O GOLPE DE MAIORIDADE EM LINHAS GERAIS


Com a abdicação de Pedro I em favor de seu filho, Pedro de Alcântara, que contava com cinco anos e 6 meses de idade, o Brasil Império entra numa fase controversa e conflituosa, chamada de Era Regencial.
O período regencial é caracterizado por incertezas políticas que levaram as províncias a diferentes levantes dos mais variados modos, onde o foco principal era o combate ao centralismo político e o descaso administrativo e econômico do Império em relação às mesmas. No Rio de Janeiro, foram cinco levantes em três anos. Já em Pernambuco, palco anterior da Revolução de 17 e da Confederação do Equador, agora era acometido pelos Cabanos que ocorreu de 1832-1835. No Pará a Cabanagem (1835-1840), na Bahia a Sabinada (1837-1838), no Maranhão a Balaiada (1838-1840) e a Farroupilha no Rio Grande do Sul em (1835-1845). Embora a regência tenha trazido uma maior autonomia para as províncias, o resultado de integração nacional não ocorreu. As rivalidades localistas afloraram à medida que os pleitos se acirravam entre os membros da elite local de cada província. A política de Feijó, que pretendia ser liberal, soltando as amarras de um governo centralizador, não obteve êxito.
Estas revoltas começaram a estourar em inúmeros pontos, pondo em risco a integridade nacional. Importante lembrar também que por não ter a figura representativa de um estado forte sobre a égide da figura imperial, prejudicava-se as tratativas com os grandes proprietários provinciais e os homens poderosos da época.


Em meio ao conturbado ambiente regencial ?tão marcado por rebeliões e movimentos de insurreição ? desenhava-se um panorama idílico em que a perfeição da natureza combinava com o caráter santificado e pretensão estável da monarquia, ainda resguardada no silencio do Paço. Mais uma vez ao lado secreto da realeza lhe conferia sacralidade. (SCHWARCZ, pág. 64,2007).


A regência acaba por pressões da elite carioca, e, evidentemente, pelos Liberais que almejavam travar as reformas promovidas por Araújo Lima, último regente, que era conservador e promovia uma política regressionista, abolindo a relativa autonomia que as províncias haviam conquistado. O Congresso, então, promove a "Maioridade do Imperador", assumindo, aos 14 anos, como Pedro II, em 23 de Julho de 1840. Essas elites perceberam a importância de promover a maioridade do futuro imperador Pedro de Alcântara, que pela lei ainda não poderia exercer o cargo.
Tudo realmente começou, quando ocorreu a aceitação do chamado Ato adicional em 1834, texto de 25 artigos, de cunho Liberal que atendeu a algumas reivindicações, embora de forma cautelosa. A Regência que era Trina virou Una, evitando os conflitos no comando e os jogos de interesse. O Ato Adicional dissolveu o Conselho de Estado, criou assembléias legislativas provinciais - o que proporcionava mais autonomia para as Províncias. Embora o ato adicional representasse um fator de conciliação entre as forças políticas divergentes, a contradição era latente, pois, ao mesmo tempo em que se propunha à centralização política nas mãos de um único regente, dava considerável autonomia às províncias. No caso da regência una de Araújo Lima, o Ato Adicional foi revisto em meio à "Restauração Conservadora", instituindo-se a Lei interpretativa do Ato Adicional, a qual revogava alguns dos aspectos mais federalistas do Ato, como a administração policial, administrativa e jurídica das Províncias. No final do vigésimo quinto artigo, aparece a palavra que serve de base para o golpe "No caso de dúvida sobre a inteligência de algum artigo desta reforma, ao Poder Legislativo central compete interpreta-lo".
Esse pequeno trecho, que abre a possibilidade de interpretação, leva a efetivação da Reforma do Ato Adicional já em Maio de 1840, onde o desejo de ceder a Pedro de Alcântara a maioridade já era extremamente latente.
Estabelecida a Reforma do Ato Adicional o Golpe de Maioridade fecha um ciclo de história brasileira, iniciando outro episódio na nossa história, bem mais pacifico (ao menos em termos). Em 24 de julho já é formado um novo gabinete, que dura menos de um ano. Este é composto por nomes como Antonio Paulino Limpo de Abreu, ministro da Justiça e um dos homens mais influentes no início do Segundo Império.


