O INSTRUMENTO DE DESAPROPRIAÇÃO-SANÇÃO NA HIPÓTESE DO NÃO CUMPRIMENTO DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE NO PLANO DIRETOR DE SÃO LUÍS-MA[1]

 Heitor Ferreira de Carvalho[2]

Humberto Mendes Nascimento[3]

Viviane Gomes de Brito[4]

 

Sumário: Introdução; 1. A função social da propriedade e sua relação com o instrumento de desapropriação-sanção; 2. A aplicabilidade do instrumento de desapropriação-sanção diante do não cumprimento da função social da propriedade; 3. O Plano Diretor de São Luís e o instrumento de desapropriação-sanção; 4. Conclusão; Referências.

RESUMO

O objetivo deste trabalho é analisar o instrumento de desapropriação-sanção e sua relação com o princípio da função social da propriedade urbana, bem como, verificar as determinações constantes no Plano Diretor da Cidade de São Luís-MA para sua aplicabilidade, face ao descumprimento do referido princípio. Dessa forma, faz-se, inicialmente, a relação do instrumento da desapropriação-sanção com a função social da propriedade. Posteriormente, entende-se a sua aplicação em virtude do não cumprimento da função social da propriedade e, por último, verifica-se a viabilidade de sua aplicação por meio do Plano Diretor Ludovicense.

PALAVRAS-CHAVE: Função Social da Propriedade. Desapropriação-sanção. Plano Diretor (São Luís-MA)

INTRODUÇÃO

O ordenamento jurídico brasileiro, através da Constituição Federal de 1988, foi adequado à moderna concepção do direito de propriedade e à sua função social, visando satisfazer os interesses particulares, bem como os coletivos, determinando que a legislação infraconstitucional estabelecesse uma série de regulamentações urbanísticas. Dessa forma, surgiu a Lei nº. 10.257/01, denominada Estatuto da Cidade, que regula sobre importantes institutos previstos na Constituição Federal para o desenvolvimento urbano, além de determinar que os municípios com mais de vinte mil habitantes elaborem seu Plano Diretor para assegurar o cumprimento da função social da propriedade, como também, a imposição de sanções em razão do seu não cumprimento.

Dentre as sanções, destaca-se a desapropriação-sanção, também denominada Desapropriação por Títulos da Dívida Publica, para ser objeto de análise neste estudo, por ser a última sanção aplicada aos casos de descumprimento de função social da propriedade, conforme estabelecido no Estatuto da Cidade. Sendo assim, questiona-se: De que modo o Plano Diretor de São Luís estabelece o instrumento da desapropriação-sanção diante do não cumprimento da função social da propriedade? Nele estão expressos os procedimentos a serem tomados para a aplicabilidade desse instrumento ou faz-se necessária a utilização de lei subsidiária?

Dessa forma, objetiva-se: compreender a função social da propriedade e a sua relação com o instrumento de desapropriação-sanção; verificar a aplicabilidade do instrumento de desapropriação-sanção em virtude do não cumprimento da função social da propriedade; e por, fim, analisar as determinações contidas no Plano Diretor de São Luís para a execução do instrumento de desapropriação-sanção, bem como, a existência de leis subsidiárias que garantam a aplicabilidade do referido instrumento.

Para tanto, faz-se, inicialmente, a relação do referido instrumento com a função social da propriedade. Posteriormente, entende-se a sua aplicação em virtude do não cumprimento da função social da propriedade e, por último, verifica-se a viabilidade de sua aplicação por meio do Plano Diretor de São Luís.

 

1 A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE E SUA RELAÇÃO COM O INSTRUMENTO DE DESAPROPRIAÇÃO-SANÇÃO

A função social vem do latim functio, cujo significado relaciona-se ao cumprimento de algo, bem como ao desempenho de um dever ou de uma atividade. No âmbito jurídico, referida expressão configura-se como “um certo modo de operar um instituto”, ou melhor, “o papel a ser cumprido por determinado ordenamento jurídico” (FARIAS; ROSENVALD, 2011, p. 235).

