0. INTRODUÇÃO 

0.1 ENQUADRAMENTO E CONSIDERAÇÕES GERAIS

O presente trabalho insere-se nos objectivos preconizados na cadeira de Sociolinguística no seu plano anual do currículo do 3º ano do curso de bacharelato e licenciatura em ensino de português ministrado na Universidade Pedagógica de Moçambique – Beira. O mesmo desenvolve-se acerca do tema “O Impacto Sociolinguístico das línguas Sena e Ndau no Insucesso Escolar”.Pela sua importância, antes de mais, cabe-nos tecer algumas considerações sumárias a respeito do mesmo.

É frequente nas nossas escolas os alunos dizerem: “aquele professor de português como não dá nota! Tenho notas razoáveis a quase todas as disciplinas, mas a minha média na língua portuguesa é a pior de todas”

Os alunos têm direito de observar a sua prestação académica sob diversas perspectivas. Mas a verdade, porém está relacionado com o fraco domínio da língua portuguesa, particularmente a gramática do português de ensino por parte dos alunos, desde o ensino primário, e que se arrasta nos níveis imediatamente superiores. Este problema pode ser consubstanciado com o nível didáctico-científico dos professores da disciplina de Língua Portuguesa. Como se sabe, a maioria dos professores da disciplina de Português do ensino básico e, também com alguma expressão no ensino secundário não têm uma formação específica na área.

Contudo, é preciso frisar que o fraco domínio da língua portuguesa por parte da maioria dos moçambicanos tem as suas razões enraizadas na história da própria língua no país. A distribuição dos conhecimentos da língua é tanto a quanto irregular nos seus falantes, isto é, quanto mais os falantes se distanciam dos centros urbanos, mais longe se colocam da norma padrão da língua portuguesa; quanto menos praticarem e tiverem a oferta linguística, menos conhecimentos da língua vão possuindo.

Segundo estudos efectuados por Laurence Lautin(1990), 25 % a 30 % das crianças provenientes das classes chamadas ” socioculturais desfavorecidas” repetem uma ou várias vezes as classes do ciclo primário, sofrendo, portanto, um insucesso a partir da sua confrontação com a linguagem escrita.

Será essa verdade?

Para esclarecermos esta dúvida vamo-nos auxiliar da visão de Stoer e Grácio (1982:34) citado por Pearse segundo a qual “ A inteligência e a linguagem são produto duma interacção permanente entre o sujeito e o meio”. O que significa que o meio social exerce um efeito importante sobre o ritmo do desenvolvimento intelectual.

A pobreza da sintaxe pode constituir um obstáculo ao domínio do pensamento formal e da lógica das proposições. Ela pode, sem dúvida, afectar o sucesso escolar. O ambiente sócio-cultural pode moldar a inteligência e as aptidões linguísticas da criança.

Para elaborarmos com alguma consubstancialidade achamos, por bem, partilhar a ideia reportada no artigo de Lopes (1991) citado por Firmino (2000) que faz uma abordagem sobre a alfabetização no contexto moçambicano. A análise feita permite-nos avançar algumas reflexões sobre o insucesso escolar.

A Língua Portuguesa (LP) em Moçambique é manipulada pelos seus falantes como uma Língua Segunda (L2) na medida em que a LP convive com as línguas Bantu(LB) que constitui a Língua Materna(L1) da maior parte da população. Esta afirmação é consubstanciada pelos dados estatísticos do censo de 1997 analisados por Firmino (2000), segundo os quais a LP é falada por apenas 39% dos moçambicanos. O papel da L2 em Moçambique torna-se ainda mais evidente quando se refere que 90% dos moçambicanos usa mais frequentemente uma LB no seu discurso quotidiano.

Stroud acrescenta que numa sociedade do tipo moçambicana a variedade-alvo escolhida como norma pedagógica não é congruente com a norma que é usada pela maioria dos falantes.

