O Instituto da Transação Penal à luz da Teoria dos Jogos: As metas e estratégias estatais na construção do Equilíbrio de Nash

Ayrton Luis Magri Alvarenga e Mozaniel Vaz da Silva [2]

RESUMO

O processo penal, na busca de celeridade e reposicionamento da condição de ultima ratio característica do Direito Penal em geral, instituiu os denominados institutos despenalizadores como forma de se atingir a punibilidade através de meios alternativos e razoáveis aos bens jurídicos efetivamente atingidos, quando não se fizer imperativa a demanda por penas privativas de liberdade.

Eis que nesse contexto se insere o instituto da transação penal como forma de se impor medidas socialmente relevantes e restritivas de direito em contraprestação ao bem jurídico lesado pela conduta do imputado, uma verdadeira segunda chance proposta pelo Ministério Público. Porém tal, proposta obedece à uma lógica de pesos e contrapesos que, por sua vez, se comportam como uma estratégia na qual o sopesamento entre os ganhos e perdas (payoffs) determinará as táticas de ambas as partes que atuam no ato da transação a fim de uma satisfação mútua, como se pode ser pelas lentes da teoria dos jogos. Seguindo essa linha de raciocínio, a próprio Estado enquanto efetivador por excelência das políticas criminais ao instituir a Transação penal como medida despenalizadora já se encontra, ele mesmo incluso em outro jogo de táticas e estratégias de cunho político e jurídico que por sua vez influencia de forma determinante os incentivos e as regras de jogos menores a exemplo da transação penal.

 

INTRODUÇÃO

O Direito Processual Penal Brasileiro, atualmente, no sentido de se buscar uma retomada de seu lugar e eficácia como a ultima ratio do Direito vem atuando na implementação de medidas que ao invés de direcionar o processo a uma possível condenação e posterior restrição de liberdade (restrição esta que deve ser entendida por si mesma como uma ultima ratio dentro Direito Penal,) busca, ao contrário, gerar efeitos diretamente na punibilidade, ao afastar aquela pena mais gravosa em prol de soluções mais eficientes e céleres. Eis os chamados institutos despenalizadores, no qual se encontra a transação penal.

Este instituto processual penal vem atuando de forma contundente na resolução de conflitos através de meios alternativos à prisão, ao apresentar ao sujeito ativo (na posição do Ministério Público) e passivo (imputado) uma possibilidade real de negociação afim de que não haja uma condenação desarrazoada assim como o início de um procedimento dispendioso que seria pouco eficaz na proteção dos bens jurídicos atingidos. Desta forma, à ambas as partes a transação abre um leque de oportunidades que as motivam e direcionam à um resultado ótimo com base nas decisões de cada um, nesse ponto insere-se a Teoria dos Jogos como uma lente que não só é capaz de impor fundada ordem em relação as decisões das partes, mas que também possibilita a retomada de uma racionalidade das decisões pautada no juízo de oportunidade e conveniência, dentro das possibilidades dispostas em lei e perpetuadas pelo estado, ao se intender a transação, também, como um jogo cujas metas e estratégias dependem da capacidade analítica que cada parte no processo tem (incluindo o juiz, ou neste caso, o Estado enquanto mediador) de prever e se posicionar de acordo com os incentivos que regem a racionalidade do polo oposto. Desta forma, o presente estudo busca debruçar-se sobre o rico campo da teoria dos jogos buscando a compreensão dos incentivos e objetivos que regem as estratégias implícitas ou não, pertinentes ao instituto da transação penal.

1 O instituto da transação penal no contexto jurídico brasileiro

A evolução dos homens e da sociedade ao longo dos anos, em seus aspectos físicos, culturais e sociológicos dinamizam e delineiam seus aspectos sociais, bem como sua pacificação no meio social, fazendo surgir assim, uma estrutura complexa que precisa ser regida por um conjunto de normas disciplinadoras, via de regra, legitimadas por uma ordem legal, que devem ser seguidas para que se estabeleça a organização para o bem comum e harmônico em todos os âmbitos. Assim surge a necessidade do Estado tomar para si o jus puniendi delineando as práticas processuais da matéria penal ao longo das décadas.

O Processo Penal começa a ganhar os moldes atuais a partir da modernidade, na superação da Idade Média e do Sistema Inquisitório, paradoxalmente oposto ao que existe hoje no cenário jurídico global, e brasileiro. A razão e a liberdade ganham espaço, o que baseia o processo penal comum como última escolha em sociedade, em conjunto, com a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, em 1948 e dos fenômenos democráticos que permearam o cenário e ganharam força desde então, na constituição de suas cartas políticas, mantenedoras dos direitos do homem, com garantias reais, e harmonização do sistema político jurídico, numa busca incessante de adequação ao meio. 