No que se refere à propriedade, este instituto é a tradução do comportamento regular do proprietário, de forma que lhe é exigida uma atuação que contribua para a realização de interesses sociais, sem eliminar o direito privado que lhe assegure as faculdades de uso, gozo e disposição. Dessa forma, só haverá função social da propriedade “quando o Estado delimitar marcos regulatórios institucionais que tutelem a livre iniciativa, legitimando-a ao mesmo tempo” (FARIAS; ROSENVALD, 2011, p. 242).

Em relação ao direito de propriedade, o instituto da função social tem o propósito de garantir que a propriedade não cumpra função meramente individual que outorgue uma posição de vantagem a seu titular. Para tanto, há uma corrente que vislumbra a imposição de limites negativos e positivos, limitadores e impulsionadores em atenção a referido direito, uma vez que “a função social consiste em uma série de encargos, ônus e estímulos que formam um complexo de recursos que remetem o proprietário a direcionar o bem às finalidades comuns. Daí a razão de ser a propriedade comumente chamada de poder-dever ou direito-função” (FARIAS; ROSENVALD, 2011, p. 242). Dessa forma, as concepções negativas e positivas da função social são assim concebidas:

 [...]. O sentido negativo da função social refere-se às limitações externas impostas ao exercício do direito de propriedade, que deixando de ser absoluto, encontra na lei um maior número de restrições. Traduz-se o conceito de função social nas imposições negativas à conduta do proprietário, isto é, na disciplina, mediante limitações, dos direitos dos proprietários.

[...] acerca da concepção positiva da função social da propriedade:

O titular da propriedade em certos casos, se obriga, pois a empreender determinadas atividades produtivas, assumindo a condição de não apenas de simples proprietário, mas de proprietário-empreendedor, a ele atribuindo o Estado obrigações quanto a utilização, sob o prisma econômico, de sua propriedade (UCHÔA, 2007, p. 67-68).

Os diversos tipos de propriedade tem relação direta com o objeto a que se refiram, sejam tais objetos: “terrenos rurais ou urbanos, moeda, patentes etc.” (PINTO, 2011, p. 197). Sendo assim, cada um desses tipos tem uma função social a ser cumprida. A propriedade urbana, em particular, tem a função social como um princípio fundamentador do direito urbanístico e técnica de operacionalização do urbanismo, cujo objeto é a “ordenação das cidades, com a organização dos espaços habitáveis, propiciando melhores condições para o homem” (FARIAS; ROSENVALD, 2011, p. 251).

A materialização do princípio da função social da propriedade urbana está contida na Constituição Federal de 1988 bem como na Lei nº. 10.257/01, denominada “Estatuto da Cidade”. A Carta Magna, no artigo 182, § 2º, e no Estatuto da Cidade, no artigo 1º, parágrafo único, que assim o apresentam:

Art.182 [da CF] – A política de desenvolvimento urbano, executado pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes. [...].

§ 2º - A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende as exigências fundamentais da ordenação da cidade expressas no plano diretor. [...] (BRASIL, 2011, p. 124-125).

Art. 1º [da Lei nº. 10.257/01] – Na execução da política urbana, de que tratam os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, será aplicado o previsto nesta Lei.

Parágrafo único – Para todos os efeitos, esta Lei, denominada Estatuto da Cidade, estabelece normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental (BRASIL, 2001, p. 1).

A regulamentação da função social propriedade no âmbito urbano, em particular a presente no Estatuto da Cidade, fundamenta-se, por analogia, nos princípios do direito administrativo relativos à função pública. Sobre esse aspecto, Victor Pinto (2011) pontua que “atribui-se ao proprietário o poder-dever de utilizar produtivamente o bem, a exemplo do poder-dever que tem o funcionário de exercer as atribuições de seu cargo” (PINTO, 2011, p. 180).

Dentre os princípios advindos do direito administrativo, presentes no Estatuto da Cidade destaca-se o Princípio da Supremacia do Interesse Público e o Princípio da Justiça Social, uma vez que este instrumento “veio para regular bem como colocar em prática muitas das garantias e dos direitos fundamentais conferidos aos cidadãos pela Lei Maior e que, no mais das vezes, não saiam do abstrato texto legal” (SANTIN; GOMES; 2006, p. 179).

