RESUMO: O trabalho focaliza o instituto do Inquérito policial, sua conceituação e características, como fase preliminar das investigações das infrações criminais no Brasil.. A influência social e midiática no procedimento investigativo e sua repercussão na fase judicial, quando instaurado o processo. Analisa a posição legal, doutrinária e jurisprudencial. O objetivo desta pesquisa é analisar o cabimento da observância da ampla defesa e do contraditório no inquérito policial, diante o sigilo interno das investigações. Mediante pesquisa bibliográfica e legislação específica, este estudo busca uma breve reflexão acerca da temática e suas implicações no âmbito do Direito Processual Penal.

PALAVRAS-CHAVE: Inquérito Policial, Ampla Defesa, Contraditório, Sigilo, Indiciado.

SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO ? 2. CONCEITOS ? 3. CARACTERÍSTICAS ? 4. PROCEDIMENTO LEGAL ? 6. AMPLA DEFESA E O CONTRADITÓRIO ? 7. INFLUÊNCIA SOCIAL E O PESO DA MÍDIA ? 8. CONCLUSÕES.







1. INTRODUÇÃO

Quando uma pessoa pratica um fato que é definido em lei como crime ou contravenção tem início, para o Estado, o direito de punir, ou seja, o "jus puniendi", o qual só poderá ser concretizado por meio de um Processo Judicial, através de uma ação penal, cujo término poderá ser aplicada a sanção penal adequada.
Temos que, o direito penal é eminentemente público, pois protege os bens mais importantes de uma sociedade. Por isso, quando ocorre um ilícito penal quem sofre lesão é o próprio Estado, vez que ele representa a sociedade e desse ponto em diante, aquele suspeito infrator, ocupa o lugar de inimigo do Estado.
Assim sendo, cabe, também, ao Estado tomar a iniciativa para garantir a aplicação da lei. O jus puniendi, o direito de punir, pertence ao Estado como representante da sociedade.
Para que tal ocorra é necessário que o Estado disponha de elementos mínimos probatórios que conduzam à existência de uma infração penal e sua autoria.
Dessa forma, para que o Estado possa investigar um crime ou infração penal ele precisa ter conhecimento da ocorrência do fato delituoso, que poderá ser através de denúncia feita aos órgãos de polícia criminal e transmitida posteriormente ao Ministério Público, mediante auto de notícia; denúncia feita verbalmente ou por escrito ao Ministério Público, tanto por cidadão como por funcionário público, ou por conhecimento próprio do Ministério Público
Para a reunião dos elementos probatórios e autoria de um crime o meio mais comum para a colheita de tais elementos é o inquérito policial.
Nesse poder/dever que o Estado possui para punir aquele que, supostamente, comete infração penal se faz necessária uma ação penal, que é desencadeada pelo órgão estatal denominado Ministério Público, que é o órgão de acusação e o titular da referida ação, na pessoa do Promotor de Justiça.
Assim, para que o exercício da perseguição penal possa ser exercida de forma plena, postulou-se dividir a persecução em duas fases, em que a primeira consiste no inquérito policial, de natureza inquisitória e a segunda, aquela em que o Ministério Público propõe a ação, que é de caráter acusatório.
Vale lembrar que inquisição foi o meio usado pelos papas e reis católicos para perseguir os mouros, judeus e quaisquer outros hereges que importunavam o interesse e a vontade daqueles.
Com efeito, a Inquisição perseguiu, além de criminosos comuns, os que se chamariam hoje de perseguidos políticos e quaisquer pessoas que negassem a doutrina católica, ou fossem contra eles, desde estudiosos como Galileu à personalidades públicas como Joana D?Arc.
A Inquisição criou assento em todos os lugares em que a igreja católica possuía influência, chegando a Portugal e ao Brasil. A princípio os Tribunais Inquisitoriais não distinguiam crimes eclesiásticos de crimes comuns, mas com a queda da influência do clero, tais distinções ganharam terreno, tendo o Santo Ofício criado o inquérito secreto que se perpetua até hoje com o Inquérito Policial.
No Brasil, o inquérito policial, com essa denominação, surgiu através do Decreto nº 4.824, de 22 de novembro de 1871, nascendo um efetivo instrumento de persecução do crime, que significa perseguição, ou seja, ato de ir ao encalço de alguém, com o fim de aplicar-lhe punição, realizada pelo Estado, vez que ele representa a sociedade e, portanto é o ofendido, além da vítima, no sentido de tornar efetiva a sua atividade repressiva em sede penal.
O decreto acima referido não se encontra mais em vigor, embora o Código de Processo Penal de 1941 tenha mantido o inquérito policial, como instrumento de garantia do cidadão contra abusivas acusações, seguindo no mesmo entendimento a Constituição Pátria, que recepciona o citado instituto através de seus princípios, determinando que para acusar alguém se faz necessário elementos com fundamentos faticos e juridicos suficientes para ser promovida uma ação penal.

