O INSTITUTO JURÍDICO DA RESPONSABILIDADE CIVIL

            O fator determinante que movimenta a máquina jurídica é justamente o primordial objetivo de proteger todos os atos humanos que são praticados em detrimento da lei, bem como reprimir as condutas que lhes são contrárias.

Desta forma, toda e qualquer atividade humana que, porventura, venha a acarretar danos e prejuízos de qualquer natureza a outrem, serão passíveis de sofrer as devidas sanções legais, que serão instituídas com a finalidade única de ressarcir e reparar as perdas sofridas pela vítima, sejam elas de cunho patrimoniais, morais ou físicos ou estéticos.

Neste capítulo, far-se-á uma análise acerca do método jurídico utilizado para que se possa efetuar a reparação dos danos sofridos, através de estudos centralizados no mecanismo jurídico da Responsabilidade Civil.

1 – Evolução histórica

            O termo “responsabilidade” decorre da palavra latina “spondeo”, que correspondia a relação entre credor e devedor, ao qual, estas partes estabeleciam um contrato verbal entre si e, através deste contrato, o devedor se vinculava ao credor mediante pergunta e resposta, conforme especifica Maria Helena Diniz (1993, p. 28) como: “(spondesne mihi dare Centum? Spondeo, ou seja, prometes me dar um cento? Prometo)".

A responsabilidade civil, com o decorrer do tempo, apresentou uma evolução “pluridimensional”, no dizeres de Maria Helena Diniz (2010, p. 10), pois seu desenvolvimento ocorreu de forma bastante ampliada em suas várias searas, tais como as pessoas que podem ser consideradas responsáveis por determinados atos, quais condutas serão submetidas ao âmbito deste instituto, bem como no que concerne à precisão da reparação.

            Conforme constata-se na evolução do ser humano, temos que, no início da formação desta espécie, a ausência de racionalidade e razoabilidade fazia com que todos os litígios fossem resolvidos através da violência. Nesta época, vigorava a “lei do mais forte”, ao qual o indivíduo que fosse dotado de mais força estaria sempre no topo, e sua vontade sempre haveria de prevalecer, até que outro mais forte tomasse-lhe o trono. Mal comparando, esta forma de resolução de conflitos bem primitiva, denominada de autodefesa, se faz presente em grupos de animais irracionais, que sempre impõem sua vontade mediante a força. Logo, chega-se a conclusão, que devido à evolução do cérebro humano, foi se desenvolvendo, concomitantemente, o seu raciocínio, e naturalmente, com o decorrer dos tempos, essa forma de resolução de conflitos foi aos poucos sendo utilizada com menos frequência.

            Seguindo o lapso temporal, veio a tona a vingança privada, pelo qual fazia-se presente nas civilizações mais antigas, e estipulava a concretização da justiça feita pelas próprias mãos, sob a égide da Lei de Talião, que partia do princípio da reciprocidade, mais conhecido por “olho por olho, dente por dente”, ou “quem com ferro fere, com ferro será ferido”. Segundo a Lei mencionada, aqueles que praticassem atos ilícitos sofreriam represálias proporcionais aos danos que foram causados através da conduta do infrator, reparando o prejuízo causado através de um dano proporcional aquele que gerou o primeiro. Cabe mencionar, que partir de então inicia-se a especificação das penas, ao qual cada crime teria sua pena específica cominada.

            Em seguida, surge o período da composição, dentre o qual a reparação do dano, via de regra, seria realizada mediante o pagamento de uma taxa adequada ao prejuízo, independentemente de qualquer intenção do infrator. Com o decorrer dos tempos, a composição econômica passou a ser obrigatória, e a prática da justiça feita pelas próprias mãos passou a ser proibida.

            A partir da divisão dos delitos, que passaram a ser considerados como públicos (aqueles que perturbam a ordem pública por se caracterizarem como ofensas mais graves) ou privados (que afetam apenas a vítima), começa a ser esboçada a diferença entre “pena” e “reparação”, de forma que o primeiro tem o caráter de castigar o agente infrator, e o segundo visa compensar todos os prejuízos causados a vítimas, ocasionados pela conduta do ofensor.

            A Lei de Aquília tem um papel fundamental na evolução da Responsabilidade Civil, pois mediante este instrumento jurídico chegou-se à imposição de que os danos deveriam ser reparados mediante pena pecuniária, isto é, o patrimônio daquele que cometeu um ato ilícito deveria sustentar todo o prejuízo gerado, como forma de repará-lo, devendo ainda haver um nexo de causalidade entre o dano e a conduta, avaliando-se aqui o fator culpabilidade do agente, de forma que se o agente causasse dano a outrem, inexistindo a culpa, o ofensor estaria isento de reparar o dano.

Observe-se que à luz da “Lex Aquilia”, há a aplicação da racionalidade e da lógica no campo da responsabilidade civil, em decorrência da mudança de seu foco, que deixa de ser a mera represália que será imposta ao agente que cometeu o dano, e passa a almejar a reparação dos prejuízos sofridos em decorrência da conduta ilícita, bem como se atentando para a existência ou não do fator culpabilidade por parte do infrator. Diante destes fatos, averigua-se que há o início da distinção da responsabilidade civil em relação a penal.