Por conseguinte, o presente trabalho guiar-se-á pelas seguintes linhas de orientação:

0.2 Objectivo Geral

Descrever, analisar e sistematizar dados sobre as influências das línguas Sena e Ndau no insucesso escolar, particularmente na disciplina de Português que se verifica nos alunos da 10ª classe turmas A e B da Escola da Catedral.

 0.3 Objectivo Específico

Relacionar o insucesso escolar que se verifica na disciplina de Português com as influências das línguas Sena e Ndau nos alunos em estudo.

0.4 Hipóteses

- Os alunos da 10ªClasse, falantes das línguas Sena e Ndau como L1, registam um relativo insucesso pedagógico na disciplina de Português;

- Este fenómeno sócio-linguístico arrastar-se dos níveis anteriores, provenientes da situação sócio-linguística e cultural dos mesmos alunos;

- A falta de uma estratégia didáctico-pedagógica no sentido de quebrar a rotina da linguagem caseira habitual contribui para este arrastamento;

-Este grupo de alunos apresenta problemas de compreensão e interpretação de textos devido a ausência de leitura orientada e do domínio da gramática próxima da língua padrão.

 

0.5 Metodologia

Para tornarmos possível a nossa abordagem (e em função das exigências do tema) optamos por inquérito e questionários como instrumentos de recolha de dados que, posteriormente serão analisados e discutidos. O instrumento de recolha de dados está subdividido em três secções, sendo A- social, linguístico e pedagógico; B-Questionário de interpretação e C-Comentário. Para substanciar as nossas hipóteses escolhemos, como, amostra, os alunos da 10ªclasse turmas A e B curso diurno da Escola da Catedral da Beira no universo de cinquenta alunos inquiridos, sendo vinte e cinco por cada turma. A consulta bibliográfica é um dos tradicionais métodos usados para provar a cientificidade do nosso trabalho.

0.6 Motivação  e Importância do Estudo

Esta proposta de investigação surge na sequência da constatação feita na escola, no âmbito da nossa leccionação da disciplina de Língua Portuguesa, do observável insucesso pedagógico, facto que achamos poder ser característica de muitos alunos deste subsistema de ensino.

Pensamos que os resultados, que deste saírem, irão ajudar em grande medida no Processo de Ensino Aprendizagem (PEA) e no melhoramento gradual do rendimento pedagógico na disciplina pois, uma vez identificadas as razões reais que motivam o insucesso pedagógico, o impacto das língua Sena e Ndau na aprendizagem da L2. as sugestões – propostas trarão uma mais valia para a solução do problema. Para a instituição de tutela poderão contribuir no enriquecimento do material didáctico e na suscitação de debates académicos.

Em anexo, apresentamos-lhe alguns documentos que ilustram a originalidade do nosso trabalho.

Capitulo I

 

 1.0 Revisão da Literatura

Antes da nossa abordagem de fundo sobre o insucesso escolar importa-nos trazer conceitos de alguns termos-chave que, recorrentemente, serão referenciados no corpo do presente trabalho.

 

1.1 Linguagem

Linguagem é um processo por meio do qual os seres animais transmitem mensagens entre si, servindo-se da oralidade, escrita e gesto, i.e, a capacidade que os seres vivos têm de comunicar.

Para Gallisson e Coste (1983:445)[1] Linguagem é meio de comunicação utilizado por uma comunidade humana ou animal para transmitir mensagens.

1.2 Língua

Segundo Gallisson (1983:ibid), citando Saussure, Língua é todo o sistema específico de signos articulados, que servem para transmitir mensagens humanas.

Na perspectiva de Gonçalves e Stroud (2000)[2] Língua é um sistema organizado de sons vocais de que nos servimos para expressar ideias e comunicar com os falantes conhecedores do mesmo código.

1.3 Língua Materna (L1)

Os estudiosos Gonçalves e stroud (2000:ibid) definem a L1 como sendo a primeira língua que a criança aprende no meio familiar de lugar de origem paterna. Entretanto, Gallisson (1985:op.cit) afirma que a L1 é o primeiro instrumento de comunicação desde há mais tenra idade e a utilizada no país de origem do sujeito falante.