2. CONCEITOS

No decreto nº 4.824 em seu art. 11, § 3º (parte final), c/c art. 42, diz que o inquérito policial tem como finalidade a "verificação da existência da infração penal, o descobrimento de todas as suas circunstân¬cias e da respectiva autoria". Na mesma mão, o Código de Processo Penal em seu artigo 4º dispõe que o inquérito policial "terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria". Assim, na legislação pátria não há um conceito legal, já que o artigo 4º do referido código não dá uma definição, mas sim a finalidade.
O inquérito policial tem natureza jurídica de procedimento administrativo, constituindo uma fase pré-processual conduzida pela autoridade policial, no intuito de se apurar a materialidade do delito e indícios, senão vejamos (in verbis)
Inquérito policial é todo procedimento policial destinado a reunir os
elementos necessários à apuração da prática de uma infração penal e de sua autoria. Trata-se de uma instrução provisória, preparatória, informativa, em que se colhem elementos por vezes difíceis de obter na instrução judiciária, como auto de flagrante, exames periciais etc. (MIRABETE, 2006, p. 60).


Tourinho Filho (2001a, p.188), por sua vez, conceitua inquérito policial como sendo um "conjunto de diligencias realizadas pela policia judiciária para apuração de uma infração penal e sua autoria, afim de que o titular da ação penal possa ingressar em juízo".
Francisco Campos, Ministro da Justiça quando da elaboração do vigente Código de Processo Penal brasileiro aderiu à conservação do Inquérito, afirmando que "o inquérito policial é uma garantia contra apressados e errôneos juízos, formados quando ainda persiste a trepidação moral causada pelo crime, ou antes, que seja possível uma exata visão de conjuntos dos fatos" (STANG, 2000, p. 13).
Thomé (1997, p. 87), entende que a importância do inquérito policial é permitir ao titular da ação ingressar, em juízo, de forma correta, senão vejamos "(ipsis litters")
O Inquérito Policial é a formalização de toda a investigação levada a efeito pela Policia Civil; é o procedimento legal que se destina a reunir os elementos e circunstancias de um fato delituoso, com conclusão clara e possível de autoria e materialidade; é um processo informativo que reúne todas as diligencias realizadas pela autoridade policial na busca de um esclarecimento de uma infração penal.


Já Sérgio Ricardo de Souza define o Inquérito Policial como:


[...] um procedimento administrativo e investigatório, elaborado pela polícia judiciária, estadual ou federal, sob a presidência de Delegado de Polícia, e que tem como finalidade colher todas as provas de existência da infração penal, das suas circunstâncias e de sua autoria, com vistas a municiar o titular da ação penal (pública ou privada), dos elementos necessários à formação da "opinio delicti" e constitutivos da justa causa, conforme se depreende do art. 144, § 4º, da Constituição da República, bem como dos arts. 4º a 23º do Código de Processo Penal, destacando-se que , embora sua finalidade seja a investigação a respeito do fato infringente da norma penal e da autoria ( incluindo qualquer participação), não se constitui o Inquérito Policial em um pré-requisito para o exercício da ação penal, haja vista poder ele ser substituído por outras peças de informação, desde que aptas a sustentar a acusação. (2008, p. 75)

Então, diante a ausência de definição legal, o entendimento doutrinário estabelece diversos conceitos, remetendo-nos ao entendimento de que o Inquérito policial é o instrumento pelo qual o Delegado de Polícia materializa a investigação criminal, reúne informações a respeito de determinada infração penal, de suas circunstâncias e protege provas futuras, que poderão ser utilizadas em Juízo contra o autor do delito.

