O HOMEM CONSUMIDO

Ronie Von Martins

 

     Os olhos em lágrimas que jamais não chorariam na pele da cara sua, brilhavam no rosto da cibernética outra criatura. Quadrada forma de intenso devorar a ação. Preso. E junto todo o resto e entorno. A carne mastigada em luz, cuspida em sites, cortada em sítios, a imagem rápida; diversa; de tudo quanto é nada. Um nada presentificado, construído dentro e que se expande gradativamente. Outro mundo?

Plano de nova realidade. Multifacetária, plurinacional, multiplicável, a falácia do discurso total. Todos os discursos, todas as palavras, todas as vozes, todos os rostos. O mundo todo.  Mas apenas uma face. Tua.  Fascinado. Seduzido. O passado e o futuro te habitam. Tens a vã idéia que te ensinam que te informam, mas a rapidez com que alimentam teus desejos de saber e prazer não condiz com as possibilidades do teu corpo e da tua carne humana. E te constróis através dos retalhos, dos trapos das informações mal ingeridas que compõem teu alimento. Excremento?

     E da sensibilidade que pretendias ter do mundo e das coisas que o mantém, o que consegues é o mais comum de todos os sensos. A tela da máquina que és brilha intensa. Queres lágrimas para chorar... Buscas na máquina os sentimentos... Queres imagens para lembrar... Na máquina... Queres inclusive os prazeres que da carne pertenciam anteriormente? Busca na máquina o orgasmo virtual; corpos constituídos e produzidos na ilusão da imagem consertável, sexo da palavra pura, sexo discursivo, dialético, prazeres da contemporaneidade.

     O cérebro, empanturrado de informação, prazer e brilho. Mas o corpo, em seu triste estribilho resmunga... e os verbos dominados pelo Estado, rejeitam e renegam a ação. A física dos corpos está contida na luz digital, no som das teclas que constituem um outro plano... Matrix? A ficção?  E tudo aquilo que era o homem já mais não o é. Toda a filosofia, a sociologia, a religião, a moral, a ética, a medicina, a educação, até a política... Devorados. Consumidos pela bocarra virtual.

Dragão contemporâneo. Ame-o ou morra encéfalo!  O papel, investido de novo vilão das instancias naturais do nosso real, é acusado violentamente da miséria em que vivemos. Abaixo o livro!! O texto deve ser livre... O papel é a prisão do discurso, do verbo... Digam não ao papel!

      E limpam, sem exceção, o mundo inteiro, suas bundas... Magras e gordas, raquíticas ou fartas... e correm para a luz , a nova religião, o mais novo vício...

     E estamos todos ligados. Energia que nos conecta, veias elétricas que nos transformam numa grande entidade midiática, por fim o verdadeiro “uno”, a criatura final. Nossas vidas depositadas em caixas, nossas imagens expostas ao universo, nossos segredos vendidos como mercadoria. Já não somos o que éramos agora somos o que nos tornamos... E nos tornamos o que querem que sejamos. Somos o Frankstein. Somos fotos, filmes, palavras escritas... Conseguimos por fim eliminar a morte.

     A grande vitória. O corpo perfeito, a criatura perfeita. A tecla é pressionada e seu texto é arquivado e enviado pro mundo inteiro, tua imagem é salva das decrepitudes do tempo, você sorri. Está satisfeito. És eterno. Só falta o peso. O corpo. Sim... é claro. Um estalido seco, uma gota de sangue na tela do computador e a grande criação está livre...

 

Pedro Osório sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009