 

1.4 Língua Segunda (L2)

Ainda na perspectiva de Gonçalves e Stroud (2000:ibid) a L2 é a língua não materna que o indivíduo aprende após a primeira língua e que exerce uma influência relevante no falante.

Na óptica de Gallisson e Coste (1983:op.cit) a L2 é a língua não materna que beneficia oficialmente de um estatuto privilegiado. Acrescentam que esta é ensinada como veicular a toda a comunidade em que as línguas maternas são praticamente desconhecidas fora das fronteiras do país.

Como se pode constatar, os autores consultados para a conceitualização dos termos Linguagem, Língua, L1, L2, de uma forma geral convergem nas suas abordagem, pelo que, a nossa dissertação tomará como base estas definições que, grandemente, serão evocadas.

O outro indispensável conceito para o nosso trabalho é o insucesso escolar que,  aliás, constitui o nosso objecto de estudo.

1.5 Insucesso Escolar

Antes de mais é preciso afirmar que vários estudiosos se debruçam em torno desta matéria, uma matéria bastante complexa e interessante. É oportuno trazer aqui as visões de alguns estudiosos.

Silva e Sá (2003:28-30)[3] consideram sucesso e insucesso escolar como sendo crenças pessoais que advêm de uma motivação mantida pelos efeitos do meio, positivos ou negativos. Estes autores afirmam que “ As razões do seu sucesso e insucesso, as suas respostas, geralmente, caem em quatro categorias: capacidade, esforço, dificuldade da tarefa e sorte.” E ainda, estas percepções que os alunos têm sobre aquelas causas vão influenciar diferencialmente as suas respostas emocionais, os seus desempenhos e a sua motivação.

Parafraseando estes autores, como resultado destas crenças, os alunos deixam se esforçar tanto, quando confrontados com tarefas difíceis. Esta atitude, por sua vez, aumenta as probabilidades de haver insucessos frequentes.

De recordar que insucesso é antónimo do sucesso que, de acordo com o Dicionário da academia (2001:3475)[4] é aquilo que acontece, que sucede, especialmente quando é de grande importância. Ter sucesso, sair-se bem, ter êxito.

Para Dias, H. (2002:71)[5] habitualmente, o insucesso escolar é definido como falta de conhecimentos, habilidades e competências em certas áreas. Citando Perrenond (2000) “…para a definição do insucesso escolar é importante distinguir entre desigualdades reais de capital cultural e hierarquias de excelências” e, remata: “ as desigualdades podem desempenhar um papel no fracasso escolar quando elas pertencem a áreas que têm ligação com a relação pedagógica.”

Capitulo II

2.0 O Impacto das Línguas Sena e Ndau no Insucesso Escolar

 

2.1 Argumentação

Ao escolhermos a variável Insucesso Escolar pretendemos, de uma forma sucinta, trazer à superfície as causas deste fenómeno desmotivador da camada estudantil, compreendé-lo e, quiçá, propor algumas estratégias a serem observadas no processo de Ensino Aprendizagem (PEA) de forma a criar-se uma outra dinâmica no ensino da língua portuguesa desde o ensino primário ao secundário.

De facto este fenómeno verifica-se no seio desta massa estudantil derivado de vários factores de entre os quais o impacto das línguas nacionais (Sena e Ndau) no aproveitamento pedagógico e na própria aprendizagem da L2. Esta nossa escolha foi motivada pelo facto de a escola (a que nos propusemos a colher os dados) localizar-se no meio cujas línguas maternas-bantu dominantes são Sena e Ndau, razão pela qual não quisemos generalizar o fenómeno para as restantes línguas nacionais que os nossos respondentes falam.

Porém, os resultados da nossa pesquisa conduzem-nos a uma generalização deste fenómeno para as restantes línguas nacionais. Esta generalização, até certo ponto, faz sentido devido a localização mais precisa da escola, i.e., ela encontra-se no centro da cidade onde várias raças e etnias se encontram fixadas por razões várias como sejam, a busca de emprego nas zonas urbanas, de melhores condições de vida, enfim o êxodo rural que as migrações proporcionam.