O princípio geral da responsabilidade civil só veio surgir junto ao Código Civil Napoleônico, que fora influenciado pela doutrina do francês Domat. Além da legislação cívica francesa, o referido princípio passou a influenciar vários mecanismos legais por todo o mundo, passando a estabelecer a culpa como o foco da responsabilidade civil.

Porém, aos poucos foi observando-se que em alguns casos seria necessário a simples verificação do nexo de causalidade entre a conduta do agente e o dano causado, daí então, surge a divisão da responsabilidade civil em objetiva ou subjetiva, ao qual na primeira irrelevante será a constatação da existência de culpa quando houver um dano decorrente de uma conduta, ao passo que na segunda o fator culpabilidade relacionado ao fundamento do motivo que gera obrigação da reparação do dano.

2 – Elementos

Antes de qualquer conceituação, é imperioso destacar que a Responsabilidade Jurídica é gênero, da qual a Responsabilidade Civil, bem como a Penal e a Administrativa são espécies. O que definirá a espécie de responsabilidade que será apta a aplicar suas medidas ao caso concreto é a natureza da norma que fora violada por parte do agente do ato ilícito que acarretou danos à outrem.

Alguns atos e condutas tomadas pelo ser humano, ou até mesmo o mau uso de seus bens e objetos, ocasionam danos a terceiros, e a partir do surgimento destes danos, vem à tona o questionamento acerca do responsável pela reparação do prejuízo causado, e de qual forma se dará essa compensação.

A responsabilidade civil entra no cenário jurídico a fim de determinar a obrigatoriedade de reparação dos danos sofridos por um ou mais terceiros, em decorrência dos atos de um indivíduo, a conduta de alguém que esteja sob sua custódia, como é o caso dos incapazes, ou objetos que a ela pertençam, desta forma, a vítima não será penalizada com o seu próprio prejuízo, e impede que o causador do dano permaneça impune e em situação de vantagem em relação ao lesado. Neste sentido, Maria Helena Diniz (2010, p. 34) leciona:

[...] poder-se-á definir a responsabilidade civil como a aplicação de medidas que obriguem alguém a reparar o dano moral ou patrimonial causado a terceiros em razão de ato próprio imputado, de pessoa por quem ele responde, ou de fato de coisa ou animal sob sua guarda ou, ainda, de simples imposição legal. Definição esta que guarda, em sua estrutura, a ideia da culpa quando se cogita da existência do ilícito ( responsabilidade subjetiva), e a do risco, ou seja, da responsabilidade sem culpa (responsabilidade objetiva).

Seguindo este mesmo entendimento, Cavalieri Filho (2010, p. 13) ao falar sobre a função da responsabilidade civil, expõe seu caráter jurídico em face do conceito de justiça, demonstrando a necessidade deste instrumento no Ordenamento Jurídico. Segue o trecho do autor:

O anseio de obrigar o agente, causador do dano, a repará-lo inspira-se no mais elementar sentimento de justiça. O dano causado pelo ato ilícito rompe o equilíbrio jurídico-econômico anteriormente existente entre o agente e a vítima. Há uma necessidade fundamental de se restabelecer esse equilíbrio, o que se procura fazer recolocando o prejudicado no statu quo ante. Impera neste campo o princípio da restitutio in integrum, isto é, tanto quanto possível, repõe-se a vítima à situação anterior à lesão. Isso se faz através de uma indenização ficada em proporção ao dano. Indenizar pela metade é responsabilizar a vítima pelo resto (Daniel Pizarro, in Daños, 1991). Limitar a reparação é impor à vítima que suporte o resto dos prejuízos não indenizados.

Para Sérgio Iglesias (2002, pág. 21) “a responsabilidade civil baseia-se no princípio multissecular do ‘neminem laedere’ (a ninguém se deve lesar)”. Tal princípio foi criado por “Eneo Domitius Ulpianus”, um importante jurista romano, que viveu em meados dos séculos II e III D.C. Segundo Ulpiano, o Direito se estabelece mediante três preceitos fundamentais, quais sejam: viver honestamente (honeste vivere), não ofender ninguém (neminem laedere), dar a cada um o que lhe pertence (suum cuique tribuere).

Ao analisar o neminem laedere, Rui Stoco (1999, págs. 59 e 60) ratifica o que fora afirmado por Iglesias:

Do que se infere que a responsabilidade é meio e modo de exteriorização da própria Justiça e a responsabilidade é a tradução para o sistema jurídico do dever moral de não prejudicar a outro, ou seja, o neminem laedere. [...] A responsabilidade não é fenômeno exclusivo da vida jurídica, antes se liga a todos os domínios da vida social.

Observa-se que o princípio que estabelece a premissa de não causar lesão a ninguém decorre da imprescindível necessidade que tem o ser humano de viver em sociedade, sendo para tanto obrigatória a instituição de normas que facilitem o convívio social, e desta forma, nos casos que venham a ocorrer dano a alguém, deve-se responsabilizar o agente causador do dano, para poder reparar o prejuízo causado, e a vítima possa vir a retroagir a sua condição anterior ao dano que lhe foi gerado. Compartilhando desse entendimento, Tomaszewski (2004, pág. 245) explica o motivo pelo qual este princípio deve ser aplicado:

Porque vive em sociedade, o homem tem que pautar a sua conduta de modo a não causar dano a ninguém, de forma que ao praticar os atos da vida civil, ainda que lícitos, deve observar a cautela necessária para que de sua ação ou omissão, não resulte lesão a algum bem jurídico alheio. A moderna doutrina convencionou chamar essa cautela, atenção ou diligência, de dever de cuidado objetivo.

