O GENE EGOÍSTA

RICHARD DAWKINS

(1976)

RESENHA

Carlos Henrique de Oliveira Filipe

2009

A obra se compõe de:

  • Introdução à edição comemorativa
  • Prefácio à edição de 1989
  • Apresentação à edição de 1976
  • Prefácio à edição de 1976
  • Capítulo 1 – Por que as pessoas existem
  • Capítulo 2 – Os replicadores
  • Capítulo 3 – Espirais imortais
  • Capítulo 4 – A máquina gênica
  • Capítulo 5 – Agressão: a estabilidade e a máquina egoísta
  • Capítulo 6 – O parentesco dos genes
  • Capítulo 7 – Planejamento familiar
  • Capítulo 8 – O conflito de gerações
  • Capítulo 9 – A guerra dos sexos
  • Capítulo 10 – Uma mão lava a outra?
  • Capítulo 11 – Memes: os novos replicadores
  • Capítulo 12 – Os bons rapazes terminam em primeiro
  • Capítulo 13 – O longo alcance do gene
  • Notas
  • Bibliografia atualizada
  • Índice remissivo

Obra da Editora Companhia das Letras, São Paulo, edição de 2007, tradução

de Rejane Rubino.

INTRODUÇÃO À EDIÇÃO COMEMORATIVA

Na "Introdução à edição comemorativa", o autor relata que sua vida e o livro em questão sempre estiveram interligados. Mostra que, a cada turnê que realiza para divulgar seus outros livros, seus leitores sempre pedem que autografem "O Gene Egoísta". Como consolo, utiliza o argumento de sua esposa de que os leitores, uma vez lido "O Gene Egoísta", também lerão seus outros livros.

Preocupar-se-ia mais com esse aspecto de pudesse declarar sua obra obsoleta e ultrapassada, mas não pode afirmar tal coisa. Mudaram-se os pormenores, mas são poucas as passagens que retiraria do livro.

Em relação a essas mudanças, a primeira seria o título. Talvez o mais acertado fosse aceitar a sugestão de Tom Maschlen, editor londrino, e chamá-lo de "O Gene Imortal". Mas ao mesmo tempo, realça a importância do "Egoísta" no contexto da obra.

Mas ressalta que a melhor maneira de explicar o título de sua obra é revelar a palavra que deve ser realçada. E essa palavra é "Gene". Explica que existe um debate na teoria darwiniana em relação à unidade sobre o qual recai a seleção: que tipo de unidade é essa que sobrevive ou não em conseqüência da seleção natural? Tal unidade será por definição egoísta, mesmo que o altruísmo seja favorecido em outros níveis.

Dawkins nos apresenta uma importante questão: será que a seleção natural escolhe entre as espécies? Se for esse o caso, Dawkins afirma que poderíamos esperar que os organismos individuais se comportassem de maneira altruística pelo bem-estar da espécie. Ou será que a opinião do autor é a mais acertada? Se realmente assim for, não deveríamos ficar surpresos ao encontrar seres se comportando de forma altruísta pelo bem dos genes, alimentando e protegendo parentes que compartilham de parentes que compartilham cópias de seus genes. Para Dawkins, o altruísmo parental é uma das formas pelas quais o egoísmo dos genes pode se traduzir em altruísmo individual. Afirma que sua obra explica o funcionamento de sua teoria, juntamente com a reciprocidade, outra dos geradores do altruísmo da teoria darwiniana.

PREFÁCIO À EDIÇÃO DE 1989

No "Prefácio à edição de 1989", o autor torna a afirmar que a mensagem central do livro, a teoria darwiniana da Seleção natural, embora na opinião do autor enunciada de uma forma diferente, é na verdade o desenvolvimento lógico do neodarwinismo ortodoxo. Para Dawkins, esse novo enfoque é a apresentação de uma nova perspectiva da natureza a partir do ponto de vista dos genes. Frisa que não se trata de uma nova teoria, apenas um novo enfoque sobre um assunto já conhecido.

Dawkins sustenta a opinião de que existem duas maneiras de se encarar a seleção natural: sob a ótica dos genes e sob a ética do individuo. Para o autor, essas duas formas, quando compreendidas de modo adequado, se tornam equivalentes, tornam-se duas perspectivas de uma mesma verdade. Mesmo se nos alternarmos entre uma e outra, ainda assim será o mesmo neodarwinismo.

Explica que o darwinismo visto pela perspectiva dos genes já estava implícito nos trabalhos de R. A. Fischer e outros pioneiros do neodarwinismo no início da década de 30, e se tornaram verdadeiramente explícitos somente nos trabalhos de W. D. Hamilton e G. C. Williams nos anos 1960. Embora visionários, foram expressos de uma forma bem lacônica. Para Dawkins, tais idéias deviam ser divulgadas de uma forma bem mais ampla, e foi tal opinião que o levou a escrever esse livro.

Mostra também os motivos que o levaram a acrescentar dois capítulos à primeira edição.

O final desse capítulo é dedicado aos agradecimentos aos colaboradores diretos na realização dessa nova edição.

APRESENTAÇÃO À EDIÇÃO DE 1976

Na "Apresentação à edição de 1976", Robert L. Trivers (Harvard University) abre a discussão com uma comparação entre homem e chimpanzé, que compartilham 99,5% de história evolutiva. Afirma que, para a maioria dos pensadores, o chimpanzé é uma excentricidade malformada e irrelevante, e em contrapartida, o homem é um ser superior, próximo a Deus.

Um evolucionista renegará esse pensamento, sob a justificativa de que espécie alguma pode ser considerada superior a outra. Trivers afirma que o homem, o chimpanzé, a lagartixa e o fungo evoluíram por cerca de 3,5 bilhões de anos por um processo chamado Seleção natural.

Afirma que é nesse ponto que Dawkins defende sua idéia central: a reprodução diferencial, não aleatória, dos genes, já que em cada uma das espécies, alguns indivíduos deixam atrás de si um número maior de descendentes que outros, de tal forma que os genes daqueles que alcançarem um grande êxito reprodutivo se tornarão mais numerosos na geração seguinte. Afirma ainda que foi a Seleção Natural a formadora evolutiva dos seres, e todos temos que compreender esse fenômeno para entendermos nossa própria identidade.

E aí surge uma interessante questão: Dawkins argumenta que se a mentira é fundamental na comunicação animal, a capacidade de detectá-la deve ser fortemente selecionada. Por sua vez, conduziria à seleção de uma certa capacidade de auto-engano, com o objetivo de não trair a dissimulação posta em prática. Como conclusão, a opinião de que a seleção natural favoreça os sistemas nervosos que produzem imagens cada vez mais precisas do universo é, com certeza, uma visão muito ingênua da evolução mental.

Dawkins ressalta que a teoria evolucionista associada à teoria mendeliana vem sendo largamente negligenciada. A seguir, nos apresenta uma lista de pesquisadores que, com seus trabalhos, estão contribuindo para que essa negligência diminua.

Em seguida, Dawkins analisa os principais temas tratados em trabalhos recentes sobre Teoria Social, se esforçando para esclarecer a lógica de seus argumentos, mesmo alguns contra Darwin.

PREFÁCIO À EDIÇÃO DE 1976

No "Prefácio à edição de 1976", Dawkins nos apresenta seu livro, que por suas próprias palavras, deve ser visto como obra de ficção cientifica, embora se trate de ciência.

Dawkins se sente mais estranho que a ficção em relação à verdade. E essa verdade é que (segundo o autor) somos máquinas de sobrevivência, robôs totalmente programados para preservar as moléculas egoístas, os "genes".

Dawkins afirma que escreveu essa obra para 3 leitores imaginários.

O primeiro leitor é o leigo: para este, procurou evitar ao máximo a linguagem técnica, e quando se viu obrigado a usá-la, teve o cuidado de fornecer as devidas definições.

O segundo é o especialista: Dawkins está ciente que este não ficará totalmente satisfeito com a forma como suas idéias foram expostas.

O terceiro leitor é o estudante, aquele que está entre o leigo e o especialista. Dawkins espera encorajar o estudante que ainda não optou por sua especialidade o olhar mais uma vez para a Zoologia. Para o estudante que já optou por essa especialidade, Dawkins espera que a obra tenha algum valor educativo.

Em seguida, o autor discorre sobre a Etologia, sua especialidade, e sobre suas influências.

No final, agradecimentos.

CAPÍTULO 1 – PORQUE AS PESSOAS EXISTEM?

No "Capítulo 1 – Porque as pessoas existem?", Dawkins afirma que a vida inteligente de um planeta atinge sua maioridade no exato momento em que há a compreensão, pela primeira vez, da razão de sua própria existência.

Continuando, o autor declara que, a despeito de já existirem há mais de 3 bilhões de anos, os seres vivos não tinham a menor idéia do "Porque". Ai, finalmente, a verdade surgiu para um deles: seu nome era Charles Darwin.

Para Dawkins, foi Darwin quem, pela primeira vez, construiu e apresentou uma explicação coerente e convincente da razão de nós existirmos, apesar dos esforços de outros para expor essa idéia.

O autor afirma que sua obra não é uma defesa geral do Darwinismo, e sim uma proposta para explorar as conseqüências da Teoria da Evolução em relação a um problema específico, especificamente a biologia do egoísmo e do altruísmo.

A importância humana dessa questão torna-se obvia, já que toca de perto todos os aspectos de nossa vida social. Dawkins cita autores que estudaram a mesma temática, como Lorenz, Audrey e Eibl-Eibesfeldt. Mas o autor afirma que o enfoque desses autores estavam total e completamente equivocados, já que eles propuseram que o importante na evolução é o bem da espécie (ou grupo). Dawkins declara que o que realmente importa é o bem do individuo (ou do gene).

Nesse ponto, Dawkins explica o tipo de argumentação que sustenta sua obra. Para ele, nós e todos os animais somos maquinas criadas pelos nossos genes. Nossos genes sobreviveram num ambiente altamente competitivo. Ao esperarmos que esses genes tenham algumas qualidades, a qualidade predominante de um gene bem sucedido tem que ser, obrigatoriamente, o egoísmo implacável. Em circunstâncias especiais, um gene pode atingir seus próprios objetivos egoístas cultivando uma forma limitada de altruísmo.

Para Dawkins, amor universal e bem-estar da espécie são conceitos que não fazem o menor sentido do ponto de vista evolutivo.

Desse ponto em diante, o autor se ocupara de explicar o que esse livroé e o que ele não é.

Seu primeiro esclarecimento é que não irá advogar uma moral baseada na evolução. Não é a forma como os seres humanos deveriam evoluir moralmente, mas sim como simplesmente evoluíram. Particularmente, acredita que uma sociedade baseada no egoísmo seria intolerável. Por mais se seja desagradável, infelizmente é exatamente assim que as coisas funcionam.

Um aviso importante: se o leitor deseja, assim como o autor, construir uma sociedade com indivíduos que cooperem para o bem-estar comum, melhor não contar com uma ajuda significativa por parte da natureza biológica. Então o leitor terá que ensinara generosidade e o altruísmo, já que nascemos egoístas.

Dawkins afirma que é um erro supor que os traços geneticamente herdados sejam fixos e inalteráveis. Os genes podem nos ensinar a sermos egoístas, mas não somos necessariamente forçados a obedecê-los, por toda a vida.

Ressalta também que somente o homem é dominado de uma maneira muito singular pela cultura. Afirma que é opinião de alguns que a importância da cultura é tão grande que os genes são irrelevantes para se compreender a natureza, enquanto outros discordam dessa opinião. Tudo é uma questão de como ou onde nos situamos no debate "natureza versus cultura". E aí surge o segundo esclarecimento sobre o que este livro não é: ele não defende um ou outro argumento nessa controvérsia. O autor tem sua própria opinião sobre essa questão, mas prefere expô-la mais à frente, em outro capítulo.

Dawkins sugere ainda uma questão importante: se os genes são irrelevantes para se determinar o comportamento, e se realmente somos os únicos, dentre os animais, em que isso acontece, porque nos tornamos a única exceção? E se nossa espécie não for tão excepcional como se acredita, essa questão torna-se ainda mais importante.

Surge então o terceiro esclarecimento: a obra em questão não é um relatório sobre comportamento, do homem ou de qualquer outra espécie, em particular. Todos os pormenores factuais utilizados na obra são unicamente exemplos ilustrativos.

Dawkins nos apresenta um desses exemplos: um babuíno será considerado altruísta se ele se comportar de forma a aumentar o bem-estar de outro babuíno, com prejuízo de si mesmo. O comportamento egoísta é exatamente o oposto, sendo o bem-estar definido como probabilidade de sobrevivência, mesmo que o efeito sobre as reais expectativas de vida e de morte seja tão pequeno a ponto de parecer desprezível. Afirma que uma das conseqüências mais surpreendentes da teoria darwiniana é que as influencias, mesmo as mais diminutas e triviais podem ter uma influência decisiva sobre as possibilidades de sobrevivência; isso se deve à enorme disponibilidade de tempo para que essas influências revelem seus efeitos.

Reafirma que o altruísmo e o egoísmo são definições comportamentais, não subjetivas. Declara que não se ocupará, nesse momento, da psicologia da motivação. Seu objetivo é definir se o efeito de uma ação consiste em diminuir ou aumentar as perspectivas de sobrevivência do suposto altruísta e as perspectivas de sobrevivência do suposto beneficiário.

Diz que é complicado demonstrar os efeitos do comportamento quando se trará de perspectivas de sobrevivência a longo prazo. Quando se tenta definir o comportamento real, deve-se utilizar o termo "aparentemente", já que uma ação aparentemente altruísta é aquela que, superficialmente, torna mais provável a morte do altruísta em detrimento à sobrevivência do beneficiário. Um exame mais apurado nos revela que, muitas vezes, atos altruístas aparentes são na verdade atos de egoísmo disfarçados. Os efeitos reais da ação sobre as expectativas de sobrevivência são exatamente o oposto do que pensamos a principio.

Dawkins nos apresenta, a seguir, alguns exemplos de comportamentos egoístas, tais como os guinchos (uma espécie de ave) e a predação de filhotes por parte de outras fêmeas da espécie, o canibalismo das fêmeas de louva-a-deus que obtém assim uma fonte de alimento próxima (benefício primário) e uma melhor performance sexual por parte do parceiro semi-devorado (benefício secundário), e o comportamento covarde dos pingüins-imperadores (que chegam a empurrar um companheiro para dentro da água para verificar a presença ou não de predadores). Sem contar que a recusa em partilhar recursos valiosos (alimento, território ou parceiros sexuais) também pode ser considerado como comportamento egoísta.

Em seguida, Dawkins nos apresenta alguns comportamentos altruístas. Inicia sua explanação citando o exemplo das abelhas-operárias, que picam quem se aproxima da colméia. O autor define esse comportamento como camicase, já que ao picar o invasor, elas têm órgãos vitais arrancados, morrendo em seguida. Apesar de sua atitude protetora em relação ao estoque de alimento da colméia, ela própria não estará mais ali para usufruí-lo. Também cita exemplos de pássaros que na aproximação de predadores emitem sinais de alarme bem característicos. Enquanto o bando se dispersa, ele acaba por chamar a atenção do predador para si.

Dawkins afirma que os comportamentos altruístas mais evidentes são os realizados pelos pais, em especial a mãe, em relação a seus filhotes. Cita o exemplo da "manobra de distração". Quando um predador se aproxima, a ave sai cambaleando para longe do filhote, com uma das asas caídas, como se estivesse ferida. O predador é assim atraído para longe do ninho. Quando já está a uma distância segura, a ave levanta vôo, escapando do predador. Provavelmente salvará seus filhotes, mas com um risco enorme para si próprio.

O autor considera importante comentar uma explicação deveras errônea do altruísmo (opinião do autor), já que ela é bem conhecida e ensinada nas escolas.

Para Dawkins, há uma falsa noção de que os seres vivos evoluem para fazer coisas pelo bem da espécie ou bem do grupo. Para ele, é fácil observar que essa noção teve origem na biologia. Já que uma parte considerável da vida de qualquer animal é dedicada à reprodução, quase todos os atos de auto-sacrifício são realizados pelos pais em benefício de seus descendentes. O autor afirma que a perpetuação da espécie é uma conseqüência da reprodução, e basta uma pequena distorção da lógica para se chegar à conclusão que "a função da reprodução é servir à perpetuação da espécie".Daí se conclui que os animais, em geral, irão se comportar de modo a favorecer a perpetuação da espécie. O altruísmo parece, assim, ser uma conseqüência natural.

Dawkins formula essa linha de pensamento em vagos termos darwinianos. A questão é: se temos o trinômio evolução-seleção natural-sobrevivência dos mais aptos, de quais aptos estamos falando, indivíduos, raças ou espécies? Quando se trata de altruísmo, a diferenciação é importantíssima.

Quando se trata de indivíduos, eles deveriam ser considerados peões no jogo da sobrevivência. Nesse nível, os indivíduos estão prontos para o sacrifício em prol do bem-estar do grupo, e assim correm menos riscos de se extinguirem que um grupo de indivíduos que colocam seus próprios interesses egoístas em primeiro lugar.

Esta é a chamada "seleção de grupo", considerada, erroneamente na opinião do autor, como verdadeira por biólogos pouco habituados com os detalhes da teoria da evolução, como V. C. Winne-Edwards e Robert Ardrey.

Para Dawkins, em todo grupo de altruístas haverá um pequeno grupo que se negará a fazer qualquer tipo de sacrifícios. Esse pequeno grupo, sempre pronto a explorar o altruísmo dos outros, terá mais probabilidades do que o restante do grupo de sobreviver e procriar. Como seus filhos tenderão a herdar seus traços egoístas, após várias gerações o grupo altruísta será dominado.

Dawkins afirma que uma das razoes para o grande apelo da teoria da seleção de grupo talvez seja o fato dela se enquadrar totalmente nos nossos ideais políticos e sociais.Apesar de nos comportamos de maneira egoísta, admiramos os que colocam o bem-estar dos outros em primeiro lugar. Mas a extensão da palavra "outros" nos deixa confusos. Muitas vezes o altruísmo no interior de um grupo é acompanhado do egoísmo entre os grupos, sendo esta a base do sindicalismo.

Em outro nível, afirma que a nação é a principal beneficiária do nosso auto-sacrifício altruísta, esperando ainda que os jovens se sacrifiquem para a glória suprema do país.

Dawkins agora nos apresenta um argumento interessante. Matar seres humanos fora da guerra é considerado um dos crimes mais abomináveis. Pior que isso, só o ato de devorar outras pessoas. No entanto, comemos membros de outras espécies. Muitos recuam ante a execução de um ser humano, mesmo que se trate de um assassino, ao mesmo tempo em que defendemos o extermínio de pragas pouco nocivas, além de outras espécies exterminadas como forma de divertimento. Segundo o autor, um feto humano, com tantos sentimentos como uma ameba, goza de proteção e respeito que extrapolam em muito aqueles concedidos a outros animais.

Dawkins formula outra questão importante: as espécies se agrupam em gêneros, ordens e classes. Leões e antílopes são membros da classe Mammalia.Não deveríamos esperar que os leões se abstivessem de matar antílopes, pelo bem dos mamíferos? Eles deveriam caçar aves ou repteis para evitar a extinção da classe. Mas se assim fosse, como se perpetuar a filo dos vertebrados?

Dawkins está convicto que a melhor maneira de encarar a evolução é considerar que a seleção se dá nos níveis mais baixos. Afirma que foi fortemente influenciado pelo livro Adaptation and Natural Selection, de G. C. Williams. Diz que a idéia central que utilizará foi prenunciada por A. Weismann na virada do século XX, na sua teoria da "continuidade do plasma germinativo".Dawkins defenderá, ao longo do livro, que a unidade fundamental da seleção é o gene. Embora extrema para alguns biólogos, essa afirmação é uma visão ortodoxa, embora expressa de uma forma pouco familiar.

CAPÍTULO 2 – OS REPLICADORES

No "Capítulo 2 – Os Replicadores", Dawkins afirma que Darwin forneceu a única solução plausível para nos explicar a questão de nossa existência.

A "Lei da Sobrevivência do Mais Apto", de Darwin, é um caso especial de uma lei mais geral, a "Lei da Sobrevivência do Mais Estável", já que o universo é povoado por coisas estáveis. Entende-se por coisa estável uma aglomeração de átomos suficientemente comum ou permanente, podendo ser única ou uma classe de entidades, como as gotas da chuva. Tudo ao nosso redor são arranjos mais ou menos estáveis de átomos. Ao se encontrarem, os átomos se ligam formando as moléculas, também mais ou menos estáveis. Podem ser grandes como o diamante, uma molécula estável e ao mesmo tempo muito simples, já que sua estrutura interna se repete indefinidamente,até a hemoglobina do nosso sangue, com 574 moléculas de aminoácidosorganizados em quatro cadeias que se torcem umas sobre as outras, compondouma estruturaglobular tridimensional de alta complexidade.

O importante nesse ponto é frisar que, antes do aparecimento da vida na Terra, uma forma de evolução rudimentar das moléculas poderia ter ocorrido por processos físico-químicos comuns. Não houve desígnio, propósito ou direcionalidade. Se um grupo de átomos, na presença de energia, se organizar numa configuração estável, irá se manter nesse estado. Eis aí a primeira seleção natural: a seleção das formas estáveis e a rejeição das formas instáveis. Era assim que tinha que acontecer, sem mistério algum.

Não é possível explicar a existência de entidades tão complexas como o homem utilizando apenas os mesmos princípios. Não adianta pegar o número exato de átomos, mistura-los, aplicar alguma forma de energia até se arranjem na configuração correta, e eis que surge o homem. Podemos produzir, dessa forma, uma molécula com poucas dúzias de átomos, mas o homem apresenta mais de um octilhão de átomos. Para se produzir um homem, o trabalho de arranjo de átomos seria mais longo que a idade inteira do universo, e mesmo assim não conseguiríamos. É nesse ponto que a teoria de Darwin, na sua forma mais geral, surge para nos auxiliar. Ela assume o controle justamente no ponto em que a história da lenta formação das moléculas sai de cena.

Dawkins frisa que sua descrição da origem da vida é totalmente especulativa. Existem várias teorias sobre o tema, mas todas apresentam traços em comum.

Não se sabe que matérias-primas químicas eram abundantes na Terra antes do aparecimento da vida, mas entre as mais plausíveis encontravam-se a água, o dióxido de carbono, o metano e a amônia, compostos simples presentes em alguns dos outros planetas do nosso sistema solar. Químicos têm tentado criar as condições químicas da Terra em seus primórdios, colocando essas substâncias simples em um frasco e aplicando-lhes uma fonte de energia como luz ultravioleta ou descargas elétricas, numa simulação artificial dos relâmpagos primordiais. Após algumas semanas repetindo o processo, surge algo interessante no interior do frasco: um caldo ralo, amarronzado, com um grande número de moléculas mais complexas do que as originalmente colocadas ali. Em particular tem sido encontrados aminoácidos, os "blocos de construção" de que são feitas as proteínas. Antes dessas experiências, a ocorrência natural de aminoácidos teria sido interpretada como sinal da presença de vida. Atualmente, a ocorrência espontânea de aminoácidos indica apenas a presença de gases simples na atmosfera e de alguns vulcões, luz solar e tempestades. Recentemente, simulações laboratoriais das condições químicas do planeta antes do surgimento da vida já produziram as substancias purina e pirimidina, "blocos de construção" da molécula genética, o DNA.

A "sopa primordial" pode ter se originado de alguns processos análogos citados acima. Substâncias orgânicas ficavam concentradas em certos lugares, como a espuma que secava às margens ou em suspensão. Sob influência da luz ultravioleta ou qualquer outra energia, se agruparam em moléculas maiores. Nos dias de hoje, grandes moléculas orgânicas seriam rapidamente absorvidas e desintegradas por bactérias e outros seres vivos. Mas as bactérias só surgiriam mais tarde, e tais moléculas podiam flutuar tranqüilamente, sem serem molestados, naquele caldo que se tornava cada vez mais denso.

Dawkins teoriza que, num momento qualquer, por acidente, surgiu uma molécula particularmente notável. O autor a chama de O Replicador. Sua particularidade mais notável e extraordinária: a capacidade de se copiar, criar cópias de si mesma. Afirma ainda que esse é um tipo de acidente cuja ocorrência é muito pouco provável; e de fato é. Foi uma ocorrência extremamente improvável.