2.2 Apresentação e Descrição dos Dados

Como já avançámos na introdução, a nossa amostra foi delimitada em cinquenta informantes, sendo vinte e cinco seleccionados por cada turma. Neste contexto, os nossos propósitos reportados no instrumento de recolha de dados foram: os dados pessoais, linguísticos, sociais, culturais e pedagógicos contidos no inquérito sociolinguístico; a secção B que visava confirmar e apurar as dificuldades, que conduzem os alunos ao fraco aproveitamento pedagógico, ligados a compreensão e domínio da gramática de ensino no meio escolar.

Dos dados colhidos no universo dos informantes, reporta-se o seguinte: os falantes de Ndau como L1 correspondem apenas a 14% do total dos inquiridos, de Sena também 14%, de Português 28% de outras LB nacionais 36% e estrangeira (indiana) 8%.

Inquiridos sobre a frequência de leitura, 30% confirmaram nunca terem lido um livro sequer durante o primeiro semestre fora da escola e 70% foram unânimes em dizer que leram mais de três livros fora do ambiente escolar.

Quanto à compreensão, que se desdobra em interpretação e gramática, 16% dos inquiridos mostraram dificuldades de e na interpretação, pobreza vocabular e 84% demonstraram dificuldades na gramática (morfologia / classe de palavras).

Em relação às actividades que mais ocupam os nossos inquiridos fora da escola, 20% ocupam-se em actividades académicas, 46% em actividades domésticos (cozinha, comércio e religião) ao passo que 34% em desporto.

Em relação ao aproveitamento pedagógico, 2% do total teve Muito Bom, 2% Bom, 60% Suficiente, 34% Medíocre e 2% Mau.

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                   

2.3 Análise e Discussão Dos Dados

Ainda na esteira de cumprir com o objectivo que nos levou a efectuar este estudo que é relacionar o insucesso escolar com as influências das línguas Sena e Ndau, cabe-nos desde já analisar e discutir os dados por nós recolhidos no campo de estudo, auxiliando-nos das fontes teóricas por nós seleccionadas para esta dissertação.

Resgatando a ideia de Lopes (2001:op.cit), a aquisição de L2 tem contributos de L1, tendo por isso repercussões na linguagem escrita.

Para Gonçalves (1998:22)[6] os estudos de aquisição da L2 também tiveram de tomar em consideração uma diversidade de factores determinantes no sistema de regras do aprendente como sejam o papel da gramática universal (GU), “a influência da L1 e as características da língua-alvo, o papel do imput, para além de outros aspectos influentes como a motivação, as características individuais ou o contexto de aquisição.”

Tomando como alicerces estes dois pensamentos antes, postulamos resgatar os resultados em análise. Neste capítulo é oportuno referir que, feitas as contas, 64% dos inquiridos possuem uma L1 moçambicana, sendo 14% dos quais falantes da língua Sena, 14% da língua Ndau e36% falantes de outra línguas nacionais.

Olhando para estes dados, podemos afirmar que cerca de 64% dos nossos inquiridos possuem uma gramática implícita diferente da gramática da língua-alvo (o português) usada em contextos formais, em situações de aprendizagem no geral e em situações de aprendizagem do português como L2 em particular. Esta constatação faz-nos concordar com a ideia de Gonçalves, pois, de facto, a diversidade e as características que cercam a L1 e L2 fazem com que sempre haja dificuldades no processo de aquisição e aprendizagem da L2, uma vez que as suas características não têm sequer uma aproximação de inteligibilidade.

Como diz Gonçalves (1998), o papel de imput é bastante relevante na apreensão e treinamento das regras gramaticais de da língua. Este imput é condicionado pelo ambiente situacional em que os alunos vivem e passam a maior parte do seu tempo ao longo do dia.

