Este trabalho, portanto, tem como objetivo, analisar dentro da literatura brasileira, os diversos pensamentos que representaram as teorias racistas as quais fortaleceram, com base em fundamentos raciais, as justificativas para o fracasso escolar das crianças das classes economicamente menos favorecidas inseridas na escola pública do Brasil. Para tanto, foi desenvolvida uma pesquisa bibliográfica, destacando dentre os pensadores brasileiros, Sílvio Romero (1851-1914), Raimundo Nina Rodrigues (1862-1906), Gilberto Freyre (1900?1987, Caio Prado Júnior (1907?1990) e Florestan Fernandes (1920?1995).

Palavras-chave: Teorias racistas, Fracasso Escolar, Literatura brasileira



Introdução

O fracasso escolar surgiu, quando a maior parte da população, formada por membros das classes trabalhadoras urbanas e rurais, teve acesso à escola pública e gratuita. Dentro deste cenário, a questão do fracasso escolar aparece como fenômeno marcado por diferentes entendimentos ao longo da história educacional mundial e, por extensão, da história brasileira. É possível verificar que vem sendo atribuído, conforme cada época, momento histórico e as concepções que a permeiam, a fatores distintos, mas estes tem atingido principalmente as classes sociais menos privilegiadas.
A expressão "fracasso" é explicada, no Aurélio (1998), como desgraça; desastre;
ruína; perda; mau êxito; malogro. Então, fracasso escolar seria o mau êxito na escola, caracterizado, na compreensão de muitos, como sendo a reprovação e a evasão escolar.
Dentre as formas difundidas ao longo desses anos, primeiramente, a ênfase foi dada sobre as diferenças individuais, baseadas na concepção de genialidade hereditária, apoiando-se nos estudos de Darwin (princípio da evolução das espécies), e difundida por Galton, em 1869, influenciando intensivamente sobre o movimento de criação e aplicação de testes mentais, difundidos durante a década de 1890. Os casos de dificuldade de aprendizagem, então, começaram a ser diagnosticados e tratados por psiquiatras, dando origem a uma perspectiva da medicalização do fracasso escolar das crianças.
Na década de 40, a tendência à psicologização das dificuldades da aprendizagem foi levada às últimas conseqüências. E, de acordo com Patto (1999, p.67), "os destinatários deste diagnóstico foram, mais uma vez, as crianças provenientes dos segmentos das classes trabalhadoras dos grandes centros urbanos, que tradicionalmente integram em maior número o contingente de fracassados na escola". Nesse contexto, o movimento de higiene mental

(...) colaborou para justificar o acesso desigual das classes sociais aos bens culturais, ao restringir a explicação de suas dificuldades de escolarização ao âmbito das disfunções psicológicas. [...]. Seu prestígio foi tão forte que suplantou, na explicação do fracasso escolar, uma das premissas do pensamento escolanovista que não podia ser negligenciada: a de que a estrutura e funcionamento da escola e a qualidade do ensino seriam os principais responsáveis pelas dificuldades de aprendizagem (PATTO, 1999, p.69).

Posteriormente, a tendência à psicologização, foi pouco a pouco sendo fortalecida pelas teorias racistas, as quais defendia a superioridade intelectual da raça branca em relação aos índios, negros e mestiços. A partir daí, a explicação étnica para esse "fracasso" se difunde no Brasil, fortalecida principalmente pela literatura brasileira.

Teorias racistas e a literatura

Pero de Magalhães Gândavo escreveu o Tratado da Província do Brasil, no qual continha passagens ilustrativas da visão que se formava do índio, como "selvagem" e gente de pouco saber, além do lugar social que lhe seria reservado.
À medida que no século XVIII estruturava-se o sentimento nativista, as referências ao povo brasileiro passaram a ser cada vez mais positivas, no intuito de valorizar o Brasil como instrumento na luta econômica e política contra o colonizador.
Na literatura, contudo, verifica-se uma tendência de duas faces. Por exemplo, na poesia de Silva Alvarenga e Cláudio Manuel da Costa, ao mesmo tempo que se é enaltecido o nativo, são expressos o preconceito racial contra o mestiço e a expropriação e a dizimação das populações indígenas.
A partir de então, intelectuais brasileiros começam a se destacar e, na literatura produzida, idéias racistas são defendidas com diferentes abordagens.

