A direita se referia aos acontecimentos de 1964 como uma revolução redentora que salvou o país do abismo comunista. A esquerda por sua vez classificava 1964 como um Golpe de Estado, ou seja, uma quebra das  regras constitucionais para depor um governo legitimamente eleito e comprometido com as causas populares e nacionalistas.

Outra questão que vem sendo debatida por cientistas políticos e historiadores é quanto ao caráter militar ou civil de  primeiro de abril de 1964.Alguns afirmam que foi um golpe militar e outros que foi um golpe engendrado pelas forças armadas e as forças civis conservadoras.

A primeira questão parece irrelevante, pois classificar o movimento de deposição como golpe ou como revolução ´é apenas uma questão de tipologia política. A ciência política costuma classificar como revolução os movimentos de insurreição que visam a derrubada do poder constituído por outra classe social com vistas a transformações profundas no sistema econômico, político e social. Os golpes de estado são apenas as tentativas bem sucedidas ou não de tomada do poder por grupos descontentes com o estado de coisas ou com os resultados das eleições.

Janio Quadros  era um político conservador e foi eleito com a maior votação até então, na história do país e foi eleito como vice-presidente, um político ligado às forças populares e de tendências nacionalistas, mas também um homem ligado às elites proprietárias de terras.

1964 no meu ponto de vista, foi além de um simples golpe de estado, pois estabeleceu um sistema político em que havia um formalismo democrático para descaracterizar o personalismo de uma ditadura.  Os presidentes eram indicados pelo alto comando das forças armadas e após a formalização da candidatura iam para a reserva. O  congresso tinha apenas a função de legitimar as decisões militares, deixando de ser um poder da república. O judiciário, depois das cassações, também passou a ser um apêndice do governo militar. A rigor, tínhamos um regime militar  de caráter autoritário com processo sucessório definido (era proibido o continuísmo para evitar a perpetuação de ditadores).

É preciso que se diga que a presença militar no sistema político brasileiro não começou em 1964. A  república começou entre nós com um golpe de estado liderado pelos militares, sem nenhum tipo de participação popular. O segundo presidente foi um ditador militar. Inconformados com a incompetência das elites políticas em 1922 tivemos uma insurreição militar chamada tenentismo, que mesmo sendo derrotada, alguns anos depois, as principais lideranças foram o sustentáculo militar do governo Getúlio Vargas durante seus quinze anos de poder. Após a segunda guerra mundial, os próprios militares derrubam Vargas, restabelecem o Estado de direito e o candidato eleito é o General Dutra. O segundo governo Vargas foi marcado por pressões militares e seu suicídio foi uma resposta política  a uma deposição inevitável. No governo Juscelino houve pelo menos tres tentatiivas de golpe, inclusive  os militares tentaram impedir sua posse por ser considerado de esquerda, o que não era verdade.

É claro que a Guerra Fria, confronto das duas grandes potências mundiais pela hegemonia no planeta tem a sua responsabilidade  pelos golpes de estado não somente no Brasil, como em toda a América Latina. Como os EUA consideram a América Latina  uma área sob seu controle, não media esforços para evitar que governos independentes de sua hegemonia prosperassem.

Do ponto de vista econômico novo regime atuou no combate a inflação e no ajuste fiscal, pois as contas públicas, desde o governo Juscelino, se encontravam em estado alarmante. Do ponto de vista social, houve uma repressão brutal aos sindicatos, que ficaram proibidos de fazer greves ou reivindicações salariais  ou de outra natureza. Acabou com a estabilidade no emprego, que na realidade era uma hipocrisia substituindo-a pelo FGTS que gerou mais dinamismo às relações do trabalho.

 A proibição dos parlamentares de votarem questões de natureza econômica e financeira, visava acabar com o patrimonialismo com que os políticos tradicionais tratavam as contas nacionais. Um problema que até hoje não está resolvido com as chamadas emendas parlamentares. Outra reforma foi de natureza política com o fim do  multipartidarismo, que ao longo da república complicava a governança pela necessidade do presidente negociar com várias correntes políticas. A idéia era imitar o modelo norte-americano, instituindo dois partidos, sendo um representando a ideologia política dos novos donos do poder e outro de oposição. Na teoria não havia proibição de novos partidos, mas as regras para aprovação eram impossíveis de ser atendidas. Com a volta do sistema democrático, esse problema voltou atormentar os presidentes pois são obrigados a negociar com várias agremiações através da concessão de cargos e privilégios.

Do ponto de vista cultural, foi um desastre com a instituição da censura prévia nos meios de comunicação, na música e na literatura, com prisões de artistas, jornalistas e intelectuais contrários ao sistema político. Com a radicalização de alguns grupos de esquerda, com inclinação marxista, os militares de extrema direita, tiveram o argumento para radicalizar o regime, instituindo de forma generalizada, as torturas e assassinatos de opositores.

Do ponto de vista econômico houve um processo de aumento da acumulação de capital através de políticas de arrocho salarial, proibindo qualquer tipo de reivindicação salarial que pudesse ameaçar a mais valia. Com isso os militares conseguiram a adesão do setor empresarial que via nos novos donos do poder uma garantia para o crescimento de grandes grupos empresariais. Por outro lado, o controle da inflação e o investimento em infraestrutura foram medidas favoráveis que permitiu o crescimento da economia, com geração de empregos, dificultando a ação da aposição junto as classes trabalhadoras.

Qual foi o legado de 1964 para a sociedade brasileira? Pequeno, pois o país estava em processo de mudanças sociais, com a rápida industrialização e urbanização. As mudanças foram retardadas e dificultou o surgimento de novas lideranças políticas, imponto a despolitização da juventude. Com a redemocratização, as velhas lideranças retornaram e aquelas que se aliaram aos militares permaneceram no poder. Haja vista o caso de José Sarney, que foi um aliado de primeira hora dos militares e acabou se tornando presidente da República no primeiro mandato na fase democrática.

Do ponto de vist econômico, o governo militar foi responsável pela indexação da economia, fato que possibilitou a realimentação inflacionária por décadas. O período de crescimento durante o governo Médici foi possibilidade por algum sucesso no ajuste fiscal e o aproveitamento das condições favoráveis da economia internacional. Passada essa fase e com a crise do petróleo, a situação se reverteu. Além disso, os governos militares se caracterizaram por excessivos gastos, o que ampliou o déficit público, colaborando para o recrudescimento da inflação. O governo Geisel que assumiu com a proposta de fazer a distensão política, aumentou o tamanho do estado na economia, além de ter gerado um grande endividamento externo, insistindo num modelo econômico superado, ou seja, o Estado controlando a economia através de investimentos em setores estratégicos.