O Instituto da Transação Penal à luz da Teoria dos Jogos: As metas e estratégias estatais na construção do Equilíbrio de Nash[1]

Ícaro Carvalho Gonçalves[2]

José Claudio Cabral Marques[3]

 

Sumário: Introdução. 1 O instituto da transação penal no contexto jurídico brasileiro; 2 A transação penal e a teoria dos jogos; 3 Estratégias do estado e o Equilíbrio de Nash. Conclusão. Referências.

 

 

PALAVRAS-CHAVE

 

 Transação Penal; Equilíbrio de Nash; Metas Estratégicas

 

 

INTRODUÇÃO

 

O Direito Processual Penal Brasileiro, atualmente, no sentido de se buscar uma retomada de seu lugar e eficácia como a ultima ratio do Direito vem atuando na implementação de medidas que ao invés de direcionar o processo a uma possível condenação e posterior restrição de liberdade (restrição esta que deve ser entendida por si mesma como uma ultima ratio dentro Direito Penal,) busca, ao contrário, gerar efeitos diretamente na punibilidade, ao afastar aquela pena mais gravosa em prol de soluções mais eficientes e céleres. Eis os chamados institutos despenalizadores, no qual se encontra a transação penal.

Este instituto processual penal vem atuando de forma contundente na resolução de conflitos através de meios alternativos à prisão, ao apresentar ao sujeito ativo (na posição do Ministério Público) e passivo (imputado) uma possibilidade real de negociação afim de que não haja uma condenação desarrazoada assim como o início de um procedimento dispendioso que seria pouco eficaz na proteção dos bens jurídicos atingidos. Desta forma, à ambas as partes a transação abre um leque de oportunidades que as motivam e direcionam à um resultado ótimo com base nas decisões de cada um, nesse ponto insere-se a Teoria dos Jogos como uma lente que não só é capaz de impor fundada ordem em relação as decisões das partes, mas que também possibilita a retomada de uma racionalidade das decisões pautada no juízo de oportunidade e conveniência, dentro das possibilidades dispostas em lei e perpetuadas pelo estado, ao se intender a transação, também, como um jogo cujas metas e estratégias dependem da capacidade analítica que cada parte no processo tem (incluindo o juiz, ou neste caso, o Estado enquanto mediador) de prever e se posicionar de acordo com os incentivos que regem a racionalidade do polo oposto. Desta forma, o presente estudo busca debruçar-se sobre o rico campo da teoria dos jogos buscando a compreensão dos incentivos e objetivos que regem as estratégias implícitas ou não, pertinentes ao instituto da transação penal.

 

1 O instituto da transação penal no contexto jurídico brasileiro

 

A evolução dos homens e da sociedade ao longo dos anos, em seus aspectos físicos, culturais e sociológicos dinamizam e delineiam seus aspectos sociais, bem como sua pacificação no meio social, fazendo surgir assim, uma estrutura complexa que precisa ser regida por um conjunto de normas disciplinadoras, via de regra, legitimadas por uma ordem legal, que devem ser seguidas para que se estabeleça a organização para o bem comum e harmônico em todos os âmbitos. Assim surge a necessidade do Estado tomar para si o jus puniendi delineando as práticas processuais da matéria penal ao longo das décadas.

O Processo Penal começa a ganhar os moldes atuais a partir da modernidade, na superação da Idade Média e do Sistema Inquisitório, paradoxalmente oposto ao que existe hoje no cenário jurídico global, e brasileiro. A razão e a liberdade ganham espaço, o que baseia o processo penal comum como última escolha em sociedade, em conjunto, com a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, em 1948 e dos fenômenos democráticos que permearam o cenário e ganharam força desde então, na constituição de suas cartas políticas, mantenedoras dos direitos do homem, com garantias reais, e harmonização do sistema político jurídico, numa busca incessante de adequação ao meio.