Sílvio Romero (1851-1914)

Sílvio Romero era bacharel em Direito e fazia parte de um novo quadro político e intelectual que se formou no país durante os anos que precederam à abolição e à República. Parte de sua obra é voltada para a questão racial escrita na década de 1870.
Romero afirmava a inferioridade racial do povo brasileiro baseado na descrição das características psicológicas do mestiço que, caracterizava-o como apático, sem iniciativa e desanimado, mas com facilidades para aprender, não a aprendizagem escolar, que era praticamente inexistente para este brasileiro.
Baseando-se nas idéias de Romero, Azevedo destaca que a idéia de inferioridade dos africanos começou a ser revestida por sofisticadas teorias racistas. E Romero, como aliava teorias racistas de cunho biológico à descrição da história econômica baseadas nos sistema de propriedade e trabalho, defendia como única saída para o progresso do país, o branqueamento gradual do povo, que deveria ser feito através de sucessivas migrações.
Baseado nas idéias de Romero, Azevedo (1985) assim conclui:

"Assim, a idéia da inferioridade dos africanos, vista até então mais em termos do seu "paganismo" e "barbarismo" cultural, começou a ser revestida por sofisticadas teorias raciais, impressas com o selo prestigioso das ciências. Em decorrência, ao assumirem a idéia da inferioridade racial de grande parte da população brasileira, estes autores inclinaram-se a tratar da transição para o trabalho livre quase que exclusivamente do ângulo do imigrante, já que consideravam negros e mestiços incapazes de interiorizar sentimentos civilizados (no caso, os de família, trabalho, pátria), sem que antes as virtudes étnicas dos trabalhadores brancos os impregnassem, quer por seu exemplo moralizador, quer pelos cruzamentos inter-raciais."(p.89)

As idéias de Romero, assim, exerceu grande influência sobre algumas gerações subseqüentes de intelectuais brasileiros, como por exemplo, Nina Rodrigues.

Raimundo Nina Rodrigues (1862-1906)

Raimundo Nina Rodrigues voltou-se as questões raciais entre 1894 e 1905 e pertenceu a linhagem de pesquisadores influenciados por Silvio Romero, porém a diferença de formação os levou a desenvolver teorias raciais diferentes.
Nina Rodrigues aderiu aos componentes biológicos das teorias racistas, dedicando-se a demonstração da teses da inferioridade racial do negro e do mestiço, além disso, abraçou as teses do darwinismo social e acreditou provar que ao negro e seus descendentes não cabia outro destino a não ser o que sempre tivera.
Como raça inferior, cuja característica dominante era mentalidade infantil, deveria receber um tratamento específico no Código Penal: esta foi a tese pela qual Nina Rodrigues mais se bateu. (PATTO, 1999, p. 68)

Segundo Nina Rodrigues, a inferioridade do negro ? e das raças não-brancas ? seria "um fenômeno de ordem perfeitamente natural, produto da marcha desigual do desenvolvimento filogenético da humanidade nas suas diversas divisões e seções". No Brasil os arianos deveriam cumprir a missão de não permitir que as massas de negros e mestiços possam interferir nos destinos do país.
Quando se defrontava com a existência, na História, de civilizações negras, só conseguia explicá-las considerando-as como "ramos da raça branca" (Moreira Leite, 1976, p. 275). Seus escritos e pesquisas, respeitados na época pelo rigor com que eram produzidos, marcaram forte presença na formação de toda uma geração de intelectuais muito lidos no século seguinte.
Em 1984, Nina Rodrigues publicou um ensaio no qual defendeu a tese de que deveriam existir códigos penais diferentes para raças diferentes.

Gilberto Freyre (1900 ? 1987)

