1- LINEAMENTOS: PROVA TESTEMUNHAL

1.1) CONCEITOS

Testemunha é toda pessoa estranha ao processo e eqüidistante das partes, chamada em Juízo para depor sobre os fatos que caíram sobre seus sentidos.

O artigo 342 do Código Penal, com a redação dada pela Lei nº 10.268/2001, descreve o falso testemunho como o ato da testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete em processo judicial, ou administrativo, inquérito policial, ou em juízo arbitral, de fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade. Observa-se que o delito descrito é de autoria exclusiva da testemunha e de ninguém mais. Ampliar a interpretação do artigo, para ali, incluir outra pessoa, é dar à Lei uma interpretação ilegal.

O crime de falso testemunho é de natureza formal e unissubsistente, ou seja, são crimes que não há necessidade de realização daquilo que é pretendido pelo agente, e o resultado jurídico previsto no tipo ocorre ao mesmo tempo e, que se desenrola a conduta, havendo separação lógica e não cronológica entre a conduta e o resultado, e também não admite tentativa.

1.2) CLASSIFICAÇÃO

1.2.1) Testemunha Direta: depõe sobre os fatos que presenciou – teve contato direto;

1.2.2) Testemunha Indireta: depõe sobre os fatos que tomou conhecimento por terceiros, que "ouviu dizer";

1.2.3) Testemunha Própria: presta depoimento acerca do fato objeto da prova;

1.2.4) Testemunha Imprópria ou instrumentária: é a testemunha chamada a presenciar a prática de atos

processuais ou atos do inquérito policial;

1.2.6) Testemunha Referida: são aquelas citadas no depoimento de outra testemunha; serão ouvidas como testemunhas do Juízo.

1.3) DEVERES DAS TESTEMUNHAS

Dentre eles está o de comparecer no dia, hora e local marcado, se o desrespeitar, a testemunha pode ser conduzida coercitivamente; pode ainda responder por crime de desobediência e pagar multa fixada pelo juiz. O juiz só pode obrigar a comparecer a testemunha que resida dentro dos limites do território da sua jurisdição. As testemunhas residentes em outra comarca (testemunhas de fora da terra) devem ser ouvidas por carta precatória. As pessoas impossibilitadas, por enfermidade ou por velhice, de comparecer para depor, serão inquiridas onde estiverem (artigo 220 do Código de Processo Penal). Responder ao que souber e sobre o que lhe for perguntado, o juiz deverá advertir a testemunha das penas do falso testemunho. O dever essencial atribuído à testemunha é o de não poder se recusar a depor e o de dizer a verdade, como vaticina o artigo 415 do CPC, culminando sanção penal do art. 342 do CP caso não respeite este preceito civilista.

O cônjuge, o ascendente, o descendente e o irmão do réu, entretanto, são dispensados de depor, exceto se não for possível, por outro modo, obter-se ou integrar-se a prova do fato e de suas circunstâncias. Eles têm a obrigação de comparecer, mas não de depor. Se vierem a depor, não tem o dever legal de dizer a verdade (artigo 208 do Código de Processo Penal).

2) CIZÂNIA JURISPRUDENCIAL

Feita as definições necessárias, cumpra analisar algumas cizânia jurisprudencial sobre o assunto, como por exemplo, se o fato relatado pela testemunha, para configurar o crime de falso testemunho, precisa ou não ser relevante para o processo e se o compromisso em dizer a verdade é ou não elementar do crime de falso testemunho.

O crime em estudo se consuma com a simples declaração falsa sobre os fatos relevantes, como mostra a ementa do seguinte julgado do TRF 1ª Região:

"HABEAS CORPUS. CRIME DE FALSO TESTEMUNHO. SENTENÇA REFORMADA EM PARTE PELO TRIBUNAL REGIONAL DO RABALHO DA 5ª REGIÃO. IRRELEVÂNCIA PARA A CARACTERIZAÇAO DO CRIME. PRECEDENTES.
1. O crime de falso testemunho, de natureza formal, se consuma com a afirmação falsa sobre fatos relevantes.