Em suma, podemos concluir que a responsabilidade civil é algo muito além de um simples instituto jurídico, pois possibilita que a máquina social permaneça em movimento dinâmico, trazendo consigo o desenvolvimento junto a sociedade, sendo ainda responsável pela tranquila convivência societária, na medida em que seus meios de aplicabilidade estão sempre em detrimento do mais puro sentimento de Justiça, evitando a prática e a ocorrência da vingança privada e, consequentemente, impedindo o caos, pois nada mais justo que reparar os danos sofridos pela vítima, por parte do lesante, para que a esta seja concedida a possibilidade de retornar à sua situação jurídica, econômica e pessoal anterior àquela que se deu após a ocorrência da lesão.

2.1 - Classificações

A Responsabilidade Civil pode ser classificada quanto: ao fato gerador, ao seu fundamento e ao seu agente.

No que se refere a sua originariedade, a Responsabilidade Civil poderá ser contratual ou extracontratual. A primeira será identificada sempre que for detectado o não adimplemento da obrigação contratual, ou a sua mora, isto é, decorre de um ilícito praticado por parte de um dos contratantes. Neste sentido, leciona Maria Helena Diniz (2010, pág. 129):

A responsabilidade contratual, se oriunda de inexecução de negócio jurídico bilateral ou unilateral. Resulta, portanto, de ilícito contratual, ou seja, de falta de adimplemento ou da mora no cumprimento de qualquer obrigação. É uma infração a um dever especial estabelecido pela vontade dos contraentes, por isso decorre de relação obrigacional preexistente e pressupõe capacidade para contratar. Baseia-se no dever de resultado, o que acarretará a presunção da culpa pela inexecução previsível e evitável da obrigação nascida da convenção prejudicial à outra parte. Só excepcionalmente se permite que um dos contratantes assuma, em cláusula expressa, o encargo da força maior ou caso fortuito. Na responsabilidade contratual será possível estipular cláusula para reduzir ou excluir a indenização, desde que não contrarie a ordem pública e os bons costumes. [...] A responsabilidade contratual é o resultado da violação de uma obrigação anterior, logo, para que exista, é imprescindível a preexistência de uma obrigação. P. ex: o inquilino que deixa de pagar o aluguel; o escritor que, culposamente, não entrega ao editor, no prazo estipulado no contrato, a obra prometida; o artista que se recusa a dar o show combinado; o comodatário que deixa de restituir a coisa emprestada etc., são devedores inadimplentes, que estão causando prejuízo a seus credores e deverão repará-lo (CC, art. 389).

Ainda no que concerne ao fato gerador do da responsabilidade civil, temos a extracontratualidade como sendo um dos seus destacamentos. Também chamada de responsabilidade aquiliana, podemos afirmar que a mesma independe de qualquer vínculo entre a vítima e o agente causador do dano, bastando apenas que viola o disposta na lei vigente. Desta forma, afirma Cavalieri Filho (2010, pág. 15):

Se a transgressão pertine a um dever jurídico imposto pela lei, o ilícito é extracontratual, por isso que gerado fora dos contratos, mais precisamente fora dos negócio jurídicos.

Ilícito extracontratual é, assim, a transgressão de um dever jurídico imposto pela lei, enquanto que o ilícito contratual é violação de dever jurídico criado pelas partes no contrato.

Cabe ressaltar que, em referência a esta classificação relacionada ao fato gerador da responsabilidade civil, existem duas teorias acerca do respectivo instituto. A teoria que reconhece a subdivisão em contratual e extracontratual é a dualista, ao passo que a monista ou unitária, afirma que não há diferença entre as duas categorias, tendo em vista que os efeitos de ambas são uniformes, acarretando, via de regra, o direito de indenização.

Quanto ao fundamento, a classificação é dada em objetiva e subjetiva. Esta última se faz presente quando o elemento subjetivo do agente infrator é de inestimável relevância, ou seja, para que seja determinado o dever de reparar o dano, deverá haver um nexo de causalidade entre a lesão ocasionada e a conduta tomada pelo indivíduo, devendo ainda estar contida e comprovada a culpa por parte do lesante, caso contrário, inexistirá a obrigação de indenizar os prejuízos gerados pela conduta ilícita. Vale mencionar que a expressão culpa está sendo empregada em sentido amplo, abrangendo a culpa em sentido estrito, bem como o dolo. Nesta modalidade o ônus da prova recairá sobre a vítima, o que dificulta uma instrução processual, haja vista as dificuldades enfrentadas pela mesma em comprovar a culpa do agente na conduta ilícita, conforme nos ensina Luiz Cláudio Silva (2005, pág. 10):

Conforme a teoria subjetiva, a vítima deve comprovar a ação ou omissão praticada pelo agente causador do dano. Assim, o ônus da prova cabe a vítima, daí tornar-se muitas vezes inviável obter a reparação do dano experimentado pela vítima, em vista das dificuldades que a mesma encontra para provar o alegado.