 

direitos do homem, democracia e paz são três momentos necessários do mesmo movimento histórico: sem direitos do homem reconhecidos e protegidos, não há democracia; sem democracia, não existem as condições mínimas para a solução pacífica dos conflitos (BOBBIO, 2004, p. 21)

 

Todas essas mudanças trazem a cargo a não justificação de sistemas opressores e inoperantes. A condenação e restrição de liberdade passam a último cargo. Atualmente, o processo penal é pautado pelo viés constitucional, advindo do fenômeno constitucionalista de 1988. A Constituição deu maior ênfase ao Judiciário implementando princípios e garantias ao processo penal, como contraditório e ampla defesa, paridade de armas, licitude das provas, da proibição da tortura, juiz natural, presunção de inocência, dentre outros.

 

há que se compreender que o respeito às garantias fundamentais não se confunde com impunidade, e jamais se defendeu isso. O processo penal é um caminho necessário para chegar-se, legitimamente, à pena. Daí por que somente se admite sua existência quando ao longo desse caminho forme rigorosamente observadas as regras e garantias constitucionalmente asseguradas (as regras do devido processo legal) (AURY LOPES apud YAROCHEWSKY, 2014, p. 4)

 

O Direito Processual Penal, portanto, disciplina a interdependência dos atos processuais pautados por garantias, sendo propiciador da matéria penal, em sua completude. Por ser instrumento da norma penal, o processo penal atua na proteção de bens jurídicos, sejam eles de menor ou maior potencial ofensivo.

O judiciário brasileiro na área criminal tinha características morosas e ineficazes, no fim do século passado, numa sobrecarga processual e não confiabilidade da população, que preferia, em casos considerados de menor potencial ofensivo, não levar a demanda ao judiciário, fazendo com que o Jus Puniendi estatal ficasse enfraquecido.

Diante disso surgiu a necessidade de celeridade e acesso à justiça, pautados na Constituição de 1988, para casos menos gravosos. Em 1995 surge, então, a Lei dos Juizados Especiais, criando nacionalmente, a cargo dos Estados, órgãos do judiciários com acesso fácil e simples para uma busca da satisfação da proteção penal mais eficaz.

Os Juizados Especiais são pautados pelos princípios da economia processual e justiça gratuita, facilitando e educando a população a procurar o Judiciário, como meio imparcial e legal para resolução de conflitos, que são próprios da natureza humana, e obediência das regras. Além da efetivação do vetor principal dentre os princípios: acesso à justiça.

Os Juizados Especiais podem ser cíveis ou criminais, com foco para as causas de menor complexidade, que não precisam perpassar pelo longo processo na justiça comum. A partir do artigo sessenta e lei traz especificações sobre os juizados especiais criminais.

 

 Art. 60.  O Juizado Especial Criminal, provido por juízes togados ou togados e leigos, tem competência para a conciliação, o julgamento e a execução das infrações penais de menor potencial ofensivo, respeitadas as regras de conexão e continência. (Redação dada pela Lei nº 11.313, de 2006)

        Parágrafo único. Na reunião de processos, perante o juízo comum ou o tribunal do júri, decorrentes da aplicação das regras de conexão e continência, observar-se-ão os institutos da transação penal e da composição dos danos civis. (Incluído pela Lei nº 11.313, de 2006)

        Art. 61.  Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa. (Redação dada pela Lei nº 11.313, de 2006)

        Art. 62. O processo perante o Juizado Especial orientar-se-á pelos critérios da oralidade, informalidade, economia processual e celeridade, objetivando, sempre que possível, a reparação dos danos sofridos pela vítima e a aplicação de pena não privativa de liberdade. (BRASIL, LEI 9.099/95)

 

O legislador especificou a finalidade e função social dos juizados especiais criminais: evitar aplicação da pena privativa de liberdade em casos que a ofensa ao bem jurídico for menos gravosa, num viés de medidas despenalizadoras, que buscam a não repetição, por parte do acusado, do ilícito, uma vez que ao proporcionar a reparação dos danos, o não ingresso no sistema prisional não implicaria em perdas para o acusado, de direitos e de uma posterior reinserção na sociedade.

