CONTO

O gato

Susana Ramos de Vasconcelos Batista¹

Marina era uma menina as beiras de virar moça. Morava com seus pais num lugarejo bastante pequeno do Ceará. Menina formosa, boa altura, curvas bem sinuosas, daquelas que qualquer homem perde a direção; cabelos negros, pele cor de tamarindo. Era a única filha de um casal de agricultores. Eles passavam o dia brocar e Marina quando não estava na escola passava o dia inteiro sozinha em casa a cuidar da limpeza e das poucas criações que a família possuía.

Num dia comum a tantos outros, seu pai encontrara um gatinho preto, ainda com os olhos pregados. O coitado estava enganchado na cerca da frente da casa, já quase sem vida e cozinhado pelo sol do meio dia. Marina teve pena do miserável e deu-lhe uma bacia de leite de cabra, que bebera tão rápido como o chão embebe as primeiras gotas da chuva. Não era apenas o sol que o mataria, mas também a fome...

Marina pediu aos pais para ficar com o gato, pois ele seria a sua companhia. O gato cresceu depressa, ficou tão belo quanto sua dona. Era de admirar a lealdade e o bem querer que o gato tinha por Marina, não a deixava só de jeito nenhum. O gato passava o dia com Marina e a noite não era diferente. No quarto, ela dormia na cama e ele na janela, de vez em quando tirava lá seus cochilos.

Até que, numa dessas noites, o gato se ouriçou, começou a grunhir e a rosnar que nem um cão e pulou todo assustado em cima de Marina e ficou a olhar fixamente para a janela. Marina se arrepiou toda, se benzeu três vezes, correu e achou a janela. No dia seguinte contou para sua mãe o ocorrido. As duas tinham certeza que ele vira uma alma, uma assombração. E isso foi se repetindo por vários

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¹ Acadêmica do 8° período do Curso de Letras Habilitação em Língua portuguesa da Universidade

Estadual Vale do Acaraú – UVA.

dias, Marina já não agüentava tantos sustos. Ela fechava a porta do quarto para o gato não entrar, mas ele circulava a casa e ia como de costume para a janela de Marina, ficaria aberta se não fosse as “visões” do gato.

Marina já não suportava mais passar tanto calor por causa do gato assombrado. Decidiu o dar para uma tia que morava depois do rio. Nas primeiras noites quando olhava para a janela e se lembrava do gato, a fechava imediatamente. Com o passar dos dias ela foi se esquecendo do gato e de fechar a janela.

Certa noite fazia tanto calor que parecia até dia, deitou-se na cama. Já estava a dormir. Quando ouviu vir lá do terreiro um quebrar das folhas secas do cajueiro. Teve vontade de ir fechar a janela, mas o medo foi tão grande que se cobriu dos pés a cabeça com o lençol. O quebrar das folhas Marina já não ouvia. Descobriu a cabeça, mais não abriu os olhos. Ela sentia que não estava sozinha. Criou coragem para abrir os olhos, porém não conseguia ver nada, a noite estava escura como um breu. Levantou-se, foi até a janela, suas carnes tremiam, não sentia mais calor, agora suas mãos estavam frias, geladas de medo.

Uma eternidade se passou da cama até a janela, Marina estava toda arrepiada, suas pernas pesavam toneladas. De repente o golpe! Marina levara um murro que a desacordou. Quando voltou a si, por ímpeto quis gritar, e gritou, no entanto seu grito foi abafado pela calcinha que lhe foi feita de mordaça. Sentia uma mão grosseira percorrer todo seu corpo, estava nua e o nojo e a dor a consumia. Marina se debatia na cama, queria fugir, porém o bicho bruto a segurava como quem doma boi bravo. Cheirava-lhe o pescoço, mordia-lhe os seios. Já era tarde, ele a possuíra.

Marina chorava desesperada, esvaída em seu sangue virginal. Pela manhã, foi encontrada por sua mãe e a única coisa que lhe disse foi: ----- O gato... Mãe manda o pai buscar meu gato.