Dawkins explica que uma molécula que seja capaz de produzir cópias de si mesma não é algo tão difícil de imaginar quanto parece. Era preciso que ela aparecesse uma só vez. O autor compara o replicador como um modelo padrão. Sugere que o imaginemos como uma molécula grande, constituída por uma complexa cadeia de vários tipos de blocos moleculares. Tais blocos encontravam-se abundantemente disponíveis no caldo em que flutuava o replicador. Temos que supor que cada bloco apresenta afinidade com outros blocos do mesmo tipo. Nesse caso, sempre que um bloco vindo do caldo se encontrar com uma parte do replicador com o qual apresente afinidade, a tendência é se aderir a ele. Os blocos, ligados dessa forma, automaticamente se arranjarão numa seqüência idêntica à do próprio replicador. Aí se torna fácil imagina-los se agrupando para formar uma cadeia estável semelhante ao replicador original, e esse processo poderia prosseguir com um empilhamento progressivo, formando camada sobre camada, numa formação que deu origem aos cristais. Ou então as duas cadeias poderiam de separar, dando origem a dois replicadores. Cada um deles continuaria a produzir outras cópias de si mesmo.

Dawkins sugere uma outra possibilidade, mais complexa: que cada bloco tenha afinidade não com os outros blocos do mesmo tipo, mas reciprocamente, com outro tipo em particular. Nesse caso, o replicador atuaria como um modelo não para uma cópia idêntica a ele, e sim como uma espécie de "negativo". Este, por sua vez, originaria uma nova cópia negativa, que corresponderia ao positivo original. Para os propósitos dessa obra, o autor afirma que não tem grande importância saber se o processo de replicação original era positivo-negativo ou positivo-positivo, embora seja interessante observar que os equivalentes modernos do primeiro replicador, as moléculas de DNA, utilizam um processo de replicação positivo-negativo. O mais importante é que, subitamente, uma nova forma de "estabilidade" surgiu no mundo. Antes dessa estabilidade, não existia nenhum tipo particular de molécula complexa que fosse muito abundante na sopa, já que cada uma dependia de que os blocos moleculares se arranjassem aleatoriamente, em configurações específicas. Mas quando surgiu, o replicador deve ter espalhado suas cópias rapidamente, até que os blocos menores se tornassem um recurso escasso e as outras moléculas grandes começassem a se formar cada vez mais raramente.

Teoricamente, chegamos dessa forma a uma numerosa população de réplicas idênticas. Nesse momento, é importante citar uma propriedade importante de qualquer processo de replicação: ele não é perfeito. Erros ocorrem nesse processo. Dawkins faz uma analogia entre os erros durante o processo de replicação e os erros de impressão deste livro. O autor espera que não existam erros de impressão neste livro, mas com um exame acurado, é possível que algum seja encontrado. Seguindo essa linha de raciocínio, o autor nos fala sobre os tempos anteriores à imprensa, quando livros como os Evangelhos eram copiados à mão. Erros involuntários à parte, Dawkins sugere que alguns escribas não resistiam à tentação de fazer pequenas "melhorias" no texto. Afirma ainda que, se todos produzissem cópias a partir de uma única matriz, não existiriam deturpações significativas de sentido. Já no caso de as cópias serem feitas a partir de outras cópias, que, por sua vez tivessem sido feitas a partir de outras cópias, os erros se acumulariam, e se tornariam bem mais sérios. Para o autor, a produção de uma cópia imprecisa do replicador biológico pode, teoricamente, originar um melhoramento. Foi essencial para a evolução progressiva que alguns erros tivessem ocorrido. Não há como sabermos com que grau de exatidão as moléculas replicadoras originais produziam cópias. O DNA, seu descendente moderno, é extraordinariamente fiel, se comparado com outros processos copiadores humanos do mais alto grau de fidelidade. Mas, mesmo eles, às vezes, cometem erros, e são esses erros, a princípio, que tornam possível a evolução. É bem provável que os replicadores originais eram bastante imprecisos, mas o importante é que, com certeza, os erros ocorriam e eram cumulativos.

Dawkins teoriza que, à medida que se formavam e espalhavam cópias imperfeitas, a sopa primordial foi se enchendo, não de uma população de cópias idênticas, mas de diversas variedades de moléculas replicadoras "descendentes" de um ancestral comum. Algumas eram mais abundantes que outras e outras seriam mais estáveis que outras. Certas moléculas, depois de formadas, teriam menos tendência do que outras a se decompor mais uma vez. Outras se tornaram relativamente mais numerosas na sopa primordial, como conseqüência lógica de sua longevidade, mas também teriam mais tempo disponível para produzir cópias de si mesmas. Dessa forma, os replicadores de alta longevidade apresentavam uma tendência de serem mais numerosos. Mantendo-se constante a influência de outros fatores, existiria a "tendência evolutiva" em direção a uma longevidade na população de moléculas.

Provavelmente, os demais fatores não se mantiveram constantes. Para Dawkins, dessa forma uma outra propriedade inerente a uma variedade de replicadores que deve ter assumido uma importância ainda maior na sua disseminação pela população foi a velocidade de replicação ou "fecundidade". O autor exemplifica da seguinte forma: se as moléculas replicadoras do tipo A fazem cópias de si mesmas, em média, uma vez por semana, e as moléculas do tipo B fazem cópias de si mesmas a cada hora, é simples prever que, em pouco tempo, as moléculas do tipo B irão superar às do tipo A, ainda que estas "vivam" por mais tempo. Dawkins afirma que é provável que tenha havido uma "tendência evolutiva" em direção ao aumento de "fecundidade" das moléculas na sopa primordial. Uma terceira característica das moléculas replicadoras que tenha sido favorecida pela seleção é a precisão da replicação. Outro exemplo: as moléculas do tipo X e do tipo Y apresentam exatamente a mesma longevidade e velocidade de replicação, mas se existir a produção de um erro a cada dez replicações de X e a produção de um só erro a cada cem replicações de Y, obviamente as moléculas do tipo Y se tornarão mais numerosas. A subpopulação de moléculas X na população perderá não só seus "filhos" mutantes, mas também seus descendentes, reais ou potenciais.

Dawkins nos apresenta a seguinte questão: será possível conciliar a idéia de que os erros de replicação sejam pré-requisitos essenciais para que a evolução ocorra, com a afirmação de que a seleção natural favoreça a produção de cópias de alta fidelidade?

O autor nos apresenta a resposta: embora a evolução possa parecer, tecnicamente, uma coisa boa, principalmente se levarmos em conta que nós somos um produto dessa evolução, na verdade não existe nada que "queira" evoluir. A evolução acontece, quer se queira ou não, a despeito de todos os esforços dos replicadores, e hoje em dia, dos genes.

Nesse ponto, Dawkins volta ao "caldo primordial". Este deve ter sido povoado por algumas variedades de moléculas estáveis, estabilidade esta no sentido de as moléculas individuais durarem muito tempo, ou se replicarem com grande velocidade ou com alto grau de precisão.

As tendências evolutivas que favorecem as três formas de estabilidade aconteceram no seguinte sentido: se colhêssemos amostras do caldo em dois momentos distintos, a ultima amostra apresentaria uma maior proporção das variedades com elevada longevidade/fecundidade/fidelidade da cópia. Para Dawkins, é esse, principalmente, o sentido do significado de evolução para um biólogo, quando ele se refere a seres vivos, e o mecanismo também é o mesmo: a seleção natural.

E aí surge outra questão: as moléculas replicadoras originais estavam "vivas"? Para Dawkins, isso não importa. O que realmente importa é que eles foram os ancestrais da vida, os nossos pais fundadores, independentes se "vivos" ou não.

O próximo passo importante nessa argumentação, que o próprio Darwin sublinhava (embora ele tratasse de animais e plantas, e não de moléculas), é a competição. O caldo primordial não tinha capacidade de prover o sustento de um número infinito de moléculas replicadoras. Primeiro, porque as dimensões do planeta são finitas, além de outros fatores limitadores importantes. Como foi observado, Dawkins descreve o replicador atuando como um modelo ou matriz. Supondo que ele se encontrasse mergulhado no caldo, as moléculas pequenas se encontravam abundantemente disponíveis. Mas, à medida que os replicadores se tornavam mais numerosos, as moléculas pequenas devem ter sido utilizados numa velocidade tal que acabaram por se tornarem um recurso escasso e precioso. Diferentes linhagens de replicadores devem ter competido por esses recursos. Podemos então concluir que as linhagens menos favorecidas teriam se tornado menos numerosas devido à competição, e que muitas delas devem ter se extinguido. Para Dawkins, as variedades travaram uma luta pela existência, no sentido de que qualquer cópia imprecisa que resultasse num nível mais alto de estabilidade, ou numa nova forma de reduzir a estabilidade de suas rivais era preservada e multiplicada. Esse processo de melhoramento era cumulativo. Houve uma maior elaboração e maior eficiência nas formas de aumento de estabilidade e na diminuição da estabilidade das rivais. O autor sugere até que alguns replicadores tenham "descoberto" como decompor quimicamente as moléculas das variedades rivais, para utilizar os blocos de construção assim liberados para produzir suas próprias cópias. Dessa forma, esses "protocarnívoros" obtinham alimento, ao mesmo tempo em que removiam os rivais. Dawkins sugere ainda que talvez alguns replicadores tenham descoberto maneiras de se proteger, ou quimicamente ou erguendo uma barreira física de proteínas à sua volta. Talvez as primeiras células vivas tenham surgido dessa forma. Agora, além de existir, os replicadores que sobreviveram foram aquelas que construíram maquinas de sobrevivência no interior das quais pudessem sobreviver. Dawkins argumenta que, de início, é provável que essas máquinas não fossem mais que revestimentos de proteção. Entretanto, manter a vida se tornava cada vez mais difícil à medida que surgiam novos rivais com máquinas de sobrevivência melhores e mais eficientes. Progressivamente, tais máquinas se tornaram maiores e mais elaboradas.

Outro questionamento apresentado pelo autor: haveria um ponto final para o aperfeiçoamento gradual das técnicas e dos artifícios usados pelos replicadores para assegurarem sua própria continuação no mundo? Já que contavam com bastante tempo para se aperfeiçoarem, que estranhas máquinas de autopreservação trariam consigo os milênios seguintes? Qual seria os destinos dos replicadores 4 bilhões de anos depois? Dawkins afirma que eles não se extinguiram, pois são antigos mestres na arte de sobreviver. Mas não iremos encontrá-los flutuando à deriva no mar. Há muito desistiram dessa liberdade, se agrupando agora em colônias imensas, resguardadas no interior de gigantescos e desajeitados robôs, se comunicando com o mundo exterior por caminhos indiretos e tortuosos. Eles estão dentro de nós, e sua preservação é a razão última de nossa existência. Esses replicadores agora atendem pelo nome de genes, e nós somos suas máquinas de sobrevivência.

CAPÍTULOS 3 – ESPIRAIS IMORTAIS

De acordo com Dawkins, todos nós somos máquinas de sobrevivência. Isso se aplica a todos os animais, vírus, plantas e bactérias. Tais máquinas apresentam uma grande variação em sua morfologia e em seus órgãos internos. Mas todos são bastante semelhantes quanto às suas estruturas químicas fundamentais. Sendo mais específico, os replicadores que todos carregam, os genes, são basicamente o mesmo tipo de molécula. Todos somos máquinas de sobrevivência para o mesmo tipo de replicador – as moléculas de DNA –, porém existem muitas formas de sobreviver neste mundo e os replicadores, por sua vez, construíram uma grande variedade de máquinas para explorar.

Dawkins sugere que os genes atuais, formados por DNA, seriampraticamente iguais aos primeiros replicadores que se encontravam na sopa primordial. Mas para o próprio autor, talvez isso não seja inteiramente verdadeiro. Os replicadores originais podem ter sido um tipo de molécula aparentado ao DNA, mas podem ter sido inteiramente diferentes. Sendo assim, pode-se dizer que suas máquinas de sobrevivência tenham sido "capturadas" pelo DNA em um estágio posterior. Se isso realmente aconteceu, os replicadores originais foram destruídos por completo. Seguindo essa linha de raciocínio, A. G. Cairns-Smith fez uma intrigante sugestão, a de que os primeiros replicadores podem não ter sido as moléculas orgânicas, e sim cristais inorgânicos. Independente disso, o DNA está indiscutivelmente no comando. Mas Dawkins discute uma hipotética nova tomada de poder no capítulo 11 desta mesma obra.

A seguir, Dawkins discorre sobre a molécula de DNA, os nucleotídeos e a dupla hélice ou "espiral imortal". Destaca que um dos quatro nucleotídeos que formam o DNA, o nucleotídeo G (os outros são os nucleotídeos A, T e C) de um homem, por exemplo, é em todos os detalhes, idêntico a um nucleotídeo G de um caramujo. Entretanto, a seqüência dos blocos de construção em um homem não apenas é diferente daquela de um caramujo, como também é diferente – embora em menor grau – da seqüência presente em todos os outros homens, com exceção dos casos de gêmeos idênticos.

Dawkins faz uma analogia com o DNA, comparando-o com um conjunto de instruções sobre como construir um corpo, escrito no alfabeto A, T, C e G do nucleotídeo. É como se em cada cômodo de um prédio gigantesco houvesse uma estante de livros contendo o projeto arquitetônico para o edifício todo. O autor compara a estante de livro ao núcleo da célula. No homem, o projeto arquitetônico é composto por 46 volumes, sendo os volumes os cromossomos. Utiliza também pagina como sinônimo de gene.

Para Dawkins, as moléculas de DNA realizam duas funções importantes. A primeira é a replicação, a criação de cópias de si mesmo. É um processo que acontece ininterruptamente desde o começo da vida, daí a eficiência do DNA nesse processo. Quando fomos concebidos, éramos apenas uma única célula dotada de cópia-mestre do plano do arquiteto. Adultos, somos constituídos por aproximadamente 1quatrilhão de células.

A segunda função é a supervisão, de forma indireta, da fabricação de um tipo diferente de molécula – a proteína. A hemoglobina, já citada anteriormente, é um exemplo apenas da enorme gama de moléculas de proteína.

A produção de proteínas pode parecer, à primeira vista, bem distante da tarefa de formar um corpo, mas na verdade é o primeiro passo nessa direção. As proteínas, além de constituir boa parte da estrutura física do corpo, também exercem um controle sensível sobre todos os processos químicos no interior da célula, ativando-os ou não, seletivamente, em momentos e lugares certos. Para o autor, os genes controlam indiretamente a produção dos corpos e a influência é estritamente de mão única: as características adquiridas não são herdadas. Nenhuma fração de conhecimento e sabedoria que o individuo tenha adquirido durante a vida, nada disso será transmitida à sua prole por meios genéticos. Toda nova geração começa da estaca zero. Conclui então que o corpo é a maneira de os genes se preservarem inalterados.

Qual a importância evolutiva do controle do desenvolvimento embrionário por parte dos genes? A importância é que os genes são responsáveis, pelo menos em parte, pela própria sobrevivência no futuro, já que esta depende da eficiência dos corpos que habitam e que ajudaram a construir. Antes, a seleção natural consistia na sobrevivência diferencial dos replicadores livres na sopa primordial. Agora, a seleção natural favorece os replicadores competentes na construção de máquinas de sobrevivência. A seleção automática entre moléculas rivais, de acordo com sua longevidade, fecundidade e fidelidade de cópia continua a operar nos moldes das épocas remotas. No entanto, as qualidades que determinam a longevidade e a fecundidade de um gene já não são tão simples como no passado.

Nos últimos 600 milhões de anos, os replicadores alcançaram triunfos tecnológicos notáveis em relação às suas máquinas de sobrevivência, tais como músculos, coração e olhos, que tiveram evoluções independentes. Mas, antes disso, os replicadores modificaram radicalmente certas características fundamentais.

Alguns pontos que necessitam ser explicados: o replicador moderno é altamente gregário. Uma máquina de sobrevivência contém não apenas um, mas milhares de genes. A fabricação de um corpo é um empreendimento cooperativo tão complexo que é praticamente impossível distinguir a contribuição de um gene da contribuição de outro. Um gene em particular terá muitos efeitos diferent6es em partes completamente diferentes do corpo. Uma determinada parte do corpo será influenciada por um amplo número de genes, e o efeito dessa influência dependerá de sua interação com muitos outros. Alguns se comportam como genes-mestres, controlando a atuação de um grupo de outros genes. Voltando à analogia, cada página do plano do arquiteto faz referência a muitas partes diferentes, e cada página só faz sentido a partir de suas referências cruzadas com uma série de outras.

Diante dessa interdependência, porque utilizar a palavra "gene"? Não seria mais coerente usar "complexo de genes"? Para alguns propósitos, seria o mais correto. Por outro lado, também faz sentido pensar no complexo de genes como algo que se divide em replicadores, ou genes, discretos. Isso se deve ao sexo. A função do sexo é misturar e embaralhar os genes. O que significa isso? Significa que qualquer corpo individual é apenas um veículo temporário para uma combinação efêmera de genes. A combinação, em si, pode ser efêmera, mas os genes em si são duradouros. Seus cruzamentos se cruzam e voltam a se cruzar constantemente ao longo das gerações. Pode-se considerar, então, o gene como uma unidade que sobrevive através de um grande número de corpos individuais sucessivos. Eis o argumento central desse capítulo.

Nesse ponto, Dawkins volta à analogia citada anteriormente. Os planos para se construir em corpo estão descritos em 46 volumes. Na realidade, os 46 cromossomos consistem de 23 pares de cromossomos. Pode-se dizer que, arquivados no núcleo de cada célula, existem dois conjuntos alternativos dos 23 volumes do plano. Dawkins os nomeia de Volume 1a e 1b, Volume 2a e 2b, até o Volume 23a e 23b. Frisa ainda que os números que utiliza para identificar os volumes, e mais à frente as páginas, são totalmente arbitrários.

Cada um dos nossos cromossomos foi recebido intacto de um dos nossos pais. Os Volumes 1a, 2a, 3a, etc., digamos que vieram do pai, e os Volumes 1b, 2b, 3b, etc., vieram da mãe.

Os dois cromossomos emparelhados não passam a vida toda em contato físico um com o outro, nem mesmo próximos um do outro. Em que sentido, então, eles formam um par? No sentido em que cada Volume originalmente provindo do pai pode ser considerado, página por página, como uma alternativa direta do Volume correspondente originalmente proveniente da mãe. Um exemplo: a Página 6 do Volume 13a e a Página 6 do Volume 13b poderiam ser ambas sobre a cor dos olhos, uma página com olhos azuis, outra com olhos castanhos.

Dawkins explica que, às vezes, duas páginas alternativas são idênticas, mas há casos, como no exemplo da cor dos olhos, em que são diferentes. Se há informações contraditórias, o que faz o corpo? A resposta varia. Em alguns casos, uma indicação prevalece sobre a outra. No exemplo acima, a pessoa teria olhos castanhos; as instruções para se fazer olhos azuis seriam ignoradas, ainda que isso não impeça a transmissão para as gerações seguintes. Um gene que é ignorado dessa forma é chamado recessivo, enquanto que o outro é um gene dominante. O gene para olhos castanhos é dominante sobre o gene para olhos azuis. Uma pessoa terá olhos azuis somente quando ambas as cópias da Página forem unânimes. Frequentemente, quando os dois genes alternativos são idênticos, o resultado é uma espécie de comprometimento.

Dawkins ressalta que, quando dois genes, como os para olhos castanhos e os para olhos azuis concorrem pelo mesmo lócus num cromossomo, são denominados de alelos. Para os propósitos do autor, a palavra "alelo" é sinônima de "rival". Uma sugestão do autor: imaginar os Volumes do plano arquitetônico como fichários, cujas páginas podem ser destacadas e trocadas por outras. Cada Volume 13 deverá obrigatoriamente ter uma Página 6, mas existem várias páginas 6 possíveis que podem ocupar o espaço entre as Páginas 5 e a 7. Uma pode "dizer" olhos azuis, outra olhos castanhos. Pode ainda haver outras que determinem outras cores, como a verde.

Evidentemente, não podemos escolher nossos genes no conjunto de genes disponíveis para a população como um todo. Entretanto, há um sentido em que os genes da população em geral podem, a longo prazo, ser considerados um pool gênico, que vem a ser o conjunto completo de alelos que podem ser encontrados no material genético de indivíduos de uma determinada espécie ou população. Dawkins considera o pool gênico uma abstração conveniente, uma vez que o sexo mistura efetivamente os genes, embora o faça de forma cuidadosamente organizada. Ocorre alguma coisa semelhante ao arrancar e trocar as páginas do fichário, mas isso será discutido mais à frente.

Dawkins nos explica, agora, o que é mitose e meiose. A mitose é a divisão normal da célula em duas novas células-filhas, cada uma recebendo a cópia completa de todos os 46 cromossomos. A meiose, por sua vez, ocorre somente na produção de células sexuais, os espermatozóides e os óvulos, onde cada célula contém apenas 23 cromossomos, e não os 46. Isso é extremamente conveniente no momento da fecundação, quando se unem para formar um novo individuo. Devemos frisar que esses números, 23 e 46 cromossomos, é o número de cromossomos humanos.

A divisão dos cromossomos humanos em 23 para as células sexuais é extremamente complexa. Como já foi dito anteriormente, vamos continuar com a analogia do fichário. Com essa visão, um espermatozóide poderia compor o seu Volume 1 retirando as primeiras 65 páginas do Volume 1a e as restantes do Volume 1b. Os outros 22 volumes seriam compostos da mesma forma. Assim, cada espermatozóide é único, não obstante todos os espermatozóides tenham formado os 23 cromossomos a partir de pedaços do mesmo conjunto de 46 cromossomos. Os óvulos são produzidos de forma semelhante.

A mecânica dessa mistura é razoavelmente bem entendida. Durante a produção de um espermatozóide ou óvulo, pedaços de cada cromossomo interno destacam-se fisicamente e trocam de lugar com os pedaços de cromossomos maternos (nesse caso estamos falando de cromossomos provindos dos pais do individuo produtor do espermatozóide). Esse processo de permuta de pedaços do cromossomo chama-se crossing-over, fenômeno de muita importância para a argumentação dessa obra. Ao contrário de outras células do corpo, é impossível tentar identificar os cromossomos provenientes do pai e da mãe, já que qualquer cromossomo de um espermatozóide ou óvulo se apresenta como um mosaico de genes maternos e paternos.

Dawkins afirma que, a partir desse ponto, a metáfora do gene como uma página começa a não mais funcionar. Pode-se trocar, remover ou inserir uma pagina inteira, mas não uma fração de uma página.

Mas o complexo de genes é apenas uma longa cadeia de letras de nucleotídeos, não divididas em páginas destacadas de nenhuma maneira obvia. Na realidade, existem símbolos específicos para o fim e para o começo da mensagem de cadeia protéica, escritos no mesmo alfabeto de quatro letras em que estão redigidas as próprias mensagens da cadeia protéica.Entre os símbolos de início e fim e fim estão as instruções codificadas para se produzir uma proteína. O autor sugere que definamos o gene como uma seqüência de nucleotídeos localizados entre um símbolo de COMEÇO e um símbolo de FIM, e que codifica uma proteína. A palavra "cístron" tem sido utilizada para uma unidade assim definida, mas o crossing-over não respeita esses limites. As divisões podem ocorrer tanto no interior dos cístrons como entre eles. Mas os cístrons não têm comprimento fixo, e a única maneira de determinar onde um acaba e outro termina seria ler os símbolos na fita, procurando pelas marcações de FIM e de COMEÇO da mensagem. Pode-se representar o crossing-over como o corte e troca de porções correspondentes da fita materna e paterna, independente do que esteja escrito nelas.

Dawkins explica que a palavra "gene", do título dessa obra, não significa um cístron, e sim algo mais sutil. Para definir a palavra "gene" mais de acordo com o propósito dessa obra, o autor utiliza a definição de G. C. Williams: "um gene é qualquer porção de material cromossômico que, potencialmente, dure um número suficiente de gerações para servir como unidade de seleção natural". E justifica sua definição, já que um gene tem de ser uma porção de um cromossomo. O importante é saber qual o seu tamanho. E exemplifica: vamos imaginar uma seqüência qualquer de letras adjacentes numa fita, que o autor chama de unidade genética. Pode ser uma seqüência de somente 10 letras contidas num cístron ou uma seqüência de 8 cístrons. Pode ainda começar e terminar no meio de um cístron. Além de se sobrepor a outras unidades genéticas, incluirá unidades menores e fará parte de unidades maiores. Para o que se propõe nesse livro, não importa a extensão da seqüência.