Dessa maneira a competência dos Juizados Especiais é determinada pela natureza da infração denunciada, que não pode ser superior a dois anos, elencando crimes de menor potencial ofensivo, em que a esfera individual do ofendido é pouco afetada. Além dos crimes com penas não superiores a dois anos, também se elencam as contravenções penais.

É nesse contexto que se enquadra a medida despenalizadora da Transação Penal, que figura como negociação entre o Ministério Público e o investigado/acusado, e deve ocorrer após frustrada a conciliação ou antes da realização da audiência de instrução, na fase preliminar, sendo pautada pelo art. 76 da Lei. (DIAS, 2013)

Tal mecanismo só não poderá ser aplicado

 

Art. 76. Havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada, não sendo caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas, a ser especificada na proposta.

        § 1º Nas hipóteses de ser a pena de multa a única aplicável, o Juiz poderá reduzi-la até a metade.

        § 2º Não se admitirá a proposta se ficar comprovado:

        I - ter sido o autor da infração condenado, pela prática de crime, à pena privativa de liberdade, por sentença definitiva;

        II - ter sido o agente beneficiado anteriormente, no prazo de cinco anos, pela aplicação de pena restritiva ou multa, nos termos deste artigo;

        III - não indicarem os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, ser necessária e suficiente a adoção da medida.

        § 3º Aceita a proposta pelo autor da infração e seu defensor, será submetida à apreciação do Juiz (BRASIL, Lei 9.099/95)

 

Assim a Transação Penal surge como instrumento que visa eficaz a proteção do bem jurídico, na busca com que o suposto acusado não reincida no ilícito. Ação do Estado com múltiplos resultados positivos.

 

O objetivo da transação penal é evitar o desgaste do processo criminal, mitigando a obrigatoriedade da ação penal - mormente no contexto da ação pública incondicionada - sem a discussão daculpa . Objetiva, como medida despenalizadora, evitar consensualmente a demanda processual penal, prevenindo ou extinguindo litígios, contribuindo para a pacificação da sociedade (NUCCI, 2009, p. 776).

 

2A transação penal e a teoria dos jogos

 

Nesse capítulo se busca conceituar a Teoria dos Jogos utilizada não na matemática aplicada, mas sim, como mecanismo estatal na busca de solução de lides, isto é, conflitos que incidem na sociedade desde os tempos antigos, e são próprios do Homem.

A Teoria dos Jogos traz em seu bojo a interação estratégica entre as partes que compõe o conflito, em que o resultado de cada um depende das decisões dos outros, numa interdependência similar a um jogo.

 

A Teoria dos Jogos é um método utilizado para representar e compreender as decisões tomadas por agentes que interagem entre si. Também é correto afirmar que, a partir dessa compreensão, constitui um meio para adoção da melhor escolha nos casos de interação estratégica.  (CARVALHO, 2007, p. 215)

 

A Teoria dos Jogos tenta compreender o ponto de vista do oponente, não subestimar seu grau de raciocínio, e tentar antever sua reação para praticar uma ação, em que o destino daquele agente depende dele, e do outro jogador. Tal Teoria fornece subsídios para organização e interação com diversas áreas, seja em jogos de tabuleiro, entrevista de emprego, relações mercadológicas e pessoais.

 

Os estudos sobre a teoria da probabilidade tiveram inicio com o filósofo, matemático e físico francês Blase Pascal, juntamente com o matemático francês Fermat, através desses estudos desenvolveram a teoria da probabilidade em jogos de azar utilizando regras matemáticas. Em seguida Antoine Augustin Cournot (1801-1877), matemático francês, com estudo da análise do ponto de equilíbrio nas estratégias de jogos, formalizou um conceito especifico de equilíbrio, ou seja, aplicados em casos particulares, que mais tarde foi generalizado por John Forbes Nash Jr. Mas o marco inicial da teoria dos jogos foi quando John Von Neumann (1903- 1957), matemático húngaro-americano, provou o teorema minimax, segundo este teorema há sempre uma solução racional para um conflito bem definido entre dois indivíduos cujos interesses são completamente opostos, teorema deixado aberto pelo matemático francês ÉmileBorel (1871-1956). (ALMEIDA, 2006, p. 3)