O princípio da Supremacia do Interesse Público é aplicado ao Estatuto da Cidade, tanto para garantir o cumprimento da função social da propriedade urbana como para o instrumento da desapropriação pelo não cumprimento da referida função social, pois, “[..] fundamenta-se nas próprias ideias de Estado, no qual as pessoas que compõem a coletividade abdicam de sua ‘liberdade’ em favor da busca do bem comum. Com isso, o interesse geral se sobrepõe ao privado atingindo o princípio da Justiça social [...]”, princípio este, que “advem da tendência da sociedade atual de visar a uma justiça concreta e não apenas formal, descrita na lei. Ele vem para proporcionar equilíbrio, maior proteção jurídica em relação às diferenças existentes dentro da cidade” (SANTIN; GOMES; 2006, p. 180; 183).

De acordo com o disposto no art. 39 do Estatuto da Cidade, a propriedade urbana cumpre sua função social ao atender as exigências tidas como fundamentais para a ordenação da cidade “expressas no plano diretor, assegurando o atendimento das necessidades dos cidadãos quanto à qualidade de vida, à justiça social e ao desenvolvimento das atividades econômicas, respeitadas as diretrizes previstas no art. 2º desta lei” (BRASIL, 2001, p. 11). Portanto, com este instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana objetiva-se:

[...] disciplinar a ordem urbanística, um conceito vago de ampla latitude, que abrange o planejamento, a política do solo, a urbanização, a ordenação das edificações, enfim, as relações entre Administração e administrados e o conjunto de medidas estatais técnicas, administrativas, econômicas e sociais que visam ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade, organizar os espaços habitáveis e propiciar melhores condições de vida ao homem no meio ambiente natural, artificial e cultural (FREITAS, 2012, p. 1)

Como se observa o plano diretor, instrumento cuja aprovação se dá por lei municipal, além de ser obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, tem sua finalidade dirigida tanto ao poder público como ao proprietário. Voltando o foco para a conduta exigida ao proprietário, as diretrizes estabelecidas pelo plano diretor visam impedir a retenção especulativa e inadequada da utilização do imóvel que acabem por interferir nos projetos de desenvolvimento urbano.  A propriedade urbana que não atende a sua função social é aquela que frustra três requisitos alternativos: a) não estar edificada; b) estar subutilizada; c) não estar sendo utilizada (FARIAS; ROSENVALD, 2011, p. 253).

Caso o proprietário do imóvel urbano não ponha em prática a conduta imposta pelo plano diretor, como previsto no art. 182 da Constituição Federal, poderá o gestor público levá-lo ao cumprimento de sua função social, devendo ir “ao encontro dos direitos fundamentais de todos os cidadãos, como o direito a moradia e o direito difuso à uma cidade sustentável” (SANTIN; GOMES; 2006, p. 188). Para tanto, os instrumentos regulamentados pelo Estatuto da Cidade e cuja aplicabilidade precisa ser garantida no âmbito municipal com sua previsão no plano diretor, são: a aplicação do parcelamento, a edificação compulsória, o Imposto Predial e Territorial Urbano progressivo (IPTU progressivo) e desapropriação com pagamento em títulos da dívida pública.

Como se vê, tais instrumentos vislumbram o atendimento à função social da propriedade, funcionando como “espécies de sanções pelo não uso ou pela subutilização da propriedade imóvel, as quais são impostas gradativamente” (UCHÔA, 2007, p. 114).

Se à medida que a as sanções forem sendo aplicadas, e ainda assim, a propriedade imóvel não fique conforme o disposto na legislação urbanística, deverá ser promovida a desapropriação respectiva, “com pagamento em títulos da dívida pública, de emissão previamente aprovada pelo Senado Nacional, com prazo de até dez anos, em parcelas anuais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais. [...]” (UCHÔA, 2007, p. 116).

É esse instrumento, também denominado desapropriação-sanção, que será evidenciado em separado, por tratar-se do objeto deste estudo.