3. CARACTERÍSTICAS

Trata-se de um procedimento preliminar, escrito, oficial e seu caráter é inquisitivo e sigiloso, conforme rezam os arts. 5º, I, 9º e 20º, do nosso Código de Processo Penal.
O Inquérito policial como um instrumento que é, busca a prova da ocorrência do fato, se efetivamente ocorreu infração penal e se houve ofensa a um bem tutelado juridicamente; indícios de autoria, ou seja, se as suspeitas recaem sobre um agente; se este agente é penalmente capaz para responder pelos seus atos.
Em verdade, inexiste acusação formal, daí se inferir que o Inquérito Policial, em que pese ser administrativo, sua finalidade é judiciária, cuja natureza jurídica é de instrução criminal, mesclando seus atos ora em administrativo, ora judicial.
O inquérito é realizado pela Policia Judiciária Civil ou Federal, conforme o art. 144, §4º e, no art. 4º, caput do Código de Processo Penal, determina que ao Delegado de Polícia, compete a presidência do inquérito, senão vejamos, "in verbis"

Art.144 § 4º CF - Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.

Art. 4º CPP - A polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria.


Segundo o nosso Código de Processo Penal o sigilo do inquérito se justifica quando evita que a publicidade em relação às provas já colhidas e aquelas que a autoridade pretende colher não prejudiquem a apuração do ilícito, muito embora, a Lei nº 8.906/94, art. 7º, III, estabeleça que tal sigilo não impede que o advogado do indiciado tome conhecimento do teor do inquérito, contudo, algumas diligências permaneçam sob sigilo, o que resta pacificado pelo Supremo Tribunal Federal.
Ademais, o inquérito policial não é obrigatório para que a ação penal seja proposta. Poderão ser utilizadas peças de informação e qualquer documento idôneo, que demonstrem a existência de indícios de autoria e de materialidade em relação ao autor do delito. Como a finalidade do inquérito é exatamente essa, torna-se dispensável sua instauração quando a vítima ou o Ministério Público já possuam documentos que permitam intentar a ação penal de imediato.

4. PROCEDIMENTO LEGAL

O artigo 6º e seus incisos do Código de Processo Penal abalizam um roteiro ao Delegado de Polícia, que vai desde o dever de comparecer ao local do crime, proceder ao reconhecimento de pessoas e coisas, ordenar a identificação do indiciado pelo processo datiloscópico (recolher as digitais), até apreciar o temperamento e o caráter do indiciado.
Importante observar que, o art. 5º, LVIII, da Constituição Federal determina que a pessoa civilmente identificada, não será submetida a identificação criminal, salvo nas hipótese previstas em lei, proibindo, dessa forma, a identificação datiloscópica, sempre que o indiciado apresentar documentação, válida, que o identifique.
O inicio do inquérito policial se dá com a noticia crime, ou seja, a autoridade policial toma conhecimento do evento criminoso, seja de forma verbal, lavrando o competente Boletim de Ocorrência, B.O., não havendo legislação regulamentando-o, sendo uma construção administrativa para formalizar uma comunicação verbal, o qual servirá de base para instauração do Inquérito policial e suas consequentes providências preliminares.
Outra forma de iniciar um inquérito ocorre nos casos de flagrante, em que se procede à lavratura do Auto de Prisão em Flagrante Delito, podendo, também, ser iniciado através de peças formais (representações), a pedido do ofendido ou seu representante legal, ou, ainda, por meio de requisição de autoridades públicas, desde que, haja despacho fundamentado, cujo ato denomina-se de portaria.
Sendo o Inquérito policial uma peça informativa prévia, é de bom alvitre destacar, que seu valor probatório não é absoluto, não serve como amparo único a um decreto condenatório, já que não há o contraditório nem ampla defesa no seu curso, ainda que a figura do advogado seja legalmente cabível, é necessário produzir as respectivas provas dentro da instrução processual criminal, para fazer prova em Juízo, ou seja, na fase de inquérito o suposto criminoso não pode contestar as informações colhidas pelos policiais.
Ainda que as peças produzidas pelo inquérito policial sejam meramente informativas, não há como se afastar a sua influência no convencimento do juiz, por mais que algumas provas possam ser revistas e refeitas, de outras tantas só restarão os dados contidos nos relatórios policias do inquérito, quer seja pela volatilidade do corpo de delito, quer pelo decurso do tempo, agindo na aniquilação da memória, quando se trata de testemunhas e, ainda