 

Mas foi em 1950 que a Teoria dos Jogos foi modificada nos moldes em que é estudada atualmente, John Forbes Nash Junior, matemático estadunidense que conquistou o prêmio Nobel com a tese NonCooperative Games (Jogos Não-Cooperativos, publicada em 1951)  provou a existência de ao menos um ponto de equilíbrio em jogos de estratégias para múltiplos jogadores, (ALMEIDA, 2006) mas para que ocorra o equilíbrio é necessário que os jogadores se comportem racionalmente e não se comuniquem antes do jogo para evitar acordos em situações que não se tem todas as informações, isto é, que faltam fatos para que o entendimento seja completo, como no processo penal.

O que se quer expor é a real necessidade de trocas de conhecimento entre as disciplinas do conhecimento humano. Nenhuma ciência por si só é completa ou intangível. As ciências sócias precisam das ciências exatas para uma completude, e o inverso também ocorre. É perfeitamente cabível a interposição da Teoria dos Jogos no campo social, em específico no ordenamento jurídico, em que ela é enquadrada no direito do consumidor, empresarial, dentre outros, mas tem como eficácia e adequação, grande utilidade para o Direito Penal, em específico o Processo Penal.

Na Teoria dos Jogos as regras devem ser claras e preestabelecidas, bem como no processo penal, em que há clareza e publicidade nos atos, que são minuciosamente pautados pelo devido processo legal. Assim, o pay-off que são os resultados possíveis finitos, limitados a um número de resultados, são evidenciados nas táticas tomadas pelo Estado para elucidar os casos, como a Transação Penal. Os jogadores, as estratégias e o resultados também se evidenciam, como vítima, suposto acusado e órgãos que compõe o Estado, as estratégias comomedidas despenalizadoras, dentre ouros intitutos benéficos, e os resultados como potencialidade real de ganhos para ambos os jogadores, seja na elucidação do caso, celeridade e simplicidade na resolução de conflitos, seja no encaminhamento para o devido processo legal a fim de se apurar a culpa, desencadeando os desdobramentos padrões.

No Direito a Teoria dos Jogos é aplicada de forma biológica, uma vez que o comportamento humano que faz aplicação do Direito como instrumento de ordem é dotado de práticas egoísticas, em que constantemente as regras sociais são rompidas. Assim, o Estado se utiliza de tal mecanismo a fim de controlar tais comportamentos oferecendo bônus para que eles não aconteçam novamente, como na Transação Penal.

Procedimentalmente, no momento da proposta feita pelo Ministério Público/ofendido, para transacionar o autor do fato deve analisar a viabilidade de homologar a transação, vez que se ele estiver seguro de sua inocência poderá optar por responder ao processo a fim de obter sua absolvição. Pode ainda ponderar os pontos positivos e negativos propostos e ainda assim entender que a via judicial é o caminho mais adequado. Se, porém, ele transaciona, mas tem consciência de que são grandes as chances de surgem provas que constatem que fora de fato ele o autor, realizar a transação de nada adiantará, visto que a homologação desta não obsta o Ministério Público de iniciar a ação penal, culminando, assim, em sua condenação. Portanto, o autor do fato deve analisar minuciosamente qual dos caminhos optará por percorrer, de modo a avaliar se valerá ou não a pena aceitar a proposta (REIS; OLIVEIRA, 2011).

Como direito subjetivo do réu, a transação penal é palco perfeito para que o Estado otimize ganhos com a Teoria dos Jogos, uma vez que ambas as partes querem um benefício com o processo, já que com esse Instituto, o suposto autor não assume a culpa, porém repara os danos, finalidade do processo penal, e não pode voltar a reincidir sob pena de perder o benefício, evitando, assim, um longo processo judicial moroso.