 

 2 A APLICABILIDADE DO INSTRUMENTO DE DESAPROPRIAÇÃO-SANÇÃO DIANTE DO NÃO CUMPRIMENTO DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE

A desapropriação tem como fundamento o princípio do interesse público sobre o privado, a partir do momento em que houver incompatibilidade entre eles. Dessa forma, para haja a possibilidade de alcance do equilíbrio social, faz-se necessário “que direitos e interesses opostos sejam compatibilizados. Ainda corresponde à ideia do domínio emitente do Estado sobre todos os bens particulares em seu território” (CAMPOS, 2010, p. 21).

Embora esteja disposto na Lei nº 10.257/01, doutrinariamente, há corrente que questione se o instituto da desapropriação é de fato uma sanção ou um instrumento de política pública. Afirmando ser uma falácia dizer que a desapropriação é sanção e assegurando ser uma política pública, Carlos Frederico Marés (2006) assevera que ao se reduzir a desapropriação a uma sanção fica descaracterizado o alcance anti social da inadimplência, porque se a única consequência for a troca do bem mau usado por um patrimônio líquido, se está permitindo que o inadimplente adquira outro bem, de igual magnitude, e continue inadimplente para com a sociedade. Com isto ele não cumprirá a obrigação da propriedade.

Esta desapropriação, longe de ser uma sanção, é instrumento de política pública. Como tal, a União apenas pode desapropriar, dependendo da política que adote, não tem obrigação de fazê-lo, apenas o fará se considerar importante a realização da política pública. Fosse sanção e seria cogente para o órgão público aplicá-la sempre que se deparasse com a situação sancionada pela lei. Reforma agrária é política e não pena! (MARÉS, 2006, p. 71)

As espécies de desapropriação podem ser divididas em dois grupos: o primeiro correspondente à indenização prévia, justa e em dinheiro, prevista no art. 5º, XXIV, da Constituição Federal, e o segundo em que a indenização “não é prévia nem feita em dinheiro, mas sim em títulos da dívida pública, e possui caráter sancionatório” (CAMPOS, 2010, p. 26).

A desapropriação sancionatória, cujo objeto é solo urbano e sua delimitação consta em lei municipal, ou seja, no plano diretor, diz respeito a uma intervenção feita somente nos imóveis que não cumpram a função social por estarem subutilizados, não utilizados ou não edificados. Sendo assim, a causa que determina referida intervenção “traduz-se unicamente do descumprimento de uma obrigação de fazer, imputável ao proprietário do imóvel urbano [...]” (UCHÔA, 2007, p. 142).

A natureza de sanção que é atribuída a esse tipo de desapropriação explica-se, como visto acima, pelo não atendimento ao princípio da função social da propriedade urbana, e a aplicabilidade desse instrumento sancionatório deve ocorrer, conforme o disposto no art. 8º do Estatuto da Cidade, “após o término do prazo de cinco anos da aplicação do IPTU progressivo[5]. [...]”, uma vez que o proprietário não cumpriu com a obrigação de parcelamento, edificação ou utilização do solo urbano. (UCHÔA, 2007, p. 142; 146).

Motivada pelo interesse social, a desapropriação-sanção é realizada no interesse da coletividade, sendo imposto à administração “o dever reprivatizar o bem a posteriori”. Dessa forma, não é visada a transferência permanente do imóvel ao Poder Público, e “sim o parcelamento ou à edificação, por parte do ente expropriante, imprimindo à propriedade o adimplemento da função social negligenciada pelo particular” (FARIAS; ROSENVALD, 2011, p. 257-258).

Para que seja aplicado o instrumento da desapropriação-sanção faz-se necessário o atendimento de uma série de requisitos, pois, “a inobservância dos mesmos pressupõe a inconstitucionalidade da medida expropriatória”, uma vez que diz respeito a um instrumento de intervenção estatal gravoso, por resultar na perda da propriedade privada, sendo, portanto, imprescindível que “seja assegurado ao proprietário o direito de fazer cumprir, ainda que tardiamente, a função social da propriedade urbana” (UCHÔA, 2007, p. 146).