Nesta perspectiva ambiental e de imput, 46% do total dos nossos respondentes passam a maior parte do seu tempo em ambientes ‘ caseiros’ fazendo trabalhos domésticos e 34% tem passado com amigos em ambientes desportivos. Como se sabe, nos ambientes aqui descritos a linguagem é basicamente informal onde, segundo Bernstein[7] o código predominante é restrito, que versa questões meramente particulares e que não orientam os seus significados para o universo. Para este estudioso, uma vez as escolas trabalharem com o código linguístico elaborado, os alunos da classe social baixa têm sido objecto de exclusão e conclui: “ as crianças…estão excluídas pelo código escolar, são discriminadas e afastadas pelo código escolar.”

É curioso, numa altura de “audiovisualismo” os nossos respondentes não se terem referido da televisão como elemento de diversão ou de ocupação temporal. A falta deste item conduz-nos a confirmação do êxodo rural a que fizemos alusão antes.

Para esta situação concreta da nossa pesquisa a diferença do código linguístico escolar do aluno não se prende com a classe social baixa dos alunos, mas com o ambiente de imput que proporciona a oferta linguística. Esta afirmação prende-se essencialmente com o facto de 70% do universo dos inquiridos habitar no meio urbano e apenas 30% na zona suburbana e 90% dos encarregados destes serem funcionários públicos.

Na perspectiva de Benavente (1976)[8] “ cada criança constrói a sua personalidade e a sua inteligência nas trocas com o meio que a rodeia” e acrescenta que “ os factores de insucesso ligados ao meio social são de ordem material e de ordem cultural”.

Tomando em consideração o factor imigração a que fizemos referência anteriormente podemos referir, com segurança, que maior parte destes alunos actualmente residentes na cidade nascem e crescem em ambientes de fraca oferta linguística da língua-alvo mesmo em ambiente escolar por eles vivido durante o ensino primário.

A cultura linguística deste tipo de escolas localizadas na periferia e no interior não é a mesma praticada nas escolas urbanas, particularmente dos jardins infantis, dos colégios e das outras instituições consideradas de prestígio, que procuram pautar pelo uso racional do código elaborado que coincide com a L1, para alguns, L2 para outros e língua de ensino escolar caracterizada pela gramática explícita (regida por regras prescritivas) sugerida pelos linguistas e gramáticos.

Como diz Lopes (2001:op.cit) a escrita da L2 é influenciada pela L1 trazendo assim repercussões que culminam com o insucesso escolar. Pois, como se sabe o ensino moçambicano é totalmente avaliativo e, este item centra-se na linguagem escrita e oral onde as dificuldades e desproporcionalidades do código linguístico elaborado residem.

Embora alguns autores defendam que quanto mais o aprendente da L2 possuir conhecimentos sólidos de leitura e escrita da L1 mais facilidades terá na aprendizagem e na prática da L2, a realidade moçambicana não se acomoda nesta teoria uma vez que a maioria dos falantes nativos da L1 não domina as regras gramaticais de oralidade nem da escrita.

Dias (2002:79)· citando Hamers e Blac (1989) “… a noção de semilinguismo…ocorre quando a criança não consegue alcançar uma proficiência monolingue em nenhuma das línguas que conhece.” E acrescenta que “Isto não quer dizer que a criança não é capaz de comunicar no seu dia-a-dia; pelo contrário, a criança é muito fluente, mas essa fluência é considerada superficial nas duas línguas visto que a criança não domina bem a estrutura de nenhuma das línguas.”

Esta tese defendida por Dias sustenta a afirmação que avançamos anteriormente, ligada a não domínio de sequer uma das duas línguas faladas por uma boa parte dos moçambicanos residentes na periferia e na zona urbana no geral, e às crianças em idade escolar na zona rural e na zona urbana, em particular. Este fenómeno toma a dianteira no insucesso escolar sucessivo dos nossos alunos no ensino secundário onde, as exigências têm sido maiores em relação às classes do ensino primário.