[...] o inquérito também contribui para a decretação de medidas cautelares no decorrer da persecução penal, onde o magistrado pode tomá-lo como base para proferir decisões ainda antes de iniciado o processo, como por exemplo, a decretação de prisão preventiva ou a determinação de interceptação telefônica (.TÁVORA E ALENCAR 2010, p.86),

Inafastável, também, é a superlotação de processos que emperra a máquina judiciária, fazendo com que os processos levem longos anos à espera de julgamento, enquanto o suposto criminoso amarga, quer seja na expectativa da perda de sua liberdade, ou quando dela já tolhida, pelo dia em que o Estado lhe permitirá expor a sua versão e provas do fato que lhe foi imputado.
O artigo 14º do Código de Processo Penal expressa: "O ofendido, ou seu representante legal, e o indiciado poderão requerer qualquer diligência, que será realizada, ou não, a juízo da autoridade". Nele resta claro que o Delegado de Policia, do alto de sua discricionariedade, permitirá ou não ao acusado exercer o contraditório, ou melhor, a sua defesa.
O artigo 107º do mesmo diploma, por sua vez, disciplina: "Não se poderá opor suspeição às autoridades policiais nos atos do inquérito, mas deverão elas declarar-se suspeitas, quando ocorrer motivo". Mais uma vez temos o impedimento da defesa, posto que, mesmo quando manifestamente ilegais as atividades de investigação ficará facultado ao delegado opor suspeição e não ao advogado, que vê seu constituinte sujeito ás manifestas ilegalidades.
Outrossim, cabe ao Ministério Público o controle externo da investigação criminal, entendendo-se esse controle, como o poder de requisitar à autoridade policial a instauração de inquéritos e adoção de providências ou diligências que sanem omissões, corrijam ou previnam ilegalidades ou abusos de poder, tendo sido afastado, de forma taxativa pelo legislador constituinte, a investigação pelo Ministério Público.
Por essa razão, se denomina de controle externo a atividade do Ministério Público no inquérito policial, ou seja, cabe ao Ministério Público fiscalizar a legalidade das atividades realizadas pela polícia, para que não se distanciem das finalidades estabelecidas pela lei, vez que, os procedimentos utilizados pela polícia, por ser ato administrativo, se embasam na oportunidade e conveniência, podendo, outrossim, a autoridade policial ser responsabilizada em caso de omissão ou abuso de poder.

5. A AMPLA DEFESA E O CONTRADITÓRIO

Como visto, o inquérito é um procedimento administrativo, conforme o nosso Código de Processo Penal, até então de caráter inquisitorial, mas que sofre discussão doutrinária e jurisprudencial acerca da possibilidade do acusado realizar sua defesa pré-processual, ainda que, com a participação de advogado.
Tourinho Filho (2001b, p. 49) entende ser o Inquérito policial uma fase que antecede a instauração, ou não, de um processo penal, com efeito a Carta Magna, no seu art. 5º, LV, dispõe que "aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes" e que, logo, não afeta o inquérito, visto não existir nele a figura do litigante, como reza o preceito constitucional, seguido por Martins (2011), quando, este afirma que ("in verbis")

[...] até o indiciamento formal não há necessidade de contraditório, porém, a partir deste ato, o contraditório passa a existir e o indiciado passa a contar com todas as garantias previstas na Constituição Federal, com especial destaque para a possibilidade de permanecer em silêncio durante o interrogatório, um direito do indiciado que não pode ser interpretado desfavoravelmente à sua pessoa, sob pena de estar-se rasgando a Constituição [...].