Eis o ponto que interessa. Quanto mais curta for uma unidade genética, mais tempo – em gerações – é provável que ela dure. A princípio, é menos provável que ela seja dividida por um crossing-over. Vamos supor que um cromossomo inteiro tem, em média, a probabilidade de sofrer um crossing-over cada vez que um óvulo ou espermatozóide são formados por divisão meiótica e que esse crossing-over ocorre em qualquer ponto ao longo de seu comprimento. Se considerarmos uma unidade genética muito grande, com a metade do comprimento do cromossomo, existirá uma probabilidade de 50% de a unidade ser dividida a cada meiose. Mas se a unidade genética que estamos analisando tiver apenas 1% do comprimento do cromossomo, teoricamente a probabilidade de ela ser dividida durante uma divisão meiótica se reduz a apenas 1%. Assim, é de se esperar que a unidade sobreviva ao longo de muitas gerações de descendentes. Dawkins afirma que um único cístron representa, provavelmente, muito menos do que 1% do comprimento de um cromossomo, e mesmo um conjunto de vários cístrons vizinhos pode esperar durar muitas gerações, até ser dividido por um crossing-over.

A expectativa de vida média de uma unidade genética pode ser expressa em gerações, que por sua vez podem ser traduzidas em anos. Ao se tornar um cromossomo inteiro como nossa suposta unidade genética, a historia de nossa vida durará uma única geração. O autor sugere que tratemos do cromossomo 8a, herdado de seu pai. Criado no interior de um dos testículos do pai, ele nunca havia existido antes. Ele foi criado pelo processo de embaralhamento meiótico, na reunião de pedaços cromossômicos de seu avô paterno e de sua avó paterna, colocados num espermatozóide específico, e era único.

A unidade genética considerada, a 8a, começou a produzir cópias de si mesma, juntamente com todo o restante de seu material genético. Ele existe agora duplicado por todo o seu corpo. Mas quando o leitor ou leitora tiver filhos, seu cromossomo 8a será destruído no momento em que fabricar espermatozóides ou óvulos. Pedaços do cromossomo serão permutados com outros do seu cromossomo 8a materno.Em toda e qualquer célula sexual será criado um novo cromossomo 8a, "pior" ou "melhor", mas salvo coincidências bastante improváveis, definitivamente diferente e único. Assim, estabelece-se que a duração de vida de um cromossomo é de uma geração.

Abordaremos agora outra questão, que é a duração de vida de uma unidade genética menor, tipo um centésimo do comprimento do seu cromossomo 8a? Também essa unidade veio do pai do leitor, embora provavelmente não tenha sido originalmente formado nele. Assim, se traçarmos a ascendência de uma pequena unidade genética pelo número suficiente de gerações, chegaremos ao seu criador original.

Nesse ponto, vale a pena repetir o sentido que Dawkins usa a palavra "criar". As subunidades menores que constituem a unidade genética considerada podem ter existido desde muito antes. Nossa unidade genéticafoi criada num determinado momento, apenas no sentido de que o arranjo todo particular das subunidades que a integram não existia anteriormente. O momento da criação pode ter ocorrido recentemente, em um de nossos avós, ou mesmo em um antepassado muito mais distante, até mesmo em um ancestral pré-humano. Deve-se levar em conta também que uma unidade genética pequena pode perdurar por um período igualmente longo, transmitindo-se de forma intacta por uma longa linhagem.

O autor frisa que os descendentes de um individuo não constituem uma linha simples, mas ramificada. Qualquer que tenha sido o "criador" de uma pequena extensão do cromossomo 8a, provavelmente uma de suas unidades genéticas pode estar presente em um primo de segundo grau. Ao mesmo tempo em que é improvável que se compartilhe um cromossomo inteiro, quanto menor for uma unidade genética maior é a probabilidade de que ela esteja representada muitas vezes em todo o mundo sob a forma de cópias.

Assim como o crossing-over, Dawkins agora nos apresenta outra forma de criação de uma unidade genética: a mutação pontual, que apesar de rara é de grande importância do ponto de vista evolutiva. Uma mutação pontual é um erro que corresponde à impressão de uma única letra incorreta, como uma letra no lugar de outra num livro. É um erro pouco freqüente, mas evidentemente, quanto mais longa a unidade genética, maior a probabilidade de alteração por mutação em algum ponto.

Outra raridade, com conseqüências importantes a longo prazo, é a chamada inversão, que é quando um pedaço do cromossomo destaca-se em ambas as extremidades, vira-se ao contrário e se une novamente. Isso equivale, na nossa analogia, a renumerar as páginas. Às vezes, ao invés de se inverterem, as porções do cromossomo ligam-se a uma parte completamente diferente do cromossomo, ou até mesmo a um cromossomo diferente. Apesar desse tipo de erro ser desastroso, pode, ocasionalmente, originar uma ligação de porções do material genético que por acaso funcionem bem juntas. A seleção natural poderá tender a favorecer a "nova unidade genética" formada dessa maneira, disseminando-a na população futura. Possivelmente, os complexos de genes tenham sido rearranjados ou "reeditados" ao longo dos anos.

Dawkins cita, como um dos exemplos mais notáveis do efeito benéfico da inversão, o mimetismo. Ao mimetizarem borboletas impalatáveis, borboletas palatáveis que possuem os genes para o mimetismo são favorecidas pela seleção natural. É assim que o mimetismo evolui.

O autor argumenta que há muitas espécies diferentes de borboletas impalatáveis e todas se parecem. Não podendo se parecer com todas, uma borboleta palatável precisa se restringir a uma espécie em particular. Em geral, uma espécie particular de borboletas miméticas se especializa em mimetizar uma espécie impalatável em particular. Mas há espécies de borboletas miméticasque realizam algo estranho: alguns indivíduos dessas espécies mimetizam uma espécie em particular, ao passo que outras da mesma espécie mimetizam outra. Uma borboleta de aparência intermediaria seria rapidamente devorada. No entanto, essas borboletas intermediárias não nascem. Para Dawkins, assim como um individuo é definitivamente macho ou fêmea, ele também mimetiza uma ou outra espécie impalatável. Uma borboleta pode mimetizar a espécie A, e seu irmão mimetizar a espécie B.

Aparentemente, um único gene determina se um indivíduo mimetiza a espécie A ou B. Mas como é que um único gene pode determinar todos os aspectos variados do mimetismo, tais como cor, forma, padrão das manchas e ritmo de vôo? A resposta é que um gene, no sentido de um cístron, a princípio não pode fazê-lo. Mas, com a "edição" inconsciente e automática pelas inversões e os demais rearranjos acidentais do material genético, um amplo conjunto de genes, antes separados, constituiu-se num grupo fortemente ligado entre si, num cromossomo. Todo esse conjunto comporta-se como se fosse um único gene, e tem um "alelo" que é, na realidade, um conjunto diferente. Um grupo contém os cístrons envolvidos na mimetização da espécie A, outro grupo os cístrons para a espécie B. É tão raro que esses grupos sejam divididos por crossing-over que borboletas intermediárias nunca são observados na natureza, embora ocasionalmente possam aparecer se criados em abundância em laboratório.

Nesse ponto, Dawkins volta ao assunto "egoísmo", discutido no final do Capítulo 1. Novamente destaca a importância dos estudos de Darwin w Mendel.

Um aspecto interessante que dawkins aborda é que o gene não envelhece. A sua probabilidade de morrer ao completar um milhão de anos não é maior do que a que existia quando ele completou cem anos. O gene salta de um corpo para outro, geração após geração, e abandona-o antes da senilidade e morte.

Os genes não são destruídos pelo crossing-over. Apenas troca de parceiros e seguem em frente. Genes são os replicadores e nós suas máquinas de sobrevivência. Ao cumprirmos nossa missão, somos descartados. Os genes são para sempre.

Os genes são eternos, mas não da mesma forma. Tomando como exemplo os diamantes, eles sempre apresentam um padrão inalterado de átomos. As moléculas de DNA não têm esse tipo de permanência. Sua vida física é bastante curta, não mais que a duração da vida de um indivíduo. Mas, teoricamente, a molécula de DNA poder seguir vivendo sob a forma de cópias de si mesma por uma centena de milhões de anos.

Para os propósitos da teoria evolucionista, a definição de um gene como um único cístron necessita ser ampliada. Para se encontrar a unidade prática de seleção natural, começa-se a identificar as propriedades que uma unidade de seleção natural deve possuir para ser bem sucedida. Com base no Capítulo anterior, essas propriedades são longevidade, fecundidade e fidelidade de cópia. Por isso, o autor define "gene" como a maior entidade que, pelo menos potencialmente, possui tais propriedades. Também define "gene" como fragmento de cromossomo pequeno o bastante para durar, potencialmente, o tempo suficiente para funcionar como uma unidade significativa de seleção natural.

Mas, quanto é exatamente esse "tempo suficiente"? Vai depender de quão severa for a "pressão" da seleção natural. Tem-se aqui uma questão de pormenor quantitativo, variando de caso para caso.

É sua imortalidade potencial que faz do gene um bom candidato à unidade básica da seleção natural. É aqui que se frisa a palavra "potencial". Enquanto um gene pode viver milhões de anos, outros genes novos não passam sequer da primeira geração. Os poucos genes novos que são bem sucedidos os são, em parte, porque têm sorte, mas principalmente porque apresentam o que é preciso ter, a capacidade de produzir boas máquinas de sobrevivência. Mas ao invés de particularidades (tais como pernas compridas, que ajudariam na fuga de predadores para uma determinada espécie, poderiam ser desastrosas para outras, como as toupeiras, por exemplo), podemos pensar em qualidades universais que esperaríamos encontrar em todos os genes bons (os de vida longa)? E, inversamente, quais as propriedades que assinalam de imediato que um gene é ruim (de vida curta)? Uma qualidade é particularmente relevante no que diz respeito a esse livro: no nível do gene, o altruísmo é mau e o egoísmo é bom. É uma decorrência inexorável das definições do autor sobre egoísmo e altruísmo. Os genes competem diretamente pela sobrevivência com seus alelos no pool gênico, pois esses alelos são seus rivais na conquista do mesmo lócus no cromossomo das gerações futuras. Cada gene que se comporte de forma a aumentar suas próprias chances de sobrevivência no pool, à custa de seus rivais, tenderá a sobreviver. O gene é a unidade básica do egoísmo.

Esta é a mensagem principal do capítulo. Mas o autor afirma que, propositalmente, amenizou questõesmais complexas e ignorou certas premissas. A principal questão já foi mencionada. Independentes e livres ao longo de gerações, os genes na realidade não são agentes livres e independentes no seu controle do desenvolvimento embrionário. Eles interagem e colaboram de maneira complexa uns com os outros e com o ambiente que os cerca. Termos como "gene para pernas compridas" ou "gene para comportamento altruísta" são figuras de linguagem convenientes, mas é importante compreender seu significado. Não existe um gene que por si só construa uma perna, seja ela curta ou comprida. A construção de uma perna envolve um trabalho cooperativo de muitos genes, sem contar que as influencias do meio externo são indispensáveis. Porém, pode haver um único gene que, mantendo-se constante os demais fatores, tenda a fazer pernas mais compridas do que elas seriam se estivessem sob a influência do seu alelo.

Em se tratando de um determinado gene, os alelos são seus rivais mortais, ao passo que outros genes são partes do seu meio ambiente. O efeito de um gene depende do seu ambiente, e isso inclui os demais genes.

Dawkins reafirma sua idéia principal, de que a unidade básica da seleção natural deve ser considerada não com relação à espécie, nem à população ou o individuo, mas a uma pequena unidade do material genético que, convenientemente, chamaremos de gene. O pressuposto é que os genes são potencialmente imortais, ao passo que os corpos e outras unidades superiores aos genes são temporários. Esse pressuposto se deve à reprodução sexuada e o crossing-over e à mortalidade do individuo. Aí surgem outras questões: Porque realizamos a reprodução sexuada? Porque ocorre o crossing-over? Porque não vivemos eternamente?

Para a questão de porque morremos de velhice, Dawkins apresenta algumas respostas. A principal é a teoria de que a senilidade representa uma acumulação de erros de cópias nocivas e de outros tipos de alterações genéticas que ocorrem durante a vida de um individuo. Outra teoria é a formulada por Sir Peter Medawar, de que os animais velhos são decrépitos demais para se reproduzirem. Há uma lógica admirável nisso. Uma qualidade geral dos genes bem-sucedidos, além do egoísmo, é a tendência para postergar a morte de suas máquinas de sobrevivência, ao menos até depois da reprodução. Os antepassados, a princípio, não morrem jovens.

Um gene que leve seus possuidores à morte é chamado de "gene letal". Um gene semiletal é aquele que provoca um efeito debilitante, aumentando a possibilidade de o seu possuidor morrer por outras causas. Qualquer gene exerce seu efeito máximo nos corpos em algum período específico da vida (infância, juventude, meia-idade ou velhice), e os genes letais e semiletais não são exceções.Os genes letais tenderão a ser removidos do pool de genes, mas obviamnte um gene letal de ação tardia será mais estável no pool de genes do que um gene letal de ação precoce. Assim, poderá obter êxito no pool gênico, desde que seu efeito letal não se manifeste até que o corpo tenha tido tempo para deixar ao menos alguns descendentes. De acordo com essa teoria, o declínio senil é um subproduto da acumulação, no pool gênico, de genes letais e semiletais de ação tardia, que conseguiram escapar da peneira da seleção natural simplesmente porque são de ação tardia.

Desse ponto até o final do capítulo, Dawkins faz algumas comparações entre reprodução sexuada e assexuada.

CAPÍTULO 4 – A MÁQUINA GÊNICA

Como já foi visto anteriormente, as máquinas de sobrevivência começaram como receptáculos passivos para os genes. Um dos ramos principais das máquinas, os vegetais, começaram a utilizar de forma direta a luz solar, restabelecendo a uma velocidade bem maior os processos de síntese da sopa primordial. Outro ramo, os animais, começou a explorar o processo químico das plantas, alimentando-se delas ou alimentando-se de animais que se alimentavam das plantas. Ao desenvolver truques cada vez mais engenhosos a fim de aumentar a eficiência de suas máquinas, animais e plantas deram origem a ramificações e sub-ramificações, através da evolução, cada uma com particularidades para garantir sua sobrevivência, seja no mar, na terra, no ar, debaixo da terra, encima das arvores ou no interior de outros corpos vivos.

Tanto os animais como as plantas evoluíram para corpos multicelulares, com a distribuição, em cada célula, das cópias completas de todos os genes. Já que existe uma relação de cooperação de trabalho de todos os genes, Dawkins define o corpo como uma colônia de genes, definindo a célula como uma unidade de trabalho conveniente para as indústrias químicas dos genes. Mas, apesar de colônias de genes, os corpos adquiriram inegavelmente uma individualidade própria.

Dawkins explica que este capítulo é sobre comportamento, o artifício do movimento rápido largamente explorado pelo ramo animal das máquinas de sobrevivência. Biologicamente, uma característica do comportamento é que ele é rápido. As plantas se movem, só que lentamente. Contudo, a maior parte do movimento vegetal é, na verdade, crescimento irreversível. Os animais, por sua vez, desenvolveram movimentos infinitamente mais rápidos. Além disso, são reversíveis e podem se repetir indefinidamente.

O dispositivo desenvolvido pelos animais para esses movimentos rápidos foi o músculo. Dawkins faz uma analogia do músculo com um motor, no sentido de que o motor sempre exerce sua força sobre cabos e alavancas com dobradiças. No caso dos animais, as alavancas são os ossos, os cabos os tendões, e as dobradiças as articulações. Mas o importante, na opinião do autor, é saber como as contrações musculares se ordenam no tempo.

A respeito de movimentos sincronizados complexos, dawkins cita o computador digital, e o seu componente básico, o semicondutor, do qual o transistor é uma forma mais conhecida. Mas as máquinas de sobrevivência passaram ao largo disso. O sistema utilizado por elas para coordenar temporalmente seus movimentos tem mais semelhanças com um computador eletrônico, embora se diferencie deste quanto ao seu funcionamento básico. Dawkins frisa que, na verdade, a unidade fundamental dos computadores biológicos, a célula nervosa ou neurônio, não se parece em nada com o transistor em seu funcionamento interno. O código de comunicação entre os neurônios tem alguma semelhança com os códigos de pulso dos computadores digitais, mas o neurônio individual é uma unidade de processamento muito mais sofisticada que o transistor. Um único neurônio pode ter dezenas de milhares de conexões. Apesar de mais lento que o transistor, o neurônio foi muito mais longe em ternos de miniaturização. A prova disso é que existem cerca de 10 bilhões de neurônios; dentro de um crânio não caberiam mais do que algumas centenas de transistores. Segundo o autor, as plantas não necessitam de neurônios, já que vivem sem se movimentarem por ai. Já os neurônios são encontrados na grande maioria dos grupos animais.

Dawkins explica que os neurônios são basicamente células com núcleo e cromossomos, como todas as células. Mas suas finas membranas prolongam-se em projeções longas e finas, semelhantes a fios. Em geral, os neurônios apresentam um "fio" particularmente longo, o axônio. Apesar de sua espessura microscópica, seu comprimento pode alcançar mais de um metro. Os axônios, por sua vez, costumam se organizar em feixes, formando grossos cabos chamados nervos. Estes têm a função de ligar um ponto do corpo à outra, levando mensagens. Há outros neurônios que apresentam axônios curtos, que ficam confinados em densas concentrações nervosas denominadas gânglios; quando são muito grandes, cérebros. Para Dawkins, há funções análogas entre o cérebro e os computadores: um e outro geram padrões complexos de output, depois de análises complexas de input e depois de fazerem referência à informação armazenada.

A contribuição prática do cérebro para o sucesso da máquina de sobrevivência é o controle e a coordenação das contrações musculares. Para isso, utilizam os nervos motores, cabos que chegam até os músculos. Mas para uma eficiente preservação dos genes, a coordenação das contrações musculares deve estabelecer uma relação de organização temporal dos eventos do mundo externo, ou seja, somente utilizar os músculos quando há alguma coisa que valha a pena, para justificar o dispêndio de energia. Por isso, a seleção natural favoreceu os animais que se equiparam com órgãos sensoriais, os tradutores dos padrões de eventos físicos do mundo externo para o código de pulso dos neurônios.

Dawkins acredita que tenha havido uma época em que os órgãos dos sentidos se comunicavam mais ou menos diretamente com os músculos, bem parecido com as anêmonas-do-mar. Mas para alcançar relações mais complexas entre o meio externo e as respostas satisfatórias, fez-se necessário algum tipo de cérebro para agir como intermediário. O autor frisa que um avanço notável foi a "invenção" evolutiva da memória. Foi notável porque a coordenação dos controles musculares passou a ser influenciada não apenas por eventos do passado imediato, mas também do passado distante.

Outra espantosa propriedade do comportamento das máquinas de sobrevivência é sua aparente intencionalidade. Ao observamos um animal procurando comida, parceiro sexual ou filhote perdido, dificilmente conseguimos atribuir a ele algum dos sentimentos subjetivos que nós mesmos experimentamos quando empreendemos tais procuras. Estes sentimentos podem incluir desejo por algum objeto, uma imagem mental do objeto, um propósito ou finalidade. Tomando por base a introspecção, sabemos que a intencionalidade desenvolveu outra propriedade, que é a consciência.

A seguir, Dawkins nos fala sobre o feedback negativo, exemplificado no regulador de vapor de Watt, com a descrição detalhada do funcionamento do dispositivo. Também descreve a "relação" entre computadores que "jogam" xadrez e seus programadores.

O mais importante, nesse ponto, é que os genes controlam o comportamento de suas máquinas de sobrevivência, não diretamente como os manipuladores de marionetes, mas indiretamente, como os programadores de computadores. Tudo que os genes podem fazer é preparar suas máquinas antecipadamente. A partir daí, ficam por sua própria conta, e só restará aos genes acomodarem-se passivamente no interior de suas máquinas de sobrevivência. Aí surgem duas questões: Porque os genes são assim tão passivos? Porque não assumem o controle?A resposta é que não podem fazê-lo devido a um problema de defasagem de tempo. Os genes operam controlando a síntese de proteínas. É uma forma poderosa, mas lenta, de manipular o mundo. São necessários meses e meses de um paciente puxar de cordinhas protéicas para construir um embrião. O conflito com a característica fundamental do comportamento é que ele é rápido, operando numa escala de tempo de frações de segundo, e não de meses. A vida oferece um número demasiado grande de eventualidades possíveis para que todos possam ser antecipados. Como um programador, o gene terá de "instruir" as suas máquinas de sobrevivência com estratégias gerais da arte de viver, e não com detalhes específicos.

Dawkins afirma que, segundo J. Z. Young, os genes realizam uma tarefa análoga à predação.Quem poderá dizer quais predadores estarão espreitando-o, ou quais presas atravessarão seu caminho? Ninguém. Mas há a possibilidade de fazer previsões gerais. Os genes de um urso-polar, por exemplo, poderão prever que o futuro de sua máquina de sobrevivência será frio. Mas não pensem nisso como uma profecia, apenas constroem uma grossa camada de pêlos simplesmente porque fizeram isso em corpos anteriores, e é por essa razão que continuam a existir no pool gênico. Também prevendo o ambiente de gelo e produziram uma grossa camada de pêlos, produzirão pêlos brancos, que também servirão como camuflagem. Se o clima do Ártico mudasse rapidamente, e o bebê urso se encontrasse rapidamente num deserto tropical, as previsões dos genes estariam erradas e o preço a pagar seria a morte do bebê urso. Este, morrendo, morreriam também seus genes.

Fazer previsões num mundo complexo é um negócio arriscado. Toda e qualquer decisão tomada é um jogo de azar, e é função dos genes programarem os cérebros, de antemão, para tomarem decisões compensadoras. A moeda de troca é a sobrevivência, mais exatamente a sobrevivência dos genes. Ao procurar uma nascente de água, um indivíduo corre o risco de ser devorado por predadores que também utilizam essa nascente. Se não a procurar, morre de sede. Uma alternativa razoável seria adiar a ida à nascente até que esteja com muita sede, e então tomará uma grande quantidade de água, e assim ficar saciado por muito tempo. Se por um lado o número de visitas à nascente será reduzido, por outro lado terá de permanecer de cabeça baixa por mais tempo, enquanto bebe. Talvez a melhor opção seria beber pouco, mas frequentemente, com pequenos goles de água enquanto passa correndo. É o complexo conjunto de fatores (entre eles os hábitos de caça dos predadores, que por sua vez, foram desenvolvidos com vistas a atingir a eficiência máxima) que irá determinar a melhor estratégia. É evidente que não devemos acreditar que os animais fazem cálculos. Temos apenas que acreditar que os indivíduos cujos genes constroem cérebros de tal forma que tendem a efetuar as apostas corretas contarão com maiores possibilidades de sobreviver, e com isso, aumentam a probabilidade de propagarem esses mesmos genes.

Segundo Dawkins, uma forma de os genes responderem ao problema de fazer previsões em ambientes imprevisíveis é incorporar a capacidade para aprender. É como se a propagação da máquina de sobrevivência apresentasse uma lista de recompensas e uma lista de aspectos desagradáveis, com a recomendação de, se fizer algo seguido de coisas desagradáveis, não o faça novamente, mas repita tudo que foi seguido de recompensas. As vantagens desse tipo de programação é a drástica redução do número de regras detalhadas a serem introduzidas na programação original, além de serem capazes de lidar com alterações no meio ambiente que não podem ser previstas em detalhes. Mas algumas previsões continuarão a ser necessárias.

Dawkins afirma que a simulação é um dos métodos mais interessantes de predizer o futuro. Descreve ainda várias formas de simulação, desde jogos de computador até jogos de guerra.

Se a simulação é realmente uma idéia tão boa, seria de se esperar que as máquinas de sobrevivência a tivessem descoberto primeiro. Mas o importante é que as máquinas de sobrevivência capazes de simular o futuro estão um passo à frente das máquinas que podem aprender somente com base em tentativa e erro. O grande problema da tentativa é que ela consome tempo e energia, alem de serem muitas vezes fatal. A simulação, além de segura, é mais rápida.

A evolução da capacidade de simular parece ter culminado na consciência subjetiva. O porquê de isso ter acontecido é, na opinião de Dawkins, o mistério mais profundo com que se defronta a biologia moderna. Talvez a consciência tenha surgido no momento em que a simulação que o cérebro faz do mundo tenha se tornado tão completa que passa a ter que incluir um modelo de si mesma.

Independente dos problemas filosóficos suscitados pela consciência, para o que foi proposto por esse livro, podemos pensar nela como o ápice de uma tendência evolutiva em direção à emancipação das máquinas de sobrevivência, enquanto executantes das decisões tomadas por seus genes. Além de cuidar dos interesses cotidianos das máquinas de sobrevivência, o cérebro também adquiriu a capacidade de prever o futuro e agir de acordo com a previsão.Para Dawkins, o cérebro tem até mesmo o poder de se rebelar contra os ditames dos genes, por exemplo, ao se recusarem a ter tantos filhos quanto poderiam. Com relação a isso, o homem é um caso muito especial, como veremos mais adiante.