De outro lado, encontra-se a responsabilidade objetiva, que ao contrário daquela supracitada, não se preocupa em analisar o elemento subjetivo, qual seja a culpa. Nesta modalidade, deve-se verificar apenas se houve o dano, e se o mesmo se faz presente em um nexo de causalidade junto a conduta do agente infrator, caso haja uma ligação entre o prejuízo e a ação ou omissão, surgirá então o direito de indenização para a vítima, possibilitando-a a retornar ao status quo ante. Portanto, não será necessário comprovar a culpa do agente para que este seja obrigado a reparar o dano, possibilitando uma maior facilidade para vítima compensar seus prejuízos. Desta forma, Carlos Roberto Gonçalves (2008, pág. 30) leciona:

A lei impõe, entretanto, a certas pessoas, em determinadas situações, a reparação de um dano cometido sem culpa. Quando isto acontece, diz-se que a responsabilidade é legal ou “objetiva”, porque prescinde da culpa e se satisfaz apenas com o dano e o nexo de causalidade. Esta teoria, dita objetiva, ou do risco, tem como postulado que todo dano é indenizável, e deve ser reparado por quem a ele se liga por um nexo de causalidade, independentemente de culpa. (responsabilidade civil)

O Código Civil brasileiro de 2002 adota como regra geral a responsabilidade civil baseada na prova da culpa, mas em casos estipulados pela lei, como por exemplo a responsabilidade civil do Estado, será aplicada a responsabilidade objetiva, ou a chamada teoria do risco.

No que se refere ao agente, a responsabilidade poderá ser direta ou indireta. A direta será quando o agente poderá ser responsabilizado por uma conduta tomada por si próprio, enquanto que na indireta o indivíduo responderá por danos causados animais, coisas inanimadas e até mesmo pessoas incapazes que se encontram sob sua guarda e proteção. Com base no que foi afirmado, preconiza Maria Helena Diniz (2010, pág. 130):

Assim a responsabilidade será: a) direta, se proveniente da própria pessoa imputada – o agente responderá, então, por ato próprio; e b) indireta ou complexa, se promana de ato de terceira, com o qual o agente tem vínculo legal de responsabilidade, de fato de animal e de coisas inanimadas sob sua guarda.

Em suma, as classificações serão: quanto ao fato gerador, podendo ser contratuais ou extracontratuais; quanto ao fundamento, que poderá ser objetiva ou subjetiva; e por fim, quanto ao agente, sendo direta ou indireta.

2.2- Pressupostos

Para que a Responsabilidade Civil possa recair sobre um indivíduo, far-se-á necessário o preenchimento dos requisitos básicos que tem por finalidade identificar se através de uma conduta, comissiva ou omissiva, tomada por parte do indivíduo, que de alguma forma agiu com dolo ou culpa, foi ocasionado uma lesão a outrem, devendo-se analisar a presença do nexo de causalidade entre a ação ou omissão e o dano gerado. Cabe ressaltar que, no caso da responsabilidade objetiva, irrelevante será a análise do elemento subjetivo culpa, ao qual constata-se apenas a ocorrência do prejuízo, a ação ou omissão e o nexo de causalidade entre os mesmos.

            Todo ilícito decorre de uma conduta humana, sendo este o motivo pelo qual o ser humano deverá sempre agir com cautela em suas ações e omissões, de forma que deverá evitar ao máximo que suas atitudes não venham a causar danos a outrem, fazendo valer o princípio do neminem laedere (a ninguém se deve lesar), e assim torne-se possível o bem estar em meio a sociedade. Neste sentido, aponta Tomaszewski (2004, p. 245):

Porque vive em sociedade, o homem tem que pautar a sua conduta de modo a não causar dano a ninguém, de forma que ao praticar os atos da vida civil, ainda que lícitos, deve observar a cautela necessária para que de sua ação ou omissão, não se resulte lesão a algum bem jurídico alheio. A moderna doutrina convencionou chamar essa cautela, atenção ou diligência, de dever de cuidado objetivo.

Devemos analisar que, o art. 186 do Código Civil brasileiro, ao estabelecer: Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito, a voluntariedade a que se refere este dispositivo não diz respeito a projeção da vontade do agente sobre determinado resultado, pois a intenção do agente é matéria da culpabilidade, sendo apenas a simples realização de tal conduta, por meio da liberdade que se tem com a autonomia da vontade, praticada com o devido discernimento e consciência por parte do indivíduo. A respeito disso, o autor Caio Mário da Silva Pereira (1992, p. 70) expõe em sua obra:

Cumpre, todavia, assinalar que se não insere, no contexto de ‘voluntariedade’ o propósito ou a consciência do resultado danoso, ou seja, a deliberação ou a consciência de causar prejuízo. Este é uma elemento definidor do dolo. A voluntariedade pressuposta na culpa é a da ação em si mesma. Quando o agente procede voluntariamente, e sua conduta voluntária implica ofensa ao direito alheio, advém o que se classifica como procedimento culposo. Atílio Anibal Alterini esclarece-o muito bem: “A culpa provém de um ato voluntário, isto é, realizado com os necessários elementos internos: discernimento, intenção e liberdade. Mas a vontade do sujeito, no ato culposo, vai endereçada à sua realização, mas não à consequência nociva (Responsabilidade Civil, n. 101, pág. 94).”

