O FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO

RESUMO
Tece considerações sobre o julgamento privilegiado por prerrogativa de função. Indica o cancelamento da Súmula n. 394 do STF. Demonstra as modificações do art. 84 do Código de Processo Penal após a publicação da Lei n. 10.628/02, bem como a declaração de inconstitucionalidade dessa lei através das ADIns 2.797-2 e 2.860-0. Busca proporcionar aos estudantes de direito visão mais ampla deste tema que é tão importante atualmente.

PALAVRAS-CHAVE
Direito Processual Penal; Direito Constitucional; foro privilegiado; prerrogativa de função; Lei 10.628/02; Adin 2.797-2; Adin 2.860-0.

INTRODUÇÃO
A Constituição Federal de 1988 e o Código de Processo Penal estipulam as hipóteses em que é cabível o julgamento com foro privilegiado por prerrogativa de função. Neste artigo trataremos apenas do privilégio de foro em matéria Penal.
Através de uma breve exposição do assunto pretende-se asseverar a importância das decisões do STF proferidas nas ADIns 2.797-2 e 2.860-0. Este artigo visa demonstrar a evolução dos entendimentos sobre a prerrogativa de função após o cancelamento da súmula 394 do STF, bem como após a criação da Lei n. 10.628/2002, que modificou a redação do art. 84 do Código de Processo Penal, culminando na demonstração do entendimento atual do STF sobre o assunto, pronunciado através das decisões nas ADIns 2.797-2 e 2.860-0.

DESENVOLVIMENTO
De acordo com De Plácido e Silva, as prerrogativas do cargo são "os privilégios, as vantagens e as imunidades, que dele decorrem, em benefício ou em proveito da pessoa, que nele está provido" (SILVA, 1973, p. 1208). De tal maneira, entende-se que as prerrogativas de função consistem na prioridade concedida a certas pessoas em razão do cardo que ocupam.
Por meio da Súmula n. 394, editada em 1964, concretizou-se o entendimento do STF que por muitos anos perdurou no direito brasileiro. De acordo com a citada súmula, cometido o crime durante o exercício funcional, prevalecia a competência especial por prerrogativa de função, ainda que o inquérito ou a ação penal tivessem sido iniciados após a cessação daquele exercício.
Na época justificou-se a edição da Súmula 394 do STF com base em dois argumentos. O STF compreendia que a prorrogação da competência dos tribunais não deixava de ser uma forma de proteger o próprio exercício da função pública, mesmo depois de cessado o exercício funcional. Ademais, entendia-se que os tribunais teriam maior capacidade de proferir julgamentos isentos de influências contra ou a favor dos acusados.
A Súmula 394 do STF vigorou por trinta e cinco anos e foi cancelada, por unanimidade, em sessão plenária do STF. Desde então, cessada a função pública, terminava o foro especial por prerrogativa de função.
Porém, por força da Lei n. 10.628, promulgada em dezembro de 2002, modificou-se o art. 84 do Código de Processo Penal, estabelecendo nova redação ao caput e adicionando-lhe dois parágrafos. Voltou a prevalecer, desde então, a regra que determina a prevalência do foro especial mesmo após acabadas as funções públicas.

"Art. 84. A competência pela prerrogativa de função é do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça, dos Tribunais Regionais e Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, relativamente às pessoas que devam responder perante eles por crimes comuns e de responsabilidade.

§1°. A competência especial por prerrogativa de função, relativa a atos administrativos do agente, prevalece ainda que o inquérito ou a ação judicial sejam iniciados após a cessação do exercício da função pública.

§2°. A ação de improbidade administrativa, de que trata a Lei n. 8.249, de 2 de junho de 1992, será proposta perante o tribunal competente para processar e julgar criminalmente o funcionário ou a autoridade na hipótese de prerrogativa de foro em razão do exercício de função pública, observado o disposto no §1°."