E o altruísmo e o egoísmo, o que têm a ver com tudo isso? Dawkins desenvolve a idéia de que o comportamento animal, qualquer que seja, está sob o controle dos genes apenas de forma indireta, mas bem poderosa. Os genes exercem um poder fundamental sobre o comportamento ao ditar a maneira como as máquinas de sobrevivência e seus sistemas nervosos são construídos. Porém, as decisões sobre o que fazer a cada momento são tomadas pelo sistema nervoso. Mas, à medida que se tornavam cada vez mais desenvolvidos, os cérebros assumiram uma parcela cada vez maior das acerca dos próprios planos de ação, utilizando estratégias como aprendizagem e simulação.

É importante lembrar que a evolução ocorre passo a passo, através da sobrevivência diferencial dos genes no pool gênico. Portanto, para que um padrão de comportamento, seja ele altruísta ou egoísta, se desenvolva como resultado da evolução, é necessário que um gene para esse comportamento sobreviva no pool gênico com maior sucesso do que um alelo para um comportamento diferente.

Não há evidências experimentais para a transmissão gênica do comportamento altruísta, já que são poucos os trabalhos sobre genética de comportamento. Mas Dawkins nos dá um exemplo sobre que, mesmo não sendo altruísta de forma evidente, é suficientemente complexo. Esse estudo pode servir de modelo para se pensar como o comportamento altruísta pode ser herdado.

O exemplo é sobre abelhas melíferas que sofrem de uma doença infecciosa chamada "cria pútrida", que ataca as larvas no interior de seus casulos. Entre as espécies domésticas utilizadas pelos apicultores, algumas estão mais sujeitas a contrair a doença que outras. Descobriu-se que a diferença entre as linhagens, pelo menos entre algumas delas, é comportamental. Há as chamadas "linhagens higiênicas" que localizam as larvas infectadas, rompem os opérculos, arrancam-nas dos alvéolos e jogam-nas fora das colméias, erradicando rapidamente a epidemia. Já as que são suscetíveis à doença são as que justamente não procedem dessa forma.

Os experimentos genéticos com abelhas são bastante complicadas por várias razões, entre elas, o fato das abelhas-operárias normalmente não se reproduzirem. É necessário cruzar uma rainha de uma variedade com o zangão de outra, e aí observar o comportamento das filhas operárias. Foi assim que procedeu W. C. Rothenbuhler. Ele observou que todas as colméias hibridas filhas da primeira geração eram não-higienicas; o comportamento do progenitor higiênico parecia haver se perdido, mas os genes higiênicos ainda estavam lá, como os genes recessivos humanos para olhos azuis. Ao realizar o retrocruzamento dos híbridos da primeira geração com uma linhagem higiênica pura, obteve um resultado notável. As colméias-filhas dividiam-se em três grupos. O primeiro apresentava um comportamento higiênico perfeito, o segundo não apresentava nenhum comportamento higiênico e o terceiro apresentava um comportamento intermediário: localizava e retirava as larvas de infectadas dos alvéolos, mas não os retirava da colméia. Rothenbuhler teorizou que talvez existisse dois genes separados, um para promover a retirada dos opérculos e outro para jogar fora as larvas infectadas. Enquanto as linhagens higiênicas normais contam com ambos os genes, as cepas suscetíveis á doença possuem os alelos (ou rivais) de ambos os genes. Os híbridos intermediários presumivelmente apresentariam o gene desoperculador (em dose dupla), mas não o gene removedor. Sugeriu também que o grupo não-higiênico talvez ocultasse um subgrupo que apresentasse o gene removedor, mas fosse incapaz de manifestá-lo por causa da ausência do gene desoperculador. Para confirmar sua hipótese, ele mesmo removeu os opérculos de cera e a metade das abelhas não-higiênicas apresentou o comportamento de jogar fora da colméia as larvas doentes.

Esse experimento ilustra bem o fato de que os genes cooperam nos seus efeitos sobre o comportamento da máquina de sobrevivência comunal. Os genes para lançar fora as larvas são inúteis, a menos que seja acompanhado do gene para desopercular. E vice-versa. Entretanto, mostra claramente que os dois genes são separáveis na sua jornada ao longo das gerações. Em relação à utilidade da tarefa que desempenham, podem ser consideradas como uma só unidade cooperativa. Mas, como genes que se replicam, são dois agentes livres e independentes.

Dawkins analisa agora outro tipo particular de comportamento, a comunicação. Para o autor, pode-se dizer que uma máquina de sobrevivência se comunica com outra quando isso influencia o comportamento desta última ou o estado do seu sistema nervoso. Deve-se entender por comunicação o canto dos pássaros, das rãs e dos grilos, o balançar do rabo e o eriçar dos pêlos do cachorro, o "sorriso" do chimpanzé, os gestos e a linguagem humana, dentre vários exemplos.

A história tradicional contada pelos etólogos é que os sinais de comunicação evoluem em benefício mutuo do emissor e do receptor. Mas será que os animais comunicam informações falsas? Será que os animais mentem?

Dawkins utiliza palavras como "enganar" e "mentir" como um efeito equivalente a trapacear. Se um pássaro emitisse um falso sinal de alerta de aproximação de um predador e afugentasse seus companheiros, isso deixaria para ele toda a comida. Há o exemplo do mimetismo das borboletas, que trapaceiam para enganar os predadores, e das moscas sirfídeas, listradas de amarelo e preto, para se passarem por vespas. Mas os predadores também mentem. O peixe-pescador se camufla no fundo do mar, deixando saliente apenas um pedaço de carne semelhante a uma minhoca presa na extremidade da longa "vara de pescar" que se projeta do topo de sua cabeça. Ao atrair a presa, atraída pela isca, o peixe-predador abre a mandíbula e devora sua presa.

Há outros exemplos, tais como a orquídea-abelha, que induz a abelha a copular com suas flores, de acentuada semelhança com abelhas fêmeas. A orquídea ganha com essa trapaça a polinização; os vaga-lumes atraem seus parceiros lançando sobre eles sinais luminosos, e cada espécie tem seu sinal específico. Mas as fêmeas do gênero Photuris atraem os machos do gênero Photinus imitando o padrão de sinais da fêmea desse gênero. Quando um macho Photinus se aproxima, a fêmea do Photuris o devora rapidamente.

Toda vez que um sistema de comunicação se desenvolve, há sempre o risco de alguns o explorarem a fim de atingir seus próprios objetivos. Fomos criados numa visão evolucionista "pelo bem da espécie", e assim é natural que tenhamos a tendência de pensar que mentirosos e trapaceiros pertençam sempre a uma espécie diferente. Mas sempre devemos esperar que surjam mentiras, fraudes e exploração egoísta da comunicação toda vez que houver conflito de interesses entre os genes de indivíduos diferentes, o que inclui indivíduos da mesma espécie.

É bem possível que toda comunicação animal contenha um elemento de trapaça desde o princípio, pois todas as interações animais envolvem pelo menos algum grau de conflito de interesses.

CAPÍTULO 5 – AGRESSÃO: A ESTABILIDADE E A MÁQUINA EGOÍSTA

Este capítulo trata principalmente do tema agressão. Para uma máquina de sobrevivência, outra máquina de sobrevivência faz parte de seu meio. É um elemento que pode atrapalhar ou ser explorada. Mas, ao contrário de uma pedra ou de um rio, que também pode fazer parte de seu meio, essa outra máquina de sobrevivência, se agredida, tende a contra-atacar. Isso acontece porque ela é uma máquina incumbida de assegurar o futuro de seus genes, e fará tudo para preservá-los. Tais máquinas de sobrevivência, que fazem de tudo para preservar seus genes, são favorecidas pela seleção natural, e isso inclui fazer o melhor uso possível de outras máquinas, sejam da mesma espécie ou de espécies diferentes.

Existem casos em que as máquinas de sobrevivência parecem influenciar muito pouco a vida umas das outras. Mas a eliminação de uma pode influenciar dramaticamente a vida das outras, mesmo que de forma indireta.

Máquinas de sobrevivência de espécies diferentes influenciam umas às outras de várias formas. Elas podem ser predadores ou presas, parasitos ou hospedeiros, ou competidores por algum recurso escasso. Uma espécie pode explorar outra de forma bem específica, como quando as abelhas são usadas como agentes polinizadores pelas flores.

Já as máquinas de sobrevivência de uma mesma espécie tende a influenciar de forma mais direta a vida umas das outras, e por várias razoes. Para uma máquina de sobrevivência, metade da população da mesma espécie se constitui por potenciais parceiros sexuais e por pais potencialmente trabalhadores e exploráveis pela prole. Outra razão é que os membros de uma mesma espécie, que buscam preservar os genes no mesmo tipo de meio externo e apresentam o mesmo padrão de vida, são competidores diretos em relação a todo e qualquer recurso. De modo geral, são os machos que competem entre si pelas fêmeas. Isso significa que um macho poderá beneficiar os próprios genes se, de alguma forma, fizer algo prejudicial a outro macho com o qual esteja competindo.

Poderia parecer lógico que uma máquina de sobrevivência assassinasse um rival, preferencialmente comendo-o em seguida. Entretanto, o assassinato e o canibalismo não são tão freqüentes assim. Reforçando essa idéia, Konrad Lorenz, em On aggression, enfatiza a natureza contida e cavalheiresca da luta entre os animais. A ameaça e o blefe assumem o lugar da luta implacável. Os vencedores reconhecem os gestos de rendição e refream o golpe ou mordidas fatais.

Porque os animais agem dessa forma? É que a belicosidade sem reservas resulta em custos, além de benefícios. Dawkins sugere uma situação hipotética: B e C são ambos meus rivais, e eu me encontro com B. Sendo egoísta, poderia parecer sensato tentar mata-lo. Mas C, além de meu rival, também é rival de B. Matando B, estou beneficiando C. Seria melhor deixar B viver, assim ele continuaria a competir com C, e eu me beneficiaria indiretamente.A idéia desse exemplo é que não há mérito óbvio em eliminar indiscriminadamente os rivais. Num sistema grande e complexo, a eliminação de um rival poderia beneficiar mais os outros rivais de que propriamente quem os elimina.

Há a belicosidade seletiva, onde matar certos rivais talvez seja um bom plano. Se B for um elefante-marinho possuidor de um grande harém, e se eu, um outro elefante-marinho, puder me apoderar desse harém matando B, pode ser uma boa idéia. Mas continuam existindo os custos e os riscos. Para B, seria vantajoso contra-atacar e defender sua propriedade. Ao começar uma luta, tenho a mesma probabilidade de morrer que B. Ou mesmo uma probabilidade maior. Se B tem essa propriedade é porque lutou por ela antes. Assim, provavelmente é melhor lutador que eu. Mesmo que eu vença a luta, pode ser que eu saia tão ferido que não seja possível desfrutar os benefícios da minha vitória. A luta consome tempo e energia. Desse modo, talvez seja melhor me alimentar bem e evitar problemas, e assim me tornar maior e mais forte, e assim as chances de enfrentá-lo e derrota-lo futuramente serão mais efetivas.

A decisão de lutar ou não deveria ser precedida de um cálculo complexo, mesmo que inconsciente, da "relação custo-benefício". Os benefícios não estão todos na opção de lutar, e também durante a luta cada decisão tática relativos à sua intensificação ou moderação apresentam custos e benefícios que podem ser analisados. J. Maynard Smith, auxiliado por G. R. Price e G. A. Parker, expressou com clareza essa idéia, utilizando o ramo da matemática da teoria dos jogos. O conceito essencial que introduziu é o de estratégia evolutivamente estável (EEE), uma idéia que remonta a W. D. Hamilton e R. H. MacArthur. Uma estratégia é uma política de comportamento pré-programada. Um exemplo de estratégia é: "Ataque o adversário; se ele fugir, persiga-o; se ele contra-atacar, fuja.". É importante frisar que não pensamos em estratégia como algo conscientemente planejada pelo indivíduo. O animal é uma máquina de sobrevivência robô, com um computador pré-programado exercendo o controle sobre seus músculos.

O EEE é definido como uma estratégia que, ao ser adotado pela maioria dos membros de uma população, não pode ser superada por uma estratégia alternativa. É uma idéia importante e sutil. Pode-se dizer também que a melhor estratégia para um indivíduo depende daquilo que a maioria da população faz. Já que o restante da população consiste de indivíduos que estão, individualmente, tentando maximizar o próprio sucesso, a única estratégia que persistira será aquela que, uma vez desenvolvida, não poderá ser superada por nenhum indivíduo divergente. Uma alteração substancial no meio ambiente poderá causar uma instabilidade evolutiva e até mesmo uma oscilação na população. Mas assim que uma EEE for atingida, ela se fixará, e a seleção irá penalizar os desvios em relação a ela.

Aplicando essa idéia à agressão, consideremos um caso simples de J. Maynard Smith. Vamos supor que existam apenas dois tipos de estratégia de luta numa população de uma espécie, a estratégia do falcão e a estratégia do pombo. Vamos classificar cada individuo dessa população como falcão ou como pombo. Os falcões lutam sempre de maneira agressiva, e só se retirariam do combate quando seriamente feridos. Os pombos fazem ameaças, sem, contudo ferir o adversário. Se um falcão luta contra outro falcão, a luta segue até um deles abandoná-laseriamente ferido, ou morra. Se um pombo luta contra outro pombo, ninguém se machuca. A princípio, assumimos o fato de que não há como o indivíduo saber, antecipadamente, se um determinado rival é um falcão ou um pombo. Ele só vai descobrir isso ao lutar contra ele, já que não conta com nenhuma recordação de lutas passadas. Arbitrariamente, vamos atribuir pontos aos competidores. Podemos atribuir 50 pontos por uma vitória, Zero por uma derrota, -100 por ter sido ferido gravemente e -10 por ter desperdiçado seu tempo com um combate longo. Ao convertermos esses pontos em moeda corrente da sobrevivência dos genes, um indivíduo que tenha um "ganho" médio elevado garante a sobrevivência de muitos dos seus genes no pool gênico.

Não interessa ao autor saber se os falcões tendam a derrotar os pombos. Eles ganham sempre. O que importa é se os falcões e os pombos são EEE. Se um deles for e o outro não, espera-se que o EEE evolua. Entretanto, nenhuma das duas, falcão ou pombo, seria de fato evolutivamente estável em si mesma, e não deveríamos esperar que evoluíssem. Para demonstrar, teríamos que calcular o ganho médio com cada uma.

Vamos imaginar uma população inteira de pombos. Quando lutam ninguém sai ferido. Os combates são rituais prolongados, talvez um desafio de olhares, só terminando quando um dos rivais desiste. O vencedor ganhará 50 pontos, mas perderá 10 por ter desperdiçado tempo num desafio prolongado, obtendo assim 40 pontos. O perdedor será penalizado em 10 pontos pelo desperdício de tempo. Em média, qualquer pombo espera vencer a metade de suas lutas, e perder a outra metade. O ganho médio por combate está numa média entre +40 e -10, ou seja, +15. Individualmente, cada um dos pombos parece sair-se bastante bem.

Imaginemos agora um falcão mutante nessa população. Como é o único, todas as suas lutas serão contra pombos. Como os falcões sempre vencem, ele conseguirá 50 pontos em todos os combates, e esse será seu ganho médio, bem superior ao dos pombos, que é de +15. Dessa forma, seus genes se disseminarão rapidamente. A partir daí, o falcão já não terá a certeza de que todo adversário que encontrar será um pombo. Num caso extremo, se o gene do falcão disseminar-se com sucesso a ponto de a população se tornar inteiramente constituída de falcões, todos os combates serão entre falcões. Aí, as coisas serão bem diferentes. Quando dois falcões se enfrentam, um deles sai seriamente ferido, o que o leva a perder 100 pontos, enquanto o vencedor ganha 50. Como cada falcão espera vencer metade de suas lutas, seu lucro médio será a média entre +50 e -100, ou seja, -25.

Imaginemos agora um pombo numa população de falcões. Ele vai perder todos os combates, mas em compensação nunca vai sair ferido. Seu ganho médio é Zero, ao passo que o ganho médio de um falcão numa população de falcões é de -25. Os genes dos pombos tenderão a se espalhar pela população.

Pode ocorrer a impressão de oscilação contínua da população. Mas essa oscilação não precisa necessariamente ocorrer. Há uma proporção estável entre falcões e pombos. No exemplo arbitrário autor, a proporção estável, se calculada, será de 5/12 pombos para 7/12 falcões. Quando for atingida, o ganho médio dos falcões será exatamente igual ao dos pombos, e a seleção não irá favorecer nenhum dos dois. Se o número de falcões aumentasse na população de tal forma que sua proporção deixasse de ser 7/12, então os pombos obteriam ligeira vantagem e a proporção oscilaria de volta ao seu estado de equilíbrio. Como veremos que a proporção estável entre os sexos é de cinqüenta por cinqüenta, a proporção estável dos pombos em relação aos falcões, nesse exemplo hipotético, é de 7 para 5. as oscilações em relação ao ponto de estabilidade, se existirem, não serão muito grandes.

Entretanto, a EEE é um conceito muito mais sutil do que a seleção de grupo, não havendo relação entre ela e o fato de existirem grupos mais bem-sucedidos que outros. Voltando ao nosso exemplo, a pontuação média de um indivíduo, numa população formada por 7/12 de falcões e 5/12 de pombos, é de 61/4, independentemente do fato de ser um falcão ou um pombo. Mas 61/4 é muito menos que a pontuação média de um pombo numa população de pombos, que é de 15. Então bastaria que todos concordassem em ser pombos para que a totalidade dos indivíduos se beneficiasse.

Numa população de 1/6 de falcões e 5/6 de pombos, a pontuação média por combate seria de 162/3. Uma conspiração, com uma população só de pombos, com uma média de 15 pontos, individualmente, seria muito melhor para cada um deles do que a EEE. É verdade que todos se sairiam melhor num grupo só de pombos, mas bastaria uma só traição, com um único falcão para ele ser tão bem sucedido que nada poderia deter a evolução dos fatos. Uma EEE é estável não porque seja particularmente boa para os indivíduos que dela participam, mas porque é imune à traição de dentro da população. Os seres humanos podem aderir a pactos ou conspirações que sejam vantajosos para todos, mesmo que não estáveis no sentido da EEE. Mas isso só é possível porque cada indivíduo utiliza da previsão consciente, sendo capaz de discernir que é se seu interesse, no longo prazo, obedecer às regras. Mas mesmo nos pactos humanos existe o perigo constante de os indivíduos ganharem no curto prazo, quebrando o pacto.

O significado prático de tudo isso é que uma proporção estável de pombos e falcões seria atingida no pool gênico. Em Genética, o termo técnico com que se designa esse estado é "polimorfismo estável". Matematicamente, uma EEE equivalente pode ser atingida sem o polimorfismo, conforme será descrito. Se cada indivíduo for capaz de se comportar ou como falcão ou como pombo em cada disputa particular, poderá ser atingida uma EEE em que todos os indivíduos tenham a mesma probabilidade de se comportar como um falcão, ou seja, 7/12 no nosso exemplo. Isso quer dizer que cada indivíduo entra em cada combate já previamente decidido se irá se comportar como falcão ou como pombo. É aleatório, mas com uma probabilidade de 7 para 5 a favor do falcão. É importante que as decisões sejam ao acaso, impedindo que o rival adivinhe como ele irá se comportar. Não adianta se comportar como um falcão durante sete lutas seguidas e depois se comportar como um pombo durante outras cinco, e assim por diante. Se adotar uma seqüência tão simples, os rivais perceberiam e ficariam em posição vantajosa. A forma de se tirar partido de um estrategista que adota seqüências tão simples é lutar como um falcão apenas quando se sabe que ele irá lutar como um pombo. A estratégia do pombo e do falcão, chamada de Retaliador, idealizada por J. Maynard Smith e G. R. Price.

O Retaliador é um estrategista condicional, e seu comportamento depende do comportamento do rival. O Retaliador se comporta como um pombo no início de cada luta, ou seja, ele não ataca com ferocidade máxima, mas convencionalmente faz uso de ameaças. Mas se o adversário ataca, ele contra-ataca. Ou seja, comporta-se como um falcão quando é atacado por um falcão, e comporta-se como um pombo quando diante de um pombo.

Outro estrategista condicional é o Fanfarrão. Este se comporta como um falcão até que alguém contra-ataque, então foge rapidamente.

Há outro tipo de comportamento, que é o Sondador-Retaliador. Ele é basicamente um retaliador, mas em certas ocasiões luta mais violentamente. Se não houver revide, ele persiste num comportamento de falcão. Porém, se o rival contra-atacar, ele retorna à disputa de ameaças, comportando-se como um pombo. Se for atacado, imediatamente contra-ataca, exatamente como um retaliador.

Numa simulação de computador, com as cinco estratégias interagindo livremente, apenas o retaliador se revela evolutivamente estável. O Sondador-Retaliador é quase estável. O pombo não é estável, pois uma população de pombos seria invadida por falcões e por fanfarrões. O falcão não é estável, pois sua população seria invadida por pombos e fanfarrões. O fanfarrão não é estável, pois sua população seria invadida por falcões. Uma população de retaliadores não seria invadida por nenhuma outra estratégia, já que é a estratégia mais bem-sucedida. Mas o pombo se sai igualmente bem numa população de retaliadores.

O próprio sondador-retaliador é quase uma EEE, tendo em vista que apenas os retaliadores obtêm mais êxito, mesmo assim ligeiramente.

Outro tipo de jogo de guerra, avaliado por J. Maynard Smith é a "guerra de atrito". Podemos imaginá-la como uma modalidade de guerra que emerge numa espécie que nunca se envolve em combates perigosos, que talvez contem com uma proteção como couraças, onde um ferimento grave era bem improvável. Todas as disputas serão resolvidas por meio de comportamentos convencionais, terminando sempre com a desistência de um dos adversários. Basta um deles permanecer firme, mas obviamente nenhum animal pode se dar ao luxo de gastar muito tempo em ameaças ao rival, pois há várias coisas mais importantes para se fazer. O recurso disputado pode ser valioso, mas não infinitamente valioso. Vale apenas certa quantidade de tempo, e o tempo é a moeda corrente desse leilão.

Dawkins sugere uma situação hipotética: cada oponente calcula, antecipadamente, o tempo exato que valeria cada objetivo, como uma fêmea, por exemplo. Um indivíduo mutante disposto a perseverar um pouquinho mais venceria sempre. Assim, a estratégia de um limite fixo para os lances é instável. Mesmo que o valor de um bem pudesse ser estimado com precisão, e todos os indivíduos oferecessem exatamente esse valor, a estratégia seria instável. Dois indivíduos quaisquer, fazendo lances seguindo a estratégia de valores máximos, desistiriam exatamente no mesmo instante, ficando assim sem o bem. Dessa forma, seria vantajoso desistir logo no início, sem perda de tempo. A diferença essencial entre a guerra de atrito e um verdadeiro leilão está no fato de que, a princípio, ambos os oponentes pagam o preço, mas só um deles fica com a mercadoria. Numa população de licitantes que só oferecessem lances até o limite máximo, a estratégia de desistir logo no início seria bem-sucedida e logo se disseminaria pela população. Os indivíduos que, ao invés de desistirem logo no início permanecessem alguns segundos a mais começariam a levar vantagem. A seleção então favoreceria o adiamento progressivo do momento da desistência, até que novamente ele se aproximasse do limite máximo permitido pelo valor real do bem em disputa.

Dawkins, nesse ponto, discorre sobre as assimetrias, que são variantes de tudo o que já foi visto nesse capítulo. Tudo o que foi tratado anteriormente pode ser classificado como disputas simétricas. Mas Parker e Maynard examinaram também as disputas assimétricas.

Parece haver três tipos principais de assimetria. O primeiro tipo refere-se ao tamanho e/ou o equipamento que o indivíduo disponha para lutar. O segundo tipo é que os indivíduos podem diferir no quanto tem a ganhar com a vitória. Já o terceiro tipo é uma assimetria puramente arbitrária, que pode dar origem a uma EEE, à medida que seja usada para decidir as disputas com rapidez.

Para Dawkins, é provável que as assimetrias verdadeiramente arbitrárias inexistam. Existem dois estados estáveis possíveis: o estado "residente vence, intruso recua", e o estado "intruso vence, residente recua". Esta última apresenta uma tendência inerente para a autodestruição, consistindo aquilo que J. Maynard Smith chamaria de "estratégia paradoxal". Numa população que se mantenha no estado estável "residente vence, intruso recua", a seleção natural favoreceria os indivíduos que se esforçassem para ser residentes. Esse comportamento é comumente observado na natureza, e é chamado de "defesa territorial".

