Conta-se que numa certa aldeia havia um senhor que, solitariamente, vivia numa pequena cabana. Era considerado por todos os moradores um homem de grande discrição, sabedoria e simplicidade. Seus dotes e qualidades pessoais deixavam-nos pasmos e agraciados por ter uma sumidade na aldeia. Sua única limitação era não gostar de se encontrar com as pessoas, nem mesmo com os familiares e amigos. Homem amarrado às suas solidões! Procurava proteger-se o quanto podia do convívio social. Convidado para as festividades, renunciava a todas, preferindo ficar a sós. Era um sábio em dar explicações para se furtar de alguma atividade comunitária.

E assim se passaram anos. Porém, certa vez, os vizinhos e amigos sentiram a sua falta.

- Não, ele deve estar em sua cabana, descansando – cogitavam alguns.

- Deixemos o homem, não vamos perturbá-lo, pois ele não gosta de ser molestado, ele sempre viveu sozinho, confirmavam outros.

- Caros amigos, nós vamos até lá, ver o que aconteceu com nosso amigo! Convidou o ancião da aldeia.

- Talvez esse homem – ponderou um jovem amigo do desaparecido - não esteja em sua cabana, esperemos um pouco mais, até porque ele gosta de lugares desertos.

Passaram a procurá-lo por todos os lugares. Não o encontrando, resolveram arrebentar a cabana. Para surpresa de todos, ali estava ele, morto, após três dias. Toda a aldeia se apavorou. Todos estavam atônitos, sem saber o que fazer. Apressadamente, prepararam o enterro, pois o corpo do morto já não tinha mais condições físicas para ficar sobre a terra.

Diante daquele corpo, deformado e já em estado de decomposição, as pessoas ativaram o imaginário coletivo e passaram a pensar sobre as suas vidas e a do morto.

- Meu Deus, como isso aconteceu? Interrogou seu João.

- Era um homem tão bom, sábio e paciente! Concordou dona Creuza.

- Pobre homem, morreu sozinho, sem ninguém por perto, sem a luz divina; sem flores; sem ninguém por perto para chorar sua ausência, sem um velório digno - narrou seu Paulo.

Todos concordaram com ele, maneando a cabeça.

- É, mas já o encontramos numa situação muito deformada. Não podemos fazer mais nada por ele, justificou dona Violeta.

- Meus amigos – disse seu Alfredo – nosso irmão vai ser enterrado sem as devidas honras fúnebres! Nossa tradição exige um culto ao morto, pois é a passagem de um ente-querido desse mundo ao outro.

- Mas não somos culpados pela sua morte - disse seu Joaquim. - Ele morava sozinho e pouco se unia à comunidade. Como poderíamos saber quando morreria? É lamentável que não tenhamos feito nada por ele, antes da morte! Isso nos deixa até com remorsos, pois fomos indiferentes para com ele, quando certa vez nos dizia que andava meio adoentado. Mas...

- Vejam como o seu rosto está todo desfigurado! – Observou seu Juca.

- Mas ao menos estamos aqui, velando esse pobre corpo, para que não venha a ser sepultado como um indigente, sem parentes nem aderentes - falou o jovem Mauro.

O professor da aldeia chamou a atenção dos presentes por meio de um emocionado discurso.

- Penso eu – disse ele - que ninguém pode se afastar da comunidade, porque não há nada de mais infeliz na vida do que o isolamento! E a dor do inferno é sentida no isolamento. Não há inferno material senão espiritual. O inferno é uma angústia espiritual no interior do homem que se transforma em mal-estar físico e social. Esse homem não se sentia contemplado na e para a comunhão, pois não vivenciava o encontro com os outros. Sem dúvida, o destino do homem fechado é um só: o fim de si mesmo sem a companhia da sociedade. O inferno não existe senão na limitação do homem transcender a si mesmo; isto é, de sair do seu casulo e ir ao encontro dos outros. Frieza e fechamento são duas coisas que levam o homem ao fracasso. Por isso, o homem deve sair de si e ir ao encontro do que dá sentido à sua vida! O inferno na vida humana não é a falta de Deus, mas, sim, a falta de bem-estarespiritual. Afirmo assim porque há pessoas que rezam, são indivíduos de profunda fé em Deus, participam assiduamente dos cultos, das práticas religiosas, enfim, fazem a caridade ao próximo, e, não obstante, são infelizes, pessimistas e depressivas. Portanto, assim como precisamos de bens materiais para suprir nossas necessidades e criar comodidade ao nosso entorno, de igual forma, o bem-estarespiritual é resultado dos bens que dão ao nosso espírito auto-realização e auto-estima para viver na participação e comunhão com as demais pessoas.

Diante da fala do professor, todos ali se sentiram limitados e culpados, porque cada um encontrava-se também fechado em si e, por isso, não dispensava o devido cuidado para com os outros. Julgaram-se a si mesmo e reconheceram que a partir daquele fato nunca mais iriam faltar com a co-responsabilidade no destino existencial do próximo.

Moral da história, o defunto foi sepultado e a comunidade nunca mais foi a mesma.

Teresina – PI, 24 de abril de 2008.