Relevante será a constatação de que a omissão, isto é, o non facere, se torna importante no campo jurídico na medida em que as condutas comissivas venham a ocasionar lesão a outrem. Sendo assim, devemos observar que o imperativo jurídico determina um facere, ou seja, uma ação por parte de algum determinado indivíduo, e este mesmo permanece inerte ou simplesmente age com uma conduta adversa daquela que fora estabelecida no Ordenamento Jurídico. Com base no que estipula a legislação, ordenando que se tome uma conduta positiva em determinados casos, foi decidido pelo STJ:

CIVIL E PROCESSUAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. ASSALTO A ÔNIBUS SEGUIDO DE ESTUPRO DE PASSAGEIRA. CASO FORTUITO. CONFIGURAÇÃO. PREPOSTO. OMISSÃO NO SOCORRO À VÍTIMA. RESPONSABILIDADE DA TRANSPORTADORA. I. A 2ª Seção do STJ, no julgamento do REsp n. 435.865/RJ (Rel. Min.Barros Monteiro, por maioria, DJU de 12.05.2003), uniformizou entendimento no sentido de que constitui caso fortuito, excludente de responsabilidade da empresa transportadora, assalto a mão armada ocorrido dentro de veículo coletivo. II. Caso, entretanto, em que a prova dos autos revelou que o motorista do ônibus era indiretamente vinculado a dois dos assaltantes e que se houve com omissão quando deixou de imediatamente buscar o auxílio de autoridade policial, agravando as lesões de ordem física, material e moral acontecidas com a passageira, pelo que, em tais circunstâncias, agiu com culpa a ré,agravando a situação da autora, e por tal respondendo civilmente, na proporção desta omissão. III. Recurso especial conhecido e parcialmente provido. (STJ - REsp: 402227 RJ 2001/0147548-7, Relator: Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, Data de Julgamento: 07/12/2004, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJ 11/04/2005 p. 305)

Além da conduta positiva ou negativa do agente, temos que o fator culpabilidade, é mais um dos pressupostos que determinarão se houve ou não o ato ilícito passível de responsabilização civil. Portanto, caberá uma análise fática acerca do psicológico do agente, verificando se este mesmo agiu com dolo ou culpa na concretização dos danos causados.

Porém, em alguns casos especificados em lei, tais como atividade de risco, abuso do direito, fato do produto, relações de consumo, entre outros, considerados como uma exceção a regra, irrelevante será a observância das intenções do agente, cabendo apenas a constatação da ocorrência do dano. Em um momento posterior, teremos uma análise mais detalhada acerca deste assunto.

O último dos pressupostos é a existência do nexo de causalidade entre a conduta do agente e o dano sofrido pela vítima. Mas o que significa esse pressuposto? Ao tomar a decisão de agir positivamente ou apenas abster-se de tomar uma atitude em meio a um fato cotidiano, o agente poderá causar diretamente prejuízo a outrem em virtude de sua ação ou omissão, e neste caso deverá ter um liame entre sua conduta e o dano causado, tendo este último decorrido exclusivamente de sua atitude, e então resta configurado o nexo de causalidade.

O nexo de causalidade depende da possibilidade de se empregar o verbo “causar” em meio a conduta e o dano, de forma que conforme análise ao art. 186 do Código Civil vigente, a ação, comissiva ou omissiva, deverá “causar” dano a outrem.

Em suma, os pressupostos são necessários para que haja a possibilidade jurídica da responsabilização civil por parte do agente infrator, devendo este último ter causado um prejuízo a alguém através de uma conduta ilícita, fazendo-se presente o elemento subjetivo do dolo ou culpa, salvo as exceções dispostas na lei.

2.3 – Causas extintivas do dever de indenizar

Conforme fora analisado anteriormente, o dever de indenizar ocorrerá sempre que se fizerem presentes no caso concreto todos os pressupostos já mencionados, quais sejam: a conduta humana; o dano à vítima e o nexo de causalidade entre ambos.

Porém, esta é uma regra que comporta exceções, podendo um determinado indivíduo causar dano a outrem, e ficar isento de qualquer responsabilidade indenizatória no que diz respeito aos prejuízos sofridos pela vítima.

            A primeira causa excludente a ser mencionado é a culpa exclusiva da vítima, ao qual o dano gerado pela conduta humana ocorreu, como a própria nomenclatura sugere, exclusivamente por culpa da vítima. É o que dispõe o art. 945 do Código Civil (CC): Se a vítima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a sua indenização será fixada tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em confronto com a do autor do dano.

            Verifica-se que a vítima terá de arcar com os prejuízos de maneira proporcional a sua participação, portanto, se a culpa é exclusivamente de quem sofre os danos, levando-se em conta a proporcionalidade, conclui-se que o autor da conduta não poderá ser responsabilizado, recaindo toda a perda sobre a vítima. A exemplo disso, o Supremo Tribunal Federal, promulgou a Súmula 28, assim descrita: O estabelecimento bancário é responsável pelo pagamento de cheque falso, ressalvadas as hipóteses de culpa exclusiva ou concorrente do correntista.

            O caso fortuito e a força maior também geram a irresponsabilidade sobre os danos causados, e está disposto no art.393 do CC com a seguinte redação:

Art. 393.O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.

Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.

            Nos dizeres do jurista Sergio Cavalieri Filho (2010, p. 68):

(...) estaremos em face do caso fortuito quando se tratar de evento imprevisível e , por isso, inevitável; se o evento for inevitável, ainda que previsível, por se tratar de fato superior às forças do agente, como normalmente são os fatos da Natureza, como as tempestades, enchentes etc., estaremos em face da força maior, como o próprio nome diz. É o act of God, no dizer dos ingleses, em relação ao qual o agente nada pode fazer para evitá-lo, ainda que previsível.

            Conforme visto, temos que o caso fortuito serão eventos imprevisíveis e inevitáveis, não sendo concedida a oportunidade ao autor de agir na prevenção a qualquer dano. Já a força maior, apesar de sua possível previsibilidade, também são inevitáveis, por serem fatos relacionados a Natureza.

            Cabe mencionar, que tanto a culpa exclusiva da vítima, como o caso fortuito e a força maior são considerados excludentes do dever de indenizar por romperam a relação de causa e efeito entre o dano e a conduta.

            Em análise ao art. 188, inciso I, do CC, temos a fragmentação do dispositivo em duas partes, a primeira diz respeito a legítima defesa, e logo em seguida, há menção ao exercício regular de direito, instituindo ambos no rol das excludentes do dever de indenizar. Desta forma, nos dizeres do art. 188, inciso I: “Caput” - Não constituem atos ilícitos: I – os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido.

            A irresponsabilidade se faz presente nesses casos devido a ausência de ilegalidade, tendo em vista que o autor dos danos não agiu com o intenção de má fé, muito pelo contrário, sua conduta foi absolutamente pautada dentro dos limites legais, podendo-se dizer o mesmo para o estado de necessidade, bem como as excludentes com inexistência de nexo causal (caso fortuito ou força maior, culpa exclusiva da vítima). Este mesmo entendimento é compartilhado por Rui Stoco (2011, p. 235), que assim leciona:

Somente a legítima defesa real, e praticada contra o agressor, impede a ação de ressarcimento de danos, nos termos do art. 188, I, CC. Isto porque o art. 188 do CC constitui cláusula de pré-exclusão de ilicitude, de modo que, por força e determinação da própria lei, é que a legítima defesa real, o estado de necessidade e o exercício regular de um direito reconhecido excluem a ilicitude de um ato. São causas legais e não fáticas de exclusão, como ocorre com outras excludentes ou com a inexistência de nexo causal. Não significa, contudo, que não se possam reconhecer outras causas, como o caso fortuito e a culpa exclusiva da vítima.

            O estado de necessidade foi constituído no art. 188, inciso II, do CC, que determina “Art. 188. Não constituem atos ilícitos: (...) II - a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover o perigo iminente”.

            Para configurar o estado de necessidade, o ato que causou o dano deverá ser praticado em uma circunstância que torne a sua ação de extrema imprescindibilidade, visando apenas a exclusão do perigo iminente, desde não seja configurado o excesso, caso contrário teremos presente o abuso de direito e o ato ilícito. Neste sentido, leciona Flávio Tartuce (2013, p. 511):

(...) o ato será legítimo somente quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não excedendo os limites do indispensável à remoção do perigo. Em havendo excesso, mais uma vez, tanto poderá estar configurado o abuso de direito (art. 187 do CC) quanto o ato ilícito propriamente dito (art. 186 do CC).

            Segundo análise aos art. 929 e 930, do atual Diploma Civil brasileiro, temos duas exceções à regra, aos quais os casos neles descritos não serão passíveis de irresponsabilidade indenizatória dentro da seara do estado de necessidade.

O primeiro deles afirma que a indenização pelos danos sofridos, nos casos de estado de necessidade, será perfeitamente cabível, desde que o dono da coisa ou a pessoa lesada, não forem culpados pelo perigo. Em seguida, o dispositivo subsequente ressalta que será cabível uma ação regressiva por parte do autor do dano em face do terceiro que provocou o perigo, com o objetivo de ser ressarcido da quantia paga ao lesado. Para melhor compreensão, seguem os mencionados artigos:

Art. 929. Se a pessoa lesada, ou o dono da coisa, no caso do inciso II do art. 188, não forem culpados do perigo, assistir-lhes-á o direito à indenização do prejuízo que sofreram.

Art. 930. No caso do inciso II do art. 188, se o perigo ocorrer por culpa de terceiro, contra este terá o autor do dano ação regressiva para haver a importância que tiver ressarcido ao lesado.

            Por fim, mas não menos importante, devemos citar a cláusula de não indenizar como uma das excludentes da responsabilidade civil, que será instituída por meio de cláusula no contrato firmado, ao qual a parte se isenta absolutamente de sua responsabilidade contratual.

            Cabe ressaltar que a responsabilidade extracontratual não é passível da referida cláusula, devido ao seu caráter inerente a ordem pública.

            A respeito deste instituto, devemos salientar que o Código de Defesa do Consumidor, em seus art. 25 e 51, inciso I, estipularam que nas relações consumeristas impossível será a previsão destas cláusulas, tendo em vista a vulnerabilidade ao qual está submetido o consumidor neste tipo de relação. A seguir, os dispositivos supracitados, para uma análise mais contundente:

 Art. 25. É vedada a estipulação contratual de cláusula que impossibilite, exonere ou atenue a obrigação de indenizar prevista nesta e nas seções anteriores.