Os efeitos das interferências linguísticas e do domínio do código restrito no seio desta massa estudantil são confirmados nos resultados obtidos pedagogicamente que, estes definem o insucesso escolar que os caracteriza. 60% do universo dos nossos inquiridos obtiveram, no período solicitado, um aproveitamento pedagógico SUFICIENTE segundo a classificação que definimos no nosso inquérito, o que não é satisfatório para este tipo de escola e a sua localização geográfica. Apenas 2% é que tiveram a classificação BOM e mais 2% com classificação MUITO BOM. 34% e 2% constituem a classificação MEDÍOCRE e MAU respectivamente.

Cerca de 86% do total dos nossos inquiridos responderam incorrectamente a pergunta que exigia os conhecimentos da gramática concretamente no que concerne a classe dos adjectivos, i.e., 43 alunos dos cinquenta não conseguem identificar um adjectivo. Somente 14% é que conseguiram responder correctamente a esta questão.

Olhando para estes dados, é preciso questionar a qualidade destes alunos que, quase ou nada entendem da gramática explícita que coincide com o código elaborado praticado no PEA.

A este propósito ressalta-nos a ideia que vem veiculada nas nossas hipóteses segundo a qual existe um défice de estratégias de ensino resultante da falta de professores com formação cientifico-pedagógica nesta área de ensino de língua portuguesa. Este resultado é a prova do arrastamento de dificuldades (nesta matéria) a que fazíamos referência nas nossas respostas prévias.

Como se sabe, no acto de avaliação pedagógica da língua portuguesa é inevitável a parte que exige o domínio da gramática. Neste caso, é evidente que 86% seja o número suficiente para determinar o sucesso e insucesso escolar. Outra parte que compõe a avaliação é a produção escrita onde, as influências das línguas nacionais aparecem em ‘grosso’; a construção de frases gramaticalmente incorrectas e algumas carentes de conteúdo que se espera neste nível.

Estes dois itens, tirando a compreensão, comportam a maior percentagem da avaliação, dai, por aquilo que apuramos na nossa pesquisa, esta tem sido a maior razão do insucesso escolar que, por si só, comporta a maior carga das influências linguísticas negativas no PEA da língua portuguesa como L2 e como língua de ensino – o chamado código elaborado caracterizado pela gramática explícita do ensino.

Um outro pormenor que merece uma análise profunda é a leitura que, na nossa opinião, é um instrumento impulsionador da aprendizagem e se reveste daquilo que Gonçalves chamou de imput pois, bem concebida e didacticamente orientada pode fazer a diferença na camada estudantil, tirando o ‘estacionamento linguístico caseiro’ e moldando a cada passo a cultura linguística dos alunos, influenciando-os a uma linguagem próxima da do ensino.

Segundo o que apuramos através dos dados recolhidos, a maioria dos nossos inquiridos lê em média semestral 5 livros fora do ambiente escolar. O que significa que 70% destes leu durante o primeiro semestre 3 livros no mínimo e 30% não leu nenhum livro.

Em primeiro lugar gostaríamos de referir que 30% é uma percentagem elevada dos que não lêem, tendo em consideração o tempo de um semestre, a localização urbana da escola e das residências destes alunos e o próprio nível em que estes se encontram. Porém, os 70% de frequência positiva de leitura são suficientes para dizermos que a cultura de leitura existe no seio dos nossos respondentes. Não obstante o elevado número de alunos que responderam positivamente quanto à frequência de leitura, este não é proporcional à capacidade de interpretação dos textos lidos. São exemplos as respostas incorrectas demonstradas na interpretação, pois 56% dos inquiridos tiveram problemas de compreensão somente no que concerne a perguntas de interpretação textual. Por conseguinte, é evidente o insucesso escolar no seio desta camada estudantil. 

Capitulo III

3. CONCLUSÃO E SUGESTÕES

 

3.1 CONCLUSÃO

O insucesso escolar é uma realidade no seio desta camada estudantil que constituiu a fonte dos dados acabados de ser analisados e discutidos. Ele constitui um fenómeno negativo para o progresso académico dos nossos alunos do ensino secundário, no geral, da 10ªclasse e da escola que foi o campo do nosso estudo.