 

3 Estratégias do Estado e o Equilíbrio de Nash.

 

Como já apresentado nos capítulos anteriores, o instituto da transação penal assim como outras medidas despenalizadoras atuam no sentido do estabelecimento de movimentos estratégicos sensíveis frente ao imputado e à vítima a fim de se alcançarem, através da negociação e da análise dos riscos e possibilidades moldadas pelo caso concreto, os melhores resultados para os atores, ou melhor, para os competidores dos jogos penais.

Entretanto, se por um lado há a presença de tais estratégias racionais no próprio andamento da transação penal, tratando-se esta mesma de um jogo competitivo, por outro, o que antes era o próprio jogo pode se mostrar apenas mais um estratagema se comparado a um contexto ainda maior. É o que ocorre se interpretarmos os grandes atos do Estado, frente à política criminal como um grande jogo em sentido mais amplo que o já estudado na transação penal, ou em termos mais didáticos, um macro jogo se comparado com os micro jogos diários típicos do Direito Penal. Essa correlação entre macro e micro jogo só é possível graças ao mesmo fator que possibilitou em primeiro lugar a importação da teoria dos jogos dos institutos econômicos ao campo do Direito penal: os incentivos, podendo estes serem interpretados como os objetivos que amoldam direta, indireta, consciente ou inconscientemente as ações de determinado indivíduo no dia a dia, desta forma, o correlação entre a teoria dos jogos e os incentivos é tal que, Aumann (1987, p. 480) entende que “A Teoria dos Jogos é uma ferramenta para dizer aonde os incentivos levará. A história e a experiência ensinam que, se queremos atingir determinadas metas, incluindo as morais e éticas, é melhor analisarmos os incentivos e os efeitos do que estamos fazendo”. Nota-se que, dentro de tal noção, que as ações de toda e qualquer pessoa ou entidade é orientada pelos mais diversos estímulos e desejos (incentivos), que para se efetivarem necessitam de outras ações coordenadas em estratégias, e estas, por sua vez são orientadas por mini estratégias e assim por diante. Nesse sentido, o Estado enquanto o órgão jogador, por excelência, dos jogos penais institui a transação penal (entendida nos capítulos anteriores como uma relação complexa de metas e estratégias) como mais uma de suas estratégias no intuito de se alcançar um equilíbrio entre os bens e as partes envolvidas em determinada conduta delituosa e suas consequências na dimensão da política criminal.

Nesse sentido, para se alcançar o referido estado de equilíbrio ideal entre as partes e entre a dicotomia do ser e dever ser que transpassa o processo penal diariamente, é necessária uma ingerência estatal, desta forma “o Estado pode criar estímulos para que os jogadores cooperem, reduzindo a assimetria e imperfeição das informações. Além disso, é possível a instituição de sanções para desistências da estratégia cooperativa (uma vez adotada) para reduzir custos de transação para as partes”. (TEÓFILO, Anna; CAMELO, Bradson, 2011, p. 14). O que aqui se observa é um posicionamento estatal não como um mero organizador das negociações entre as partes, mas sim como um jogador propriamente dito que, porém, por se encontrar na posição de juiz (no caso da transação, o Estado se encontra na posição de intermediador), goza de privilégios como a instituição de regras e a possibilidade de uma melhor aquisição de informações, o que leva a crer que “o intermediador tem uma visão de todos os bens lesados e pode ajustar os preços para coibir excessos das partes”. (TEÓFILO, Anna; CAMELO, Bradson, 2011, p. 7).

