipamentos e tecnologias de informação.
De fato, para muitas instituições de ensino superior receber um aluno surdo tem sido um fato novo e inédito, nesses casos geralmente a instituição estando despreparadas com seus professores e profissionais de educação com pouca ou nenhuma capacitação em Língua de Sinais, caindo no erro de concluir que a contratação de um intérprete resolve a situação inusitada. Assim, muitos professores que recebem um aluno surdo e que tem a presença de um intérprete na sala de aula acabam que confundindo sua função, transferindo para o mesmo a responsabilidade do ensino, enquanto que na verdade sua atribuição é de ser o intermediário entre o professor e o aluno, ou seja, tornar compreensível para o aluno a mensagem do professor, não o de ensinar. Essa função é exclusivamente do professor.
É obvio que não se pode transferir para as instituições de ensino superior toda a responsabilidade de dar condições para um bom aproveitamento do aluno surdo. Cabe sim, de acordo com a lei, incluir a Libras como disciplina nas grades curriculares dos cursos de licenciatura.
Outro desafio externo ao sujeito intérprete é o que se encontra no próprio sujeito surdo, não o de caráter social, cultural e econômico, mas sim, no que diz respeito à sua formação nos ensino fundamental e médio, uma vez que as propostas de escolas bilíngües para surdos no Brasil seguem o modelo de surdos inclusos em salas de maioria ouvintes. Esse modelo requer que trabalhem dois professores, um ouvinte e outro surdo, ou um professor ouvinte e um intérprete. Mas, em vista da falta de profissionais surdos devidamente qualificados e de intérpretes no país, muitas escolas têm salas com alunos surdos apenas com um professor ouvinte e que não domina a Língua de Sinais. Nesses casos o aproveitamento dos alunos surdos fica prejudicado em relação aos alunos ouvintes e em conseqüência disso sua formação também.
Assim, quando esse aluno surdo ingressar no ensino superior terá sua compreensão dos conteúdos prejudicada mesmo o intérprete fazendo uma tradução fluente e fiel dos conteúdos ministrados, pois o mesmo tem um déficit nos conteúdos básicos do ensino médio, não entendo alguns termos, conceitos, cálculos e fórmulas que o professor espera que seus alunos já dominem principalmente na área das ciências exatas.
Existem ainda desafios que estão fora do sujeito intérprete e do sujeito surdo, são as barreiras encontradas nos discursos a serem interpretados. Segundo Quadros (2004 p. 27, 28):
Intérprete de Língua de Sinais é o profissional que domina a língua de sinais e a língua falada do país e que é qualificado para desempenhar a função de intérprete (...) precisa ter qualificação específica para atuar como tal. Isso significa ter domínio dos processos, dos modelos, das estratégias e técnicas de tradução e interpretação. O profissional intérprete também deve ter formação específica na área de sua atuação (por exemplo, a área da educação).

Ainda que o intérprete satisfaça esses requisitos existem discursos com vocabulário de palavras ou signos que ainda não possuem sinais com significados equivalentes pelo fato de ser novo e desconhecido para uma determinada comunidade surda em decorrência da sua alienação das informações desses discursos, geralmente por serem discursos com vocabulários que não fazem parte do convívio social e cultural dos surdos, tornando-se assim não-funcional e de pouco interesse; ou devido aos próprios fenômenos lingüísticos naturais em todas as línguas orais e de sinais, com a aparição de novos signos em virtude da evolução ou surgimento de novas necessidades, sejam de cunho científico, de mercado de trabalho ou tecnológico.
Como exemplo para o primeiro caso, digamos que uma surda de determinada comunidade seja a primeira a ingressar em um curso superior de química. Embora ela já tenha estudado determinados sinais de química básica e aprendido juntamente com os demais surdos, no entanto, sendo ela a primeira de sua comunidade a cursar química no ensino superior, em determinado momento ela vai se deparar com signos e conceitos de química bastante complexos e totalmente desconhecidos por ela e por todos os outros surdos de suas comunidade, incluindo os ouvintes usuários da Libras, pois àquele discurso ou vocabulário até então não fazia parte do convívio cultural daquela comunidade, assim ela terá que criar soluções para resolver essa barreira talvez criando um novo vocabulário de sinais para a sua nova realidade.
Para o segundo caso, o exemplo para os movimentos lingüísticos em decorrência de novas necessidades, destaca-se a tecnologia. O avanço da tecnologia tem propiciado a criação de novos termos tanto nas línguas orais como nas línguas de sinais. A cada dia aparecem novas máquinas, novos softwares e novos equipamentos e componentes eletrônicos.
Por fim, temos os limites e desafios que o intérprete encontra em sua própria atuação como profissional. São os limites e desafios impostos pela sua formação. O decreto de 2005 deixa claro que a formação de tradutor e intérprete de Libras ? Língua Portuguesa deve efetivar-se por meio de curso superior de Tradução e Interpretação, com habilitação em Libras ? Língua Portuguesa e na maior parte do Brasil as Universidades ainda não oferecem essa formação ideal para o profissional intérprete de libras. Os cursos de educação profissional, de extensão universitária e de formação continuada são uma alternativa na qualificação de intérpretes, o que muitas vezes é insuficiente principalmente nas regiões afastadas dos grandes centros e pólos urbanos.
Nessas regiões as novas informações, as inovações na área, as pesquisas realizadas e o progresso no âmbito dos estudos e na formação do intérprete demoram a chegar ou ficam isoladas desses movimentos, o que revela também a pouca interação que os intérpretes dessas regiões têm com outros intérpretes e surdos de outras localidades do país.
Portanto, a profissão de intérprete de Libras, agora oficializada por lei, fascina e instiga àqueles que querem seguir essa carreira, trazendo junto muitas inquietações, desafios e dificuldades próprias e específicas com perspectivas de buscar novos conhecimentos, melhores condições de formação e qualificação, reconhecimento e valorização e, acima de tudo, a realização e satisfação profissional comum em qualquer área de atuação profissional.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

MARQUES, Rodrigo Rosso; OLIVEIRA, Janine Soares. O Fenômeno de Ser Intérprete. In: QUADROS, Ronice Müller; STUMPF, Marianne Rossi. Estudos Surdos IV, p. 394-406. Petrópolis, RJ: Arara Azul, 2009.
QUADROS, Ronice Müller. O tradutor e intérprete de língua brasileira de sinais e língua portuguesa / Secretaria de Educação Especial; Programa Nacional de Apoio à Educação de Surdos - Brasília: MEC; SEESP, 2004.
QUADROS, Ronice Müller (Organizadora). Estudos Surdos III. Petrópolis, RJ: Arara Azul, 2008.

SILVA, Ivanir Rodrigues. Línguas em contato e em conflito: a trajetória do aluno surdo na escola. In: Actas/Proceedings II Simpósio Internacional Bilingüismo, p. 1807-1813.