Deste modo, se percebe que a afirmação falsa do agente tem que ser sobre fatos relevantes para se considerar o crime em estudo, pois se não o forem, se não ter capacidade de influir na sentença, de causar dano ao bem jurídico, não deve ser considerado, como mostra o julgado acima. Contudo, a matéria não é tão simples assim, haja vista outros tribunais não entenderem desta maneira, sendo mais relevante neste trabalho trazer a lume o entendimento do STF sobre o referido tema, que se expõe na ementa do seguinte julgado:

HABEAS CORPUS. FALSO TESTEMUNHO. ART. 342, § 1º DO CÓDIGO PENAL. QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO DECRETADA EM INQUÉRITO POLICIAL. PACIENTE QUE ACOMPANHAVA ESSE INQUÉRITO NA QUALIDADE DE ADVOGADO DOS INDICIADOS. 3. Quanto ao desvalor da afirmação tida como falsa no deslinde da causa em que se deu o depoimento do paciente, é firme o entendimento deste Supremo Tribunal de que "o crime de falso testemunho é de natureza formal e se consuma com a simples prestação do depoimento falso, sendo de todo irrelevante se influiu ou não no desfecho do processo" (HC nº 73.976, Rel. Min. Callos Velloso). Outros precedentes citados: HC nº 58.039, Min. Rafael Mayer; RHC nº 53.330 e RE nº 112.808, Min. Moreira Alves. 4. Habeas corpus indeferido.

Posteriormente o egrégio Tribunal Regional Federal, mudando seu entendimento, veio a proferir julgados de acordo com o entendimento posto pela nossa Suprema Corte como se percebe da análise do seguinte julgado:

PENAL. PROCESSO PENAL. FALSO TESTEMUNHO. ART. 342, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL. CRIME EM TESE. OCORRÊNCIA. RECEBIMENTO DA DENÚNCIA QUE ATENDE AOS REQUISITOS LEGAIS. CRIME FORMAL. RECURSO PROVIDO.
2. O falso testemunho é de natureza formal e se consuma com o simples ato do depoimento falso, pouco importando o fato de ter ou não causado influência na conclusão da demanda.

Assim sendo, se percebe que o crime de falso testemunho é cometido independente de suas influências na decisão e no caminhar do processo.

3) DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA

Nelson Hungria, Magalhães Noronha e Damásio de Jesus dizem que é possível o crime de falso testemunho para o informante, pois o compromisso não é elementar do crime. Assim como esta parte da doutrina segue o seguinte julgado:

HABEAS CORPUS. FALSO TESTEMUNHO PRATICADO POR ADVOGADO QUE INSTRUI TESTEMUNHA A MENTIR. TESTEMUNHA OUVIDA COMO INFORMANTE. COMPETÊNCIA DO JUÍZO FEDERAL.
1. O informante também pratica o crime de falso testemunho. (
HC 2007.01.00.038519-2/MT; DESEMBARGADOR FEDERAL HILTON QUEIROZ)

Data vênia a opinião dos nossos ilustres doutrinadores, quer-se deixar claro que não está aqui se discutindo se á compromisso ou não da testemunha, pois, o Supremo Tribunal Federa, (STF), já decidiu quer não é necessário para configurar o crime de falso testemunho o compromisso prestado por esta, em outras palavras, há crime de falso testemunho, mesmo que a pessoa não preste compromisso de dizer a verdade, haja vista este dever já ser intrínseco à condição de testemunha. O que se discute em relação a este crime é se ele pode ser praticado por pessoa que não tem o dever legal de dizer a verdade no processo, ou seja, o informante, pois, como é sedimentado na doutrina e jurisprudência, este vem ao processo somente em último caso, para esclarecer fatos que só ele teve conhecimento, mas por causa de sua suspeição, sem nenhum dever legal de dizer a verdade, como coloca Heleno Cláudio Fragoso. Deste modo, vem vigorando em nossos tribunais o entendimento no sentido contrário, ou seja, que não comete crime em estudo à pessoa que não tem o dever legal de falar a verdade sobre o que lhe for perguntado, ou seja, o informante, haja vista sua relação íntima para com a pessoa do réu, relação esta que, se algo prejudicar o réu é como se prejudicasse a própria pessoa do informante, assim é como se ela estivesse produzindo prova contra si mesmo, algo que como sabemos é vedado em nosso ordenamento jurídico. Às perguntas formuladas pelo juiz ao informante devem o julgador tomar seu depoimento sem pretender possuir a verdade dos fatos somente com base nesta prova, pela sua fragilidade e desvinculação da verdade, como mostra os julgados:

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. ACIDENTE DE VEÍCULOS. RECURSO ADESIVO TEMPESTIVO. AGRAVO RETIDO. TESTEMUNHA ARROLADA NA INICIAL. POSSIBILIDADE. ART. 130 DO CPC. TESTEMUNHA CONTRADITADA PELA PARTE POR SUSPEIÇÃO. OITIVA COMO INFORMANTE. CONFORME DISPÕE O ART. 405, §3°, IV, E §4°, DO CPC, A TESTEMUNHA CONSIDERADA SUSPEITA NÃO DEVE PRESTAR COMPROMISSO, DEVENDO SER OUVIDA, CASO NECESSÁRIO, COMO INFORMANTE. CESSO CIVIL.

RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. INDENIZAÇÃO. DANOS MORAIS E MATERIAIS. TORTURA DE PRESO POLÍTICO. OITIVA DE PESSOA DAS RELAÇÕES DO AUTOR SEM COMPROMISSO LEGAL. PRESCRIÇÃO. INOCORRÊNCIA. EXAME DO MÉRITO. ARTIGO 515, §§3º E 4º.
1. É facultado ao juiz ouvir na qualidade de informante, sem compromisso legal, pessoa do relacionamento próximo da parte (CPC, art. 405, § 4º). (4ª Turma Cível, Relator:Cruz Macedo)

STF HC 89671 / RJ - RIO DE JANEIRO
HABEAS CORPUS
Relator (a): Min. EROS GR
EMENTA: HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. PENA-BASE EXASPERADA. MATÉRIA DECIDIDA PELO STJ EM OUTRA IMPETRAÇÃO: PREJUDICIALIDADE. QUESITAÇÃO DEFICIENTE E INDEVIDA OITIVA DE CO-RÉU EM PLENÁRIO, NA CONDIÇÃO DE TESTEMUNHA: ALEGAÇÕES IMPROCEDENTES. NULIDADES QUE NÃO FORAM OBJETO DE PROTESTO EM ATA DE JULGAMENTO: PRECLUSÃO. 3. Oitiva de co-réu em plenário, na condição de testemunha. Inocorrência: ao contrário do que sustentado na inicial, o co-réu não foi ouvido na condição de testemunha, mas de informante, não lhe sendo exigido o compromisso legal de falar a verdade.

Como se percebe, a uma tendência jurisprudencial maior em não admitir que o informante seja responsabilizado pelo crime de falso testemunho, haja vista o seu não dever em dizer a verdade, pelo fato de ser um suspeito na relação processual, por ter algum tipo de relação para com alguma das partes.

Assim também se depreende ao fazer uma interpretação sistemática dos pronunciados jurídicos vaticinados pelo art.405, caput, do Código de Processo Civil, art.228, IV e 229, II, ambos do Código Civil vigente e art. 342, caput, do Código Penal. O primeiro diz que podem depor como testemunhas todas as pessoas, exceto os incapazes, suspeitas ou impedidas; O segundo diz que não podem ser admitidas como testemunha o interessado no litígio, o amigo íntimo ou o inimigo capital das partes; o terceiro diz que não podem ser obrigado a depor sobre fatos a que não possa responder sem desonra própria, de seu cônjuge, parente em grau sucessível, ou amigo íntimo; e por último, completa o CP dizendo que comete o crime de falso testemunho, quem fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade como testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete em processo judicial policial ou administrativo, ou em juízo arbitral.Ora, a partir da interpretação sistemática proposta acima, se percebe que o informante não é testemunha, por ser uma pessoa suspeita, interessada no litígio, além de também não ser obrigada a depor, como também mostra os ditames jurídicos relacionados, ele não terá como cometer um crime para o qual não existe o preceito legal, além mais, como se sabe, no Direito penal a hermenêutica das normas é realizada de maneira restritiva, jamais extensiva, pois senão violaria o princípio da legalidade que dentre suas funções está à de PROIBIR O EMPREGO DA ANALOGIA PARA CRIAR CRIMES, FUNADMENTAR OU AGRAVAR PENA, deste modo, colocar o informante como testemunha é violar o preceito fundamental descrito no art.5º, XXXIX, da Constituição Federal que diz que não a crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal, haja vista não há crime para informante e sim testemunha.