Direitos do homem, democracia e paz são três momentos necessários do mesmo movimento histórico: sem direitos do homem reconhecidos e protegidos, não há democracia; sem democracia, não existem as condições mínimas para a solução pacífica dos conflitos (BOBBIO, 2004, p. 21) 

Todas essas mudanças trazem a cargo a não justificação de sistemas opressores e inoperantes. A condenação e restrição de liberdade passam a último cargo. Atualmente, o processo penal é pautado pelo viés constitucional, advindo do fenômeno constitucionalista de 1988. A Constituição deu maior ênfase ao Judiciário implementando princípios e garantias ao processo penal, como contraditório e ampla defesa, paridade de armas, licitude das provas, da proibição da tortura, juiz natural, presunção de inocência, dentre outros. 

há que se compreender que o respeito às garantias fundamentais não se confunde com impunidade, e jamais se defendeu isso. O processo penal é um caminho necessário para chegar-se, legitimamente, à pena. Daí por que somente se admite sua existência quando ao longo desse caminho forme rigorosamente observadas as regras e garantias constitucionalmente asseguradas (as regras do devido processo legal) (AURY LOPES apud YAROCHEWSKY, 2014, p. 4) 

O Direito Processual Penal, portanto, disciplina a interdependência dos atos processuais pautados por garantias, sendo propiciador da matéria penal, em sua completude. Por ser instrumento da norma penal, o processo penal atua na proteção de bens jurídicos, sejam eles de menor ou maior potencial ofensivo.

O judiciário brasileiro na área criminal tinha características morosas e ineficazes, no fim do século passado, numa sobrecarga processual e não confiabilidade da população, que preferia, em casos considerados de menor potencial ofensivo, não levar a demanda ao judiciário, fazendo com que o Jus Puniendi estatal ficasse enfraquecido.

Diante disso surgiu a necessidade de celeridade e acesso à justiça, pautados na Constituição de 1988, para casos menos gravosos. Em 1995 surge, então, a Lei dos Juizados Especiais, criando nacionalmente, a cargo dos Estados, órgãos do judiciários com acesso fácil e simples para uma busca da satisfação da proteção penal mais eficaz.

Os Juizados Especiais são pautados pelos princípios da economia processual e justiça gratuita, facilitando e educando a população a procurar o Judiciário, como meio imparcial e legal para resolução de conflitos, que são próprios da natureza humana, e obediência das regras. Além da efetivação do vetor principal dentre os princípios: acesso à justiça.

Os Juizados Especiais podem ser cíveis ou criminais, com foco para as causas de menor complexidade, que não precisam perpassar pelo longo processo na justiça comum. A partir do artigo sessenta e lei traz especificações sobre os juizados especiais criminais. 

 Art. 60.  O Juizado Especial Criminal, provido por juízes togados ou togados e leigos, tem competência para a conciliação, o julgamento e a execução das infrações penais de menor potencial ofensivo, respeitadas as regras de conexão e continência. (Redação dada pela Lei nº 11.313, de 2006)

        Parágrafo único. Na reunião de processos, perante o juízo comum ou o tribunal do júri, decorrentes da aplicação das regras de conexão e continência, observar-se-ão os institutos da transação penal e da composição dos danos civis. (Incluído pela Lei nº 11.313, de 2006)

        Art. 61.  Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa. (Redação dada pela Lei nº 11.313, de 2006)

        Art. 62. O processo perante o Juizado Especial orientar-se-á pelos critérios da oralidade, informalidade, economia processual e celeridade, objetivando, sempre que possível, a reparação dos danos sofridos pela vítima e a aplicação de pena não privativa de liberdade. (BRASIL, LEI 9.099/95) 

O legislador especificou a finalidade e função social dos juizados especiais criminais: evitar aplicação da pena privativa de liberdade em casos que a ofensa ao bem jurídico for menos gravosa, num viés de medidas despenalizadoras, que buscam a não repetição, por parte do acusado, do ilícito, uma vez que ao proporcionar a reparação dos danos, o não ingresso no sistema prisional não implicaria em perdas para o acusado, de direitos e de uma posterior reinserção na sociedade.

Dessa maneira a competência dos Juizados Especiais é determinada pela natureza da infração denunciada, que não pode ser superior a dois anos, elencando crimes de menor potencial ofensivo, em que a esfera individual do ofendido é pouco afetada. Além dos crimes com penas não superiores a dois anos, também se elencam as contravenções penais.

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