. Tais privilégios materiais e processuais, ao contrário do que se possa imaginar, não atuam como um óbice à obtenção do resultado ideal, mas sim como condição sem a qual a noção de justiça restaurativa perpetuada pelos institutos despenalizadores não poderia se concretizar. Desta forma, na transação penal um resultado ideal seria o que se fizesse capaz de satisfazer no maior grau possível (e dentro das possibilidades legais) o conflito entre as partes e a restauração ou contraprestação do bem jurídico atingido por determinada conduta sem que se precisasse valer da restrição de liberdade, que por seu grau de gravidade deve ser classificada como a ultimaratio dentro do Direito penal que por si só deve também ser considerado como uma ultima ratio frente aos demais ramos do direito, tal linha de raciocínio sob a lente da teoria dos jogos permite concluir que “em cada jogo, procura-se uma solução ideal que é a descrição do que cada jogador deveria fazer e qual será o resultado de cada um. É possível que não existam soluções ideais ou, em contrapartida, que existam várias delas.” (TEÓFILO, Anna; CAMELO, Bradson, 2011, p. 9).

O resultado ideal ora citado, encontra sua contraparte na Teoria dos Jogos dentro da noção de equilíbrio de Nash, assim descrita por Balbinotto (2006, p. 17):

 

Um equilíbrio de Nash consiste num equilíbrio no qual cada jogador faz a escolha ótima (aquela que maximiza seu payoff), dada a escolha do outro. Em outras palavras, dizemos que um par de estratégias constitui-se num equilíbrio de Nash se a escolha de A for ótima, dada a escolha de B, e a escolha de B for ótima dada a escolha de A e não houver incentivos para que ambos mudem de estratégia.

 

Desta forma, tal equilíbrio, dentro do contexto de negociações próprio da transação penal, só é possível graças a um direcionamento das ações das partes com base nas ações selecionadas uma pelas outras, o que não é tão simples se considerar que nem sempre as partes agem com uma racionalidade voltada à um estado de equilíbrio mas sim em direção à um vitória potencial e característica de competições, o que vai de encontro ao contexto cooperativo das negociações que se perpetuam na transação penal. Tal racionalidade cooperativa à luz do equilíbrio de Nash pode ser exemplificada através da situação hipotética de um jogo de xadrez cujo objetivo seria alcançar um empate através de previsões e contrajogadas tomadas com base nas ações tomadas pelo jogador adversário, gerando um estado na qual não houvessem mais jogadas disponíveis.

Este estado ideal, obviamente, não poderia ser alcançado se não houvesse um direcionamento a cerca das jogadas possíveis e das regras estipuladas. Seguindo esta lógica, o direcionamento ora citado só poderia ser efetuado, dentro das políticas criminais e mais especificamente dentro da transação penal, pelo Estado por conta de sua abrangência, capacidade de oferecimento de incentivos e retenção de informações, logo, chega-se a conclusão de que o equilíbrio de Nash não depende apenas das partes diretamente envolvidas nas negociações transacionais, mas também é necessária uma participação do intermediário cujos privilégios materiais e processuais atribuídos ao mesmo permitem que ocorra uma organização da racionalidade dos jogadores de acordo com a necessidade do meio, necessidade esta que molda a própria racionalidade do intermediário na concessão dos incentivos específicos, o que gera outro equilíbrio de Nash muito mais amplo (entre Estado e metas da política criminal no que se refere aos institutos despenalizadores) que engloba e molda a forma de efetivação do já citado equilíbrio estrito entre as partes jogadoras da transação. Nesse sentido o ente estatal é, também, o primeiro beneficiado pela sistematização racional que a teoria dos jogos pode proporcionar para a obtenção do estado de equilíbrio ideal, pois, como já se deve ter percebido, “O objetivo da teoria dos jogos não é somente resolver questões estratégicas, mas sim ajudar a ordenar o pensamento de forma estratégica, provendo um conjunto de conceitos para a compreensão das manobras dinâmicas dos concorrentes. Na teoria dos jogos é importante saber que enquanto os jogadores tentam manipular o meio, ele está manipulando-os de volta”. (TEÓFILO, Anna; CAMELO, Bradson, 2011, p. 8).