Partindo do entendimento, acima exposto, não existe no inquerito policial acusação e logo não há réu, seria plausível afirmar que a situação de investigado não produz efeitos negativos no indivíduo, sendo estes instaurados apenas quando da instauração do processo, cabendo só então, ensejar o seu direito de defesa?
Diante tal questionamento buscamos o pensamento de Chouke (1995), que se declara favorável a garantia constitucional do contraditório e da ampla defesa no procedimento investigatório. Ele defende tal entendimento com base no texto da Constituição Federal, em que o responsável pela investigação deve proporcionar ao investigado, meios de prova que favoreçam o mesmo.
Nesse mesmo diapasão se pronuncia o egrégio T. R. F. - 3º Região quando afirma que "da instauração do inquérito policial exsurge para o investigado o direito subjetivo de requerer provas no inquérito" .
O Supremo Tribunal Federal, marcando de maneira efetiva a defesa tanto da Constituição Federal quanto dos cidadãos, editou a súmula vinculante nº 14. Assim, ratificou a aplicabilidade do segredo interno total da investigação criminal para o advogado do sujeito ativo do delito, vejamos, ("in verbis")

Súmula. 14: É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa. (STF)

No entanto, nos filiamos às correntes doutrinária e jurisprudencial, em que há o entendimento de que não há amparo legal para a exclusão da aplicação do principio do contraditório na fase de Inquérito e por sua vez ao sigilo total para o advogado do investigado, assentada na garantia fundamental assegurada pelo art. 5º, LV, da Constituição, entendendo a palavra "acusados" em sentido amplo, não excluindo, portanto, os indiciados.
Esse pensar encontra apoio em Aury Lopes Jr. (2005, p. 245) quando afirma ser , ("in verbis"):

[...] inegável que o indiciamento representa uma acusação em sentido amplo, pois decorre de uma imputação determinada. Por isso o legislador empregou acusados em geral, para abranger um leque de situações, com um sentido muito mais amplo que a mera acusação formal e com o intuito de proteger também ao indiciado.

No inquérito policial, claro está a existência de um conflito de interesses, ainda que o procedimento seja de caráter administrativo, posto que a investigação tem fulcro na dúvida da lisura de comportamento de um indivíduo, frente ao ordenamento jurídico, tal dúvida, suspeita, ou como quer que a denominem, por si só contraria o interesse do indiciado e, se há controvérsia, há conflito de interesses, entre o indivíduo e o Estado, cabendo, assim o contraditório, posto que, se assim não fosse, não estaria sendo investigado.
Ainda no entendimento de Aury Lopes Jr. a manutenção total do segredo da margem à incerteza e à injustiça e que, não resta dúvida de que é necessário "(ipisis litteris")
[...] encontrar um ponto intermediário. Principalmente nos delitos graves, é inegável que podem surgir situações em que o segredo interno é imprescindível no início das investigações, quando o Estado possui poucos elementos e informações e qualquer obstáculo pode comprometer totalmente a investigação preliminar. (2006, p. 136).

Chama a atenção o referido autor que ao utilizar-se do sistema misto, sendo decretado o segredo interno, este deverá ser revogado ao final da investigação preliminar para que o indiciado possa exercer seu direito à defesa de maneira mais efetiva e possibilitando a este a chance de provar a inexistência do "fumus commissi delicti", ou seja, a aparência do delito cometido.