§ 1° Havendo mais de um responsável pela causação do dano, todos responderão solidariamente pela reparação prevista nesta e nas seções anteriores.

§ 2° Sendo o dano causado por componente ou peça incorporada ao produto ou serviço, são responsáveis solidários seu fabricante, construtor ou importador e o que realizou a incorporação.

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

I - impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis;

            Com base nesta linha de raciocínio, o Código Civil vigente em seu art. 424 estipula que “nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio”. Tal norma é perfeitamente válida, fazendo-se valer do mais puro conceito de justiça, não permitindo que a parte contratual que está sob o domínio da situação cometa abusos que venham a prejudicar a parte vulnerável, além de que, via de regra, a parte lesada tem o direito de ser indenizada pelos danos sofridos, em decorrência da regra da reparação integral, contida no art. 944, do CC, que assim dispõe: “A indenização mede-se pela extensão do dano”. Esta argumentação se deve à estrita aplicação do princípio da função social do contrato, instituído no art. 421, do CC.

            Cabe mencionar que a Súmula 161, do STF, tornou absolutamente inoperante a cláusula de não indenizar nos contratos de transporte, reiterado pelo art. 734, do CC, que nestes moldes afirma: “O transportador responde pelos danos causados às pessoas transportadas e suas bagagens, salvo motivo de força maior, sendo nula qualquer cláusula excludente da responsabilidade”.

            Outra hipótese em que não será permitida a aplicação da cláusula de não indenizar, é a sua adoção aos contratos de guarda em geral, pelo qual o contratante adquire como atividade fim a segurança propriamente dita. A exemplo disso, podemos citar o contrato de depósito em cofre bancário, bem como o contrato de estacionamento.

            A respeito deste último exemplo, o STJ promulgou a Súmula 130, que merece ser transcrita: “A empresa responde, perante o cliente, pela reparação de dano ou furto de veículo ocorrido em seu estacionamento”.

            Portanto, fica regulamentado, por meio de disposições legais e Súmulas dos Tribunais, em quais hipóteses serão permitidas a utilização da cláusula de não indenizar, que são aquelas em que as partes estão em uma relação horizontal, ao qual não se fazem presentes os contratos de adesão, de transporte ou de guarda.

3 – Ordenamento Jurídico brasileiro

            Segundo a determinação da Constituição do Império, o Código Penal de 1830 passou a reger as diversas situações criminais e cíveis, sendo que a reparação de danos era vinculada a uma condenação no âmbito penal, até ser adotado o princípio da jurisdição civil e criminal.

            Em 1916, o Código Civil que entrava em vigor instituía a teoria subjetiva, que tinha como requisito a existência do elemento subjetivo por parte do agente, devendo-se perquiri se houve ou não culpa por parte daquele que cometeu o dano.

            Conforme se verifica, a teoria adotada nesta época dava mais proteção ao agente que cometeu o dano, obrigando-o a reparar o prejuízo apenas quando este tivesse culpa, ao passo que inexistindo a culpabilidade, o lesado permaneceria nesta condição, tendo que arcar com o prejuízo sem a devida reparação do dano por qualquer indenização.

Não obstante a teoria adotada pelo Código Civil de 1916, o atual Diploma Civil brasileiro, que entrou em vigor desde 2002, conforme análise, também adotou a teoria subjetiva. A exemplo disso seguem logo abaixo os dispositivos que instituem essa ideologia, na medida em que o art. 186 define ato ilícito e o art. 927 institui a responsabilidade civil:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

De acordo com a análise da decisão tomada pela 2ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, no ano de 2011,  nota-se que deverá ser comprovada a culpa para indicar a responsabilização do agente:

CIVIL. RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL. TEORIA SUBJETIVA. CULPA. NÃO COMPROVADA. PRORROGAÇÃO DE CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. EM SE TRATANDO DE RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL, O LEGISLADOR PÁTRIO CONSAGROU A TEORIA SUBJETIVA, SÓ EMERGINDO O DEVER DE REPARAR SE RESTAR COMPROVADO, ALÉM DO FATO LESIVO E SEU NEXO DE CAUSALIDADE, QUE O AGENTE TENHA AGIDO COM CULPA. NÃO RESTANDO PROVADO QUE A PRORROGAÇÃO DO CONTRATO DE PRESTAÇÕES DE SERVIÇOS DE INFORMÁTICA TENHA GERADO PREJUÍZOS À EMPRESA DELES TOMADORA, IMPÕE-SE INACOLHER O PEDIDO INDENIZATÓRIO. (177604420108070000 DF 0017760-44.2010.807.0000, Relator: CARMELITA BRASIL, Data de Julgamento: 23/02/2011, 2ª Turma Cível, Data de Publicação: 02/03/2011, DJ-e Pág. 35)

Segundo leciona Carlos Roberto Gonçalves (2008, p. 11) acerca da teoria subjetiva e da sua exceção:

A realidade, entretanto, é que se tem procurado fundamentar a responsabilidade na ideia de culpa, mas, sendo esta insuficiente para atender às imposições do progresso, tem o legislador ficado os casos especiais em que deve ocorrer a obrigação de reparar, independentemente daquela noção. É o que acontece no direito brasileiro, que se manteve fiel à teoria subjetiva nos arts. 186 e 927 do Código Civil. Para que haja responsabilidade, e preciso que haja culpa. A reparação do dano tem como pressuposto a prática de um ato ilícito. Sem prova de culpa, inexiste a obrigação de reparar o dano.