4) CONCLUSÃO

Como se pode inferir do art.206 do CPP, e do art.405 § 4ª do CPC, a pessoa suspeita ou impedida de depor, ou seja, o informante, somente pode prestar depoimento em último caso, pois ela não pode ser constrangida a falar sobre fatos que possam levar à condenação de uma pessoa a ele ligada por laços de parentesco, ou afeição. Além mais, a testemunha, deverá dizer a verdade e não poderá se eximir da obrigação de depor, requisito estes que não são exigidos às pessoas a que se refere o art. 206, caput, do CPP, e do art.405 §§ 2ª e 3ª do CPC, ou seja, o informante, como se infere da leitura do artigo 405 § 4ª, do CPC e do artigo 208, caput, do CPP, que preleciona que não se exigirão dever legal de dizer a verdade do suspeito e aos que podem se recusar a depor.

Assim sendo, apesar da desarmonia existente, sobre o tema, tanto na jurisprudência como na doutrina, nos é propósito dizer que a maioria da jurisprudência vem assinalando o entendimento da não possibilidade de o informante ser responsabilizado pelo crime de falso testemunho, pelo basilar motivo de ele, como prever os próprios dispositivos legais citados, não ter o dever de dizer a verdade, pelos também motivos citados acima. Deste modo, é desarrazoado impor deveres a uma pessoa que a lei não impõe assim como impor um crime em que os elementos do tipo não se enquadram na sua condição. Por tudo isso, fixo o entendimento no sentido de ser impossível o informante ter o dever de dizer a verdade, assim como, de cometer o crime de falso testemunho.

5) REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

Lei nº 10.406, de 10 de Janeiro de 2002 (Código Civil)

Lei nº 5.869, de 11 de Janeiro de 1973 (Código de Processo Civil)

Decreto-lei nº 2.848, de 7 de Dezembro de 1940 (Código Penal)

Decreto-lei nº 3.689, de 3 de Outubro de 1941 (Código de Processo Penal)

Supremo Tribunal Federal, HC 89671-RJ. Relator: Ministro Eros Grau.

Tribunal de Justiça do Distrito Federal, ementa publicada no DJU em 16/03/2009,

Relator: Cruz Macedo, 4ª turma civil, AC. n º344835;

Tribunal de Justiça do Distrito Federal, ementa publicada no DJU em 17/11/2008,

Relator: Lecir Manoel da luz, 5ª turma civil, AC. n º329718;

Tribunal de Justiça do Distrito Federal, HC, publicado no DJU em 09/01/2008,

Relator: João Egmont, 1ª turma criminal, AC nº 290285;

Tribunal de Justiça do Distrito Federal, ementa publicada no DJU em 04/12/2007,

Relator: Nídia Corrêa Lima, 3ª turma civil, AC.nº: 288132;

Tribunal de Justiça do Distrito Federal, ementa publicada no DPU em 15/01/2009,

Relator: Sandoval Oliveira, 2ª turma civil, AC. n º337099;

Superior Tribunal de Justiça, ementa publicada no DJ em 02/10/1995,

Relator: Ministro Barros Monteiro, 4ª turma, pág.32372;

Superior Tribunal de Justiça, ementa publicada no DJ em 31/08/1992,

Relator: Ministro Waldemar Zveiter, 3ª turma, pág. 13644;

Tribunal Regional Federal, 1ª região, HC 2007.01.00.038519-2MT publicado em

29/01/2008, Relator: Desembargador Federal Hilton Queiroz, 4ª turma;

Tribunal Regional Federal, 1ª região, AC 2001.38.00.008793-4MG publicado em

27/07/2007, Relator: Desembargador Federal Selene Maria de Almeida, 5ª turma.