Dawkins também apresenta relatos sobre lembranças de combates passados. Segundo R. D. Alexander, os grilos têm uma memória geral daquilo que aconteceu em lutas anteriores. Um grilo que tenha vencido um grande número recentemente apresenta o comportamento mais parecido com o de um falcão. Os grilos não se reconhecem uns aos outros como indivíduos, já que apenas apresentam uma memória geral, mas galinhas e macacos o fazem. Um grilo que tenha vivido recentemente uma série de derrotas comporta-se mais como um pombo. Se animais como os grilos, que possuem essa memória forem mantidos juntos num grupo fechado durante certo período, é provável que se desenvolva uma espécie de hierarquia de dominância.

Quanto às disputas interespécies, é fato que membros de espécies diferentes são competidores menos diretos do que os membros de uma mesma espécie. Porém, há outras maneiras pelas quais os interesses de indivíduos de espécies diferentes entrem fortemente em conflito. Como exemplo, temos o leão e o antílope. Comumente, essa disputa não é vista como uma competição por um recurso, entretanto, do ponto de vista lógico, é difícil compreender porque. O recurso em questão é a carne. Os genes do leão "querem" a carne como alimento para sua máquina de sobrevivência; os genes do antílope "querem" a carne para a sobrevivência de sua máquina. Os dois usos da carne são mutuamente incompatíveis, e aqui se estabelece um conflito de interesses.

Já o canibalismo é relativamente raro. Carnívoros adultos nunca são vistos perseguindo ativamente outros adultos da mesma espécie com a finalidade de comê-los. Porque não? Outra pergunta: porque os antílopes fogem dos leões ao invés de contra-atacarem?

Os leões não caçam leões porque se o fizessem não teríamos uma EEE. O risco de retaliação. A possibilidade de que a retaliação ocorra entre diferentes espécies é menor, o que explica porque tantas presas fogem, ao invés de contra-atacar. Um antílope mutante que resolvesse revidar ao ataque de um leão certamente seria morto, então a melhor estratégia é fugir.

Para Dawkins, ainda iremos considerar a invenção do conceito de EEE um dos mais importantes avanços na teoria da evolução desde Darwin. Ela é aplicável onde quer que encontremos conflitos de interesses.

Agora, Dawkins retorna ao nível das interações entre os animais, tema principal desse livro. Para compreender a agressão, trataram-se os animais individuais como máquinas egoístas independentes. Mas esse modelo passa a não mais funcionar quando os indivíduos em questão são parentes próximos – irmãos, irmãs, primos, pais e filhos. Isso ocorre porque os familiares compartilham uma proporção substancial dos seus genes.

Cada gene egoísta, assim, tem a sua lealdade dividida entre corpos diferentes, o que será explicado no próximo capítulo.

CAPÍTULO 6 – O PARENTESCO DOS GENES

O que é um gene egoísta? Ele é todas as réplicas de um fragmento particular de DNA, distribuída pelo mundo todo.

O que um gene egoísta tenta fazer? Ele tenta se tornar mais numeroso no pool gênico, ajudando a programar os corpos nos quais se encontra para sobreviverem e se reproduzirem.

Com tudo isso, o ponto crucial desse capítulo é que um gene pode ser capaz de avaliar réplicas de si mesmo localizadas em outros corpos. Assim, o que pareceria ser altruísmo individual seria, na verdade, um efeito do egoísmo do gene.

Consideremos o gene do albinismo. Na verdade, há diversos genes que podem originar o albinismo, mas vamos tratar de apenas um deles. É um gene recessivo, ou seja, é um gene que tem que estar presente em dose dupla para que a pessoa seja albina. Isso ocorre em um a cada 20 mil habitantes, aproximadamente. Mas ele ocorre isoladamente em um a cada 70 indivíduos, aproximadamente, e estes não são albinos. Como está distribuído por muitos indivíduos, um gene como o do albinismo poderia, teoricamente, ajudar à sua própria sobrevivência no pool gênico programando os corpos em que se encontra para se comportarem de maneira altruísta em relação a outros corpos albinos, uma vez que se sabe que eles carregam o mesmo gene. O gene albino deveria ficar bastante satisfeito se alguns dos corpos que ele habita morressem, desde que, ao fazê-lo, estes ajudassem outros corpos contendo o mesmo gene, a sobreviver. Se o gene albino pudesse levar um de seus corpos a salvar a vida de dez corpos albinos, então, mesmo a morte do altruísta seria largamente compensada pelo aumento numérico dos genes para o albinismo no pool gênico.

À princípio, não devemos esperar que os genes albinos sejam especialmente amáveis uns com os outros. O que se esperaria na realidade é que se esses genes se comportassem de forma altruísta em relação a outros albinos, esses genes apresentariam a tendência de se tornarem mais numerosos no pool de genes. Para isso acontecer, seria necessário que o gene tivesse dois efeitos independentes sobre os corpos. Teriam de conferir não só a habitual pele pálida, como também a tendência para o altruísmo seletivo em relação aos indivíduos com pele pálida. Um gene de efeito duplo como esse, se existisse, poderia ser muito bem-sucedido numa população.

Como foi enfatizado no Capítulo 3, os genes apresentam efeitos múltiplos. Teoricamente, poderia surgir um gene capaz de conferir uma "etiqueta" visível externa, como a pele pálida, e também a tendência de ser particularmente amável com os portadores dessa mesma etiqueta saliente. É possível, mas pouco provável, como também é provável que um único gene produza, ao mesmo tempo, a característica correta e o tipo adequado de altruísmo.

A etiqueta é apenas uma das maneiras de o gene "reconhecer" cópias de si mesmo noutros indivíduos. Outra maneira possível e particularmente direta é descrita na seqüência. O possuidor de um gene altruísta poderia ser reconhecido simplesmente pelo fato de realizar atos altruístas.

Mas há outras maneiras plausíveis pelas quais o gene possa reconhecer cópias de si mesmo noutros indivíduos.

Para enfatizar esse reconhecimento, Dawkins usa como exemplo, duas irmãs e as probabilidades de compartilharem um determinado gene, considerando que o autor esteja falando de genes que são raros no pool gênico como um todo. A maior parte das pessoas compartilha o "gene para não ser albino", quer sejam aparentados ou não. O motivo pelo qual esse gene é tão comum é que, na natureza, os albinos têm menor probabilidade de sobrevivência do que os não-albinos, porque, entre outras coisas, o sol ofusca sua vista e faz com que tenham menor probabilidade de detectar a aproximação de um predador. Mas o que realmente importa é que mesmo um gene raro na população como um todo pode ser comum numa família. A probabilidade de termos os mesmos genes é bem pequena, mas há uma boa probabilidade de minha irmã possuir um gene particularmente raro que eu também tenha. Nesse caso específico, as chances seriam exatamente de 50%, e é fácil explicar o porquê.

Vamos supor que o leitor tenha uma cópia do Gene G. vamos pressupor ainda que foi seu pai que o transmitiu. Recordando o que já foi visto anteriormente, quando um homem produz um espermatozóide, seus genes são repartidos e metade deles vai para esse espermatozóide. Há, então, uma probabilidade de 50% de o espermatozóide que gerou sua irmã ter recebido o Gene G. se, por outro lado, o leitor recebeu o Gene G da mãe, um raciocínio análogo mostrará que metade dos óvulos dela deve possuir o Gene G; mormente a probabilidade de sua irmã possuir esse gene é de 50%.

Nesse ponto, Dawkins mostra o cálculo de probabilidades de parentes mais afastados. Para pais e filhos, a probabilidade é de 50%. Se A for tio de B a distância entre as gerações será de 3, e será necessário calcular ½ x ½ x ½, ou seja,(½)3.Se a distância de gerações através de um antepassado for de g, a parte de parentesco será de (½)g.

Se A e B tiverem mais de um antepassado comum, temos então de somar um valor equivalente para cada antepassado. Geralmente a distânciada geração é a mesma para todos os antepassados comuns de um par de indivíduos. Portanto, calculando o parentesco entre A e B em relação a qualquer de seus antepassados, o próximo passo é multiplicar esse valor pelo número de antepassados. Primos de primeiro grau têm dois antepassados comuns, e a distância de geração através de cada um deles é quatro. Seu parentesco é 2 x (½)4 = 1/8. Se A for bisneto de B, a distância é 3, e o número de antepassados comuns é 1 ( o próprio B), então o parentesco é 1 x (½)3= 18. Geneticamente, o seu primo-irmão é equivalente ao bisneto. Da mesma forma, o parentesco para seu tio, 2 x (½)3 = ¼,e seu avô 1 x (½)2 = ¼ .

Para relações de parentesco tão distantes como aquela entre primos de terceiro grau (2 x (½)8 = 1/128), aproximamo-nos da probabilidade mínima de um determinado gene possuído por A ser compartilhado por um indivíduo qualquer, escolhido ao acaso na população.

Um primo de segundo grau apresenta um parentesco de 1/32; um primo de primeiro grau, 1/8; irmão e irmã e pais e filhos, ½; já os gêmeos idênticos, parentesco = 1. Tios e tias, sobrinhos e sobrinhas, avós e netos, meios-irmãos e meias-irmãs apresentam um parentesco de ¼.

Tudo isso definido, agora estamos em condições de falar sobre o altruísmo do parentesco de maneira mais precisa. Um gene para salvar cinco primos, através do suicídio, não se tornaria mais numeroso na população, mas um gene para salvar cinco irmãos ou dez primos de primeiro grau, sim. O requisito mínimo para ser bem-sucedido seria que ele salvasse mais de dois irmãos (ou filhos, ou pais), ou mais de quatro meio-irmãos (ou tios, tias, sobrinhos, sobrinhas, avós ou netos) ou mais de oito primos de primeiro grau, etc. Tal gene, em média, tenderá a continuar vivendo nos corpos de um número suficiente de indivíduos salvos pelo altruísta para compensar a morte deste último.

Dawkins várias vezes menciona "genes suicidas" que salvam a vida de um determinado número de parentes com graus de parentesco conhecidos com precisão. Na vida real, os animais não contam quantos parentes estão salvando, mesmo que dispusessem de algum meio para saber com exatidão quais são seus irmãos e primos. O suicídio certo e o "salvamento" absoluto da vida têm de ser substituídos por riscos estatísticos de morte do próprio indivíduo e dos outros. Para o autor, valeria a pena salvar até mesmo um primo de terceiro grau se o risco pessoal for muito pequeno. Salvar a vida de um parente que logo irá morrer de velhice tem menos impacto sobre o pool gênico no futuro do que salvar a vida de um parente igualmente próximo, mas que ainda tem a maior parte da vida pela frente.

Para Dawkins, se tivéssemos que programar um computador para simular uma máquina de sobrevivência que tomasse decisões sobre quando se comportar de maneira altruísta, provavelmente faríamos uma lista de todas as ações alternativas que o animal poderia adotar. Para cada um dos padrões de comportamento alternativo, programaríamos um calculo de soma ponderada, com os benefícios recebendo um sinal positivo e os riscos, um sinal negativo; tanto os riscos como os benefícios seriam ponderados por meio de sua multiplicação pelo índice de parentesco apropriado antes de se efetuar a soma. A soma completa, para qualquer um dos padrões alternativos de comportamento, ficaria dessa forma: Benefício Líquido do Padrão de Comportamento = Benefício para si mesmo – Risco para si mesmo + ½ Beneficio para o irmão – ½ Risco para o irmão + ½ Benefício para outro irmão – ½ Risco para outro irmão + 1/8 de Beneficio para o primo de primeiro grau – 1/8 de risco para o primo de primeiro grau + ½ Beneficio para o filho – ½ Risco para o filho + etc.

O resultado da soma será um valor chamado "coeficiente de benefício líquido" daquele padrão de comportamento. Em seguida, o animal-modelo calcula a soma equivalente para cada padrão de comportamento alternativo de seu repertório.Finalmente, irá optar pelo padrão de comportamento que irá produzir o maior benefício líquido. Mesmo que todos os coeficientes sejam negativos, ele deverá escolher a ação com o coeficiente total mais elevado, isto é, a ação que representa o menor prejuízo. Devemos lembrar que toda ação concreta envolve dispêndio de energia e de tempo, que poderiam ter sido gastos de outra maneira. Caso o comportamento com o maior valor de benefício líquido seja não fazer nada, o animal-modelo nada fará.

Dawkins supõe que o animal, individualmente, calcule o que será melhor para seus genes. Mas o que acontece na realidade é que o pool gênico se enche de genes que influenciam os corpos de tal maneira que eles se comportam como se tivessem realizado esse cálculo.

Mas como os animais reconhecem seus parentes? Em grupos cujos membros não se deslocam muito, ou se deslocam em pequenos grupos, poderá haver uma probabilidade elevada de que qualquer indivíduo que ele encontre seja realmente um parente relativamente próximo. Por essa razão o o comportamento altruísta é tão frequentemente descrito em bandos de macacos e cardumes de baleias.

Mas há erros extremos nesse altruísmo. Existem casos de fêmeas de macacos que, privadas de seus filhotes, roubam um bebê de outra fêmea, passando a cuidar dele. O autor vê nisso um erro duplo, porque a fêmea que adota desperdiça o seu tempo e também libera uma fêmea rival do fardo de criar o filhote, deixando-a livre para procriar mais rapidamente. Essa estratégia pode ser chamada de adoção altruísta.

Há vários exemplos de variantes desse tipo de comportamento entre os cucos, as gaivotas argênteas e os araus.

Dawkins conclui que o verdadeiro "parentesco" pode ser menos importante na evolução do altruísmo do que a estimativa de parentesco que os animais puderem fazer. Esse fato, provavelmente, é a chave para entender porque o cuidado dos pais com a prole, na natureza, é tão mais comum e mais dedicado do que o altruísmo entre irmãos. Alem do grau de parentesco, devemos considerar algo como um índice de "certeza". Embora a relação entre pais e filhos não seja mais próxima geneticamente do que a relação entre irmãos, a sua certeza é maior.

Em muitas espécies, a mãe pode ter maior certeza sobre quem são seus filhos do que o pai. A mãe põe o ovo ou dá à luz. Ela tem uma boa probabilidade de saber ao certo quais são os indivíduos portadores de seus genes.

CAPÍTULO 7 – PLANEJAMENTO FAMILIAR

Dawkins afirma que, ao se tratar de altruísmo parental, algumas pessoas colocam a reprodução e o cuidado com os filhos de um lado e as demais formas de altruísmo do outro. Mas a distinção que ele pretende fazer é entre trazer novos indivíduos ao mundo, por um lado, e cuidar dos já existentes, por outro. Uma máquina de sobrevivência individual tem que tomar dois tipos de decisões bastante distintas: decisões sobre produzir e decisões sobre criar. A palavra "decisão" é utilizada no sentido de uma ação estratégica inconsciente. Até certo ponto, os atos de criar e reproduzir estão fadados a competir entre si, no que diz respeito ao tempo e os demais recursos de que um indivíduo dispõe.Além disso, talvez tenha de fazer outra escolha: "Devo criar este filho ou gerar um outro?".

Dependendo dos detalhes ecológicos da espécie, várias combinações de estratégias de criar e produzir poderão se mostrar evolutivamente estáveis. A única situação que não pode ser de maneira nenhuma evolutivamente estável é aquela em que se adota uma estratégia de criar pura. Se todos os indivíduos se dedicassem apenas a criar os filhos já existentes, de tal maneira que nunca trouxessem novos filhos ao mundo, a população seria rapidamente invadida por indivíduos mutantes especializados em produzir. O criar só pode ser evolutivamente estável como parte de uma estratégia mista; pelo menos alguma produção, obrigatoriamente, tem de ser mantida.

As espécies com as quais estamos mais familiarizados, os mamíferos e os pássaros, tendem a ser ótimas criadoras, e a decisão de produzir um novo descendente é em geral seguida pela decisão de criá-lo. Já do ponto de vista dos genes egoístas, não há em princípio nenhuma distinção entre criar um irmão mais novo ou criar um filho. Se for preciso escolher entre alimentar um ou outro, não existe razão genética alguma na qual se deve preferir o filho ao irmão.

Foi em torno dessa questão que a controvérsia sobre "seleção de grupo", mencionada no Capítulo 1, ganha força. Wynne-Edwards sugeriu que "os animais individuais, de maneira deliberada e altruísta, reduzem o número de nascimentos em benefício do grupo como um todo. o tamanho de uma população depende de quatro fatores: nascimentos, mortes, imigrações e emigrações. Ao se considerar a população mundial como um todo, os dois últimos fatores poderiam ser ignorados. Mas, para Dawkins, há um aspecto do problema em foco que muitas vezes não é bem compreendido: o crescimento da população depende de quando as pessoas têm filhos, e não apenas de quantos ele têm. Como as populações tendem a crescer conforme uma determinada proporção por geração, segue-se que, quanto maior a distância entre as gerações, menor será a taxa anual de crescimento de uma população.

Há alguns fatores que são evidentes, no que diz respeito ao controle da população. Eis algumas: as populações de animais selvagens não crescem à taxas astronômicas que, na teoria, seriam capazes de atingir, e às vezes tais populações permanecem bastante estáveis; os animais selvagens raramente morrem de velhice, já que a fome, doenças ou predadores os alcançam muito antes de se tornarem senis; qualquer espécie tende a ter um número relativamente fixo de filhotes por ninhada, e nenhum animal tem um numero infinito de filhos.

A discordância não diz respeito à existência ou não de mecanismos de controle de natalidade por parte dos animais, e sim o porquê de sua existência. A controvérsia é relativa às hipóteses de que o controle de natalidade seja altruísta pelo bem do grupo, ou, alternadamente, seja egoísta ou praticado pelo bem do indivíduo que se reproduz.

Dawkins afirma que Wynne-Edwards partiu do pressuposto de que os indivíduos têm menos filhos do que seriam capazes de ter, pelo bem do grupo como um todo. mas reconhece que a seleção natural não poderia, por si mesma, responder pela evolução desse altruísmo: a seleção natural de taxas de reprodução inferiores à média é, à primeira vista, uma contradição de termos.

Em se tratando de genes egoístas, o principal arquiteto do gene egoísta aplicada ao planejamento familiar foi o ecólogo David Lack. Com uma atenção especial sobre o tamanho das ninhadas das aves selvagens, suas teorias e conclusões têm o mérito de poderem ser aplicáveis de uma forma mais geral. Cada espécie de ave tende a ter um tamanho de ninhada típico. Esses valores podem sofrer pequenas alterações. Mas a idéia de "quanto mais, melhor" não pode ser verdadeiro. Pode criar a expectativa de que, para uma ave que bota três ovos, botar cinco seria melhor, botar dez ovos melhor ainda, cem muitíssimo melhor, e assim por diante. Mas é evidente que, além dos benefícios, há custos pelo fato de se botar um grande número de ovos. O aumento na produção tem como custo a menor eficiência na criação. O argumento principal do ecólogo é que, para qualquer espécie em particular, inserida numa situação ambiental específica, terá de haver um tamanho de ninhada ótimo. Frisa ainda que cada indivíduo egoísta escolhe um tamanho para sua ninhada que maximize o número de filhotes que consiga criar. Se o tamanho ótimo da ninhada for três, qualquer indivíduo que tente criar quatro filhotes acabará por ficar com um número menor de crias do que seus rivais mais cautelosos, que criaram apenas três. Ultrapassar esse ótimo, por exemplo, três filhotes por ninhada, significariam que o alimento seria tão escassamente distribuído entre quatro filhotes que poucos deles chegariam até a idade adulta, e se aplicaria tanto à distribuição de vitelo entre os quatro ovos como ao alimento fornecido aos filhotes após sua eclosão. Lack afirma que os indivíduos regulam o tamanho de suas ninhadas por motivos que estão longe de serem altruístas. Eles praticam o controle de natalidade para aumentar ao máximo o número de filhotes sobreviventes, um objetivo exatamente oposto àquele que se costuma associar com o controle de natalidade.

O indivíduo que tem filhos demais é penalizado, porque um número menor dos seus filhos sobreviverá. Os genes "para ter muitos filhos" não são transmitidos às gerações seguintes em número significativo porque poucos filhos que o possuem atingirão a idade adulta. Na natureza, os pais com mais filhos do que podem sustentar não têm muitos netos, e seus genes não são transmitidos às gerações seguintes. Não há necessidade alguma da restrição altruísta da taxa de natalidade, visto que não existe estado de bem-estar social na natureza.

É um fato que a superpopulação leva à redução do número de nascimentos. Porque a seleção natural favorece as fêmeas que reduzem o número de crias quando a população em que vivem se torna excessivamente alta? A resposta de Wynne-Edwards é clara. A seleção de grupo favorece os grupos em que as fêmeas medem a população e ajustam o número de crias de tal modo a evitar que as reservas de alimento se esgotem.

O que diz a teoria de gene egoísta? Quase que o mesmo, mas com uma diferença crucial. Se os animais produzirem um número muito grande ou muito pequeno de filhos, acabarão criando mais filhos do que fariam se tivessem se limitado ao número ótimo. Mas esse "número ótimo" tende a ser menor num ano em que a população tem uma densidade maior, em comparação com aqueles em que a densidade populacional é menor. Uma fêmea que for confrontada com indícios razoáveis de que um período de fome está para chegar, ela reduzirá o número de crias a nascer em benefício dos seus interesses. Os rivais que não responderem aos sinais de alerta da mesma forma, acabarão criando menos filhos, ainda que efetivamente os produzam em maior número. Mesmo por uma via diversa, chega-se quase à mesma conclusão que Wynne-Edwards.

A teoria do gene egoísta não encontra dificuldades nem mesmo em relação às "exibições epideíticas" (segundo Wynne-Edwards, os animais se reúnem em grandes bandosa fim de tornar mais fácil para todos os indivíduos a realização de um recenseamento, para que se ajuste a sua taxa de nascimentos). Mesmo que existissem evidências diretas de que quaisquer ajustamentos sejam epideíticos, isso não perturbaria a teoria do gene egoísta.

A conclusão do autor sobre esse capítulo é que os pais praticam o planejamento familiar no sentido de otimizar suas taxas de natalidade, e não para beneficiar a população como um todo. Eles maximizam o número de filhos que sobrevivem, e isso significa não ter nem a mais nem a menos. Os genes que levam o indivíduo a ter filhos em demasia tendem a desaparecer do pool gênico, uma vez que as crianças que o possuem, em geral, não sobrevivem até a idade adulta.

Agora deixaremos de lado as considerações qualitativas sobre o tamanho familiar e iremos nos voltar para os conflitos de interesses entre os membros de uma mesma família. O que será mais vantajoso para uma mãe, criar todos os filhos igualitariamente, ou ter favoritos? A família funciona como um todo cooperativo ou deve se esperar encontrar trapaça e egoísmo entre seus membros? Todos os membros da família trabalham em busca de um objetivo ótimo, ou há divergências a respeito? Dawkins tentará responder a todas essas questões no próximo capítulo, deixando para o Capítulo 9 uma interessante discussão a respeito da existência de conflitos de interesse entre os membros do casal.

CAPÍTULO 8 – O CONFLITO DE GERAÇÕES

Deve uma mãe ter favoritos ou deve mostrar-se igualmente altruísta em relação a todos os seus rebentos?

Antes de responder a essa questão, é importanteapresentar um conceito definido por R. L. Trivers em 1972. Trata-se do Investimento Parental (IP), definido como "todo e qualquer investimento dos progenitores num descendente individual que venha a aumentar suas probabilidades de sobreviver (e, consequentemente, de ter sucesso reprodutivo), em detrimento da capacidade parental de investir em outro descendente".

Agora Dawkins começa a responder à questão proposta. Na prática, o que significa dizer que uma mãe tem um filho preferido? Significa que ela distribuirá seus recursos de maneira desigual entre os filhos. Esses recursos incluem, além do alimento, o esforço para sua procura, o risco da proteção das crias, a energia e o tempo dedicados à manutenção do ninho ou do lar, e em alguns casos, o tempo gasto no ensino dos filhos.

Segundo Dawkins, a beleza do conceito do IP formulado por Trivers está no fato de ele ser medido em unidades muito próximas daquelas que realmente interessam. Quando uma criança consome uma parte do leite de sua mãe, essa quantidade é medida não em litros ou calorias, mas em unidades de detrimento em relação aos outros filhotes da mesma mãe. Se uma mãe tem dois filhos, X e Y, e X consome meio litro de leite, parte substancial do IP que esse meio litro representa é medido em unidades de aumento de probabilidade que Y tem de morrer por não tê-lo consumido. O IP é medido, então, em unidades de diminuição de expectativa de vida de outros filhos, já nascidos ou ainda por nascer.

Mas o IP não é ainda a medida ideal porque supervaloriza a importância da relação parental em prejuízo de outros tipos de relação genética. O ideal seria utilizarmos uma medida generalizada de investimento altruísta.

