O "HABES CORPUS" COMO INSTRUMENTO EFETIVADOR DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DO HOMEM

Amanda Valente de Oliveira

Sumário: 1. Introdução; 2. Noções gerais dos Direitos Fundamentais do Homem; 3. Direitos fundamentais do homem na Constituição de 1988; 3.1. Direito a Liberdade de Locomoção; 4. O instituto do "habeas corpus" como ferramenta para efetivar os Direitos Fundamentais do Homem; Considerações Finais.

RESUMO:

O presente trabalho versará preliminarmente acerca dos Direitos Fundamentais do Homem, com enfoque em seu histórico, características e conceitos. Posteriormente, serão analisadas algumas noções no que tange os Direitos Individuais, com maior atenção ao Direito a Liberdade de Locomoção. Por fim, este trabalho irá fazer uma relação de todo o estudo supramencionado com o instituto do "Habeas Corpus", que tem como papel principal tutelar o Direito de Locomoção.

PALAVRAS-CHAVES:

Direitos Fundamentais do Homem. Diretos a Liberdade de Locomoção. "Habeas Corpus".


1 ? Introdução
O Estado Democrático de Direito tem como uma de suas tarefas, garantir a efetividade dos direitos fundamentais, que são aqueles indispensáveis à pessoa humana, proporcionando a todos uma existência com igualdade, liberdade e dignidade.
Dentre os direitos fundamentais, encontra-se o do direito a liberdade de locomoção, que todos os indivíduos a priori possuem, devendo perdê-lo só pelos limites da lei.
Ocorre que muitas vezes, determinados indivíduos, por possuírem algum poder de autoridade, utilizam a arbitrariedade para coagir injustamente outros indivíduos, daí surgiu a necessidade da criação de um instrumento que efetivasse o direito à liberdade, qual seja o habeas corpus.
Desta feita, o objetivo do presente trabalho é analisar esse instrumento dentro do enfoque dos direitos fundamentais.

2 ? Noções Gerais dos Direitos Fundamentais do Homem.

É cediço que em qualquer ramo do direito, varias questões de diferenciação terminológica ocupam espaço em nosso cotidiano acadêmico, dentre essas questões tem-se uma de suma importância, que é a que paira entre as nomenclaturas: Direitos Fundamentais, Direitos Humanos.
Sem objetivo de adentrar-se nessas discussões terminológicas, levar-se-á em consideração a expressão utilizada pelo autor José Afonso da Silva, qual seja Direitos Fundamentais do Homem, com o seguinte fundamento:
[...] além de referir-se a princípios que resumem a concepção do mundo e informam a ideologia política de cada ordenamento jurídico, é reservada para designar, no nível do direito positivo, aquelas prerrogativas e instituições que ele concretiza em garantias de uma convivência digna, livre e igual de todas as pessoas". (SILVA, 2008, p. 163)

O conceito para tal expressão poderá ser observado de várias formas dentro de um mesmo contexto, essas formas são delineadas por doutrinadores que expõe sua visão da maneira que entendem ser os chamados Direitos Fundamentais do Homem.
Diante de alguns conceitos, destaca-se aqui o de Carl Schmitt, em que o mesmo coloca os Direitos Fundamentais do Homem como direitos do homem livre e isolado, direitos em que o mesmo possui em face do Estado. (BONAVIDES, 2004, p. 561).
Outro importante conceito é o criado pelo autor João Batista Herkenhoff, senão vejamos (observando-se que o mesmo utiliza da nomenclatura: direitos humanos):

Por direitos humanos ou direitos do homem são, modernamente, entendidos aqueles direitos fundamentais que o homem possui pelo fato de ser homem, por sua própria natureza humana, pela dignidade que a ela é inerente. São direitos que não resultam de uma concessão da sociedade política. Pelo contrário, são direitos que a sociedade política tem o dever de consagrar e garantir. (HERKENHOFF, 1994, p. 30)

Ante o exposto, pode-se afirmar que os Direitos Fundamentais são direitos inerentes ao Homem, de forma a resguardar a integridade físico-psíquico do mesmo em face de outros indivíduos e ainda do Estado, servindo também, de ferramenta limitadora aos poderes estatais.
No que pese as características, Jose Afonso da Silva considera: a Historicidade, Inalienabilidade, Imprescritibilidade e a Irrenunciabilidade, assim, observa-se inicialmente a presença de um caráter geral e absoluto dos Direitos Fundamentais, verbis:

(1) Historicidade. São históricos como qualquer direito. Nascem, modificam-se e desaparecem;
(2) Inalienabilidade. São direitos intransferíveis, inegociáveis, porque não são de conteúdo econômico patrimonial. Se a ordem constitucional os confere a todos, deles não se pode desfazer, porque são indisponíveis;
(3) Imprescritibilidade. [...] Vale dizer, nunca deixam de ser exigíveis. Pois prescrição é um instituto jurídico que somente atinge a exigibilidade dos direitos de caráter patrimonial, não a exigibilidade dos direitos personalíssimos, ainda que não individualistas, como é o caso;
(4) Irrenunciabilidade. Não se renunciam direitos fundamentais. Alguns deles podem até não ser exercidos, pode-se deixar de exercê-los, mas não se admite que sejam renunciados. (SILVA, 2008, p. 181)

O autor Pontes de Miranda já alertava que os Direitos Fundamentais do Homem são divididos em Direitos Relativos e Direitos Absolutos, o que acaba, em sua opinião, por descartar o caráter totalmente absoluto desses direitos.
Além das características elucidadas, os Direitos Fundamentais do Homem também são divididos em Gerações, sendo que a 1ª geração versa acerca dos direitos individuais e políticos, a 2ª geração observa os direitos sociais, já a 3ª geração tutela aqueles chamados direitos coletivos e difusos, e por fim, a 4ª geração ainda encontra-se em fase de aprimoramento doutrinário.
Os Direitos Fundamentais de primeira geração partem inicialmente do refrão revolucionário do século XVIII, qual seja "liberdade, igualdade e fraternidade", ficando nítido o grande caráter subjetivo desse direito, haja vista que o mesmo visa tutelar o indivíduo, protegendo-o de qualquer resistência estatal.
Ademais, a primeira geração desses direitos fundamentais inclui-se de maneira mais incisiva no rol de direitos como: proteção contra privação de liberdade, inviolabilidade de domicílio, a liberdade e segredo de correspondência, além das liberdades de ordem econômica, que seriam a liberdade de iniciativa, dentre outras.
Neste sentido, Bonavides explica que os direitos fundamentais de primeira geração "são por igual, direitos que valorizam primeiro o homem-singular, o homem das liberdades abstratas, o homem da sociedade mecanicista que compõe a chamada sociedade civil, da linguagem jurídica mais usual". (BONAVIDES, 2004, p. 564)
Outrossim, necessário se faz expor a lição de André Ramos Tavares, que afirma ser o primeiro direito fundamental do homem, a proteção da prisão arbitrária, senão vejamos:

Nessa linha, não chega a surpreender que o primeiro direito fundamental (Ur-Grundrecht) tenha sido, conforme Kriele, a proteção contra a prisão arbitrária (hábeas corpus), tal qual formulado pelo juiz Eduard Coke, ainda antes mesmo da sua histórica consagração legal, nos seguintes temos: "no man can be taken, arrest, attched, or imprisoned but bay due processo f law and according to the law of the land". (TAVARES, 2007, p. 427)

A segunda geração são os chamados Direitos Sociais e Políticos, no qual visam estabelecer um melhor vínculo do indivíduo com o Estado, portanto, a partir da criação destes direitos o Estado passou a trabalhar maneiras de proteger os direitos individuais.
Deste modo, "Trata-se, com essa nova dimensão, não de se proteger contra o Estado, mas, sobretudo, de elaborar um rol de pretensões exigíveis do próprio Estado, que passa a ter de atuar para satisfazer tais direitos". (TAVARES, 2007, p. 429)
Assim, percebe-se o caráter menos subjetivo desse rol de direitos, partindo do princípio de que a tutela não se resguarda apenas aos indivíduos, mas também à própria instituição.
É nesse sentido que Bonavides contempla a chamada prestação material do Estado em face dos indivíduos, desta feita, os Direitos Fundamentais de segunda geração partem de uma idéia mais positiva de direito, sendo esses contemplados nos primeiros documentos constitucionais. Assim, é notório que a segunda geração desses direitos encontra-se de alguma maneira mais justiciáveis que os direitos de primeira geração. (BONAVIDES, 2004)
Os Direitos Fundamentais de terceira geração são aqueles ligados à coletividade, são direitos que contemplam um grupo determinado ou indeterminado de pessoas, v. g., os direitos do consumidor, e o direito ambiental.
Todavia, é de suma importância expressar a dificuldade de afrontar esses direitos em nível de tutela jurídica, uma vez que a proteção efetiva de tais direitos demanda uma participação maciça dos cidadãos, e essa participação [...] "não é apenas o produto de uma livre opção política, mas o fruto, ou um dos frutos, do capitalismo avançado, e de novos valores, considerados pós-burquegues, tais como o interesse pelo meio ambiente, qualidade de vida etc." (TAVARES, 2007, p. 430)
Dessa maneira, os direitos de terceira geração tornam-se uma ferramenta indicada para que a sociedade consiga transcorrer positivamente nas fases globalizantes que se observa no momento contemporâneo. Portanto, é com bons olhos que tais direitos são vistos pela sociedade moderna, por outro lado, é cristalina a responsabilidade do Estado em sócio-educar o cidadão para que este enfrente as primeiras lições de aplicabilidade dos direitos fundamentais de terceira geração.
Por fim, será analisada a quarta geração dos Direitos Fundamentais do Homem, que por sinal já vem sendo admitida pela doutrina, porém, ainda há debates acerca do rol de direitos que tal geração contempla.
Deste modo, serão apresentadas aqui algumas idéias de direitos arrolados à quarta geração por alguns doutrinadores, a começar pelo saudoso Paulo Bonavides, senão vejamos:

São direitos de quarta geração o direito à democracia, o direito à informação e o direito ao pluralismo. Deles depende a concretização da sociedade aberta do futuro, em sua dimensão de máxima universalidade, para a qual parece o mundo inclinar-se no plano de todas as relações de convivência. (BONAVIDES, 2004, p. 571)

Em outra oportunidade, em obra conjunta com Celso Bastos, o próprio Bonavides integrou ao rol dos direitos de quarta geração o direito universal ao desarmamento nuclear, como forma de preservação da espécie humana, o direito à não-intervenção genética e o direito a uma democracia participativa. Já o ilustre Ingo Sarlet inclui ainda os direitos a não manipulação genética e a mudança de sexo. (TAVARES, 2007, p. 431)
Percebe-se, pois, a amplitude desses direitos, dando a entender que os mesmo ainda estão em fase de gestação e aprimoramento doutrinário, dessa feita, o que se faz importante é a criação de conhecimento nas entrelinhas desse novo mundo globalizado, para que se determine a melhor forma possível de se tutelar os novos Direitos Fundamentais do Homem.

3. Direito Fundamentais do Homem na Constituição Federal de 1988

Na Constituição da República, os Direitos Fundamentais Humanos estão esculpidos em boa parte do corpo constitucional, todavia, sabe-se que é no art. 5º que se encontra a maior parte desses direitos, que também são chamados de Cláusulas Pétreas.
Nessa esteira, José Afonso da Silva classifica os Direitos Humanos na Constituição Federal de 1988 em seis grupos, senão vejamos:

(1) direitos individuais (art. 5º);
(2) direitos à nacionalidade (art. 12);
(3) direitos políticos (art. 14 a 17);
(4) diretos sociais (6º e 193 e ss.);
(5) direitos coletivos (art. 5º);
(6) direitos solidários (art. 3º e 225)

(SILVA, 2008, p. 184)

Contudo, o próprio José Afonso esclarece que essa classificação não esgota o tema, pois, apresenta apenas um agrupamento geral, sendo que cada grupo comporta um ou mais subgrupos.
Dessa maneira, nota-se que os Direitos Humanos dentro da Constituição Federal têm um caráter descentralizado, compondo e tutelando várias titularidades de direitos, como os coletivos, individuais, políticos, sociais, dentre outros.
No entanto, como supramencionado, o embrião dos Direitos Fundamentais do Homem são justamente os direitos individuais, como é o caso do Direito a Liberdade, direito esse que vem sendo contemplado desde as primeiras Constituições da República.
Nessa linha, existem afirmações que advogam a tese que o primeiro Direito Fundamental foi justamente o Direito da não prisão arbitrária, o que observa o Direito a liberdade de locomoção como primeiro Direito Fundamental do Homem.
Por fim, é de suma importância para o entendimento da relação do habeas corpus com os Direitos Fundamentais do Homem o aprofundamento no estudo dos Direito a Liberdade de Locomoção.

