O fim do “Milagre Lula” e uma possível nova fase da economia brasileira

                                                                                                            (Vitor Bellizia)

Uma economia pode crescer pelo aumento do consumo privado, pelo desempenho do setor externo, ou seja, pelo aumento das exportações, pela ampliação dos gastos governamentais  e, finalmente, pela decisão dos empresários de incrementar seus investimentos.

Quando se analisa o PIB pela óptica da demanda é possível verificar esta dinâmica:

Y= C+I+G+(X-M)

Onde: C= Consumo das Famílias

            I= Investimentos

            G= Governo

             X=Exportação

             M= Importação

O crescimento econômico do Brasil esteve pautado nos últimos dez anos no aumento do consumo privado, o C da equação acima.

A política de aumento de crédito e de transferência de renda via o sistema Bolsa Família e outras desonerações do Governo LULA  - como, por exemplo, as isenções de IPI sobre o consumo de duráveis -  fizeram com que a economia que tinha capacidade ociosa pudesse crescer rapidamente.

Esta fase de quase dez anos é aqui nomeada de “Milagre Lula”.

Para que o “Milagre Lula” tivesse êxito era necessária uma fonte de financiamento.

A teoria econômica nos diz que o investimento e o gasto do governo, ou seja, os “vazamentos” de um ciclo circular da renda podem ser financiados ou pelo superávit orçamentário do governo ou pelo déficit das transações correntes.

Pela fórmula:

I+G=S+T+(X-M)

Onde:

I= Investimento

G= Gasto do Governo

S= Poupança

T= Impostos

X= Exportação

M=Importação

O desiquilíbrio orçamentário de (T-G <0) do governo e o aumento do consumo foi financiado por uma posição muito favorável da relação ( X-M), ou seja, do setor externo da economia brasileira. Isto só possível devido à elevação do preço das commodities no mercado internacional, sobretudo pelo crescimento econômico da China e de outros emergentes. Porém, as commodities estão retornando ao patamar de 5 anos atrás devido ao menor crescimento da economia internacional e com viés de baixa. (Vide Gráfico Abaixo)

Índice de Preços de Commodities UBS

                       

Fonte : ADVFN

Com efeito, esta situação externa favorável, conforme pode ser observada no gráfico abaixo, vem de deteriorando rapidamente. O saldo da balança comercial é menos de 40% se tomado como base junho de 2013 versus junho de 2011.

Fonte: Banco Central do Brasil

O Brasil, como tem uma posição destacada na produção de commodities, pôde exercer no limite este benefício propiciando o financiamento do consumo durante o período do Milagre Lula, mas esta política mostra agora seus limites.

Conforme pode ser observado no gráfico abaixo o câmbio real deflacionado pelo índice de preços no atacado (IPA-DI FGV), valorizou-se algo como mais de 30% desde dezembro de 2004.

Esta apreciação teve efeitos perversos sobre a competitividade da indústria no cenário internacional e deprimiu os níveis de investimento de setores industriais com exceção dos produtores ligados a commodities onde o Brasil tem uma vantagem comparativa importante.

Grande parte desta apreciação cambial se deveu a um regime de câmbio flutuante e taxas de juros fortemente positivas no período com ingresso massivo de capitais especulativos e de investimentos diretos.

Cumpre assinalar que corroboraram para este efeito a política monetária expansionista note americana que gerou o famigerado tsunami de dólares na economia mundial.

De outro lado, no que tange a expansão do crédito para o financiamento do consumo, os brasileiros chegaram a um nível de endividamento de 44% de sua renda (frente aos 25% de 2007) e 22% de comprometimento da renda com os serviços da dívida. (Vide gráfico abaixo)

Esta situação indica que parece que a expansão do crédito começa também a mostrar os seus limites.

Cabe destacar que o recente aumento da inflação, sobretudo no grupo Alimentos, ao reduzir a renda real, representa um fator complicador adicional de um modelo de crescimento que se baseia no consumo.

Fonte: Banco Central do Brasil

Em resumo, as condições pelas quais a economia brasileira cresceu nos últimos dez anos apresentam agora sinais de esgotamento pelas seguintes razões:

  1. A recuperação da economia norte americana vem drenando recursos das economias emergentes para oportunidades mais atrativas  de investimento nos EUA, ou seja , as fontes externas de financiamento estão secando;
  1. A China vem crescendo menos por conta de um menor ritmo de crescimento da economia mundial e por  “nova industrialização” norte americana reduzindo os ganhos extraordinários dos países exportadores de commodities como o Brasil;
  1. O dinamismo do consumo das famílias vem caindo devido ao menor aumento da renda real devido à inflação e pelo esgotamento do crédito para financiar o consumo;
  1. As tentativas do Ministério da Fazenda em aumentar o consumo viam isenções fiscais e gastos também vem se mostrando cada vez mais inócuas apenas aumentando o desiquilíbrio externo.
  1. A apreciação cambial dos últimos anos pela vantagem comparativa brasileira em commodities erodiu a capacidade de investimento e modernização da indústria nacional.

Estas condições, mas não somente elas, são responsáveis pelo baixo crescimento do Governo Dilma, o chamado PIBINHO.

Com efeito, o mercado financeiro vem precificando esta nova realidade da economia brasileira.