O certo é que não há nenhuma razão genética para que uma mãe tenha filhos prediletos. O seu grau de parentesco em relação a todos os filhos é o mesmo, ½. A melhor estratégia é investir igualmente. Mas, como já foi visto, alguns indivíduos representam um investimento melhor do que outros. Uma cria pequena e debilitada carrega a mesma quantidade de genes maternos que seus companheiros de ninhada mais fortes, mas sua expectativa de vida é menor. Ele necessita de mais recursos do que sua fração, para ter a mesma probabilidade de viver que seus irmãos. Mas, dependendo das circunstancias, poderá valer a pena a mãe recusar-se a alimentar uma cria mal desenvolvida, distribuindo sua parte entre os irmãos. Poderá até mesmo valer a pena dar essa cria para os irmãos comerem ou come-la ela mesmo, utilizando-a, assim, na produção de leite.

Também é possível fazer previsões sobre a tendência materna de investir em um dos filhos vai depender da idade destes filhos. Se tiver de escolher entre salvar a vida de um filho ou de ouro, e se aquele que não for salvo estiver condenado a morrer, é de se esperar que ela prefira ficar com o mais velho. Essa atitude se explica, porque se o mais velho morrer, ela se arrisca a perder uma proporção maior do investimento parental. Se salvar o filho mais novo, terá ainda de investir nele alguns recursos valiosos para que ele possa alcançar a idade do irmão mais velho.

Se a escolha não for inflexível, entre a vida e a morte, a aposta poderá ser no filho mais novo. O filho mais velho, provavelmente, terá condições de obter seu próprio alimento. Assim, se a mãe deixar de alimentá-lo, ele não irá necessariamente morrer. Por outro lado, se a mãe optar por dar o alimento ao mais velho, seria maior a probabilidade de o filho mais novo, ainda jovem demais para procurar alimento sozinho, morrer. Eis a razão porque os mamíferos desmamam suas crias, em vez de alimentá-los indefinidamente.

Dawkins apresenta agora o enigmático fenômeno conhecido como menopausa, o término um tanto abrupto da fertilidade da mulher na meia-idade. Na teoria de Medawar sobre o envelhecimento, as mulheres, na natureza, tornaram-se gradativamente menos eficientes em criar filhos à medida que envelheciam. Por isso, a expectativa de vida de um filho de uma mãe velha era menor do que a expectativa de vida de um filho de uma mãe jovem. Uma mulher não poderia investir totalmente nos netos se continuasse a ter seus próprios filhos. Por esse motivo, os genes para se tornar reprodutivamente infértil ao chegar à meia-idade ficaram mais numerosos, visto que foram transportados pelos corpos dos netos cuja sobrevivência foi assegurada pelo altruísmo dos avós.

Dawkins afirma que as crias de muitas espécies de aves são alimentadas no ninho pelos pais. Elas abrem o bico e gritam, e os pais os alimentam diretamente de seus bicos. A intensidade com que cada filho grita é proporcional à sua fome. Contudo, à luz de nosso conceito de gene egoísta, devemos esperar que os indivíduos trapaceiem e mintam acerca da intensidade de sua fome. Mês se todos estiverem mentindo ou gritar alto demais, o volume do som resultante passará a ser norma, e deixará de ser uma mentira. Mas não há como retroceder, porque o filhote que der o primeiro passo diminuindo a intensidade de seu grito receberá menos alimento e aumentará a sua probabilidade de morrer.

Dawkins explica que A. Zahavi sugeriu uma forma particularmente diabólica de chantagem infantil: o filhote grita com vistas a atrair deliberadamente os predadores para o ninho. A única forma de os pais impedirem que ele continue gritando é alimentando-o. Assim, o filhote obtém uma quantidade de alimento superior à sua cota sem correr maiores riscos.

De forma mais plausível, a tática de chantagem poderia mostrar-se vantajoso para um filhote de cuco, já que a fêmea do cuco bota um ovo em cada um dos diversos ninhos "adotivos" de pais de diferentes espécies. Dessa forma, uma cria de cuco não tem nenhum interesse genético nos seus irmãos adotivos. Se essa cria gritasse alto o suficiente para atrair predadores, teria muito a perder, mas sua mãe adotiva teria ainda mais a perder, talvez quatro de seus filhotes. Assim, poderia ser vantajoso para a mãe dar-lhe mais alimentos do que corresponderia à sua cota, e a vantagem do cuco superaria o risco.

Em termos genéticos, o que acontece é o seguinte: os genes para os gritos espalhafatosos tornaram-se mais numerosos no pool gênico dos cucos porque aumentaram a probabilidade de que os filhotes dessa espécie fossem alimentados pelos pais adotivos. Estes, por sua vez, tiveram tal reação porque os genes para responder aos gritos também se disseminariam no pool gênico de sua espécie. A explicação para isso é que os indivíduos da espécie adotiva que não fornecem alimento extra ao filhote de cuco terminariam com um número menor de filhotes de sua própria espécie. Criariam menos filhotes do que os rivais que alimentassem com uma cota extra os filhotes de cuco. Isso ocorreria porque os predadores seriam atraídos aos ninhos pelos gritos dos cucos.

Há espécies que aliam ao comportamento chantagista um comportamento cruel. Os honeyguides, tais como os cucos, colocam seus ovos nos ninhos de outras espécies. O filhote nasce equipado com um bico curvo e afiado. Logo que eclode, cego ainda, sem penas e totalmente indefeso, apunhala seus irmãos adotivos até a morte. Com os irmãos mortos, ele não terá competidores pelo alimento. O cuco comum da Grã-Bretanha alcança o mesmo resultado de modo um pouco diferente. O seu período de incubação é curto, por isso eclode antes dos irmãos adotivos. Logo que nasce, atira todos os outros ovos para fora do ninho, um de cada vez. Assim terá toda a atenção dos pais adotivos para si.

Aí surge outra questão: quem tem mais probabilidades de vencer o conflito de gerações? Para Dawkins, R. D. Alexander escreveu um artigo em que sugere uma resposta geral para essa questão. De acordo com Alexander, os pais sempre ganham. Se esse autor estiver certo, surgira muita coisa interessante. O comportamento altruísta, por exemplo, poderia evoluir não em benefício dos próprios genes, mas unicamente em benefício dos genes dos próprios progenitores.A manipulação parental, nos termos de Alexander, converte-se numa causa evolutiva alternativa do comportamento altruísta, independente da seleção direta de parentesco. Para dawkins, é importante analisarmos a argumentação de Alexander e termos a certeza de entender porque ele está errado.

O argumento genético fundamental da tese é: "Suponha que um filho [...] provocasse uma distribuição desigual dos benefícios parentais em favor próprio, reduzindo, assim, a reprodução global de sua mãe. Um gene que aumente dessa maneira a adaptação de um indivíduo quando criança não poderá deixar de reduzir (ainda em maior grau) a sua adaptação quando ele for um adulto, pois os mesmos genes mutantes estarão presentes, em proporção ainda maior, nos descendentes mutantes desse mesmo indivíduo.". O fato de Alexander referir-se a um gene que acaba de sofrer uma mutação não é fundamental para o argumento. Para Dawkins, é preferível considerar um gene raro herdado de um dos pais. O termo "adaptação" tem o sentido técnico específico de sucesso reprodutivo. O que Alexander argumenta é o que Dawkins explica da seguinte forma: "Um gene que tenha levado um indivíduo a obter mais do que seu quinhão quando criança, em detrimento da capacidade reprodutiva global dos seus progenitores, poderia, de fato, aumentar sua probabilidade de sobrevivência. Mas ao se tornar adulto ele pagaria o preço, uma vez que seus descendentes herdariam o mesmo gene egoísta, reduzindo seu sucesso reprodutivo total". Assim, ele cairia na sua própria armadilha. Dessa forma, o gene em questão não poderá ser bem sucedido, e os pais sempre vencem o conflito.

Deve-se suspeitar desse argumento, pois ele se sustenta na suposição de uma assimetria genética que, na verdade, não existe. Alexander usa os termos "progenitor" e "descendente" como se existisse uma diferença genética fundamental entre eles. Mas, na prática, não há assimetria genética alguma entre eles. A relação de parentesco é de 50%.

A titulo de ilustração, Dawkins repete o argumento de Alexander usando os termos mais apropriados: "Suponha que um progenitor tivesse um gene que provocasse uma distribuição eqüitativa dos benefícios parentais. Um gene que aumente dessa maneira a adaptação de um indivíduo quando ele se torna progenitor não pode ter deixado de reduzir (em grau ainda maior) quando ele era criança." Dessa forma, Dawkins chega a uma conclusão oposta à de Alexander, ou seja, em todo conflito entre pais e filhos, os filhos sempre vencem!

Mas tanto um argumento como o outro estão errados, já que consideram o problema do ponto de vista de um indivíduo – o progenitor, no caso de Alexander, e o filho, no caso de Dawkins. O autor acredita que é fácil cometer esse tipo de erro quando se emprega o termo técnico "adaptação", evitado por Dawkins.É importante frisar que só há uma única entidade cujo ponto de vista interessa na evolução, e essa entidade é o gene egoísta.

Dawkins conclui que não existe nenhuma resposta geral à pergunta "Quem tem maior probabilidade de vencer o conflito de gerações?". O que surgirá é um acordo entre a situação ideal desejado pelo filho e aquele desejado pelos pais.

CAPÍTULO 9 – A GUERRA DOS SEXOS

Se há conflito de interesses entre pais e filhos, que compartilham 50% de seus genes, quão mais severos não deverão ser o conflito entre parceiros sexuais, que não apresentam nenhum parentesco entre si? Uma vez que tanto o pai como a mãe estão interessados no bem-estar dos filhos, poderá haver alguma vantagem se ambos cooperarem na criação dos filhotes. Mas, se um dos conseguir investir menos em cada filho, ficará em vantagem já que terá mais recursos para investir em outros filhos de outros parceiros sexuais, propagando assim um número maior de seus genes. Como veremos, os machos de certas espécies conseguem fazer isso, enquanto noutras espécies, os pais são obrigados a partilhar uma fração igual do fardo de criar os filhos. Essa visão da relação entre os parceiros sexuais, como uma relação de desconfiança e exploração mútuas, tem sido especialmente enfatizada por Trivers. É, portanto, uma visão relativamente nova para os etólogos.

Dawkins volta aos princípios elementares e investiga a natureza essencial do ser masculino e do ser feminino. No Capítulo 3, discutiu-se a sexualidade e se enfatizou a sua assimetria fundamental. Mas qual a essência da masculinidade e o que difere uma fêmea? Com mamíferos, o sexo se define por conjuntos globais de características, como a existência de um pênis, a gestação, a amamentação, características cromossômicas, etc. Esses critérios funcionam bem quando tratamos de mamíferos, mas para animais e plantas em geral, não. Nos sapos, por exemplo, nenhum dos dois sexos tem um pênis. Então, talvez as definições "macho" e "fêmea" não tenham um significado geral.

Mas há uma característica fundamental que os diferencia: as células sexuais ou "gametas" dos machos são muito menores e mais numerosos do que os gametas das fêmeas. A diferença é pronunciada sobretudo nos répteis e aves, em que uma única célula-ovo é grande e nutritivo o bastante para alimentar um filhote em desenvolvimento por algumas semanas. Mesmo nos humanos, o óvulo é microscópico mas, mesmo assim, muitas vezes maior que o espermatozóide.

Em alguns organismos primitivos, como os fungos, não existem sexos masculino e feminino, embora ocorra certo tipo de reprodução sexual. No sistema chamado isogamia, as células sexuais são iguais, e os novos indivíduos são formados pela fusão de dois isogametas, cada um deles produzido por divisão meiótica.Quando dois isogametas se fundem, ambos contribuem com igual número de genes para formar o novo indivíduo e também com quantidades iguais de reservas alimentares. Os espermatozóides e os óvulos contribuem com o mesmo número de genes, contudo a contribuição dos óvulos no que diz respeito às reservas de alimento é muito maior. Ou melhor, é total, uma vez que os espermatozóides não contribuem com nenhuma reserva de alimento.

Como cada espermatozóide é minúsculo, um macho tem condições de produzir muitos milhões deles por dia. Consequentemente, ele é potencialmente capaz de produzir um número muito grande de filhos num período muito curto, utilizando fêmeas diferentes. Isto só é possível porque, em cada caso, o novo embrião recebe da mãe a quantidade de alimento adequada, o que acaba por estabelecer um limite no número de filhotes que essa fêmea possa ter, enquanto que o número de filhotes que um macho pode ter é virtualmente ilimitado.

Na opinião de dawkins, autores como Parker e outros mostraram como essa assimetria pode ter evoluído a partir de uma condição originalmente isogâmica. Na época em que todas as células sexuais eram intercambiáveis e quase do mesmo tamanho, houve algumas que, por acaso, eram ligeiramente maiores. Sob certos aspectos, um isogameta maior teria uma vantagem sobre outro de tamanho médio, em virtude de proporcionar um grande suprimento inicial de alimento. Mas daí surgiria um problema. A evolução de isogametas maiores do que o estritamente necessário abriu as portas à exploração egoísta. Os indivíduos produtores de gametas menores do que a média poderia lucrar, se conseguisse garantir que seus pequenos gametas se fundissem com os gametas excepcionalmente grandes. Para isso, teriam que produzir gametas com maior mobilidade e capazes de procurar ativamente os maiores.A vantagem de produzir gametas pequenos e rápidos residiria na produção de um número maior de gametas, possibilitando um maior número de filhos. E a seleção natural favoreceu esse tipo de produção. Sendo assim, pode-se pensar em duas estratégias sexuais divergentes na evolução: haveria o grande investimento ou estratégia "honesta", que abriu automaticamente o caminho para uma estratégia exploradora, de baixo investimento. Os intermediários, de tamanho médio, acabaram penalizados por não desfrutar das vantagens de nenhuma das duas estratégias mais extremas. Os exploradores tornaram-se cada vez menores e mais velozes: os honestos teriam se tornado cada vez maiores, compensando o tamanho cada vez menor dos exploradores e por fim acabaram imóveis, já que, de todo modo, acabariam sendo procurados pelos exploradores. Os gametas honestos se transformaram em óvulos e os exploradores, em espermatozóides.

Raciocinando em nível de "bem da espécie", poderíamos esperar que os machos se tornassem bem mais numerosos do que as fêmeas. Uma vez que um macho poderia, a princípio, produzir espermatozóides suficientes para servir a um harém de cem fêmeas, supostamente as fêmeas deveriam exceder o número de machos nas populações animais para a proporção de cem para um. A despeito das dificuldades que cercam a teoria da seleção de grupos, a teoria do gene egoísta não encontra nenhuma dificuldade em explicar o fato de que o número de machos e fêmeas tende a ser igual, embora os machos que efetivamente se reproduzem representem uma pequena fração do total (num estudo sobre elefantes-marinhos, 4% dos machos eram responsáveis por 88% de todas as cópulas observadas).Essa explicação foi formulada pela primeira vez por R. A. Fischer. A questão do número de machos e de fêmeas que nascem é um caso particular de um problema particular de estratégia parental. Pode-se descobrir aqui a proporção ótima entre os sexos. A estratégia de produzir um número igual de filhos é uma EEE no sentido de que todo gene que provoque um desvio para um lado ou para outro se perderá com isso.

Analisemos uma população com um número equilibrado de machos e de fêmeas. Eis que surge um gene mutante que faça com queas fêmeas produzam apenas filhas. Já que um macho consegue cobrir uma grande quantidade de fêmeas, no começo esse grande número de fêmeas não será problema. Mas com o passar do tempo, o número de fêmeas será tão elevado que os machos existentes já não conseguem dar conta de todas as fêmeas. A partir daí, considere a vantagem dos poucos pais que tiverem filhos. Qualquer um que invista num filhote macho terá uma boa probabilidade de ser avô de centenas de netos. Aqueles que produziram somente filhas asseguram para si alguns poucos netos. Isso não é nada se comparado às possibilidades genéticas dos produtores de filhos machos. Assim, os genes para produzir filhos machos tenderão a ser tornar mais numerosos, e tudo voltaria ao estágio inicial.

Voltando ao casal do início do capítulo, como máquinas egoístas, querem filhos e filhas em números iguais. Mas discordam em relação a quem irá arcar com o peso de criar cada uma das crianças. Quanto menos investirem em cada um dos filhos, mais filhos poderão ter. Mas como o investimento da mãe é maior que o investimento do macho, sob a forma de um ovo grande e rico em nutrientes, uma mãe já se encontra mais comprometida com cada um dos filhos do que o pai.

No caso do macho abandonar a parceira, Trivers leva em consideração as possíveis linhas de ação por parte da fêmea. Ela poderia tentar enganar outro macho, levando-o a "pensar que é o pai do filhote e adotá-lo. Se essa estratégia não der certo, as outras ações têm de levar em conta a idade do filhote. Se estefoi concebido recentemente, apesar de todo o investimento, poderá ainda assim, ser compensador para a mãe abortá-lo, e encontrar um novo parceiro rapidamente. Uma outra opção seria tentar criar o filho sozinha, o que será vantajoso para ela se o filhote já tiver uma certa idade. Quanto mais velho, maiorterá sido o investimento nele, e menos será exigido da mãe para concluir a tarefa de criá-lo.

E mesmo que ele seja bastante jovem, ainda poderia ser bastante vantajoso para ela tentar salvar alguma coisa do seu investimento inicial, embora tenha de trabalhar duas vezes mais para alimentar a criança, agora que está sozinha.

Paradoxalmente, uma política razoável para uma fêmea ameaçada de abandono seria abandonar o macho antes. A verdade, por mais desagradável que seja, é que, sob certos aspectos, a vantagem é do parceiro que desertar primeiro, seja o pai ou a mãe.

A chave, em todos as situações acima mencionadas, é tentar tirar o melhor partido de uma situação verdadeiramente muito ruim. Há opções para uma fêmea reduzir a exploração exercida pelo macho. Uma delas é recusar-se a copular. Como é um artigo de grande procura, pelo fato de trazer consigo um ovo grande e nutritivo, ela está em posição de regatear. Analisando esse "regatear", Dawkins apresenta duas possibilidades de que esse ato pudesse evoluir por seleção natural, a "estratégia do idílio doméstico" e a "estratégia do macho viril".

Na estratégia do idílio doméstico, a fêmea examina todos os machos, tentando identificar, antecipadamente, sinais de fidelidade e domesticidade. A fêmea pode adotar um comportamento "difícil" e recatado durante um longo período, e qualquer macho que não se mostre paciente o suficiente para esperar que a fêmea consinta em copular, provavelmente não será um marido fiel. Insistindo num longo período de noivado, a fêmea excluirá os pretendentes casuais e só copulará com um macho que tenha provado suas qualidades de fidelidade e perseverança. Indiretamente esse longo período também poderá beneficiar o macho, quando existir o perigo de ele ser ludibriado e levado a cuidar do filho de outro macho.

Os rituais de corte animal quase sempre incluem um considerável investimento pré-cópula por parte do macho. A fêmea poderá recusar-se a copular até que o macho tenha construído um ninho para ela ou prover quantidades substanciais de alimento. Esse fato é muito bom do ponto de vista das fêmeas, mas sugere uma outra versão possível da estratégia do idílio doméstico. Um macho que esperar que uma fêmea tímida afinal venha a copular com ele está pagando um preço: está renunciando à possibilidade de copular com outras fêmeas, dispendendo muito tempo e energia ao corteja-la. Quando afinal conseguir copular, ele estará bastante comprometido com ela. A tentação de abandoná-la será pequena, já que sabe que qualquer outra fêmea da qual futuramente se aproximar também irá prolongar essa corte, repetindo todo o processo.

Dawkins já demonstrou em um artigo que há um erro no raciocínio de Trivers. Nada indica que um investimento prévio obrigue o indivíduo a continuar investindo. Tudo depende do pressuposto de que a maioria das fêmeas também fizesse o mesmo jogo. Se na população existirem fêmeas sem parceiros que se dispusessem a copular sem um longo noivado, pode ser vantajoso para um macho abandonar a sua fêmea, não importando o quanto já tenha investido nos filhos dela. Muita coisa vai depender do comportamento das fêmeas.

Para explicar toda essa sistemática, Dawkins utiliza o método de J. Maynard Smith para análise de disputas agressivas e aplica-o ao sexo. É um pouco mais complicado do que o caso dos falcões e pombos, porque teremos duas estratégias femininas e duas masculinas.

Tal como na analise de J. Maynard Smith, a palavra "estratégia" refere-se a um programa de comportamento inconsciente e cego. Dawkins chama as duas estratégias femininas de tímida e rápida, e as duas masculinas de fiel e conquistador.

As fêmeas tímidas nos copularão com um macho até que ele tenha se sujeitado a um longo e dispendioso período de corte, durante várias semanas. As fêmeas rápidas copularão imediatamente com qualquer um. Os machos fieis se mostrarão dispostos a cortejar a fêmeas durante muito tempo e , depois da cópula, ficarão com ela e as ajudarão a criar os filhos. Os machos conquistadores logo perderão a paciência se a fêmea não copular com ele imediatamente, e procurarão outra fêmea. Depois de copularem, não ficarão junto da fêmea nem se comportarão como bons pais, mas partirão em busca de mais fêmeas. Essas não são as únicas estratégias possíveis, mas é esclarecedor estudar seus destinos.

A exemplo de J. Maynard Smith, Dawkins utiliza alguns valores hipotéticos e arbitrários para os custos e benefícios.

O lucro genético obtido por cada um dos pais, quando um filho é criado com sucesso, é de +15 unidades. Os custos de criar um filho, o custo de todo alimento e todo tempo gasto com ele, além de todos os riscos corridos em nome dele, é de –20 unidades (sendo representado por um valor negativo, já que será pago pelos pais). O custo do tempo dispendido com a corte prolongada é de –3 unidades.

Vamos imaginar uma população em que todas as fêmeas são tímidas e todos os machos são fieis, a sociedade monogâmica ideal. Em cada casal, o macho e a fêmea alcançam, ambos, o mesmo lucro médio. Ambos obtém +15 a cada filho criado, e dividem igualmente os custos de cria-lo (-20), o que dá uma média de –10 para cada um. Os dois pagam o custo de –3 pelo tempo desperdiçado num período de namoro prolongado. O lucro médio para cada um é, portanto, +15-10-3=+2.

Na suposição de que uma única fêmea fácil se introduza uma população, ela se sairá muito bem. Não paga o custo da demora, pois não perde tempo com a corte prolongada. Já que todos os machos são fieis, ela poderá ter a certeza de encontrar um bom pai para seus filhos. O seu gasto médio por filho é de +15-10=+5, obtendo três unidades de vantagem sobre as rivais tímidas. Os genes para o comportamento rápido começarão a se disseminar.

Se o sucesso das fêmeas rápidas for tão grande a ponto de predominar na população, as coisas também não irão andar bem para os machos.

Até aqui, os machos fieis detinham o monopólio. Mas se surgir um macho conquistador na população, ele começará a se sair melhor que seus rivais. Numa população de fêmeas rápidas, ele ganhará +15 unidades se seu filho for criado com sucesso, e não arcará com os custos. Essa ausência de custo significa principalmente que ele está livre para copular com outras fêmeas. Cada uma dessas fêmeas se esforça para criar sozinha seu filho, arcando com todo o custo de –20, mas não pagará pelo desperdício de tempo por namoro prolongado. O lucro liquido de uma fêmea rápida, ao acasalar com um macho conquistador, é de +15-20=-5; o lucro para o conquistador será de +15. Numa população de fêmeas rápidas, os genes do conquistador se propagarão rapidamente.

Se os conquistadores dominarem a porção masculina da população, as fêmeas rápidas ficarão em apuros. Qualquer fêmea tímida estaria em grande vantagem. Se uma fêmea tímida se encontrar com um macho conquistador, nada acontecerá. Nenhum dos parceiros pagará o custo de tempo desperdiçado; nenhum dos dois ganhará coisa alguma, já que nenhum filho será produzido. Tudo isso dará um resultado líquido de zero para uma fêmea tímida numa população em que todos os machos são conquistadores. Zero pode não parecer grande coisa, mas é melhor que –5, que é o resultado médio para uma fêmea rápida. Assim, os genes para a timidez começarão novamente a se disseminar pela população.

Completando o ciclo hipotético, quando o número de fêmeas tímidas aumentarem a ponto de dominar a população, os machos conquistadores se verão em apuros. As fêmeas passarão a insistir numa corte prolongada, e os conquistadores não obterão sucesso em tentar copular. O resultado líquido de um macho conquistador numa população de fêmeas tímidas será zero. Mas se surgir um macho tímido, este será o único que irá copular, e seu resultado líquido será +2. Dessa forma, os genes para a fidelidade começarão a aumentar na população, e teremos completado o ciclo.