3.1 - Direito a Liberdade de Locomoção

Os direitos individuais podem ser vistos como a materialização dos Direitos Fundamentais do Homem, pois, tem um caráter mais específico e menos abstrato. São Direitos Individuais: direito a vida, direito a liberdade, a igualdade, dentre outros. Desta forma, será analisado mais especificamente o Direito a Liberdade de Locomoção, que servirá como norte para a análise do instituto do habeas corpus.
Vale frisar que o Direito a Liberdade de locomoção é gênero, pois, a liberdade do individuo poderá encontrar-se de diversas formas, como por exemplo, o Direito a Liberdade de Expressão, de pensamento, de Reunião, dentre outras.
O direito a liberdade foi um dos primeiros direitos que homem teve que conquistar. Desde a época das prisões arbitrárias, a escravidão ou mesmo prisões estatais sem prévia defesa o homem se viu impotente no que tange sua liberdade de locomoção. Portanto, tal liberdade foi previamente tutelada em meados do século XII, mas foi com a Cartha Magna de 1.215, em seu capítulo XXIX que de fato a liberdade de locomoção teve seu primeiro instituto de tutela, o que formulava-se com a seguinte frase: habeas corpus ad subiicendum. (TAVARES, 2007)
Na constituição federal de 1988, esse direito está esculpido no art. 5º, XV, que reza da seguinte forma: "É livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens". Portanto, percebe-se que o indivíduo, em regra geral, é protegido contra toda e qualquer previsão arbitrária no contexto da legislação brasileira, sobre o assunto, André Ramos Tavares leciona:
A liberdade de locomoção engloba a possibilidade de ir, vir e ficar no território nacional, ou deste sair e entrar. Isso significa a liberdade de deslocamento interno, no âmbito geográfico nacional, a possibilidade de fixar residência e, ainda, de se deslocar livremente através das fronteiras nacionais. (TAVARES, 2007, p. 566)

Todavia, é de suma importância expressar a idéia de que o Direito a Liberdade de Locomoção não é absoluta, haja vista que todo e qualquer Direito será passível de relativização. Desta feita, a liberdade de locomoção, mesmo sendo um Direito Fundamental, sendo ainda cláusula pétrea, também poderá ser relativo à conduta humana.
Sabe-se que o Estado em sua forma mais ampla e abstrata, tem o dever/direito de ser a instituição organizadora da sociedade, assim, mesmo com a titularidade de ser o órgão protetor inclusive da liberdade de locomoção do indivíduo, esta instituição será também competente para restringir total ou parcialmente a liberdade daquele indivíduo que agiu em desconformidade com a lei.
Outrossim, percebe-se que o mesmo Estado que tutela a liberdade de locomoção do indivíduo também a restringe, conseqüentemente, o indivíduo que por algum motivo infringir alguma norma penal (ou civil no caso de prisão civil), terá sua liberdade abreviada.
Por conseguinte, poderá acontecer da prisão não ocorrer nos conformes legais, ou seja, o individuo ter sua liberdade de locomoção atingida por algum tipo de prisão arbitrária, pois ocorreu de maneira escusa ou mesmo ilegal. Com esse efeito, o individuo deverá se valer do remédio constitucional chamado habeas corpus, que tem como característica principal tutelar toda e qualquer prisão arbitrária contra o indivíduo.
O habeas corpus está expresso no inciso LXVIII, art. 5ª da Constituição Federal de 1988, senão vejamos:
Art. 5ª ? [...]
LXVIII - conceder-se-á "habeas-corpus" sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder;
O instituto do habeas corpus é uma das ferramentas mais antigas para efetivar os Direitos Fundamentais do Homem, pois foi por meio dela que vários outros direitos ? não só a liberdade ? eram tutelados, haja vista que o Mandato de Segurança e Habeas Data são remédios constitucionais relativamente recentes.