Por fim, deve-se notar que o mecanismo aqui exposto, de um equilíbrio de Nash em sentido amplo que engloba e define os incentivos capazes de fomentar outro estado de equilíbrio em sentido mais estrito, atua afinal, como uma exposição da própria mecânica do Estado Democrático de Direito na diária persecução da satisfação de seus objetivos econômicos, políticos e sociais o que volta a corroborar a transversalidade e abrangência da própria noção dos fatos, atos e respectivos atores como partes integrantes de um inevitável jogo cujo ponderamento dos ganhos, perdas e condições do meio é essencial para a formulação de estratégias vencedoras, ou melhor, harmonizadas levando-se em conta a logica da barganha inerente ao equilíbrio de Nash.

 

CONCLUSÃO

 

De fato, na busca por meios mais céleres e alternativos à prisão em relação ao atos de menor potencial ofensivo o Direito Processual Penal acaba, por um lado, a impor não apenas os instrumentos e regras necessárias à transação mas também os próprios incentivos, no momento em que sua lógica é transposta e confundida com a do intermediador, selecionando os ganhos e perdas (payoffs) de cada um dos polos, que deixam de ser opostos, para se tornarem interdependentes, uma vez que o resultado ideal depende das decisões que cada parte toma de acordo com as jogadas processuais já efetuadas e as que hão de vir de ambos os lados.

Dentro deste contexto, a referida lógica estatal transposta e implantada nos incentivos e na busca de sua satisfação pelas partes na transação penal, pode também ser interpretada como um outro jogo mais complexo porém sutil da qual fazem parte o Estado e as ingerências da políticas criminais fundamentadas em maior ou menor grau nas tendências sociais em relação a fatores como segurança e índice de criminalidade. Logo, conclui-se que os jogos processuais ou políticos de natureza penal, independentemente de sua abrangência, correlacionam-se numa interdependência que inevitavelmente permite que haja uma conclusão pela existência de um busca por equilíbrio de Nash em todos os parâmetros e níveis das relações regidas por incentivos (o que, obviamente, não se restringe ao âmbito do Direito), tornando a racionalidade da teoria dos jogos não só uma forma de se enxergar os fatos, mas sim uma realidade tangível e imperativa, cuja aceitação só há de trazer benefícios para as relações jurídicas e ordinárias.

 

REFERÊNCIAS

 

almeida, Alecssandra Neri de. Teoria dos Jogos: As origens e os fundamentos da Teoria dos Jogos. UNIMESP - Centro Universitário Metropolitano de São Paulo. São Paulo: 2006

 

AumaNn, Game Theory, The New Palgrave Dictionary of Economics,Vol 2, edited by J. Eatwell, M. Milgate, and P. Newman, Macmillan, London and Basingstoke, 1987, p. 480.

 

BALBINOTTO, Giácomo Neto. Teoria dos Jogos e Direito. 2006. Disponível em: http://www.ppge.ufrgs.br/giacomo/arquivos/quest-eco/teoria-jogos.pdf. Acesso em: 12/05/15.

 

BOBBIO, Noberto. A Era dos Direitos. ed renovada. Rio de Janeiro: Campus, 2004.

 

BRASIL. Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995.  Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9099.htmAcesso em 07 de Maio de 2015

 

CARVALHO, José Augusto Moreira de. Introdução à teoria dos jogos no Direito. In: Revista de direito constitucional e internacional, São Paulo, v. 15, n. 132, p. 213-234, Abril/Junho, 2007.

 

DIAS, Fellipe Borges. Transação Penal e Suspensão Condicional do Processo. In JusNavegandi, 2014. Disponível em http://jus.com.br/artigos/31194/transacao-penal-e-suspensao-condicional-do-processo. Acesso em 08 de Maio de 2015

 

NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 4. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.

 

REIS, Cláudia Priscyla; OLIVEIRA, Aline Lima. A Teoria dos Jogos aplicada aos institutos despenalizadores do sistema jurídico brasileiro. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIV, n. 89, jun 2011. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=9632&revista_caderno=3>. Acesso em 10 de maio 2015.

 

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[1]Paper apresentado à disciplina Processo Penal II, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco.- UNDB.

[2]Aluno cursando a disciplina de Processo Penal II do curso de Direito, da UNDB

[3] Professor Mestre, orientador.