Uma vez que a função social da propriedade só será cumprida se o aproveitamento e o uso da propriedade estiverem de acordo com o disposto no plano diretor ou com as normas urbanísticas existentes para disciplinar a ordenação da cidade, quando da inexistência deste, deve-se cumprir algumas etapas para a aplicabilidade deste instrumento sancionatório:

1ª) investigar se a propriedade não está sendo usada, se está subutilizada ou se o uso é abusivo ou nocivo à sociedade;

2ª) estando a propriedade enquadrada em uma das situações anteriores, deve-se encaminhar, pessoalmente ou por edital, notificação averbada em cartório ao proprietário, acerca da imposição do parcelamento, edificação ou utilização, a ser cumprida conforme o disposto no § 4º, I e II do Estatuto da Cidade;

3ª) Não atendida a determinação anterior, o Município passará à aplicação do IPTU progressivo no tempo, mediante majoração da alíquota durante o prazo de cinco anos, vedadas isenções e anistias;

4ª) Por fim, decorridos os cinco anos de cobrança do IPTU progressivo no tempo, e o proprietário não promoveu a edificação, a utilização ou o parcelamento requisitados, é facultado ao Município propor a desapropriação do imóvel não cumpridor da função social (UCHÔA, 2007, p. 147-151).

Sendo estes os devidos procedimentos para a utilização do instrumento da desapropriação-sanção definidos pelo Estatuto da Cidade e entendendo que a sua aplicabilidade se dá conforme a prescrição no plano diretor dos municípios com mais de vinte mil habitantes, verificar-se-á, em seguida, a sua incidência no Plano Diretor de São Luís.

 3 O PLANO DIRETOR DE SÃO LUÍS E O INSTRUMENTO DE DESAPROPRIAÇÃO-SANÇÃO

A Lei nº. 10.257/01 - o Estatuto da Cidade – definiu os pressupostos necessários para que os municípios com mais de vinte mil habitantes, pudessem elaborar seus planos diretores, dentro de regras gerais, conforme se esperava de uma lei federal, estabelecendo “requisitos, condições, conteúdo e dispositivos coercitivos mínimos” (FREITAS, 2012, p. 1).

O Município de São Luís, capital do Estado do Maranhão, por ter o perfil exigido para a elaboração do plano diretor, assim o constituiu por meio da Lei nº. 4.669, de 11 de outubro de 2006.

No que se refere à definição da função social da propriedade, o Plano Diretor de São Luís registrou que esta é atendida

[...] quando o uso e a ocupação de propriedade urbana e rural correspondem às exigências da ordenação do Município ampliando as ofertas de trabalho e moradia, assegurando o atendimento das necessidades fundamentais dos cidadãos, proporcionando qualidade de vida, justiça social e desenvolvimento econômico sem o comprometimento da qualidade do meio ambiente urbano e rural (SÃO LUÍS – MA (a), 2006, p. 1)

Sendo assim definida a função social da propriedade, o seu cumprimento dar-se-á pelo artigo 3º, inciso I, deve ser compreendido como um dos objetivos gerais do referido plano, no sentido de “garantir o cumprimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana e rural, através do direito à moradia digna, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte e serviços públicos de qualidade para todos os cidadãos” (SÃO LUÍS – MA (a), 2006, p. 3).

Para assegurar o cumprimento da função social, bem como o impedimento da retenção especulativa e a inadequada utilização do imóvel, no sentido de garantir o desenvolvimento urbano municipal, o plano ludovicense, dentre as diretrizes que constituem a política do referido desenvolvimento urbano, apresenta em seu artigo 6º, inciso I, “a indução à ocupação dos espaços vazios e subutilizados servidor de infraestrutura, evitando a expansão horizontal da cidade e a retenção especulativa do imóvel urbano” (SÃO LUÍS – MA (a), 2006, p. 5).