5. O instituto do "habeas corpus" como ferramenta para efetivar os Direitos Fundamentais do Homem

No século XIX, ainda no período constitucional imperial, a primeira idéia de habeas corpus foi trazida pelo Imperador Dom João VI, quando foi editado o Decreto em 23 de maio de 1821, que se expressava da seguinte forma: "Todo cidadão que entender que ele, ou outro, sofre uma prisão ou constrangimento ilegal em sua liberdade, tem direito de pedir uma ordem de habeas corpus a seu favor." (TRENTIN, 2009)
Três anos depois, a Constituição Imperial proibia a prisão arbitrária, porém, não trazia expressamente a palavra "habeas corpus" em seu texto constitucional, o que só veio acontecer quase 10 anos depois com o Código de Processo Criminal de 1832 (instituto resguardado apenas para os brasileiros, posteriormente ampliado para os estrangeiros).
Com o início do período constitucional republicano, o habeas corpus começara a desenvolver um caráter geral, tanto de aceitabilidade como de amplitude a outros direitos que não apenas o direito a locomoção. Nesse sentido, em 1890 o Decreto nº. 848 autorizava o cabimento de recurso na Suprema Corte nos casos em que fosse negado o habeas corpus ao individuo, além disso, o instituto ampliava seu poder tutelador para os direitos pessoais como um todo, não se restringindo apenas ao direito de liberdade de locomoção, haja vista que nessa época ainda não existia os demais remédios constitucionais que hoje existem, como o habeas data, Mandado de Segurança, dentre outros. (TRENTIN, 2009)
No início do século XX houve a chamada reforma constitucional, portanto, em 1926 o habeas corpus voltou a tutelar somente o direito a liberdade pessoal, por conseguinte, os direitos pessoais ficaram sem amparo, o que posteriormente deixou de acontecer com a criação de outros remédios constitucionais supramencionados.
Outrossim, após um constante desenvolvimento tanto conceitual como procedimental, o habeas corpus teve o seu conceito na Constituição de 1967 da seguinte maneira: "Dar-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder. Nas transgressões disciplinares não caberá habeas corpus." (TRENTIN, 2009)
Ademais, o conceito supracitado só difere do atual conceito dado pela Constituição de 1988 pelo fato desta ter suprimido a expressão "Nas transgressões disciplinares não caberá habeas corpus".
Para tanto, em cima do conceito dado pela atual Carta Magna, importa-se aqui em destacar alguns conceitos doutrinários no que tange o habeas corpus. Dessa forma, Alexandre de Moraes conceitua o instituto da seguinte forma:
Habeas corpus é uma garantia individual ao direito de locomoção, consubstanciada em uma ordem dada pelo Juiz ou Tribunal ao coator, fazendo cessar a ameaça ou coação à liberdade de locomoção em sentido amplo - o direito do indivíduo de ir, vir e ficar. (MORAES, 2006, p. 112)

De acordo com André Ramos Tavares o habeas corpus "trata-se de ação de ordem constitucional, que consiste em proporcionar, acesso célere ao Poder Judiciário contra atos que violem a liberdade de locomoção" (TAVARES, 2007, p. 799)
Por fim, nas palavras de Greco Filho, habeas corpus se resume da seguinte maneira: "Originário da Magna Carta, mas definitivamente consagrado nas declarações universais de direitos, constitui-se o habeas corpus no mais eficiente remédio para a correção do abuso de poder que compromete a liberdade de locomoção". (FILHO, 2007, 390-396)
Vale lembrar, que o Direito a Liberdade de Locomoção ter caráter de Cláusula Pétrea, pois, o mesmo encontra-se esculpido no art. 5ª da atual Carta Magna, além disso, é de suma importância frisar que tal direito fundamental também foi positivado no Código de Processo Penal em seu capítulo X, art. 647 e seguinte.
Adentrando na esfera procedimental do habeas corpus, não é demais lembrar, que o mesmo poderá ser encontrado em duas espécies, quais sejam: repressivo (liberatório) ou preventivo (salvo-conduto).
O primeiro ocorre quando o indivíduo já encontra-se sofrendo violência ou coação em sua liberdade de locomoção por um ato ilegal ou abusivo de poder. Já o segundo (preventivo) ocorre quando o indivíduo se vê ameaçado de sofre violência ou coação à sua liberdade de locomoção, portanto, nesse caso bastará a ameaça para a obtenção do "salvo-conduto" ao paciente, de forma a impedir que o mesmo seja privado de sua liberdade de locomoção. (MORAES, 2006)
Assim, afirma-se que em ambas as espécies supramencionadas poderá haver pedido de liminar, para que se evite possível constrangimento, nessa esteira, Mirabete comenta:

[...] embora desconhecida na legislação referente ao habeas corpus, foi introduzida nesse remédio jurídico, pela jurisprudência, a figura da ?liminar?, que visa atender casos em que a cassação da coação ilegal exige pronta intervenção do Judiciário. Passou-se, assim, a ser mencionada nos regimentos internos dos tribunais a possibilidade de concessão de liminar pelo relator, ou seja, a expedição do salvo conduto ou a ordem liberatória provisória antes do processamento do pedido, em caso de urgência [...] como medida cautelar excepcional, a liminar em habeas corpus exige requisitos: o periculum in mora (probabilidade de dano irreparável) e o fumus boni iuris (elementos da impetração que indiquem a existência de ilegalidade no constrangimento) (MIRABETE, 2006, 765)