Após a modificação do caput do art. 84 do CPP e da incorporação dos §§ 1º e 2º deste artigo voltou à tona a discussão sobre a manutenção do foro especial por prerrogativa de função nos casos em que o inquérito ou a ação judicial tivessem início após a cessação do exercício da função pública, uma vez que o entendimento do STF era contrário a essa prerrogativa.
O §1° estipulou que prevalecia a competência especial por prerrogativa de função, relativa a atos administrativos do agente, ainda que o inquérito ou a ação judicial tivessem sido iniciados após o término do exercício da função pública. Já o §2° conferiu o foro por prerrogativa de função, também depois do encerramento da função pública, aos acusados de improbidade administrativa, de que trata a Lei n. 8.249/1992.
Diversos autores argumentaram pela inconstitucionalidade dos citados dispositivos. Para eles, estava claramente demonstrado que as mudanças trazidas pela Lei n. 10628/02 não visavam proteger o cargo, mas sim as pessoas. Defenderam que não era justificável que um ex- ocupante de cargo público recebesse tratamento diferenciado em relação aos demais cidadãos. Assim, sustentaram que a dita lei estabeleceu dispositivos que afrontaram o princípio constitucional da igualdade.
No que tange ao §2° do art. 84 do CPP, verifica-se que o legislador ampliou o rol de competências originárias constitucionais do STF, STJ, TRFs e TJs através de lei infraconstitucional, e, portanto, também seria inconstitucional.
Foram propostas, pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público e pela Associação dos Magistrados Brasileiros, duas ADIns que questionavam a constitucionalidade dos parágrafos do art. 84 do CPP, inseridos pela Lei n. 10.628/02 ? Adin 2.797-2 e Adin 2.860-0.
No julgamento destas Adins foi declarada a inconstitucionalidade formal do §1 do art. 84 do CPP com base no fato de uma lei ordinária (como o Código de Processo Penal) não poder regular matéria que só pode ter sede constitucional. Assim, lei ordinária não é ferramenta capaz de alterar jurisprudência clara do Supremo Tribunal Federal, fundada direta e exclusivamente na interpretação da Constituição da República.
Já o §2 teve sua inconstitucionalidade declarada com base no argumento de que resulta em verdadeiro aumento de competência dos tribunais encarregados pela Constituição de processar ações ou inquéritos em que o agente disponha de prerrogativa de foro. Trata-se de acréscimo inconstitucional, não apenas porque exorbita a distinção constitucional entre crimes comuns e de responsabilidade dos atos de improbidade, mas também porque extrapola o modelo atual de fixação de competência dos tribunais.
Portando, a Lei n. 10.628/2002, que acrescentou os §§ 1º e 2º do artigo 84 do Código de Processo Penal, foi declarada inconstitucional pelo STF através do julgamento das Adins 2.797-2 e 2.860-0.

CONCLUSÃO
Ao longo dos anos observamos discussões no que tange ao julgamento privilegiado por prerrogativa de função. Com a criação da súmula 394 do STF solidificou-se o entendimento de que, cometido o crime durante o exercício funcional, prevalecia a competência especial por prerrogativa de função, ainda que o inquérito ou a ação penal tivessem sido iniciados após a cessação daquele exercício. Porém, esta súmula foi cancelada pelo STF em 1999.
Surgiu, então, a Lei n. 10.628/02, que alterou o art. 84 do CPP e estabeleceu novamente o foro privilegiado àqueles que já não mais estavam no exercício de suas funções públicas.
Os §§ 1º e 2º do artigo 84 do Código de Processo Penal foram declarados inconstitucionais através das Adins 2.797-2 e 2.860-0.
Desse modo, conclui-se que a prerrogativa de foro tem o objetivo de garantir o exercício do cargo ou do mandato, e não proteger as pessoas que os exercem. Através deste entendimento estaremos habilitados a diminuir as distorções que foram estabelecidas por nosso legislador, no sentido de estabelecer foro privilegiado a pessoas que não mais ocupam cargos públicos. Assim, a declaração de inconstitucionalidade da Lei n. 10.628/02 contribui para que seja respeitado o princípio constitucional da igualdade.

REFERÊNCIAS
BRASIL. Código de processo penal; Legislação processual penal ; Constituição Federal. 12. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?]story=2004100911512488&mode=print, acesso em 15/04/2011.

http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=395710 , acesso em 15/04/2001.

NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. 7. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 14. ed. rev. atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.

SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico v. III. 3 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1973. 1265p.