De facto, as línguas Sena e Ndau não são, somente, factores dominantes para a ocorrência do insucesso escolar neste grupo alvo. Porém, é preciso frisar que estas duas línguas são parte integrante de um conjunto de línguas nacionais que, directa ou indirectamente, têm a sua contribuição para o insucesso escolar. Como diz Lopes (2001) na aquisição de uma L2 existe um contributo assinalável do L1, isto é verificável na situação concreta de bilinguismo em Moçambique.

Entretanto, o factor “Meio”, em que os alunos se encontram e convivem, constitui um impulsionador dominante para a ocorrência do insucesso escolar que é resultado da prática massiva do código linguístico restrito que entra em choque com o código linguístico elaborado coincidente com a língua-alvo de ensino.

A influência do meio é tida como pólo dominador devido a sua atracção nesta faixa etária. Gonçalves (1998) chamou a isto de imput que diz ser um papel bastante relevante na apreensão e treinamento das regras gramaticais da língua de ensino e acrescenta: “este imput é condicionado pelo ambiente situacional em que os alunos se encontram”.

Por conseguinte, as línguas nacionais e o meio lideram o grupo de vários factores que contribuem para o insucesso escolar, embora alguns autores considerarem o insucesso escolar como sendo crença, mas o meio está sempre na vanguarda como Sá e Silva (2003) afirmam que o insucesso escolar é uma crença pessoal que advém de uma motivação mantida pelos efeitos do meio negativos. Benavente (1976) diz também que cada criança constrói a sua personalidade e a sua inteligência nas trocas com o meio que a rodeia.

Entretanto, nem todos os nossos alunos registam o insucesso escolar, dependendo das influências do meio e da prática linguística quotidiana o que traduzem a cultura e a vivência de cada aluno. Dias (2002) chamou a isto de desigualdades que podem desempenhar um papel no insucesso escolar quando elas pertencem a áreas que têm ligação com a relação pedagógica.

    3.2 Sugestões

 Não pretendemos, com as nossas modéstias ideias, estabelecer regras de conduta pedagógica ou implantar modelos, mas apenas trazer à superfície as nossas experiências e pontos de vistas discutíveis.

Conquanto, a adopção de uma estratégia inovadora de ensino da língua portuguesa virada aos problemas detectados no seio dos alunos e trabalhá-los em sala de aulas, dentro da planificação do PEA, é uma proposta para o melhoramento da situação actual dos nossos alunos;

O aproveitamento da leitura que os alunos fazem fora do ambiente escolar para explorar a capacidade de reconto dos mesmos por escrito e oralmente numa situação concreta de sala de aulas para permitir que, por um lado, os alunos fixem o que lêem e interiorizem o conteúdo textual e por outro, cultivar a escrita e a compreensão. Este poderá ser o caminho para proporcionar maiores habilidades da linguagem textual, quebrando assim a rotina da linguagem oral habitual;

A constituição de grupos de trabalhos práticos poderá incentivar a troca de ideias, aprimorando deste modo o uso do português em contextos de comunicação e aprendizagem escolar da língua;

Os exercícios e tratamento da gramática não devem estar dissociados do texto. Quer isto dizer que, quando quisermos trabalhar a gramática é preciso que partamos da situação de sala de aulas ou do texto em tratamento para o estudo de uma subclasse, repetindo quantas vezes necessárias até ao domínio do conteúdo.

Estas sugestões tomá-mo-las conscientes da pressão do tempo com vista o cumprimento dos programas de ensino. Contudo, sugerimos que haja um abdicar observável do taxativo seguimento do programa com a hipótese de repetir os mesmos temas que os programas sugerem com prejuízo da qualidade do ensino da língua que se deseja.

O ensino inovador permite que haja tratamento de matérias programadas em função das dificuldades dos nossos alunos. Para isso é preciso a atenção, a pesquisa e o estudo profundo da situação social, cultural, económica e acima de tudo linguística para o ensino da vanguarda toldado de sucesso escolar.