O habeas corpus tem natureza jurídica de uma ação constitucional de caráter penal, tendo como objetivo tutelar o indivíduo contra ao atentatório à sua liberdade de locomoção. Esta ação é isenta de custas processuais, ou seja, tem caráter gratuito e informal, podendo ser impetrado por qualquer indivíduo sem ter a obrigatoriedade inclusive de advogado.
No que tange ao sujeito ativo para impetrar habeas corpus, Alexandre de Moraes leciona:
Assim, qualquer do povo, nacional ou estrangeiro, independentemente de capacidade civil política, profissional, de idade, sexo, profissão, estado mental, pode fazer uso do habeas corpus, em benefício próprio ou alheio (habeas corpus de terceiro). Não há impedimento para que dele se utilize pessoa menor de idade, insana mental, mesmo sem estarem representados ou assistidos por outrem. O analfabeto, também, desde que alguém assine a petição a rogo, poderá ajuizar a ação de habeas corpus. (MORAES, 2006, p. 116)

Para tanto, o sujeito passivo desse instituto deverá ser a autoridade ou agente público, entretanto, apesar da Constituição Federal de 1988 não contemplar o particular como figura do pólo passivo, a doutrina majoritária defende que mesmo poderá ser sim sujeito passivo.
Já se viu em que situações o habeas corpus poderá ser impetrado, mais especificadamente o rol do artigo 648 do Código de Processo Penal traz algumas dessas situações, dentre elas está: coação sem justa causa; quando alguém estiver preso por mais tempo do que determina a lei; quando houver cessado o motivo que autorizou a coação; quando não for alguém admitido a prestar fiança, nos casos em que a lei expressamente autoriza; quando o processo for manifestamente nulo; quando extinta a punibilidade; quando quem ordenar a coação não tiver competência para fazê-lo.
Agora vale frisar no que pese ao habeas corpus algumas situações em que este instituto não é cabível por força do STF: súmula 395: cujo objeto seja resolver sobre ônus das custas judiciais; súmula 692: contra omissão de relator de extradição, se fundado em fato ou direito estrangeiro cuja prova não constava dos autos, nem foi ele provocado a respeito; súmula 693: contra decisão condenatória à pena de multa, ou relativo a processo em curso por infração penal a que a pena pecuniária seja a única cominada; súmula 695: quando já extinta a pena privativa de liberdade.
Sem mais delongas, percebe-se que o instituto do habeas corpus tornou-se uma importante e eficaz ferramenta para tutelar e efetivar um dos direitos Fundamentais do Homem que mais se faz necessária proteção, haja vista que a liberdade de locomoção poderá ser vista como aquela liberdade primária, aquele direito de que o homem precisa para dar sentido ao próprio direito à vida.

Considerações Finais

Ante o supracitado, percebeu-se a importância da adoção dos Direitos Fundamentais do Homem no nosso ordenamento, transformando a vida dos indivíduos em muito mais justa. Um instituto que proporciono importante avanço foi o habeas corpus, pois possibilitou a tutela e efetivação dos direitos a liberdade de locomoção, que é um direito fundamental.
Desta feita, o habeas corpus deve ser necessariamente simplificado e célere, dispensando as burocracias ordenamentais para que o individuo possa gozar dos privilégios sem sofrer na demora de sua efetivação.
Mesmo sendo um instrumento bastante antigo, deve sempre sofrer mudanças para acompanhar o ritmo de transformação social e não tornar-se um instrumento ineficaz.




REFERÊNCIAS

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. Editora: Malheiros, 2004, São Paulo.

HERKENHOFF, João Baptista. Curso de Direitos Humanos: Gênese dos Direitos Humanos. Volume 1. Editora: Acadêmica, 1994, São Paulo.

FILHO, Vicente Grego. Manual de Direito Penal. Editora: Saraiva, 1991, São Paulo.

MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código de Processo Penal Interpretado.4a ed. São Paulo: Editora Atlas. 1996.

MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. Editora: Atlas, 2006, São Paulo.

SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. Editora: Malheiros, 2008, São Paulo.

TAVARES, Andre Ramos. Curso de Direito Constitucional. Editora: Saraiva, 2007, São Paulo.

TRENTIN, Beatriz. Direito Processual Penal: Habeas Corpus. Disponível em: <http://intervox.nce.ufrj.br/~diniz/d/direito/pp-Processual_Penal_H.Corpus_Trentin.doc.> Acesso em 13 de novembro de 2009.