O Formalismo Russo: conceito de estranhamento na obra "Instruções para subir uma escada" de Julio Cortázar.

Iacaiá Stefany

Letras/Uff

A corrente teórica denominada formalismo russo, surgiu com o intuito de desvincular a crítica literária de um estudo historicista, sociológico, para citar alguns exemplos. Buscava-se torná – la autônoma a qualquer outra forma de conhecimento, no processo de analisar em uma obra sobre seus aspectos artísticos e literários.

Segundo o texto de Victor Chklovski “A arte como procedimento”, um dos métodos utilizados por esta corrente é o estranhamento, cujo objetivo é de dotar os acontecimentos e/ou objetos presentes no cotidiano de uma singularidade. Estes, por participarem das mais variadas realidades, se tornam pouco analisados na consciência da população, assim, ganham novos significados a partir das outras visões disseminadas por este conceito.

 

Dessa forma, ao analisarmos o texto de Julio Cortázar, ele trata de um ato corriqueiro ao falar do uso da escada. De forma poética o autor descreve detalhadamente a ação de subir a escada, causando um estranhamento no leitor ao revelar percepções muitas vezes inimagináveis. Como no trecho abaixo que retiramos do texto:

“Ninguém terá deixado de observar que freqüentemente o chão se dobra de tal maneira que uma parte sobe em ângulo reto com o plano do chão, e logo a parte seguinte se coloca paralela a esse plano, para dar passagem a uma nova perpendicular, comportamento que se repete em espiral ou em linha quebrada até alturas extremamente variáveis.”

Além disso, o autor de forma simbólica faz uma comparação a ação de subir a escada com a vida, ou seja, ele apresenta que é necessário tanto com o ato de subir a escada (um degrau de cada vez), quanto com a vida, cautela.

 

Uma outra característica deste método que podemos ver no texto é que o ato de subir na escada é descrito de forma singular, como se fosse a primeira vez que o leitor se depara com uma escada, orientando-o a executar a ação de forma correta.

“O procedimento de singularização em L. Tolstoi consiste no fato de que ele não chama o objeto por seu nome, mas o descreve como se o visse pela primeira vez e trata cada incidente como se acontecesse pela primeira vez; além disto, emprega na descrição do objeto, não os nomes geralmente dados às partes, mas outras palavras tomadas emprestadas da descrição das partes correspondentes em outros objetos.”(CKLOVSKI, 1976, p. 46)

´É importante ressaltar que existem outros textos que utilizam este método do formalismo russo para tratar de objetos, ações, acontecimentos, até mesmo uma fruta do nosso cotidiano, um exemplo disso é o caso do poema “Maça” de Manuel Bandeira, em que o poeta apresenta a fruta de uma maneira inusitada engatado de forma simbólica à fertilidade e ao feminino, dando-lhe assim uma nova visão ao fruto, causando estranhamento para o leitor, sendo depois representado como uma simples fruta. Vejamos:

 

Maçã

Por um lado te vejo como um seio murcho

Pelo outro como um ventre de cujo umbigo pende ainda o cordão placentário

És vermelha como o amor divino

Dentro de ti em pequenas pevides

Palpita a vida prodigiosa

Infinitamente

E quedas tão simples

Ao lado de um talher

Num quarto pobre de hotel

 

Portanto, o conceito estranhamento tem sua importância para o formalismo russo à medida que permite quanto método, caracterizar uma obra como uma expressão artística e literária, atribuindo, por exemplo, uma nova visão a uma ação cotidiana como no texto do Cortázar analisado acima. Logo, ao trazer esta singularidade nos textos, as novas percepções, disseminadas pelo conceito, facilitam a atomização da crítica literária de outras formas de conhecimentos.