Entrei e me sentei logo na primeira carteira da primeira fileira ? as meninas foram sentar lá atrás. Durante o interminável período de espera, enquanto a professora escrevia nossos nomes em uma lista e recortava-os e dobrava-os de maneira perfeitamente igual, me vi em um palco, cantando músicas em inglês ? como aquela cantora da infância ? para uma platéia que delirava e cantava em coro. Frações de segundos depois eu era a executiva dos sonhos de qualquer pessoa, eu era linda, bilíngüe, famosa, inteligente e além de ter muitas ações na bolsa, tinha uma grande empresa e um andar só para mim e meus funcionários ? também chiquérrimos ? no World Trade Center ? o sonho de qualquer um.* Uma guia turística, mostrando lugares maravilhosos do Brasil para estrangeiros, e mais uma vez, falando inglês linda e fluentemente.
Voltei ao sorteio assustada pelo barulho que um infeliz fez ao arrastar sua carteira ao meu lado. Ia começar. A professora nos avisou que havia dez bolsas de vinte por cento de desconto, duas de cinqüenta por cento e só uma de cem por cento de desconto.
"- Vamos lá, gente. Atenção."
Ela iniciou o sorteio com a ajuda de um dos alunos que segurava uma sacolinha de supermercado onde estavam todos os nomes. Quase desmaiei quando ouvi o primeiro nome a ser chamado. Nem pude acreditar! Que sorte a Talita teve sendo a primeira pessoa a ser sorteada!
Sentimentos fortes começaram a se juntar dentro de um único ser: eu. A ansiedade resultou na falta de unhas; o nervosismo cismava em revirar meu estômago dando náuseas e dor de barriga, frio na espinha, mãos geladas que eu inutilmente enxugava nas pernas, esfregando-as na calça jeans. Eu sabia que se ganhasse naquela hora, seria inútil. Meus pais não teriam condições financeiras para pagar o restante da porcentagem. E ainda teria o material didático.
Lembro-me do momento exato em que fechei os olhos e disse para mim mesma: "- Seja o que Deus quiser." ? Já ia ser o sorteio da bolsa de cem por cento. "- É agora ou nunca."
E foi! Fiquei em estado de choque. Me perguntei umas duzentas e vinte e três vezes em um segundo se aquilo era verdade ou mentira.
"- Uhuuuuuuuuuuu. Não acredito. Obrigada Meu Deus!!!!"
Viajei muito rápido por lugares distantes nas duas últimas aulas ? que eram de matemática ? que bom! ? o que serviu para as horas passarem rápido. Sorria sem parar, e agradecia a todas as pessoas que vinham me parabenizar.
Mal havia chegado em casa, já estava falando inúmeras palavras inúteis, inexplicáveis e inentendíveis. Parei repentinamente com minha mãe parada em minha frente com a mão no ar fazendo um sinal de "Pare!". Respirei e comecei explicar de novo, pausadamente, analisando o olhar de minha mãe enquanto eu falava. Percebi seu sorriso se abrindo ? sabe aquele sorriso de orgulho que geralmente se vê em filmes de romance? ? à medida em que seus olhos iam se fechando por causa das bochechas. Um abraço. Um beijo e um apertão que mal conseguia respirar.
"- Que você saiba aproveitar esta oportunidade que Deus te deu. Faça bom uso. Tenho certeza que nada nesta vida é por acaso. Tudo tem uma razão, um por que. Eu confio em você" ? Estas palavras que minha mãe dirigiu a mim me conduzem até hoje ao caminho certo.
Bom, só precisávamos ir à escola para preencher toda a papelada para eu iniciar as aulas... Nunca estive tão feliz em toda a minha vida. Minha hora, minha vez... mais uma vez, obrigada, Senhor!
Na noite anterior à matrícula, eu não consegui dormir. Levantamos cedo e fomos. Era uma linda manhã de sábado, mas para mim se tornou um pouco nebulosa quando soube o sacrifício que minha mãe teria que fazer para pagar o material que era muito caro, e seria parcelado em seis meses, durariam seis meses também e eu estudaria por cinco anos... "- Vai dar tudo certo, nós vamos conseguir." ? Falou minha mãe.
Eu confiei em suas palavras, tinha fé que tudo se encaixaria no final...