6. INFLUÊNCIA SOCIAL E O PESO DA MÍDIA

Oportuno se faz trazer à baila Jakobs (2007), cujo entendimento é de que a pessoa que comete um crime pode ser vista pelo Estado como alguém que fere as normas estabelecidas ou como um individuo que, por ter ferido o ordenamento jurídico, representa perigo permanente para o próprio Estado.
Impossível tratar de Inquérito Policial sem trazer à tona, o fato de que os próprios policiais quando das suas abordagens, no estrito cumprimento do dever legal, elegem seus inimigos como inimigos do Estado. O Estado soberano não assegura as condições básicas para a inauguração do exercício do principio da dignidade humana dos membros da dita sociedade e, a ausência de condições para o exercício desse principio básico forma o insumo basilar, para a inserção desses indivíduos na classe dos inimigos do Estado.
Ao recuarmos um pouco mais na história veremos a Santa Inquisição, composta por Tribunais sob a égide da igreja católica, queimando vivos, em praça pública, todos os que julgaram ser uma ameaça ao Direito Canônico, ferindo, assim, a ordem dominante imposta.
Galileu Galilei, o astrônomo italiano, fora condenado à morte, por contrariar o entendimento, já sedimentado, de que o sol girava ao redor do planeta Terra e não o contrário, escapando da fogueira por ter negado a conclusão de que era convicto.
Assim, a sociedade, agindo ou se omitindo, sempre esteve como partícipe na exclusão de seus membros, aqueles mesmos indivíduos, de todos os tempos, os inimigos da ordem normativa. O pobre e geralmente negro, no Brasil, que é acusado, por mera presunção, por pertencimento a um grupo invisível da sociedade que a mídia torna visível, inflamando a sua retirada do convívio societário para o prisional, com o intuito de salvaguardar o ordenamento jurídico, de um fato delituoso, que possa praticar, num futuro.
É sabido que tal exclusão pode se dar pela precária e desprezível condição dos estabelecimentos prisionais, mas também, pela total supressão do contraditório e ampla defesa em sede de inquérito policial, mas que diante de uma exposição midiática, ávida pela punição, de alguém, há uma contribuição para uma condenação, às vezes, mais grave, quando da prolação de uma sentença penal condenatória.
A mídia, por seu turno, desempenha um papel significativo nos sistemas democráticos, com capacidade para exercer de maneira crítica uma fiscalização dos poderes executivo, legislativo e judiciário. Muito embora, formalmente, a imprensa não se constitua em um quarto poder, ela encarna os "órgãos do sentido" do povo na fiscalização dos órgãos dos três poderes.
O fato é que a mídia, dentro do contexto capitalista em que está instalada, não apenas tornar público o nome e a imagem daqueles que tem em seu favor o princípio da presunção de inocência, mas infere o seu próprio julgamento, cujo reflexo é inegável, tanto nas investigações policiais, quanto no agravamento da penalidade, que por ventura venha a ser imputada em decisão judicial.

7. CONCLUSÕES

Em verdade, a história retorna com base nos mesmos princípios discriminatórios, elegendo como inimigo do Estado as mesmas fatias da sociedade, as quais sempre foram relegadas à condição de inimigo.
O inquérito policial tido como uma fase pré-processual, de natureza administrativa, após as investigações realizadas pela policia, cumprida as diligências que se fizerem necessárias e remetidas ao Ministério Público, poderá se constituir em fundamento para o oferecimento de denúncia, as quais não vinculam o convencimento do Juiz, mas inegável a sua influência para a decisão acerca de um dos direitos fundamentais do homem, que é a liberdade.
Temos que, sobre o cabimento do contraditório e da ampla defesa em sede de inquérito policial, há divergências doutrinárias e jurisprudenciais, bem como na interpretação do art. 5º, LV da nossa Carta Maior, no que diz respeito ao entendimento da palavra "acusados", no que diz respeito àquele que está sofrendo um inquérito policial.
O conflito de interpretações e suas respectivas aplicações no caso concreto, repercutem, pesadamente, sobre o presente e o futuro daquele que figura como alvo dessa exegese e respinga na segurança jurídica.
Não obstante as posições doutrinárias e jurisprudenciais favoráveis à aplicação das garantias do contraditório e da ampla defesa ao indiciado no inquérito policial, na pratica existem, tão somente, o direito de fazer-se assistir por advogado, o de não se incriminar e o de manter-se em silêncio.
Não bastassem as divergências existentes entre os operadores do direito, no sentido de fazer valer a garantia constitucional do contraditório e da ampla defesa no procedimento investigatório, proporcionando ao investigado, meios de prova que lhe favoreça, temos o poder da midia, dentro da sua ?hermenêutica?, afirmando verdades absolutas, ainda que os elementos da materialidade e autoria do delito, colhidos durante a investigação não sejam corroborados durante a fase judicial.
A mídia, que noticia, impõe sua verdade e esta se espalha, contamina e segue aderida ao sujeito, não possuindo, muitas vezes, o receptor, outros elementos de abalançamento e, ainda que os tenha, com certeza não os explora em face do exacerbado individualismo.
Por fim, nos apropriamos da tese de Aury Lopes, para concluir que se deve aplicar o contraditório e o direito de defesa no inquérito policial, embora deva se buscar um ponto intermediário, quando o segredo interno é garantia do início das investigações, mas que o sigilo interno total deverá ser revogado ao final da investigação preliminar, para que o indiciado possa exercer seu direito de defesa de maneira mais efetiva, chegando até a provar a inexistência "fumus commissi delicti", antes mesmo que as peças da investigação sejam encaminhadas ao Ministério Público.


REFERÊNCIAS

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