Também com o propósito de determinar as diferentes políticas de intervenção no solo urbano, por parte do poder público e dos agentes privados, é estabelecido no artigo 32 do plano diretor analisado o macrozoneamento urbano

no sentido de assegurar a função social da cidade e da propriedade privada, orientar o ordenamento do solo urbano e estabelecer as bases para a aplicação dos instrumentos da política urbana previstos no Estatuto da Cidade em consonância com as políticas públicas municipais previstas neste Plano Diretor (SÃO LUÍS – MA (a), 2006, p. 15).

Sobre o Macrozoneamento, o Plano Diretor de São Luís, o define no artigo 25, como sendo

o procedimento adotado para o estabelecimento de áreas do território municipal que se diferenciam por suas características de ocupação, disponibilidade de infraestrutura e serviços urbanos, visando à utilização adequada de cada trecho do território, através dos instrumentos de preservação ambiental, urbanísticos e fiscais disponibilizados pelo Estatuto da Cidade, buscando corrigir desequilíbrios e injustiças no acesso e disponibilidade de oportunidades.

Parágrafo único. Para efeitos desta lei ficam estabelecidos os Macrozoneamentos Ambiental, Urbano e Rural (SÃO LUÍS – MA (a), 2006, p. 13).

No que se refere ao Macrozoneamento Urbano, o artigo 33 estabelece para a área urbana de São Luís cinco macrozonas: I. Macrozona de Requalificação Urbana; II. Macrozona Consolidada; III. Macrozona em Consolidação – I; IV. Macrozona em Consolidação – II; V. Macrozona de Qualificação. Cada uma delas, entre os artigos 34 a 39, vem sendo caracterizada, destacando-se genericamente suas possíveis necessidades, bem como os instrumentos a serem aplicados para que se garanta o atendimento dessas necessidades. (SÃO LUÍS – MA (a), 2006, p. 15-16).

Voltando o foco para o instrumento em análise neste estudo – a desapropriação-sanção ou desapropriação por títulos da dívida pública – este conta arrolado no conjunto de instrumentos do Plano Diretor de São Luís, mas precisamente no art. 115, inciso III, em obediência às indicações estabelecidas no Estatuto da Cidade (SÃO LUÍS – MA (a), 2006, p. 48).

Seguindo o determinado no Estatuto da Cidade diante do não cumprimento da função social da propriedade, recomenda-se a aplicação da desapropriação-sanção, diante da não execução das etapas anteriores à aplicação desse instrumento por parte do proprietário notificado estudados anteriormente, o Plano Diretor de São Luís determina no artigo 121, relacionado ao IPTU progressivo no tempo, que:

no caso do descumprimento da obrigação de parcelar, edificar ou utilizar o imóvel, no prazo de cinco anos, o Município manterá a cobrança pela alíquota máxima, até que se cumpra a referida obrigação, ficando garantida a posterior aplicação do instrumento de desapropriação do imóvel com pagamento em título da dívida pública (SÃO LUÍS – MA (a), 2006, p. 49).

Assim, ainda sendo fiel ao estabelecido no Estatuto da Cidade, é definida genericamente no Plano Diretor de São Luís, a forma como será procedida a aplicação do instrumento da desapropriação-sanção, cuja descrição se faz constar entre os artigos 122 e 124 do Plano Diretor:

Art. 122. O Município poderá proceder à desapropriação do imóvel com pagamento em títulos da dívida pública, caso não tenha sido cumprida a função de parcelar, edificar e dar uso ao referido imóvel após o prazo de cinco anos de cobrança do IPTU progressivo.

Art. 123. Cabe ao Município, mediante prévia autorização do Senado Federal, emitir títulos da dívida pública com prazo de resgate de até dez anos, em prestações anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real de indenização e os juros legais de seis por cento ao ano.

Art. 124. Os imóveis desapropriados serão utilizados para construção de habitações populares ou equipamentos urbanos, podendo ser alienados a particulares, mediante prévia licitação. (SÃO LUÍS – MA (a), 2006, p. 50).