HISTÓRIA POR JORNAIS: A SITUAÇÃO POLÍTICA E SOCIAL ATÉ O INÍCIO DO SEGUNDO IMPÉRIO


Através do estudo de fontes primárias, neste caso, dos jornais, podemos perceber as crescentes flutuações e articulações políticas, bem como a insegurança devido à abdicação de Pedro I e os anos de regência.
O Jornal O Brasil, periódico vespertino, publicado as terças, quintas-feiras e sábados na Tipografia de F. de P. Brito, relata durante os dias dois e vinte e oito Julho de 1840, de forma abrangente, todos os momentos até a efetivação do golpe de maioridade. No dia dois de julho a notícia de um possível golpe já é abertamente relatada, onde a partir destes trechos podemos perceber que a interpretação do Ato adicional, ocorrida em maio do mesmo ano, subsidia ainda mais as discussões:


Porque desgraça a oposição não quis opor o seu a esse programa? A promessa de debellar com as armas os rebeldes armados, porque não oppoz a sua defesa aos opprimidos? À declaração de pugnar pela reforma das leis regulamentares e de não fazer observar a constituição e o Acto adicional, como acabar de ser interpretado, a suas defeza das liberdades públicas, e sobretudo das províncias (...) as melhoramentos das nossas leis nós sabemos como a opposição os promete encarar; o sr.Montezuma vae-os já chamando- leis de sangue ? o sr. Limpo quer adia-los para quando chegar a maioridade, a fim de não fortificar a autoridade do regente, e quando lhes lembram as palavras que elles próprios consignaram em seus relatórios sobre a indispensável necessidade desses melhoramentos, respondem com sangue frio impertubavel ? isso era então, não hoje! (O BRASIL, 2 de Julho de 1840).


No dia sete de Julho de 1840, as notícias ganham tons mais agressivos, o jornal demonstra que o governo regencial seria ilegal, tornando cada vez mais frágil a manutenção de Araújo Lima no poder. Segundo os críticos a regência, esta não era legítima, já que na carta constitucional de 1824 não era prevista nenhuma forma de governo que não fosse gerenciada pela tutela de um monarca luso ou seu aparentado, desde que este fosse maior de 25 anos.


O Governo Ilegal
Quando em uma das sessões atrazadas, o sr Alvarez Machado pedindo a palavra pela ordem serviu-se das seguintes expressões ? o governo actual apezar de toda sua illegalidade, de toda a sua perversidade -, persuadiamo-nos de que o nobre deputado havia proferido inrreflectivamente essas palavras, e sem lhes darmos o peso que ellas merecem (...) acaba elle de declarar que o governo actual é illegal, que pela constituição deve pertencer a regência à senhora D. Januaria, e que não passar a maioridade já e já, há-de elle propor que se de a regência a quem de direito pertence.(...)Mas cá entre nós a tribuna está acostumada a nada discutir, a nada providenciar; o tempo é pouco para as exclamações dos Srs opposicionistas; a imprensa é infelizmente sua fiel imitadora, e também nada discute! Discutamos porem nos agora com toda a attenção e sangue frio que nos forem possíveis, e, levados unicamente pelo desejo de acertar. Os dois artigos da constituição que tem referencia a questão suscitadas pelo orador de Campinas são os seguintes:
Art 122: Durante a sua (do Imperador) menoridade, o império será governado por uma regência, a qual pertencerá ao parente mais chegado do imperador, segundo a ordem de sucessão, e que seja maior de 25 annos.
Art 126: Se o Imperador por causa physica ou moral, evidentemente reconhecida pela pluralidade de cada uma das câmaras da assembléia, se impossibilitar para governar, em seu logar governará, como regente, o príncipe imperial, se for maior de 18 annos.
Ninguém nos contestara que esses dois artigos devem ser entendidos um pelo outro, e já que estabelecem disposições diversas (uma a que seja regente o príncipe imperial aos 18 annos, outra a que seja regente o parente mais chegado aos 25 anos) é que são diversas suas hyphoteses. Mas quaes serão essas hyphoteses diversas? Não é preciso ser um lynce em hermenêutica para discriminál-as.
No artigo 121, 122, 123, 124 e 125 a constituição preocupa-se com a menoridade do imperador, com a regência que então deve ser organizada.(...) Ora qual das hypothese é a que deve reger no caso actual? Ninguém, a não estar dominado pela cegueira da paixão, deixará de responder que estamos na do art 122. (O BRASIL, 7 de Julho de 1840).