Devido ao progresso na economia brasileira, simultânea ao aumento nos danos causados, novas teorias foram surgindo e, dentre elas, o Código Civil brasileiro de 2002 (CC/02) passou a adotar em alguns casos excepcionais, ao qual as vítimas seriam prejudicadas na hipótese de aplicação das medidas tradicionais decorrente da teoria subjetiva, a teoria do risco, em que o lesante exerce uma atividade perigosa e, concomitantemente, assume o risco de ter de reparar todo e qualquer dano que desta atividade venha a decorrer.

A exemplo disso, podemos citar a jurisprudência do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região:

ACIDENTE DO TRABALHO. TEORIA DO RISCO. RESPONSABILIDADE CIVIL INDEPENDENTE DA PROVA DE CULPA. É aplicável aos casos de acidente do trabalho a responsabilidade civil baseada na teoria do risco. O fato de o art. 7º, XXVIII, da Constituição da República prever o direito a seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, "sem excluir a indenização a que este está obrigado quando incorrer em dolo ou culpa" não afasta a aplicação da teoria do risco. O rol do art. 7º é exemplificativo, tanto que no caput há referência a outros direitos que visem à melhoria da condição social do trabalhador. (...)7ºXXVIIIConstituição(1129006720095040811 RS 0112900-67.2009.5.04.0811, Relator: RICARDO TAVARES GEHLING, Data de Julgamento: 17/05/2012, 1ª Vara do Trabalho de Bagé)

As leis italianas dispõem a possibilidade de se abster da responsabilidade de reparar os danos sofridos quando o agente, mediante a inversão do ônus da prova, comprovar que tomou todas as medidas possíveis aptas a prevenir os prováveis prejuízos que possam decorrer da atividade perigosa. Esta concepção originária na Itália não foi adotada pela legislação brasileira, tendo o legislador nacional optado por uma regra mais inflexível, não concedendo a possibilidade de exonerar a responsabilidade de reparar os danos causados.

O Ordenamento Jurídico brasileiro adota a responsabilidade objetiva em casos excepcionais, que devem estar estipulados em lei. É o que determina o parágrafo único do art. 927 do Código Civil vigente, ao estabelecer a teoria do risco e a teoria do dano objetivo. Segue o mencionado dispositivo:

Art. 927. [...] Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

            Os casos em que se fará presente a responsabilidade objetiva são ainda uma exceção, e devem estar previstos em lei, é o que se observa na situação do dono ou detentor de animal que causa dano a outrem, previsto no art. 936 do Código Civil, bem como do dono de edifício ou construção que responde pelos danos que decorrerem de sua ruína, segundo art. 937 do mesmo diploma legal. Há ainda o caso do art. 938, que determina a responsabilização do habitante de prédio que responderá pelos danos decorrentes da queda ou arremesso de objetos em lugar indevido.

A teoria do dano objetivo impõe que no caso concreto deve-se analisar se houve o dano, e se este decorreu da conduta do agente, isto é, deverá existir um nexo de causalidade entre o dano e a conduta para que se possa determinar a reparação do dano por parte do agente. Após a constatação do mencionado nexo de causalidade não caberá a observância do fator culpabilidade, por ser irrelevante nestes casos.

            Já a teoria do risco determina que na prática de atividades lícitas que por si só tenham a possibilidade de causar prejuízos a terceiros, a responsabilidade a ser empregada ao caso é a objetiva, pois caso estes prejuízos venham a ocorrer de fatos decorrentes desta mesma atividade, o agente tem a consciência que dela poderão ser gerados danos a terceiros, assumindo o risco de indeniza-los, se necessário.

            Ainda sob a égide do CC/02, temos a responsabilidade objetiva descrita também no art. 933, que afirma: as pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente, ainda que não haja culpa de sua parte, responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos, desta forma, cabe mencionar o artigo a que se refere o texto mencionado:

Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:

I - os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia;

II - o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições;

III - o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele;

IV - os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos;

V - os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a concorrente quantia.

            Note que o inciso I atribui aos pais a responsabilidade de reparar os danos causados pelos filhos menores, bem como o inciso III, que estabelece a responsabilização do empregador nos atos praticados por seus empregador, serviçais e prepostos.

            De tal maneira, vemos que aos casos de bullying, via de regra, não serão responsabilizados os menores agressores, tampouco os empregados, serviçais e prepostos do estabelecimento escolar, cabendo em alguns casos o ingresso junto ao Poder Judiciário de uma Ação Regressiva por parte da escola em face dos seus funcionários.

            Ademais, diante de todo o exposto, cabe complementar que o abuso do direito (art. 927 c/c 187), atividade de risco ou fato do serviço (art. 927, parágrafo único), fato do produto (art. 931), fato de outrem (arts. 932 e 933), fato da coisa (arts. 936 a 938), são exemplos de aplicabilidade da responsabilização objetiva dispostas no Código Civil de 2002.