Diante da forma ampla e genérica como é pensada a aplicabilidade do instrumento da desapropriação-sanção no Plano Diretor de São Luís, as discussões e análises a respeito, levaram ao alcance da Lei nº. 4.590, de 11 de janeiro de 2006, que “dispõe sobre a construção, reconstrução e conservação de muros e calçadas e dá outras providências” (SÃO LUÍS – MA (b), 2006, p. 01).

Constata-se, enfim, que as etapas para a aplicabilidade da desapropriação-sanção estão claramente descritas na referida lei, mas precisamente, no capitulo IV – das infrações e das penas, assim dispostas entre os artigos 13 e 17:

Art. 13. O órgão competente notificará os infratores das disposições da presente Lei, na pessoa do proprietário ou possuidor do imóvel, pelo Correio, não encontrando o recebedor e após a devolução para órgão competente, esse fará o comunicado pelo menos em três jornais de circulação da capital, sendo, que o prazo de comparecimento será de 15 dias, se o proprietário ou interessado não comparecerem no prazo estabelecido será feito último chamado por edital com mesmo prazo de 15 dias.

I – construção e conserto da calçada, prazo de 30 (trinta) dias;

II – correção dos rampamentos e o rebaixamento do meio-fio, prazo de 30 (trinta) dias;

Parágrafo único. Os requisitos da notificação ou auto de infração deverão observar as diretrizes do Código Tributário do Município de São Luís.

Art. 14. O descumprimento à notificação para a regulação prevista nesta Lei ensejará a aplicação de multa no valor R$ 25,00 (vinte e cinco) reais por meio linear do perímetro do terreno, a ser paga no prazo máximo de 20 (vinte) dias a partir da ciência da penalidade.

§ 1º. O valor da multa a que se refere o caput deste artigo será corrigido anualmente pelo índice oficial adotado pelo Município.

§ 2º. Ultrapassado o prazo previsto no caput deste artigo, sem o pagamento da multa ou interposição de recurso administrativo, o valor da multa deverá ser inscrito em dívida ativa para ser executada judicialmente.

§ 3º. Sendo reiterada a aplicação da penalidade referida neste artigo ao mesmo infrator, no período de 01 (um) ano, é configurada a reincidência e a multa deverá ser aplicada em dobro.

§ 4º. O pagamento da multa não exonera o infrator de sanar a irregularidade constatada.

§ 5º. No caso de o terreno já tiver algum de seus limites murado, a multa a que se refere o caput deste artigo incidirá apenas sobre a parte do perímetro não murado.

Art. 15. Quando o proprietário ou possuidor do imóvel autuado comprovar insuficiente capacidade econômica, a multa poderá ser reduzida até 1/3 (um terço), observando-se, as seguintes condições:

a) Tratar-se de imóvel edificado e único;

b) Resida o proprietário ou possuidor no imóvel;

c) Tratar-se de edificação do tipo residencial;

d) Apresentação de comprovante de renda familiar correspondente a até 03 (três) salários mínimos;

e) A execução dos serviços durante a vigência do prazo estipulado no primeiro Auto de Infração.

Art. 16. Vencido o prazo previsto em dos incisos do art. 12[6], sem ter sido a regularização efetuada, poderá o Município, a bem do serviço público, executar os serviços, através de empreitada contratada, cobrando os custos do proprietário do imóvel, acrescida de 20% (vinte por cento) sobre o valor total, a título de despesas administrativas, sem prejuízo da multa já aplicada.

Parágrafo único. As despesas previstas no caput deste artigo, bem como a multa aplicada, deverão ser inscritas em dívida ativa para execução judicial do débito, caso o proprietário ou possuidor do imóvel não efetue o pagamento.

Art. 17. A bem do interesse público, o Município poderá promover a desapropriação do terreno quando houver risco à população, que possa representar ameaça à saúde ou à segurança.

Parágrafo único. O valor da desapropriação será calculado com base na planta genérica de valores do Município descontado os valores devidos a todos os impostos e taxas incidentes ao imóvel. (SÃO LUÍS – MA (b), 2006, p. 5-7). (Grifos nossos).