No dia quatorze de Julho, Antonio Carlos de Andrada lança seu pronunciamento sobre o artigo 121 da Constituição. Portugal, pátria mãe, e maior fonte inspiradora de nossos modelos ideológicos, passa por um momento bem próximo ao brasileiro.



Maioridade da Senhora Maria II
Entre os argumentos que temos ouvido apresentar em favor da maioridade já e já de S.M.I. um há que pode produzir algum efeito: foi ele apresentado pelo nobre Márquez de Paranaguá, quando largou a cadeira presidencial do senado, para dar um voto a mais aos maioristas, tirar um voto (o do Sr. Conde de Valença) a seus adversários. Portugal dizem, cuja constituição era quase copiada da nossa, julgou que o art. Que marca a idade em que o rei é maior não era constitucional, e por lei ordinária proclamou a maioridade da senhora D. Maria II. Para justificar o acto das câmeras portuguezas vários motivos houve que entre nós se não dão: o reino acabava de sahir d?esse jogo horroroso que o tigre do meio-dia havia feito pezar sobre elle, o príncipe usurpador poderia ainda então, morrendo seu magnânimo irmão, cuja espada a preza que sedento devorava, aproveitar as dissensões e fraquezas inseparáveis do governo de regência, arremeçar-se de novo sobre o misero Portugal, atulhar de novo as masmorras, levantar de novo o cadafalso.
Cumpria evita-lo. Diante dessa configuração política que valem outras considerações? Quando mesmo houvessem as cortes portuguezas reconhecido que o assunto não era constitucional e sim de lei civil, pouco peso damos nós a semelhante autoridade. Em matérias dessa natureza, Portugal não pode ser nosso mestre, esta muito atrazado: (...) Para que o exemplo de Portugal temos que evitar as barbaridades de algum D. Miguel, que só com a maioridade se evitem? N?esse caso, não que discutir, evite se antes de tudo esse mal imenso. Se porem os males ainda nos avexam não nos ameaçam de morte, se o império e a liberdade não correm risco, para que comprometer tudo em um jogo tão perigoso, em que milhões de eventualidades tristissimas podem surgir imprevistas? Para que este golpe de estado? (O BRASIL, 14 de julho de 1840).


Já no dia dezessete de Julho, era evidente a ameaça de um golpe, a situação chegava a tal ponto que já se cogitava abertamente a burla a constituição, devido às necessidades do Império naquele momento.


A Maioridade por Fas ou por Nefas!!!
O Sr. Ferreira de Mello declarou na sessão do dia 17 de Julho, no senado, que a maioridade, do Sr. Pedro II havia de ser declarada por faz ou por nefas, isto é, se não for em virtude da lei constitucional, será contra ella. Cotejando esta revelação como o que dissera o Sr.Álvares Machado, repetindo o dito de Bonaparte no conselho dos quinhentos, não haveria toda razão de supor que a oposição trama uma revolução, um golpe de estado, caso a legislatura, fiel aos juramentos, declare constitucional o artigo 121 da constituição. Ao bem do decoro do senado do Brasil, notaremos que a proposição anarchica do nobre senador foi recebida com o mais pronunciado signal de desaprovação (...) Apresentamos os factos: tire o leitor imparcial a conseqüência que elles encerram.(O BRASIL, 17 de julho de 1840)


Enfim, dia vinte e oito de Julho no pós Maioridade, mesmo com um certo olhar de desconfiança diante de ocorrido, nascia uma esperança de um futuro promissor, através de uma análise política e econômica.


A dotação do Sr Dom Pedro II
A Câmara dos Srs. Deputados occupa-se em fixar, como lhe manda a constituição, a dotação de S.M.I.: Propoz o Sr.Alvarez Machado 500 contos, e o Sr.Montezuma mais de 100. Não sabemos se é muito, se é pouco, se é suficiente. O explendor do throno, os innumeros benefícios que o Imperador deve derramar por entre seus súditos para satisfazer as mais suaves inclinações de seu coração, alliviar todas as magoas que o implorarem e merecer as benções da miséria parecem-no exigir maior liberalidade. Sera porem ella compatível com a fraqueza de nosso thezouro? Um costume achamos em França cuja generosidade quizeramos que se adoptasse; cumpre não regatear, conto mais conto menos, em assunto dessa natureza. O costume Francês é perguntar ao Monarcha quanto quer de doação, e dar-se-lhe a quantia que designa. O mesmo quizeramos que aqui se fizesse: O Imperador ? que não pode ser rico senão da riqueza nacional, feliz senão da felicidade publica, -attendera a nossa pobreza, calculará as despezas de sua casa, e assim evitaremos a todo o tempo a argüição de mesquinharia que se nos queira lançar o rosto. (O BRASIL, 28 de Julho de 1840)