Esse sistema convergirá para um estado de equilíbrio. Ao se fazer as contas, uma população de 5/6 de fêmeas tímidas e de 5/8 de machos fieis é evolutivamente estável. Mas esse percentual é valido apenas para os números arbitrários utilizados pelo autor.

Dawkins agora nos explica outra estratégia feminina importante, a estratégia do macho viril. Nas espécies em que essa política é adotada, as fêmeas se conformam em não obter ajuda do pai para criar os filhos, mas dedicam-se inteiramente em obter bons genes. Utilizam para isso a recusa à cópula. Recusam-se a copular com qualquer macho ao acaso, exercendo ao máximo o cuidado e a discriminação antes de consentir na cópula. Se uma fêmea puder, de alguma forma, detectar bons genes em algum macho beneficiará seus próprios genes, associando-os a bons genes paternos. A maioria das fêmeas concordará entre si a respeito de quais são os melhores machos, já que todas se guiarão pelas mesmas informações. Assim, uns poucos machos felizardos realizarão a maioria das cópulas.

Uma coisa que a fêmea deseja são evidencias da capacidade de sobreviver. Obviamente, qualquer parceiro potencial que a esteja cortejando já provou sua capacidade para sobreviver pelo menos até a idade adulta. Uma boa política para as fêmeas seria escolher os machos velhos. Quaisquer que sejam as suas desvantagens, eles provaram que, ao menos, são capazes de sobreviver, e a fêmea estará associando seus genes com genes de longevidade. Entretanto, não adianta assegurar-se de que os filhos viverão muito tempo se eles não lhe derem muitos netos. A longevidade não é uma indicação inequívoca de virilidade. Um macho idoso poderá ter sobrevivido precisamente porque não se expôs a riscos com a finalidade de se reproduzir.

Quais são as outras evidências? Talvez músculos fortes, indicativo da habilidade para caçar e obter alimento, talvez pernas compridas, como um indicativo da habilidade para fugir de predadores. Mas, aqui, surge uma questão bem interessante, compreendida por Darwin e enunciada com bastante clareza por Fischer.

Numa sociedade em que os machos competem entre si para serem escolhidos como machos viris, uma das melhores coisas que a mãe pode fazer pelos seus genes é produzir um filho que, por sua vez, se revele um macho viril e atraente. Se conseguir assegurar que seu filho, ao crescer, será um dos poucos que copularão com a maior parte das fêmeas, ela terá assegurado um número enorme de netos. Qual o resultado disso? Uma das qualidades mais desejáveis que um macho pode ter, aos olhos de uma fêmea, é a própria atração sexual. Para Zahavi, não basta a um macho viril se parecer com um macho de boa qualidade, ele deve realmente ser um macho de boa qualidade, caso contrário não será aceito como tal pelas céticas fêmeas. Isso levará à evoluções de exibições que somente um macho viril genuíno será capaz de fazer.

Dawkins explica uma parte da teoria de Zahavi que o próprio Dawkins não acredita, embora com menos convicção agora. Zahavi sugere que as caudas excessivamente compridas das aves-do-paraíso e dos pavões, as galhadas enormes dos cervos e outras características selecionadas sexualmente, que sempre pareceram paradoxais por serem, ao que tudo indica desvantajosas para seus possuidores, evoluíram justamente porque são desvantagens.Um pássaro macho com uma cauda longa e difícil de carregar demonstra ostensivamente que é um macho viril, tão forte que consegue sobreviver apesar de sua cauda.

Mas permanece o problema de que a teoria da desvantagem parece encerrar uma contradição de base. Se a desvantagem é genuína – e a essência da teoria é que ela tem de ser genuína –, então a própria desvantagem penalizará os descendentes, tão seguramente como poderá atrair as fêmeas. De qualquer forma, é importante que a desvantagem não seja transmitida às filhas.

Dawkins afirma que, se reformularmos a teoria da desvantagem em termos genéticos, chegamos à seguinte conclusão: um gene que faça com que os machos desenvolvam uma desvantagem, como a cauda longa, se tornará mais numeroso no pool gênico porque as fêmeas se decidirão pelos machos que exibam essas desvantagens.

Se um macho pode demonstrar a sua superioridade sobre os demais machos de uma maneira que não envolva colocar-se deliberadamente em desvantagem, ninguém duvidará que ele poderia aumentar o seu sucesso genético desse modo.

Dawkins resume esse capítulo da seguinte forma: os diferentes tipos de sistemas de reprodução que encontramos entre os animais podem ser compreendidos em termos de conflitos de interesses entre machos e fêmeas. Cada indivíduo quer maximizar seu rendimento reprodutivo total durante a sua vida. Devido à uma diferença fundamental entre o tamanho e o número de óvulos e espermatozóides, os machos em geral tendem à promiscuidade e à ausência de investimentos nos descendentes. Como as fêmeas dispõem de duas estratégias defensivas, as circunstâncias ecológicas de uma espécie irão determinar não apenas uma inclinação das fêmeas por uma dessas estratégias mas também como os machos irão responder a elas. Na prática, todos os estados intermediários entre o macho viril e o idílio doméstico poderão ser encontrados.

Dawkins também analisa as diferenças comumente observadas entre machos e fêmeas em geral e a interpretação dessas diferenças.

Primeiramente são os machos que tendem a exibir cores vistosas, e as fêmeas apresentam uma aparência mais monótona. Cores vibrantes seriam tanto para atrair parceiros sexuais como para atrair predadores. Por outro lado, genes para cores mais pálidas podem ter menos probabilidades de passar para a geração seguinte, por enfrentarem dificuldades em atrair parceiros sexuais. Há, portanto, duas pressões seletivas entram em conflito: os predadores, que tendem a eliminar os genes para cores brilhantes e vistosas do pool gênico, e os parceiros sexuais, que tendem a eliminar os genes para colorações insípidas. Como em vários outros casos, as máquinas de sobrevivência eficientes podem ser encaradas como um acordo entre as pressões seletivas conflitantes. O interessante nesse momento é que o acordo ótimo para um macho parece ser diferente do acordo ótimo para uma fêmea.

Outra diferença comum é que as fêmeas são mais exigentes que os machos quanto ao parceiro sexual. Um dos motivos para essa meticulosidade é a necessidade de evitar o acasalamento com um membro de outra espécie, evitando a hibridização. Mesmo dentro da espécie, o acasalamento incestuoso pode acarretar conseqüências gênicas nocivas porque, nesse caso, os genes recessivos letais e semiletais irão se manifestar.

Para Dawkins, na sociedade humana, o investimento parental de ambos os pais é grande, e se há algum desequilíbrio, não se trata de algo muito evidente.

Culturalmente, muitas sociedades humanas são monogâmicas, mas há algumas promiscuas e outras que se organizam em haréns. O que essa variedade sugere é que o modo de vida do homem é, em grande parte, determinado pela cultura, e não pelos genes. Entretanto, permanece possível que os machos humanos em geral tenham tendência para a promiscuidade e as fêmeas tenham tendência para a monogamia, previsíveis do ponto de vista evolutivo. Qual a tendência vencedora numa determinada sociedade depende das circunstâncias culturais, assim como nas diferentes espécies animais isso dependerá das circunstâncias ecológicas.

No caso da propaganda sexual, não há dúvida de que o equivalente da cauda do pavão é exibido pela fêmea, e não pelo macho. São encorajadas a se interessarem pela própria aparência pela mídia a elas destinada.

O motivo pelo qual existe uma forte demanda por fêmeas entre as aves-do-paraíso é que os óvulos constituem um recurso mais escasso que os espermatozóides. O que acontece com o homem moderno? Será que o macho se tornou realmente o sexo procurado, aquele que está em falta, o sexo que pode se dar ao luxo de ser exigente? Se for assim, porque isso ocorre?

CAPÍTULO 10 – UMA MÃO LAVA A OUTRA?

Consideramos até agora as interações parentais, sexuais e agressivas entre as máquinas de sobrevivência pertencentes à mesma espécie, mas há aspectos surpreendentes nas interações animais. Uma delas é a tendência de viver em grupo. Embora formados, em geral, por membros da mesma espécie, há exceções, como as zebras formando bandos com os gnus, e bandos mistos de aves.

A lista de vantagens que um indivíduo egoísta pode supostamente extrair da vida em grupo é bem variada. Dawkins menciona apenas algumas dessas vantagens, retornando aos exemplos de comportamento altruístico do Capítulo 1, que serão aplicados a partir desse momento.

Para o autor, se os animais vivem em grupos, é porque os benefícios dessa associação devem ser superiores ao seu investimento.

Muitos dos benefícios sugeridos para a vida em grupo estão relacionados à proteção contra os predadores. W. D. Hamilton, num artigo intitulado "Geometry for the selfish herd" (A Geometria do rebanho egoísta) formula uma teoria a respeito. Mas é importante destacar que Hamilton, ao falar em "rebanho egoísta", se referia a "rebanho de indivíduos egoístas".

Dawkins inicia a explanaçao com um modelo simples e abstrato, que nos ajudaria a entender a vida real. Vamos supor que uma determinada espécie animal é caçada por um predador que tende a atacar a presa individual mais próxima. É uma estratégia razoável, do ponto de vista do predador, visto que tende a diminuir o dispêndio de energia. Já do ponto de vista da presa, essa estratégia tem uma interessante conseqüência, significando que a presa tentará constantemente evitar encontrar-se na posição mais próxima do predador. Se a presa puder detectar o predador à distância, fugirá. Mas se o predador tiver a oportunidade de ficar escondido na vegetação, surgindo sem prévio aviso, cada presa poderá tomar medidas para minimizar as possibilidades de ser o indivíduo mais próximo dele. Pode-se imaginar cada presa individual rodeada por um "domínio de perigo", definido como a área de terreno dentro do qual todos os pontos se encontram mais próximos desse individuo do que qualquer outro indivíduo.Um exemplo: se os indivíduos de uma manada marcharem numa formação geométrica regular, o domínio de perigo em torno de cada um deles terá um formato de cada um deles terá um formato aproximadamente hexagonal, a menos que ele se encontre numa das margens. Os indivíduos que se encontrarem na periferia da manada serão excepcionalmente vulneráveis, pois seu domínio de perigo não é um hexágono relativamente pequeno, mas incluirá uma vasta área no espaço aberto.

Logicamente, um indivíduo sensato tentará manter o seu domínio de perigo tão reduzido quanto possível. Particularmente, evitará permanecer na periferia da manada. Se ele se encontrar nessa posição, tomará medidas imediatas para se deslocar em direção ao centro. Nessemodelo de rebanho egoísta não tem lugar para interações cooperativas nem altruísmo, somente a exploração egoísta de cada indivíduo por outro.

Mas na vida real, há casos em que os indivíduos parecem desempenhar um papel ativo para proteger os outros membros do grupo do ataque de predadores. Os gritos de alarme emitidos pelas aves é um exemplo desse tipo de comportamento. Não há nenhuma indicação de que o emissor esteja tentando desviar o ataque do predador de seus companheiros, ele está apenas informando-os da presença do predador. Entretanto, à primeira vista, a emissão de alarme parece um ato altruísta, pois tem o efeito de atrair a atenção do predador para a ave que gritou. Para dawkins, podemos inferi-lo indiretamente por meio de um fato observado por P. R. Marler. As características físicas dos gritos de alarme parecem ser idealmente adaptadas para dificultar a localização de sua fonte.

Na natureza, essa modelagem foi produzida pela seleção natural, e isso significa que muitos indivíduos morreram porque seus gritos de alarme não eram perfeitos. Há, então, algum perigo associado a tais sinais. Para o autor, a teoria do gene egoísta terá de propor uma vantagem bem convincente na emissão dos gritos de alarme para compensá-los.

Na realidade, não é tão difícil assim. Se existe a possibilidade de o bando conter alguns parentes próximos, um gene para emitir um grito de alarme poderá prosperar no pool gênico.

Mas ainda há muitas outras teorias e muitas maneiras pela qual a ave que grita poderia obter benefícios egoístas por alertar os outros membros do bando. Trivers desenvolveu cinco hipóteses, mas Dawkins descreve duas, de sua própria autoria, como mais convincentes.

A primeira delas é chamada de cave (cuidado, em latim). Aplica-se às aves que se escondem, camuflados e imóveis, entre pequenos arbustos quando se vêem ameaçadas por algum perigo. Mas não adiantaria um membro avistar um predador e se esconder, se o resto do bando continuar a procurar alimento e fazer barulho. Do ponto de vista puramente egoísta, a melhor política para um indivíduo que detectasse o predador em primeiro lugar emitisse um rápido aviso aos companheiros, calando-os, reduzindo assim a possibilidade dos membros do grupo atrair a atenção dos predadores.

A outra teoria é chamada de "nunca abandonar as fileiras". Ela se aplica às espécies de aves que fogem, talvez para cima de uma arvore, ante a aproximação de um predador. Se o membro do bando que detectou o predador fugir, sem avisar o bando, ficará isolado e deslocado, deixando de fazer parte de um bando anônimo. O abandono das fileiras, teoricamente, é um suicídio. Mesmo que seus companheiros o sigam, o primeiro a levantar vôo aumenta temporariamente seu domínio de perigo. Para Dawkins, correta ou não a teoria de Hamilton, deve haver vantagem em voar em bandos, caso contrário as aves não o fariam. Se o indivíduo que detectar o predador nada fizer, confiando na proteção do bando, ainda se encontrará vulnerável e a descoberto. A melhor política, de fato, é voar para os galhos de uma arvore, mas certificando-se de que todos os demais façam o mesmo. De novo, emitir um grito de alarme parece ser uma vantagem puramente egoísta.

Dawkins revela que E. L. Charnov e J. R. Krebs propuseram uma teoria semelhante, em que chegaram a empregar a palavra "manipulação" para descrever o que a ave que grita faz com o bando. Estamos muito distante do altruísmo puro e desinteressado.

A respeito do stotting da gazela de Thomson, mencionado no Capítulo 1, que levou Audrey a afirmar que só poderia ser explicado pela teoria da seleção de grupo, faz com que se imagine que as gazelas atrairiam deliberadamente a atenção do predador, como um desafio. Essa observação conduziu a uma teoria ousada, inicialmente imaginada por N. Smithe e concluída, à princípio, por A. Zahavi.

Essa teoria pode ser apresentada da seguinte forma: o stotting, longe de ser um sinal de alerta dirigido às outras gazelas, é na realidade dirigida ao predador. Numa tradução grosseira, é como se dissesse: "Olhe como sou capaz de saltar alto, sou obviamente uma gazela tão apta e saudável que você não conseguiria me apanhar, e que seria mais inteligente da sua parte se tentasse apanhar a minha vizinha que não salta tanto.". Sabe-se que muitos predadores em geral escolhem presas velhas e doentes, e um indivíduo que salte com um vigor exagerado exibe o fato de não estar velho nem doente. De acordo com a teoria, a exibição está longe de ser altruísta. Na melhor das hipóteses, ela é egoísta, pois há uma competição para ver quem salta mais alto, e o perdedor será escolhido pelo predador.

Já o comportamento camicase e outras formas de altruísmo e cooperação das abelhas operárias não surpreendem, se aceitarmos o fato de que são estéreis. O corpo de um animal é manipulado para assegurar a sobrevivência de seus genes. O suicídio, como forma de cuidado com os outros indivíduos, não é compatível com a produção futura de descendentes. Mas uma abelha-operária não produz descendentes, e todos os seus esforços se direcionam à preservação de seus genes por meio da dedicação a outros familiares, e não à própria prole.

Dawkins apresenta, no Capítulo 7, a distinção entre produzir e criar filhos, e que normalmente evoluíram estratégias mistas, onde haveria uma combinação entre produção e criação. Já no Capítulo 5, o autor afirma que as EEE mistas poderiam ser de dois tipos gerais: ou cada indivíduo na população se comporta de forma mista, atingindo uma mistura judiciosa entre produzir e criar, ou então a população poderia se dividir em dois tipos diferentes de indivíduos, os que produzem os filhos e os que os criam. Mas essa estratégia só poderia ser uma EEE se aqueles que se encarregam do cuidado forem parentes próximos dos indivíduos que estiverem criando. Embora seja possível, em teoria, que a evolução tome essa direção, parece ter sido no caso dos insetos sociais que isso efetivamente aconteceu.

O grupo de insetos conhecidos como sociais dividem-se em duas classes principais, os produtores e os criadores. Os primeiros são os machos e as fêmeas, reprodutores. A segunda classe são as operárias – machos e fêmeas no caso dos cupins, e fêmeas estéreis em todos os outros insetos sociais. Todos realizam seu trabalho de forma eficiente. Mas eficiente sob qual ponto de vista? O que as operárias ganham com isso?

Correspondendo à "teoria de manipulação parental" de Alexander, vista no Capítulo 8, alguns responderiam que as operárias nada ganhariam. A idéia oposta é que as operárias "arrendam" as reprodutoras, manipulando-as para torná-las mais eficientes na propagação das réplicas dos genes das operárias. Segundo Dawkins, foi Hamilton quem percebeu que, pelo menos nas formigas, abelhas e vespas, as operárias podiam ser, na realidade, parentes mais próximos das suas irmãs do que a própria rainha.

Essa percepção levou Hamilton, e posteriormente Trivers e Hare, a um dos triunfos mais espetaculares da teoria do gene egoísta.

Os insetos do grupo Hymenoptera, que inclui as formigas, abelhas e vespas, apresentam um sistema de determinação sexual muito inusitado. Um ninho típico tem apenas uma rainha, que por ocasião de seu vôo nupcial armazena espermatozóides para o resto de sua vida – em média, oito anos. Ela utilizará essa reserva de acordo com o número de óvulos que produzirá no decorrer dos anos, fertilizando-os à medida que estes passam por seus ovidutos. Os que não são fertilizados se desenvolverão como machos, portanto sem pai, e todas as células de seu corpo contêm um único conjunto cromossômico herdado da mãe. Um himenóptero fêmea é normal no sentido de ter um pai e apresentará em suas células os dois conjuntos cromossômicos. Uma fêmea se desenvolverá como operária ou rainha dependendo da forma como for criada, e não de seus genes.

Dawkins calcula o parentesco entre a rainha e seu filho. Se soubermos que um macho possui o gene A, qual a probabilidade de que sua mãe o partilhar com ele? A resposta terá de ser 100%, uma vez que o filho não teve um pai e recebe todos os genes de sua mãe. Mas se a mãe tiver o gene B, qual a probabilidade de seu filho o partilhar é de 50% pois ele só conta com metade dos genes da mãe. Pode parecer contraditório, mas não é. Um macho recebe todos os genes de sua mãe, porém a mãe fornece apenas a metade do número usual de genes.

Tudo fica mais intrigante quando analisamos o caso das irmãs. As irmãs de pai e mãe não apenas partilham o mesmo pai, como os dois espermatozóides que os conceberam eram idênticos em todos os seus genes. As irmãs equivalem, portanto, a gêmeas idênticas, no que diz respeito aos seus genes de origem paterna. Se uma fêmea tem um gene A, deverá tê-lo recebido do pai ou da mãe. Se o recebeu da mãe, existe uma probabilidade de 50% de que sua irmã também o tenha. Mas se o recebeu do pai, essa probabilidade passa a ser de 100%. Portanto, o grau de parentesco entre as irmãs bilaterais, no caso dos himenópteros, não é ½, e sim ¾.

Com algumas variantes no tocante à manutenção do ninho e taxas reprodutivas, Dawkins mostra exemplos semelhantes entre as formigas.

Em algumas espécies, a jovem rainha, em seu vôo nupcial, copula com diversos machos, e não apenas com um só. Logo, a média de parentesco entre seus filhos é menor do que ¾, podendo chegar a ¼ em casos extremos.

No tocante à alimentação, Dawkins afirma que os insetos sociais descobriram que o cultivo regular de alimento pode ser mais eficiente do que a caça ou coleta. Como exemplo temos as formigas do Novo Mundo e os cupins da África, que cultivam hortas de fungos, e as formigas que "ordenham" os afídeos.

Uma relação de benefício mútuo entre membros de espécies diferentes é chamada de mutualismo ou simbiose. Esse tipo de assimetria fundamental pode levar a EEE de cooperação mútua. Os afídeos têm o tipo adequado de instrumento para sugar a seiva das plantas, mas não possuem o tipo adequado para autodefesa, e as formigas não são eficientes em sugar a seiva, mas lutam bem.

Ainda nesse assunto, Dawkins apresenta uma idéia revolucionária: as mitocôndrias são fábricas químicas responsáveis pelo fornecimento da maior parte de energia de que necessitamos. Se as perdêssemos, morreríamos em seguida. Até aí, nenhuma novidade. O argumento revolucionário é que as mitocôndrias seriam, na origem, bactérias simbiontes que uniram forças com o nosso tipo de célula logo no começo da evolução. Sugestões semelhantes têm sido feitas em relação a outros pequenos corpúsculos no interior de nossas células. Dawkins acredita que ainda aceitaremos a idéia mais radical de que cada um de nossos genes é uma unidade simbiótica. Não há evidencias a favor dessas idéias, mas elas são inerentes à maneira como encaramos o funcionamento dos genes nas espécies sexuadas. O outro lado da questão é que os vírus podem ser genes que se soltaram de "colônias" como as nossas, já que o autor nos considera como colônias gigantes de genes simbiontes.

A evolução da associação de benefício recíproco é teoricamente fácil de imaginar se os favores forem feitos e retribuídos ao mesmo tempo, como no caso dos liquens. Mas se há um intervalo de tempo entre a realização de um favor e sua retribuição, a situação se torna mais problemática, pois aquele que primeiro recebe o favor pode se sentir tentado a trapacear e não retribuir o favor quando chegar a sua vez.

Dawkins dá outros exemplos, mas todos giram em torno do benefício mútuo, apesar de espécies aproveitadoras tentarem se beneficiar desse tipo de relação.

CAPÍTULO 11 – MEMES: OS NOVOS REPLICADORES

Dawkins acredita que há um motivo para supor que a nossa espécie seja única, e esse motivo é a "cultura". A transmissão cultural é análoga à transmissão genética, no sentido de que, apesar de ser essencialmente conservadora, pode originar alguma forma de evolução.

A transmissão cultural não é um privilégio humano. Um exemplo conhecido pelo autor foi descrito por P. F. Jenkins a respeito do canto de um pássaro, o Philesturnus carunculatus carunculatus,que habita as ilhas da Nova Zelândia. Na ilha em que Jenkins trabalhava havia um repertorio de nove canções diferentes e cada macho cantava apenas uma ou algumas dessas canções. Outros grupos diferentes produziam canções diferentes. Comparando as canções de pais e filhos, Jenkins mostrou que os padrões melódicos não eram herdados geneticamente. Ocasionalmente Jenkins tinha o privilégio de testemunhar a "invenção" de uma nova canção, e se refere à origem das novas canções como "mutações culturais".

Mas é a nossa espécie que mostra verdadeiramente o que a evolução cultural é capaz de fazer. A linguagem é só um exemplo entre muitos, e a nossa compreensão do universo não se limita a mudar com o passar dos séculos, ela melhora. Reconhecidamente, a explosão atual de progresso data apenas do Renascimento, que foi precedido por um período sombrio de estagnação em que a cultura européia esteve congelada no nível atingido pelos gregos. Mas, como já foi visto no Capítulo 5, também a evolução genética pode ocorrer como uma série de breves surtos, separados por intervalos de longos períodos estáveis.

A analogia entre o progresso científico e a evolução genética por seleção natural tem sido elucidada em especial por Sir Karl Popper. Indo mais além, o autor vai numa direção que também estão sendo explorados por L. L. Cavalli-Sforza, F. T. Clark e J. M. Cullen.

Dawkins, segundo sua própria definição um darwinista entusiasta, não se entusiasmou com as explicações do comportamento humano seguidos por seus colegas. Eles buscam "vantagens biológicas" em diversos atributos da civilização humana. O pressuposto evolutivo em cujos termos essas teorias são concebidas é implicitamente do tipo seleção de grupo, mas é possível reformular as teorias em termos de seleção genética ortodoxa.

O argumento que Dawkins desenvolve, surpreendentemente, é que para compreender a evolução do homem moderno, deve-se abandonar a idéia do gene como a única base de nossas idéias a respeito da evolução.

O que os genes têm de especial é que eles são replicadores. Será que encontraremos outro tipo de replicador e, em conseqüência, outros tipos de evolução? Na opinião do autor, esse replicador surgiu recentemente nesse planeta, alcançando uma mudança evolutiva numa velocidade muito grande.

O novo caldo da sopa primordial é o caldo da cultura humana. Precisa-se dar um nome para o replicador, e esse nome é Meme.

