O Inquérito Policial: Princípios e Normas Regentes 

MARIA LUCIA MONTEIRO DA SILVA ELIAS

O Inquérito Policial pode ser definido como um conjunto de diligências realizadas pela polícia judiciaria para investigação de uma infração penal e da respectiva autoria, a fim de que o titular da ação possa ingressar em juízo e requerer o que lhe for de direito. Trata-se, portanto, de procedimento persecutório de caráter administrativo instaurado pela autoridade policial[1], e mais que isso, uma ”instrução extrajudicial” para Walter P. Acosta. [2]

A Polícia, segundo Julio Fabbrini Mirabete[3] é uma instituição de direito público destinada a manter a paz pública e a segurança individual. Assim, temos que a polícia se divide, quanto ao objeto, em administrativa e judiciária. A polícia administrativa tem caráter preventivo e tem como objetivo impedir a prática de atos lesivos a bens individuais e coletivos, atuando sempre com discricionariedade. A mencionada polícia judiciária tem como principal função o auxílio da justiça, atuando nos atos em que a polícia administrativa deveria impedir e não foram evitados. Esse auxilio se dá na apuração de infrações penais e as respectivas autorias.
No âmbito estadual temos como Polícia Judiciária, a Polícia Civil, e na esfera federal, a Polícia Federal.

O Inquérito Policial pode ser inaugurado através de uma portaria, ou seja, quando instaurado ex officio, em sede de ação pública incondicionada; após um auto de prisão em flagrante, quando do conhecimento de qualquer infração penal; a requerimento do ofendido ou de seu representante, em sede de ação penal pública condicionada ou de ação privada; por requisição do Ministério Público ou da autoridade judiciária, em sede de ação penal pública e; através de uma representação do ofendido ou de seu representante legal ou, ainda, por requisição do Ministro da Justiça em sede de ação penal publica condicionada. 

Em primeiro lugar, o Inquérito Policial sempre terá forma de procedimento escrito. A segunda característica do inquérito é o sigilo. Segundo o Código de Processo Penal, em seu artigo 20, a autoridade assegurará no inquérito policial o sigilo necessário ao esclarecimento do fato ou exigido pelo interesse da sociedade. No caso do advogado, este pode sempre consultar os autos do inquérito, porém, encontra-se impedido de fazê-lo quando é decretado judicialmente o sigilo na investigação, sendo-lhe negado o direito de acompanhar a realização dos atos procedimentais.

         Ora, como será possível uma defesa diante desta negativa? O advogado deve ter assegurado o seu direito de acompanhar cada passo de uma investigação, pois isto não implica, necessariamente, risco para o andamento do procedimento. Isso se justifica, pois já há um certo monitoramento do investigado, e a este deve-se garantir a produção de contraprovas ou até mesmo a colaboração na investigação.
Ocorre que, muitas vezes, esse sigilo persiste até o início da ação penal, com a denúncia. Mas, se o inquérito tem como finalidade apontar indícios de autoria e materialidade, determinantes para a convicção do juiz, como se defender numa fase já avançada de um procedimento tão complexo que se iniciou na esfera administrativa e sob sigilo? Ora, se o Inquérito possui fé pública o delegado de polícia, ao escrever o relatório final, acaba por apontar o indiciado quase como ocorre num julgamento, deve ser aberta a possibilidade de se exercer a defesa. Da mesma forma, como um processo judicial corre sob sigilo para assegurar o andamento do mesmo, pode um inquérito correr em sigilo, sem atingir os direitos básicos do investigado.

A Súmula Vinculante número 14[4] preconiza que é direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa.

Segundo a explicação, o Inquérito é sempre oficial e as atividades da polícia independem de qualquer espécie de provocação. Além disso é indisponível, não podendo ser arquivado pela autoridade policial.

O inquérito policial tem como finalidade servir de base para a ação penal a ser promovida pelo Ministério Público, oferecendo elementos probatórios ao juiz. Esse conjunto de elementos chega a ser determinante por apontar indícios de autoria e de materialidade quanto à infração penal investigada.

Não há como negar, portanto, que o Inquérito Policial possui valor probatório mesmo se esquivando do contraditório e da ampla defesa. Segundo Fernando Capez,

o inquérito policial tem conteúdo informativo, tendo por finalidade fornecer ao Ministério Público ou ao ofendido, conforme a natureza da infração, os elementos necessários para a propositura da ação penal. No entanto, tem valor probatório, embora relativo, haja vista que os elementos de informação não são colhidos sob a égide do contraditório e da ampla defesa, nem tampouco na presença no juiz de direito. Assim, a confissão extrajudicial, por exemplo, terá validade como elemento de convicção do juiz apenas se confirmada por outros elementos colhidos durante a instrução processual.[5]

O artigo 115 do Código de Processo Penal esclarece:

O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.

Assim, a reforma processual penal trouxe evidente limitação ao princípio do livre convencimento do juiz, que constava de maneira ampla na antiga redação do art. 157 do Código de Processo Penal.