No jornal O Analista, bissemanário legalista fundado na semana seguinte ao golpe da maioridade, vem uma notícia importante logo em sua primeira edição, acerca da ascensão de Pedro II. O sentimento de insegurança ainda era pungente. O temor herdado da abdicação de Pedro I ainda brotava, inclusive, nas mentes mais otimistas e seguras.


os actos do nosso governo, e demonstram-se elle tem ou não desempenhado sua missão nas crizes que temos passado, e que ainda ameaça geral conflagração: todavia não empreendemos essa tarefa por muito superior às nossas forças, e sem sermos chronistas das administrações que rapidamente tem se sucedido desde a fatal abdicção do Fundador da Monarchia, e seqüência de malles que nos tem acarretado, só trataremo agora, e mui sucintamente dos negócios do dia (...)
A homogeneidade de princípios dos membros do novo ministério, ao menos dos que conhecemos nos ...essa solidariedade, baze fundamental de todos os ministérios, de que tivemos hum exemplo no gabinete de 19 de setembro. Já sentimos a salutar influencia d?esses princípios, e parece ser-se formulado novo programa que terra por essência ? sustentação da monarchia, e da integridade do Império ? Oxalá que o ministério possa sempre resistir a essa potencia oculta e maligna, protectriz do ? propugnador ? e de outros tais energúmenos! (O ANALISTA, 29 de julho 1840).


Já no Sentinella da Monarchia, periódico político e literário, que era publicado, às terças e sextas-feiras, á tarde, defendia a figura do imperador com os seguintes dizeres: "A pessoa do Imperador é inviolável e sagrada: Elle não está sujeito a responsabilidade alguma". No dia dois de outubro, o sentimento antilusitano se reaviva, ganha tons revanchistas em relação aos portugueses e seus admiradores, além de legitimar o golpe recém proclamado como a única maneira de manutenção do Brasil Império.


As idéias Andradinas a respeito d?essa nação amiga são muito conhecidas; se soubessem qual a veia em que lhes gira o sangue luzitano, a mandariam rasgar, e deitariam fora até a ultima gota.(...) Teremos outra vez os dias de 1822 e 1823? Veremos de novo fugir de nossas praias a actividade e a riqueza, e a maior parte de nosso comercio? (SENTINELLA DA MONARCHIA, 2 de outubro de 1840)


A utilização de alguns periódicos publicados, na época do golpe da maioridade, subsidia-nos bases mais concretas e um entendimento manifesto para o estudo deste fato que deu início ao Segundo Reinado (1840-1889). Através da riqueza de informações contidas nessas fontes primárias, podemos compreender a repercussão histórica desse importante movimento político que encerrou a fase regencial (1831-1840); período político extremamente conflituoso, que se encerra a partir da maioridade de Dom Pedro II, instalando-se um período de relativa paz e de construção do Brasil como Nação.


REFERÊNCIAS

FAUSTO, Boris. História Concisa do Brasil. São Paulo: Universidade de São Paulo, Imprensa Oficial do estado, 2002.

MIRANDA, M. E; LEITE, C. R. S. C. Jornais Raros Do Musecom, 1808-1924. Porto Alegre: Comunicação Impressa, 2008.

SCHWARCZ, Lilia Moritz. As Barbas do Imperador: D. Pedro II, um monarca nos trópicos. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

TÁVORA, Araken. Dom Pedro e o seu Mundo. Rio de Janeiro: Bloch, 1976.


FONTES PRIMÁRIAS

O Analista, 1840 (Porto Alegre).

O Brasil, 1840 (Rio de Janeiro).

O Brasil, 1842 (Rio de Janeiro).

Sentinela da Monarchia, 1840 (Rio de Janeiro).