Quando se analisa as taxas de juros de prazo mais longo, percebe-se que após o cenário de stress de junho quando o Banco Central Americano, o FED, comunicou o fim dos estímulos monetários à economia em junho passado e o câmbio teve forte desvalorização, as taxas que subiram fortemente num primeiro momento estão agora retornando a patamares mais baixos e , de maneira, surpreendente.

DI F15 BM&F

       

 

Fonte:ADVFN

Analisando o gráfico acima para a taxa de juros com vencimento em Janeiro de 2015 se percebe que o mercado já perdeu após o stress de junho mais de 100 base points.

Isto é um indicativo que há pouca demanda de crédito no futuro , ou seja, o mercado já precifica pouco crescimento econômico para um prazo não muito longo.

Deste modo, pode-se antever que a economia brasileira passará talvez em um ano por um processo de desaceleração econômica importante.

Nesse sentido, as autoridades econômicas têm que tomar muita cautela nos próximos passos da condução da economia brasileira.

De um lado, sem dúvida, está a questão dos juros. Aumentos da taxa SELIC talvez sejam desnecessários para o controle da inflação. A desaceleração econômica virá auxiliar na desinflação dos preços. Nesse sentido, a política monetária, em certa medida, já deve ter em vista esta realidade.

De outro lado, a política fiscal com mobilidade e taxa de câmbio flutuante se mostra ineficaz do ponto de vista de incremento da demanda, apenas provocando, via alteração da taxa de câmbio, a substituição entre a demanda externa e interna. Por isso, uma execução fiscal contracionista é desejável por dois motivos : a) reduzir o desiquilíbrio externo e b) contribuir para a redução da inflação.

Cabe ressaltar, que dada a conjuntura econômica internacional adversa com o fim dos estímulos monetários do FED, o menor crescimento da economia mundial com destaque para Europa e China e maiores dificuldades de financiamento de déficits em conta corrente, o Brasil ocupa por sua posição de reservas internacional um posicionamento muito  vantajoso perante o resto do mundo. (Vide Gráfico Abaixo)

 Mantida as necessidades de financiamento do déficit externo atuais, o Brasil pode resistir por um ciclo muito longo, ou seja, mais de três anos.

Esta condição, com exceção talvez da China e Índia, é raridade no panorama global. Nesse sentido, há margem de manobra suficiente para colocar o país em um novo rumo e em um novo padrão de crescimento.

Para isto há que se adotar um câmbio de equilíbrio que incentive a produção da indústria nacional. Se necessário adotar impostos sobre as exportações de commodities para financiar este câmbio de equilíbrio para a indústria. Este ponto é relevante uma vez que o início da exportação de petróleo e a venda de concessões do Pré-Sal tenderão a apreciar novamente a taxa de câmbio e , nesse sentido, há que se atuar preventivamente corrigindo estas distorções que o regime cambial flutuante pode produzir, dentro de um contexto da Doença Holandesa que o Brasil passou e deve passar.

Focar o investimento como propulsor deste novo ciclo é uma questão prioritária e, neste ponto, assume um papel relevante a capacidade de poupança do setor público para que o setor privado possa ocupar este papel. Em outras palavras, o aumento do investimento (I) deveria ser financiado pelo superávit orçamentário do Governo (T-G), aliviando as pressões sobre o balanço de pagamentos

O crescimento baseado no consumo (C) combinado a expansão do gasto governamental (G) foi perversa nos últimos cinco anos. A política fiscal expansionista, como ressaltado, com mobilidade e taxa de câmbio flutuante se mostrou ineficaz do ponto de vista de incremento da demanda, apenas provocando, via alteração da taxa de câmbio, a substituição entre a demanda externa e interna. Não é por outra razão que as importações (M) tiveram um incremento explosivo nos últimos cinco anos para cobrir as necessidades da absorção interna da economia brasileira. (Vide Gráfico Abaixo)

Fonte : IBGE

É necessária a mudança de agenda e de modelo focando, sobretudo três pontos:

  1. O investimento
  2. Um câmbio de equilíbrio para a indústria e
  3. O Aumento da poupança Governamental.

Para incremento do investimento (I) é necessário um ambiente regulatório e de negócio que desperte o instinto animal do empresário, bem como uma taxa de câmbio atrativa.

Para o câmbio urge que a vantagem competitiva brasileira em commodities não se traduza numa apreciação artificial da taxa de câmbio e , portanto, a intervenção governamental para corrigir estas distorções é benvinda, como por exemplo, a taxação das exportações de commodities.

Finalmente, no que se refere ao aumento da poupança do setor público, é necessário reduzir os desiquilíbrios entre G e T da equação da renda para que se abra espaço para o Investimento (I). A história recente mostra que os efeitos do aumento de gastos públicos num regime de  câmbio flutuante são inócuos, contribuindo apenas para aumentar empregos na economia chinesa.

Esta é uma agenda possível para o Brasil. De certo, haverá resistências no curto prazo, sobretudo no que tange a deterioração da relação câmbio salário que um maior nível de desvalorização cambial pode ensejar, bem como dos setores exportadores de commodities como os ligados a indústria extrativa mineral e do agronegócio ao serem taxados nas exportações, mas o benefício se traduzirá num crescimento econômico maior que beneficiará  a maior parte dos brasileiros.

Vitor Bellizia, 46 anos , é executivo financeiro, consultor, professor, graduado e pós- graduado pela FGV/SP. Foi Vice Presidente da ANFAVEA.