Exemplos de memes são melodias, slogans, modas no vestuário, as maneiras de fazer potes ou de construir arcos. Os memes se propagam no pool de memes saltando de cérebro para cérebro através de um processo que pode ser chamado de imitação. Se um cientista ouve ou lê sobre uma boa idéia, transmite-a aos seus colegas e alunos. Ele a menciona nos seus artigos e palestras. Se a idéia pegar, pode-se dizer que propaga a si mesma, espalhando-se de cérebro em cérebro.

Dawkins nos sugere considerar a idéia de Deus. Não se sabe como ela surgiu no pool de memes. Provavelmente, originou-se muitas vezes por "mutações" independentes. Como essa idéia se replica? Pela palavra falada e escrita, auxiliada pela música e pela arte. O valor de sobrevivência do meme Deus no pool de memes resulta do seu grande apelo psicológico.

Alguns colegas de Dawkins sugeriram que esta sobrevivência do meme Deus teria como pressuposto aquilo que deveria provar. Em última análise, querem sempre voltar à "vantagem biológica": não basta dizer que a idéia de Deus tem "grande apelo psicológico"; eles querem saber por que ela tem esse grande apelo psicológico. Apelo psicológico significa apelo para os cérebros, e os cérebros são moldados pela seleção natural de genes no pool gênico. Querem encontrar uma razão pela qual ter um cérebro assim aumenta a sobrevivência dos genes.

Fundamentalmente, o motivo porque para nós é uma boa política tentarmos explicar os fenômenos biológicos em termos de vantagem genética é que os genes fazem réplicas de si mesmos. Durante mais de três bilhões de anos, o DNA foi o único replicador digno de menção. Mas isso não significa que esse monopólio será eterno. Sempre que surgirem condições ideais, um novo replicador começará a produzir cópias de si mesmo e tenderá a tomar as rédeas da situação. Uma vez iniciada essa nova evolução, ela não terá de submeter-se à antiga. Quando a evolução antiga, por seleção de genes, produziu os cérebros, forneceu o "caldo" em que se originaram os primeiros memes.

A imitação, num sentido amplo, é o processo pelo qual os memes podem se replicar. Alguns memes são mais bem-sucedidos no pool de memes do que outros, semelhante ao que ocorre na seleção natural. Mas, de uma maneira geral, eles devem ter as mesmas qualidades já descritas para os replicadores no Capítulo 2: longevidade, fecundidade e fidelidade de cópia.

A longevidade não é tão importante em se tratando de meme, tal como ocorre com a longevidade de uma cópia particular de gene. Já a fecundidade é muito mais importante do que a longevidade de determinadas cópias particulares. Quando se trata de fidelidade de cópia, dawkins confessa que não se sente muito seguro quanto a isso. À primeira vista, os memes não são replicadores de alta-fidelidade. Cada vez que um cientista ouve uma idéia e a transmite a outra pessoa, provavelmente a modifica em algum grau.

Quando Dawkins afirma que todos os biólogos hoje acreditam na teoria de Darwin, não quer dizer que todo biólogo tem, gravada no seu cérebro, uma cópia idêntica das palavras de Darwin. Cada indivíduo tem sua própria maneira de interpretar tais idéias, e provavelmente as aprende não a partir dos textos de Darwin, mas de autores mais recentes. Muito do que Darwin afirmou pode ser considerado, em seus detalhes, incorreto. Um "meme-idéia" pode ser considerado uma entidade capaz de ser transmitida de um cérebro a outro, e o meme da teoria de Darwin é, portanto, a base essencial da idéia compartilhada por todos os cérebros que compreendem a teoria. As diferenças na maneira como as pessoas as representam, então, por definição, não fazem parte da meme.

Dawkins presume que os complexos de memes co-adaptados evoluem de maneira semelhante aos complexos de genes co-adaptados. A seleção favorece os memes que exploram seu ambiente cultural em proveito próprio. Esse ambiente cultural consiste em outros memes que também são objetos de seleção. O pool de memes, portanto, passa a ter atributos de um conjunto evolutivamente estável que os novos memes dificilmente conseguem invadir.

Mas há também um lado positivo em relação aos memes. Quando morremos, há duas coisas que podemos deixar para trás: os genes e os memes. O nosso aspecto será esquecido em três gerações. No entanto, se contribuirmos para o patrimônio cultural do mundo, pode ser que a nossa contribuição sobreviva, intacta, muito depois que os nossos genes tiverem se dissolvido no pool comum dos genes. Talvez Sócrates tenha um ou dois genes vivos no mundo de hoje, mas os complexos de memes de Sócrates, Leonardo da Vinci, Copérnico e Marconi continuam em pleno vigor.

Dawkins encerra esse tópico com uma nova idéia. Uma característica exclusiva do homem, que poderá ou não ter evoluído memicamente, é a sua capacidade de previsão consciente. Os genes egoístas e os memes (se forem permitidas as especulações deste capítulo) não têm essa capacidade. Eles são replicadores cegos e inconscientes.

Mas nós temos o poder de desafiar os genes egoístas que herdamos, e se preciso, dos memes egoístas com que fomos doutrinados. Somos os únicos na Terra com o poder de nos rebelar contra a tirania dos replicadores egoístas.

CAPÍTULO 12 – OS BONS RAPAZES TERMINAM EM PRIMEIRO

Os bons rapazes terminam em primeiro. O biólogo americano Garreth Hardin utilizou essa frase para resumir a mensagem daquilo que pode ser chamada de "sociobiologia" ou "egoísmo dos genes". É fácil ver sua adequação: se traduzirmos o significado coloquial de "bom rapaz" para seu equivalente darwiniano, esse bom rapaz é um indivíduo amável, que ajuda os demais de sua espécie a transmitir seus genes para a geração seguinte, às suas expensas. Parece então que os bons rapazes estão destinados a decrescer em número, e a amabilidade sofre uma morte darwiniana.

Mas há outra interpretação, mais técnica, para o termo coloquial "bom". Se adotarmos essa definição, não tão distante do significado coloquial, os bons rapazes podem terminar em primeiro.

Foi o cientista político Robert Axelrod que levou a idéia do altruísmo recíproco a outras direções, e cunhou o significado técnico da palavra "bom" aludido acima.

Axelrod ficou fascinado por um jogo simples chamado "Dilema do Prisioneiro". Mas sua simplicidade é enganadora e muitas pessoas influentes julgam que este jogo contém a chave para os planejamentos de defesa estratégica para evitar uma 3ª Guerra Mundial. Dawkins, como biólogo, está de acordo com Axelrod e Hamilton quanto à idéia de que na natureza há muitos animais e plantas envolvidos em intermináveis partidas do "Dilema do Prisioneiro", que se desenrolam no tempo evolutivo.

É um jogo onde existe uma "banca" pagadora, e dois jogadores (não necessariamente). Cada jogador tem duas cartas à disposição, COOPERAR e TRAIR. Como existem 2x2 cartas, há quatro resultados possíveis. O suspense do jogo deve-se ao fato de que os nossos ganhos dependem não somente da carta que jogamos, mas também da carta do outro jogador.

Vamos supor que o autor e o leitor estão jogando. Os resultados possíveis são (os valores foram cotados em dólares, em deferência à origem do jogo):

RESULTADO I: os dois jogam COOPERAR, e a banca paga US$ 300 a cada um. Essa soma é chamada Recompensa pela cooperação mútua.

RESULTADO II: os dois jogam TRAIR, e a banca multa os dois em US$ 10. Essa soma é chamada Punição pela traição mútua.

RESULTADO III: o leitor joga COOPERAR e o autor joga TRAIR. A banca paga ao autor US$ 500 (Tentação de trair) e cobra do leitor (o Trouxa) uma multa de US$ 100.

RESULTADO IV: o leitor joga TRAIR e a autor joga TRAIR. A banca paga ao leitor US$ 500 da tentação e multa o autor, o Trouxa, em US$ 100.

Os resultados III e IV são obviamnete imagens num espelho, onde um se sai muito bem e o outro se sai muito mal. Nos resultados I e II, tanto um como o outro se saem muito bem, mas o resultado I é melhor para ambos que o resultado II. As quantias exatas de dinheiro não importam. Não nos interessa saber sequer quantas são positivas (pagamentos) e quantas são negativas (multas). O que interessa é a ordem de classificação dos resultados. A tentação de trair tem de ser melhor do que a recompensa pela cooperação mútua, que por sua vez, tem de ser melhor do que o ganho do Trouxa.

A conclusão do autor é que, independente do que fizer o leitor, a melhor política é trair. Então, quando dois jogadores racionais se enfrentarem, ambos irão jogar TRAIR, e terminarão por serem multados e obterão um ganho baixo. Mas sabem que basta que joguem COOPERAR para alcançar uma recompensa relativamente elevada pela cooperação mútua. É por isso que o jogo recebe o nome de "Dilema". O termo "prisioneiro" vem de um exemplo imaginário. A moeda de troca, em vez de dinheiro, é representado por sentenças de pensão. Agora dois homens estão presos, e as cartas são TRAIR (ou delatar o outro às autoridades) ou COOPERAR (entre si).

Nesse jogo não há nenhuma maneira de nos assegurarmos de que o outro jogador é confiável. Mas há uma outra versão desse jogo, que é chamado de "Dilema do Prisioneiro Repetido ou Iterativo". Não é nada mais que o jogo normal repetido um número indefinido de vezes. As rodadas sucessivas do jogo nos dão a oportunidade de desenvolver a confiança ou a desconfiança no adversário de responder na mesma moeda ou de buscar uma conciliação, de perdoarmos ou de nos vingarmos. Num jogo indefinidamente longo, o que interessa é a possibilidade de ambos ganharmos à custa da banca, no lugar de apenas um de nós ganhar, individualmente, à custa do outro.

Ao contrário da versão simples do jogo, que é bastante previsível uma vez que TRAIR aparece como a única estratégia racional, a versão iterativa oferece um leque de estratégias muito mais amplo, sem que fique evidente qual a melhor. Uma das opções poderia ser: "Coopere maior parte do tempo, mas traia em 10% das rodadas, ao acaso".

Axelrod se impôs a tarefa de calcular a melhor estratégia. Ele teve a idéia de lançar uma competição e solicitou que os especialistas em teorias dos jogos inscrevessem suas estratégias.Estratégias, neste sentido, são regras pré-programadas para a ação, por isso os participantes foram solicitados a enviar as inscrições em linguagem de computador. Catorze estratégias foram apresentadas, e Axelrod acrescentou uma décima quinta, para controle, que ele chamou de "Acaso", e se limitava a jogar (COOPERAR e TRAIR) aleatoriamente, servindo como "não-estratégia"; se uma estratégia não conseguir se sair melhor que o "Acaso", será necessariamente muito ruim.

Axelrod traduziu todas as quinze estratégias na linguagem de computador e lançou-as umas contra as outras. Cada uma foi escalada para jogar o "Dilema do Prisioneiro Iterativo" contra todas as outras (inclusive contra uma cópia de si mesma), uma de cada vez.Como eram quinze, havia 15x15, ou 225 jogos separados acontecendo. Quando cada dupla de opositores tivessem completado duzentas partidas, totalizavam-se os pontos e definia-se o vencedor.

Qual a estratégia vencedora não é importante. O que importa é saber qual estratégia acumulou mais "dinheiro" no somatório dos quinze emparelhamentos. "Dinheiro" significa pontos, assim atribuídos: cooperação mútua, 3 pontos; tentação de trair, 5 pontos; punição por traição mútua, 1 ponto (o equivalente a uma multa leve na outra versão); ganho do trouxa, zero ponto (o equivalente a uma multa pesada na outra versão).

A pontuação máxima que uma estratégia pode atingir era de 15 mil pontos, e a mínima, zero. Nenhum dos dois extremos se concretizou. Em termos realistas, o que uma estratégia pode esperar ganhar, na média, não ultrapassa muito os 600 pontos. A estratégia vencedora era a mais simples, e à primeira vista, a menos inventiva de todas. Chamava-se "Olho por Olho" e foi apresentada pelo professor Anatol Rapoport, de Toronto. Essa estratégia cooperava na primeira partida, e da segunda em diante, simplesmente copiava o movimento anterior do adversário.

Daí em diante, Dawkins apresenta uma série de variáveis da estratégia "Olho por Olho".

Agora, Dawkins compara a abordagem EEE com o sistema "todos contra todos" seguido no torneio de Axelrod. Para ser bem-sucedida no campeonato com esse sistema, uma estratégia tem de competir bem contra todas as outras estratégias inscritas para o campeonato em questão. Axelrod usou o termo "robusta" para descrever uma estratégia que alcança um bom desempenho contra uma ampla variedade de outras estratégias. A partir daí, segue uma longa análise do resultado do "Olho por Olho" em diferentes contextos.

Dawkins afirma que um jogo de soma zero é aquele em que a vitória de um jogador acarreta a derrota do outro. O dilema do prisioneiro, entretanto, é um jogo de soma não-zero. Há uma banca que desembolsa o dinheiro, e há a possibilidade de os dois jogadores juntarem-se de modo a arrebanhar um dinheiro fácil à custa da banca.

Os esportes com expectadores, como o futebol, são jogos de soma zero. Navida real, porém, tanto a vida humana como a dos animais e plantas, não se organizam em benefício dos espectadores. Na verdade, muitas situações da vida real equivalem a jogos de soma não-zero. A natureza frequentemente desempenha o papel da banca e os indivíduos podem assim se beneficiar com o sucesso uns dos outros. Mas o jogo tem de ser iterativo, para que a coisa funcione. Assim, somos capazes de ver, usando a terminologia de Axelrod, como os bons rapazes podem terminar em primeiro.

CAPÍTULO 13 – O LONGO ALCANCE DO GENE

Para Dawkins, há uma questão que perturba o cerne da teoria do gene egoísta. De um lado, há a imagem sedutora dos replicadores de DNA, independentes, saltando de um corpo para outro. Por outro, olhamos os corpos individuais e cada um deles se apresenta como uma máquina coerente e integrada, bastante complexa, com uma fragrante unidade de propósitos.

Como resolver esse paradoxo? Dawkins fez uma tentativa em seu livro The Extended Phenotype, segundo o próprio autor seu orgulho e alegria. Esse capítulo contém uma breve condensação de alguns dos temas desse livro.

Em todas as perspectivas sensatas sobre o assunto, a seleção darwiniana não atua diretamente sobre os genes. Se a seleção tentasse escolher diretamente moléculas de DNA, seria difícil identificar algum critério que permitisse faze-lo. Todos os genes parecem iguais, e as diferenças importantes entre os genes são detectáveis apenas pelos seus efeitos, e normalmente se relacionam aos efeitos em processos de desenvolvimento embrionário, e como conseqüência, na forma do corpo e no seu comportamento.

Os darwinistas costumam discutir os genes cujos efeitos fenotípicos beneficiem ou penalizem a sobrevivência e não consideram os benefícios para os próprios genes. Isso contribui em parte para que o paradoxo da questão não se faça perceber.

Aí surge outra questão: e se o gene exercer um efeito fenotípico bom para si próprio, mas ruim para o restante dos genes do seu corpo? Um exemplo disso é o fenômeno da distorção de segregação. Na meiose, de cada par de alelos, apenas um pode ser o que vai entrar num espermatozóide ou óvulo. Mas a probabilidade é a mesma para os dois alelos do par. E se surgisse um gene mutante que tivesse um efeito sobre a meiose, desequilibrando-a de tal modo que esse gene mutante passasse a ter mais probabilidades do que seu alelo de acabar entrando no óvulo ou no espermatozóide? Temos então a distorção da segregação, e ela ocorrerá ainda que seu efeito no bem-estar do corpo e de todos os outros genes do corpo seja desastroso.

Ao longo desse livro Dawkins nos alertou sobre a possibilidade de os organismos trapacearem seus companheiros sociais. Agora estamos falando de genes individuais que trapaceiam todos os outros genes com os quais partilham um corpo, sendo denominados "genes que derrotam o sistema" pelo geneticista James Crow.

Um exemplo de distorção de segregação é o chamado gene t nos camundongos. Quando um camundongo tem dois genes t, ou ele morre jovem ou é estéril. O gene t é "letal" na sua forma homozigótica. Se o camundongo tiver apenas um gene t, será normal e saudável, salvo num aspecto: os espermatozóides desse macho apresentam até 95% de genes t, e apenas cerca de 5% do alelo normal. Isso distorce de maneira gritante a proporção de 50% esperada. O gene t se espalha tão rapidamente na população que um grande número de indivíduos herdaria o gene t em dose dupla (do pai e da mãe), e não demorará muito até que toda a população seja levada à extinção. Há indícios de quer populações inteiras de camundongos foram extintas devido à "epidemias" de gene t.

Nem sempre os genes de distorção de segregação apresentam efeitos colaterais tão destrutivos, no entanto, a maioria deles tem ao menos algumas conseqüências adversas. Mas esses genes não são comuns.

Os efeitos fenotípicos de um gene são vistos normalmente como todos os efeitos que ele provoca no corpo onde se encontra. Mas Dawkins sugere que devêramos entender como efeitos fenotípicos de um gene todos os efeitos que o gene provoca no mundo. Devemos relembrar que os efeitos fenotípicos de um gene são as ferramentas através das quais ele catapulta a si mesmo até a geração seguinte.

Um primeiro passo importante será dado agora. Os genes de um organismo podem ter efeitos fenotípicos estendidos no corpo de outro organismo. Como exemplo, temos a concha do caracol. Sua concha é expelida pelas células do próprio caracol. Mas caracóis parasitados por certos tipos de trematódeos têm uma concha extra-espessa. Provavelmente uma concha mais espessa ofereça uma melhor proteção para o animal.

Se as conchas mais espessas são de fato melhores para o caracol, por que ele mesmo não a produz? Provavelmente por uma questão de economia. Desenvolver uma concha é um processo dispendioso, requer energia, cálcio e outras substâncias químicas que têm de ser extraídas de alimentos, que não são tão fáceis assim de se obter. Um caracol que desprende uma parcela muito grande de seus recursos na construção de uma concha obtém maior segurança. Ele poderá viver mais tempo, mas será menos bem-sucedido na reprodução. Dessa forma, quando um trematódeo faz com que o caracol secrete uma concha extra-espessa, não está fazendo favor algum ao caracol.

Há ainda muitos exemplos sobre parasitas que exercem influências espantosamente insidiosas sobre seus hospedeiros.

Os besouros da farinha produzem um "hormônio juvenil" que os mantêm no estado larval. A mudança normal do estado larval para o estado adulto é desencadeada pela cessação da produção desse hormônio pelo organismo da larva. Um protozoário parasita chamado Nosema consegue fazer a síntese de um análogo químico próximo desse hormônio. Milhões de Nosema se associam para a produção em massa do hormônio juvenil no corpo da larva do besouro, evitando que esta se torne um adulto. Ao permanecer no estado larval, ela cresce, transformando-se numa larva gigante, com um peso mais de duas vezes maior que o em adulto normal. Isso não é bom para a propagação dos genes do besouro, mas é uma fonte riquíssima de alimento para o parasito. O gigantismo das larvas do besouro da farinha é um efeito fenotípico estendido dos genes do parasito.

Outro exemplo é a castração parasítica. Os caranguejos são parasitados por um microorganismo chamado Sacculina.Este introduz um elaborado sistema de "raízes" nos tecidos do caranguejo e sugam o alimento do seu corpo. Os testículos e ovários são os primeiros órgãos afetados, e os demais órgãos são temporariamente preservados. O caranguejo então desvia energia e recursos de reprodução para o próprio corpo.

Mas há parasitas e hospedeiros que partilham uma saída comum. Os besouros ambrósia (espécie Xyleborus ferrugineus) são parasitados por bactérias que não apenas vivem no corpo de seu hospedeiro como também usam os ovos do besouro como meio de transporte para um novo hospedeiro. Os genes desse parasito têm, portanto, algo a ganhar com as mesmas circunstâncias futuras, quase exatamente, que os genes do seu hospedeiro. Assim é de se esperar que as bactérias cooperem com os besouros em todos os aspectos.

Mas o termo "cooperar" nesse caso, é muito brando. Na verdade, não poderia ser mais íntimo. Esses besouros são haplodiplóides, como as abelhas do Capítulo 10. Mas, ao contrário dos óvulos das abelhas, os óvulos dos besouros ambrósia necessitam ser penetrados por alguma coisa. É aí que entram as bactérias. Elas pungem os ovos não fertilizados, ativando-os, provocando seu desenvolvimento em besouros machos.

Levando esse argumento aos genes normais do próprio indivíduo, nossos genes cooperam uns com os outros não porque são nossos, mas porque partilham a mesma via de saída – o espermatozóide ou o óvulo – para o futuro. Se quaisquer genes de um organismo, como um ser humano, conseguissem descobrir um jeito de se disseminar que não dependesse da rota convencional do espermatozóide ou do óvulo, eles o adotariam e seriam menos cooperativos. Talvez também existam genes que tenham rompido com os canais apropriados e tenham inaugurado novas estradas secundárias.

Existem fragmentos de DNA que não são incorporados aos cromossomos, mas flutuam livremente e se multiplicam no meio líquido das células, em especial nas células bacterianas. Recebem designações como viróides ou plasmídeos. Eles têm a capacidade de se inserir num cromossomo de tal forma que não é possível determinar seu ponto de inserção, e também podem voltar a se destacar.

Imaginemos um trecho rebelde de DNA capaz de se separar de seu cromossomo, multiplicando-se em vár trecho rebelde de DNA capaz de se separar de seu cromossomo, multiplicando-se em vestradas secundas vezes maior que o em adulias cópias e voltar a se inserir em outro cromossomo. Que rotas não ortodoxas em direção ao futuro podem esses replicadores rebeldes explorar? Ao rasparmos o interior de nossa boca com a unha, ela virá carregada de células vivas; beijos devem transferir milhares de células de um para outro. Um trecho do DNA rebelde poderia pegar carona em qualquer uma dessas células. Se os genes conseguissem descobrir uma via que lhes desse passagem para um outro corpo (paralela ou alternativa ao caminho ortodoxo do espermatozóide ou do óvulo), seria de se esperar que a seleção natural favorecesse o seu oportunismo e o aperfeiçoasse.

O importante na cooperação do DNA humano rebelde com os vírus parasíticos é que realmente não existem diferenças significativas entre eles. Na verdade, os vírus podem ter se originado como reuniões de genes desprendidos.

Há casos extremos entre os insetos, especialmente entre as formigas. Há uma espécie em que uma rainha-parasita invade o ninho de uma outra espécie, e um arranjo químico, ainda não totalmente explicado, obriga as operárias a assassinarem a rainha original do ninho. A rainha-parasita toma então o seu lugar, e começa a postura de seus ovos. No mundo do fenótipo estendido, não se deve perguntar como o comportamento de um animal beneficia seus genes, e sim de quem são os genes que ele beneficia.

Não é surpreendente que as formigas sejam exploradas por parasitas, não somente por outras formigas, como também por uma hoste assombrosa de aproveitadores especializados. As formigas operárias carregam um fluxo de alimento muito rico, coletado numa vasta área e transportado até um armazém geral, onde ele se torna um alvo fácil para os oportunistas. É importante concluir que a natureza está repleta de animais e plantas que manipulam outros, da mesma espécie ou de espécies diferentes. Em todos os casos em que a seleção natural favoreceu os genes para a manipulação, é legítimo falar que esses genes têm efeitos (fenotípicos estendidos) sobre o corpo dos organismos que manipulam. A seleção natural favorece os genes que manipulam o mundo para assegurar a sua própria propagação.

Num resumo geral, podemos afirmar que os genes se associaram em células, e essa cooperação deve ter se iniciado, de forma rudimentar, entre os replicadores no caldo primordial. As células se agruparam porque, dessa forma, podem se especializar, tornando-se dessa forma mais eficientes. Além disso, apresentam um ciclo de vida do tipo "gargalo". Isso quer dizer que, qualquer que seja o número de células existentes em um corpo, este começou com uma célula única, um óvulo fertilizado. Esse óvulo fertilizado é um gargalo estreito que se alonga, durante o desenvolvimento embrionário, até atingir os bilhões de células de um individuo adulto.

Concluindo, o corpo individual, tão familiar no nosso planeta, não precisaria existir. O único tipo de entidade que tem de existir para que a vida possa surgir, em qualquer parte do universo, é o replicador imortal.

NOTAS

Nessa parte, Dawkins faz comentários, capítulo por capítulo, de partes de sua obra.

Detalhista ao extremo, procura esclarecer alguns pontos que porventura ficaram obscuros no decorrer de sua obra, utilizando para isso diversas referências (sendo 14 de sua própria autoria) e três gráficos para reforçar sua tese.