 Bibliografia

 

AAVV, Dicionário da Língua Portuguesa Contemporâneo, Academia das Ciências de Lisboa, 2001, P. 3475.

 

BENAVENTE, A., A Escola na Sociedade de Classes, Lisboa: Livros Horizontes, 1976, pp. 19-39.

BERNSTEIN, B., A Socialização e Códigos Linguísticos, Londres, 1973, pp.14-15.

DIAS, H., As Desigualdades Sociolinguísticas e o Insucesso Escolar, Em direcção a Uma Prática Linguística Escolar Libertados, Maputo: Promédia, 2002, P.71

FIRMINO, G., Situação Sociolinguística de Moçambique – Dados Do Recenseamento Geral da População de 1997, Maputo: INDE, 2000.

GONÇALVES, P., Mudanças do Português em Moçambique, Maputo: Livraria universitária, UEM, 1998, pp.16-23.

LAUTIN, L., A Criança e a Linguagem Oral, 2ª Ed., Lisboa: Livros Horizontes, 1990.

PEARSE, A., Les Sociolingues Et L’education, Revue Internationale Dês Sciences Sociales, 1967, P.343.

PINTO e LOPES, Gramática do Português Moderno, 5 ª ed,, Lisboa: Plátano Editora, S. A. 2004, pp. 45-63.

SILVA, A. e SÁ, I., Saber Estudar e Estudar para Saber, 2ª Ed., Porto: Porto Editora, 2003. pp. 26-33.

STROUD, C. e GONÇALVES, P., A Construção de Um Banco de “Erros”, Moçambique: Cadernos de Pesquisa nº 24, INDE. 2001.

Ortografia é a parte da gramática que ensina a escrever correctamente as palavras.

Os fonemas ou sons das palavras são representadas na escrita por letras, as quais també se dá o nome de grafemas. As letras constituem o alfabeto, também chamado abecedário ou abc.

O EMPREGO DAS CONSOANTES DOBRADAS rr

Merece uma atenção especial o caso do rr porque ‘e uma consoante que aparece frequentemente dobrada quando se formam novas palavras.

- quando o r está entre vogais com o som de r forte, escreve-se rr para não soar como r simples.ex: carro, derreter, serra, terrível.

- o r inicial de palavra tem sempre o som de r forte: roda, riqueza, romper, responsável.

- na formação de novas palavras, quando o r inicial passa a ficar no meio de vogais, duplica-se  para não soar como r simples:

 Racional – irracional; responsável – irresponsável; romper – corromper; racial – plurirracial.

- porém, quando os prefixos ou radicais ficam separados por hífen não se dobra o r: auto-retrato; contra-regra; inter-resistente. 



[1]Gallisson e Coste, (1983) Dicionário de Didáctica das Línguas, Coimbra: Livraria Almedia.

[2] Gonçalves,P e Stroud,C, A Construção de Um Banco de Erros, Moçambique: INDE.

[3]Adelina Lopes da Silva e Isabel Sá (2003), Saber Estudar e Estudar para Saber, Porto: Colecção Ciência de Educação.

[4] AAVV, Dicionário da Língua Portuguesa Contemporâneo, Academia das Ciências de Lisboa.

[5] Dias; Heldezina Norbeto, As Desigualdades Sociolinguísticas e o Insucesso Escolar, em Direcção a Uma Prática Linguística Escolar Libertador, Maputo:Edição Promédia

[6] Gonçalves, Perpétua, Mudanças do Português em Moçambique, Maputo: Livraria universitária UEM.

[7] Declarações de Basil Bernstein em uma entrevista sobre a Socialização e Códigos Linguísticos a um professor em 25 de Fevereiro de 1980.

[8]Benavente, Ana, A Escola na Sociedade de Classes, Lisboa: Biblioteca do Educador Profissional Livros Horizontes, 1976, pp.20-39.