Dessa forma, observa-se, enfim, que o disposto no Plano Diretor de São Luís acerca do instrumento da desapropriação-sanção, se concretiza na realidade local, em virtude o princípio da subsidiariedade, uma vez que a forma genérica como a sua aplicabilidade deve ocorrer é nele descrita, encontra-se detalhadamente na Lei de Muros e Calçadas procedimentos a serem aplicados para a execução da desapropriação no Município de São Luís.

 

4 CONCLUSÃO

A função social da propriedade urbana tem consonância com o propósito de ordenar as cidades, organizando os espaço habitáveis, propiciando, assim, melhores condições  para o homem. Sua materialização está contida na Constituição Federal de 1988 bem como na Lei nº. 10.257/01, denominada “Estatuto da Cidade”, que contem ordenamentos que definem a política de desenvolvimento urbano a ser executada pelo Poder Público municipal, responsável por ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes, por meio das exigências fundamentais expressas no plano diretor.

O não atendimento ao princípio da função social da propriedade urbana implica na aplicação de sanções. A desapropriação-sanção, em particular, deve ser aplicada quando do término do prazo de cinco anos da aplicação do IPTU progressivo, diante do não cumprimento da obrigação de parcelamento, edificação ou utilização do solo urbano pelo proprietário.

O Plano Diretor de São Luís, sendo fiel ao estabelecido no Estatuto da Cidade, descreve genericamente nos artigos 122, 123 e 124, os procedimentos a serem tomados para a aplicação do instrumento da desapropriação-sanção. No entanto, com o desenrolar da pesquisa, constatou-se que os encaminhamentos mais precisos para sua aplicabilidade constam nos artigos 13 a 17, da Lei nº. 4.590, de 11 de janeiro de 2006, que dispõe sobre a construção, reconstrução e conservação de muros e calçadas, concluindo-se, dessa forma, que a garantia da aplicação do determinado no Plano Diretor Ludovicense, se dá pela necessidade da utilização do princípio da subsidiariedade, uma vez que as etapas determinantes para que a execução do instrumento analisado se concretize estão minuciosamente descritas na referida lei, mesmo que ela tenha sido promulgada em data anterior ao referido plano diretor.

 

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil [Constituição (1988)]: texto constitucional promulgado em 5 de outubro de 1988, com as alterações adotadas pelas Emendas Constitucionais nºs. 1/92 e 67/2010, pelo Decreto nº. 186/2008 e pelas Emendas Constitucionais de Revisão nºs. 1 a 6/94. Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 2011.

BRASIL. Lei nº. 10.257, de 10 de julho de 2001 [Estatuto da Cidade]. Regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. Disponível em: <http: >. Acesso em: 24 ago. 2012.

CAMPOS, Diogo Fontes dos Reis Costa Pires de . Desapropriação como instrumento de execução da política urbana. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/14924/desapropriacao-como-instrumento-de-execucao-da-politica-urbana/4>. Acesso em: 20 out. 2012.

FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nélson. Direitos Reais. 7ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.

FREITAS, José Carlos de. Plano Diretor como instrumento de política urbana. Disponível em:<http://www.mp.ba.gov.br/atuacao/ceama/material/doutrinas/planejamento/plano_diretor_como_instrumento_da_politica_urbana.pdf> Acesso em: 20 out. 2012.

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[1] Paper apresentado à Disciplina Direitos Reais, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB.

[2] Aluno do 9º Período, do Curso de Direito, da UNDB.

[3] Aluno do 9º Período, do Curso de Direito, da UNDB.

[4] Professora, Especialista, Orientadora.

[5] Trata-se de um imposto progressivo no tempo sobre imóveis urbanos, mediante majoração da alíquota pelo prazo de cinco anos consecutivos quando do descumprimento das condições ou de prazos estabelecidos para parcelamento, edificação ou utilização compulsória do solo urbano não edificado, previsto no artigo 5º da Lei [Estatuto da Cidade] (SANTIN; GOMES, 2006, p. 188).

[6] Art. 12. Ficam os proprietários ou possuidores de imóveis já dotados de calçadas obrigados a executar a adequação das mesmas no prazo de doze meses, contados da publicação da presente Lei (São Luís (b), 2006, p. 5).