Nas décadas de 30 e 40, Dante localizou obras nas quais foram superadas muitas das teses defendidas por Silvio Romero e Nina Rodrigues. Entre os autores que faziam parte deste período, está Gilberto Freyre que se destacou por sua obra "Casa Grande e Senzala", a qual foi considerada um libelo em defesa do mestiço e do negro que veio abalar o prestígio das teorias racistas.
O referencial teórico de Gilberto Freyre era a tese culturalista de Franz Boas. Mas, Freyre tinha a seu favor o fato de ter passado muitos anos nos Estados Unidos, onde bacharelou-se. Na Europa, obteve o grau de mestre, o que o prestigiava nos meios intelectuais e o fazia portador das novidades na área das Ciências Humanas.
Casa-Grande e Senzala, além de um extraordinário ensaio sociológico sobre a identidade nacional brasileira, é uma notável obra literária. Contudo, parte do seu prestígio deve-se a suas qualidades estilísticas, ao vigor e brilho com a qual o autor descreve a vida colonial; mas a razão principal que o explica é constituir-se em obra ideológica fundamental da nação brasileira enquanto a define como nação mestiça, fruto da miscigenação do português com o índio e o negro. Freyre descreve com uma infinita riqueza alguns aspectos da vida colonial. Sua preocupação básica é com o sexo e a miscigenação, mas ele trata também da vida familiar, da alimentação, da educação, das crenças relacionadas à educação das crianças, e de uma infinidade de outros temas.
A obra desse autor, com isso, revela uma ternura pelo negro escravo, àquele que conhecia sua posição como moleque da casa grande, como saco de pancadas do menino rico, como cozinheiro, como ama de leite ou mucama da senhora branca. Nesses casos, realmente não se tinha o preconceito contra o negro, podia até estimá-lo, segundo Moreira Leite.
Entretanto, Gilberto Freyre defendia a tese de que "as condições de vida do escravo brasileiro eram melhores do que as do operário europeu do mesmo período".
Na verdade, há fortes indícios de que a voz do preconceito acaba falando mais alto, o que não é de estranhar em se tratando de um intelectual nascido numa família aristocrática rural e criado no Brasil patriarcal da Primeira República. (PATTO, 1999, p. 69)

Embora tenha uma documentação muito grande a respeito do sofrimento dos escravos, afirmava que, de modo geral, suas condições de vida não eram más. E ao contrário do que se acreditava, Freyre produziu um conjunto de idéias que contribuíram mais para reforçar do que para superar o preconceito racial, pois demonstrava uma manifesta simpatia e gratidão pelo negro, criando a ilusão da inexistência do preconceito contra o negro, que para ele, não passaram de casos isolados.

Caio Prado Júnior (1907 ? 1990)

Caio Prado, em sua obra, "Formação do Brasil Contemporâneo" vai enfatizar a importância de se ver o sentido por trás do processo histórico, nesse caso, o sentido da colonização que basicamente foi produzir bens para o mercado externo. Essa é a razão de ser do Brasil e, de acordo com o Caio Prado, há uma grande dificuldade em superar isso", explica Bernardo Ricupero, professor do Departamento de Ciências Políticas da USP. Dessa forma, na visão de Prado Junior, o processo de formação do Brasil durante o período colonial estava subordinado às necessidades da metrópole, o que ecoava ainda no Brasil contemporâneo.
"Caio Prado Jr. Encontra os documentos sobre a população desocupada da Colônia. No entanto, em vez de interpretar este dado como conseqüência da decadência nos nos trópicos ou da degeneração do hibrido, mostra como o sistema econômico da colônia conduziria fatalmente a esse resultado, pois praticamente não oferecia oportunidade para o trabalho livre." (PATTO, 1999, p. 71)


Florestan Fernandes (1920 ? 1995)

Na obra "A integração do negro na sociedade de classes" (1965), Florestan Fernandes faz uma análise da condição do negro que, segundo Moreira Leite, é um antídoto tanto para a interpretação racista elaborada por Nina Rodrigues como para a visão paternalista de Gilberto Freyre a respeito das condições de vida do negro.
No livro, Fernandes tenta reconstruir o drama que o negro vivera na difícil adaptabilidade aos moldes da sociedade de trabalho livre (nos anos que sucederam à Abolição), fruto de um passado rústico e degradante social, cultural e moralmente.
Para isso, ele utiliza-se de dados empíricos coletados em épocas distintas, muitas histórias de vida que são mostradas no decorrer de todo o livro. Seguindo sempre com uma análise sobre as informações apresentadas, Florestan Fernandes constrói uma argumentação bastante interessante porque utiliza-se de uma pluralidade metodológica, fato não corriqueiro na época.
Segundo Florestan Fernandes, a discriminação resultante da escravidão limitaria a inserção efetiva de negros e mulatos, ocorrendo uma contradição efetiva entre uma ordem competitiva e moderna e uma ordem estamental, herdada do passado.