O artigo 6º do Código de Processo Penal indica algumas providências que, de regra, deverão ser tomadas pela autoridade policial para a elucidação do crime e da sua autoria.

Antes, a regra determinava que a autoridade policial deveria se dirigir ao local, quando possível e conveniente, assegurando a cena do crime intacta, enquanto necessário. Com a redação da lei 8.862 de 28 de março de 1994, a autoridade policial deverá sempre dirigir-se ao local onde ocorreram os fatos, e não somente quando possível. E a preservação da cena deverá aguardar a chegada dos peritos.

Tal alteração interferiu de maneira correta na discricionariedade da polícia em relação à cena do crime, limitando e determinando o papel do policial na preservação do local.

Segundo o artigo 169 do Código de Processo Penal, para o efeito de exame do local onde houver sido praticada a infração, a autoridade providenciará imediatamente para que não se altere o estado das coisas até a chegada dos peritos que poderão instruir seus laudos com fotografias, desenhos ou esquemas elucidativos. O Parágrafo Único do referido artigo informa que: os peritos devem registrar, no laudo, as alterações do estado das coisas e discutir, no relatório, as consequências dessas alterações na dinâmica dos fatos.

O indiciamento feito no Inquérito Policial é a imputação a uma pessoa da prática de uma infração penal. Para isso deve haver indícios de autoria. Assim, o indiciamento, segundo Sérgio M. De Moraes Pitombo

contém uma proposição, no sentido de guardar função declarativa e autoria provável. Suscetível, é certo, de avaliar-se, depois, como verdadeiramente, ou logicamente falsa. Consiste, pois em rascunho de eventual acusação; do mesmo modo que as denuncias e queixas, também se manifestam quais esboços da sentença penal. [6]

A partir do indiciamento, todas as investigações passam a se concentrar sobre a pessoa do indiciado. Este deverá ser interrogado pela autoridade policial, observando-se todos os preceitos norteadores do interrogatório judicial. Dessa forma, o indiciado tem o direito de permanecer calado, sem que se possa extrair disso qualquer proposição que o desfavoreça.

O encerramento do inquérito policial ocorre quando, concluídas as investigações, a autoridade policial redige minucioso relatório de tudo aquilo que foi apurado durante o curso do inquérito. Esse relatório não pode conter opiniões, julgamentos ou qualquer juízo de valor, muito embora o próprio indiciamento já configure um juízo de valor. A autoridade deverá justificar as razões que a levaram à classificação legal do fato, mencionando, concretamente as circunstâncias em que o crime ocorreu.

Encerrado o inquérito e feito o relatório, os autos são remetidos ao juízo competente, e após, enviados ao Ministério Público, para que se tomem as medidas cabíveis, momento em que oportunamente se oferece a denúncia.

As investigações criminais, podem, por seu turno, ser presididas diretamente pelo Ministério Público.

A Lei federal número 8625/93 prevê a possibilidade de o parquet requisitar informações, exames periciais e documentos, promover inspeções e diligências investigatórias. Há divergência na abordagem do tema. A 2ª turma do Supremo Tribunal Federal posicionou-se pela impossibilidade de o Ministério Público investigar diretamente no âmbito criminal, devendo limitar-se a requisitar tais investigações à autoridade policial, conforme artigo 144, parágrafos 1º e 4º do Código de Processo Penal.[7]

Nesse sentido, o julgamento do Recurso Ordinário em Habeas Corpus nº 81-326-7/DF em acórdão relatado pelo Ministro Nelson Jobim consigna:

 O controle externo da polícia concedido ao ministério Público pela Constituição, foi regulamentado pela resolução n. 52/97 do Conselho Superior do Ministério Público Federal. Esses diplomas, no entanto, não lhe deferiram poderes para instaurar inquérito policial.
A CF/88 dotou o Ministério Público de poder de requisitar diligências investigatórias e a instauração do inquérito policial. A norma Constitucional não completou, porém a possibilidade de o mesmo realizar e presidir o inquérito policial. Não cabe, portanto, aos seus membros, inquirir diretamente pessoas suspeitas de autoria de crime, mas sim requisitar diligências nesse sentido à autoridade competente.



[1] CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal, 17ª Edição, São Paulo, Saraiva, 2010 Editora Saraiva, página 109.

[2] Acosta, Walter P. O Processo penal: teoria, prática, jurisprudência, organogramas. 6ª edição, Rio de Janeiro, Editora O Autor, 1967, página 30

[3] Código de Processo Penal Interpretado, 2ª edição, Atlas, 1994, página 135

[4] É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que,

já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia

judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa.

[5] Capez, Fernando. Curso de Processo Penal, 17ª Edição, São Paulo, Editora Saraiva, 2010, página 117/118.

[6]Pitombo, Sergio Marcos de Moraes.  Inquérito policial: novas tendências, Cejup, Belém, 1987, página 38.

[7] § 1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a:" (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

I - apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei;

II - prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência;

III - exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

IV - exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União.

§ 4º - às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.