Considerações Finais

Segundo Patto (1996), as explicações dadas à questão do fracasso escolar da escola pública foram baseadas, num primeiro momento, nas teorias do dom, mas, posteriormente, passou a apoiar-se em teorias racistas, desenvolvidas por volta do ano de 1870. No presente estudo, para explicar essas teorias, foram destacados alguns pensadores brasileiros que defendiam o racismo contra o povo brasileiro.
Assim, desde o século passado, especificamente a partir de 1870, no Brasil, a presença destas teorias na literatura começou a fazer-se sentir. No século XVI, as produções escritas de viajantes já continham o preconceito do colonizador em relação aos nativos. Até então, as concepções sobre as características psicológicas do povo brasileiro haviam passado por etapas que já continham referências ao índio, negro e mestiço. No Tratado da Província do Brasil escrito por Pero de Magalhães, continha passagens ilustrativas da visão que se formava do índio, e o destaque era para a presença do preconceito racial contra o mestiço e a expropriação e dizimação das populações indígenas que ao mesmo tempo eram enaltecidas na literatura. A obra de Romero esteve voltada para a questão racial na década de 1870 e afirmava a inferioridade racial do povo brasileiro baseado na descrição das características psicológicas. Nina Rodrigues voltou-se às questões raciais influenciado por Silvio Romero. Nas décadas de 30 e 40, Dante localizou obras onde foram superadas as teses defendidas por esses estudiosos, tal como Gilberto Freyre, que se destacou com sua obra "Casa Grande e Senzala". Caio Prado Junior, em sua obra, explicou a situação do país em função do sentido da colonização, e Florestan Fernandes, em uma de suas obras, tentou reconstruir o drama que o negro vivera na adaptabilidade aos moldes da sociedade de trabalho livre.
Para Patto (1996), contudo, Silvio Romero aliou as teorias racistas de cunho biológico à descrição da história econômica baseadas no sistema de propriedade e trabalho, vendo como aspecto positivo a força do mestiço para a economia; Raimundo Nina Rodrigues aderiu aos componentes biológicos das teorias racistas, dedicando-se à demonstração das teses da inferioridade racial do negro e mestiço; Gilberto Freyre produziu um conjunto de idéias que contribuíram mais para reforçar do que para superar o preconceito racial, pois demonstrava uma manifesta simpatia e gratidão pelo negro, criando a ilusão da inexistência do preconceito contra o negro, que para ele, não passaram de casos isolados; Caio Prado Júnior fez uma ruptura explicando a situação do país em função do sentido da colonização; e Florestan Fernandes tentou reconstruir o drama que o negro vivera na difícil adaptabilidade aos moldes da sociedade de trabalho livre, fruto de um passado rústico e degradante social, cultural e moralmente.
As explicações psicologizantes do fracasso escolar desse período também conviviam com as teorias racistas, marcadas, desde a colonização, pelo preconceito em relação aos índios, aos mestiços e aos negros. Já no período imperial, uma Antropologia filosófica evolucionista "provava" a inferioridade das raças não brancas, justificando, assim, a sua sujeição ao branco. E assim, o que fica claro é que as teorias racistas, embora não tratassem diretamente das questões educacionais, serviram para fundamentar as justificativas para as causas do fracasso escolar por meio de uma discriminação explícita contra os não brancos ou através da ocultação do olhar diferenciado.
A partir desta lógica, instituiu-se na escola uma cultura do fracasso escolar, que tem sido reproduzida das mais diversas maneiras, sem que as questões raciais tenham sido superadas, como mostram vários dos estudos desenvolvidos por diversos pesquisadores dedicados à análise da problemática. Ainda que passados muitos anos, essa discussão deve continuar sendo aprofundada para que o problema que assola a educação brasileira diariamente continue sendo pauta de investigação. Dessa forma, é necessário que outros trabalhos sejam realizados com o objetivo de esclarecer esse tema.




















Referência
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 2 ed. revista e ampliada. Rio de Janeiro: Nova Fronteira 1998.

FREYRE, Gilberto. Casa Grande e Senzala. Disponível em: www.passeiweb.com/na_ponta_lingua/livros/resumos_comentários/c/casa_grande_e_senzala>. Acesso em: 03 jul. 2009, 16:30:30

PATTO, Maria Helena Souza. A produção do fracasso escolar: histórias de submissão e rebeldia. São Paulo: T.A. Queiróz, 1996.

PRADO JUNIOR, Caio. Formação do Brasil Contemporâneo. Disponível em: <www.brasildefato.com.br/v01/agencia/internacional/as-ideias-de-caio-prado-jr/> Acesso em: 20jul. 2009, 22:10:40.