O filósofo John Kramer:

refletindo sobre Jogos Mortais IV

 Sandro Xavier

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Falar de violência sempre traz estranhamento a algumas pessoas. E eu realmente sou um tanto quanto fascinado pelo tema. É bom acrescentar que nunca fui de gostar dos filmes de luta a troco de nada (como os estrelados por Van Damme – nada contra o ator, de verdade, só por exemplo), nem mesmo dos jogos de videogame que são de luta – apesar de gostar muito de jogos eletrônicos. O que ocorre é que, como em qualquer evento na sua vida, você pode aprender também com a violência. É sobre isso que quero falar aqui. De qualquer forma, se me considerarem louco (ou qualquer coisa do gênero) por dizer que o assunto me fascina e é objeto meu de pesquisa – afinal, por meio dele encontramos tantas nuanças da vida humana – não ficarei tão chateado. Os comentários sobre o filme beiram isso mesmo. Chamam-no de doentio, e igualmente a quem assiste a ele. Ilana Casoy, por tratar tão competentemente do assunto serial killers, também respondeu a questões parecidas. Sinto-me solidarizado, portanto.

No filme, Kramer (personagem de Tobin Bell) porta-se como verdadeiro filósofo, refletindo sobre a incapacidade do ser humano para dar valor à sua existência. Não estou retirando sua personalidade doentia, mas de verdade, ele faz pensar sobre isso profundamente... mesmo em meio à dor!

As lições são: (1) nunca esquente a cabeça demais; (2) você não pode salvar todo mundo; (3) e quando puder ajudar, vai ter que escolher; (4) e essa ajuda tem que ser no sentido de fazer com que a própria pessoa se ajude.

Meio cruel às afirmativas? Claro... eu sei. Mas veja só o que pensei: quanta gente se sente incapaz porque não consegue ajudar todas as pessoas que encontra necessitando? Quantos trabalham em serviços sociais, hospitais, igrejas etc. e ficam angustiadas quando alguém sai sem seu problema totalmente (ou nada) resolvido? Muitas pessoas se massacram porque não estão com tudo sob controle ou mesmo porque a ajuda que outro pediu não foi possível naquele momento. É ou não é muita autocrueldade? A primeira lição faz a gente entender que em alguns momentos é preciso relaxar.

A primeira lição está atrelada à segunda: relaxe, porque não dá para salvar todo mundo. Não dá para resolver tudo. Você não é capaz de fazer isso. E se achar que deveria fazê-lo, estará caminhando para a autodestruição... certamente! Por essa razão, haverá casos em que vai ter que escolher a quem ajudar. Isso acontece por várias razões: falta de tempo, instrumento etc. E daí, quando tentamos resolver tudo, podemos, na mesma proporção, colocar tudo a perder. Lembram-se do ditado "mais vale um pássaro na mão que dois voando"? Ainda podemos recorrer ao que as comissárias de bordo dizem nos aviões: "Em caso de despressurização, máscaras de oxigênio estarão diante de vocês. Se está próximo a alguém que necessite de ajuda – uma criança ou idoso – coloque primeiro em você, e depois na pessoa". Isso significa que você também deve estar forte... vivo!

Por fim, só nessa lista que fiz, porque alguém pode, certamente, aprender muito mais coisas, é necessário que sua ajuda seja no sentido de alguém ser capaz de se ajudar. Isso porque alguém que sempre é somente ajudado, sem esforço próprio, não dá valor à sua vida... não teve que lutar por ela. Faz sentido ou não?

Sei que é cruel... e não vou dizer que "é a vida". Afinal, faz parte da vida, mas não é só isso. Tem muita coisa boa. Por intermédio do filme, consigo ver a importância de valorizar sua própria vida. Vejo isso... sinceramente! Sei que outras pessoas podem ver somente a crueldade de John, o sangue jorrando, as armadilhas crudelíssimas e terríveis. Mas eu vejo um apelo para valorização da própria vida, enfim.

Até relembrando o que o apóstolo Paulo disse, devemos provar tudo e reter o que é bom. Não aprendi nenhuma armadilha no filme. Não tive vontade de fazer quaisquer jogos mortais com ninguém (ainda que considere que há algumas pessoas que as mereçam). Então, provar tudo é importante. Isso porque a vida é cheia de todas essas particularidades, boas ou ruins. Não dá somente para aprender o lado amoroso e bom da vida nos filmes belos e com trilhas sonoras amorosas dos estúdios de Walt Disney. Achar beleza até na crueldade não é uma capacidade para todos, entendo. A bela achou na fera... e é um filme de Walt Disney, o que você acha?

Eu poderia, portanto, terminar indicando o filme para todos. De verdade, para mim, é um filme que poderia ser assistido por um grupo jovem de igreja e suscitar o debate para que se fale o que impressionou ou as opiniões. Entretanto, devo considerar que não é tão fácil para qualquer pessoa assistir às cenas do filme. Sendo assim, quem não consegue tolerar aquela violência toda – o chamado gore ou splatter – das cenas, não deve mesmo assistir. É muito brabo mesmo. As armadilhas são inteligentes, mas chocam, de verdade. Também não indico para quem não assistiu aos outros três anteriores. É importante ir caminhando na série. Conhecendo as personalidades que aparecem (e desaparecem subitamente também – aconteceu com o astro hollywoodiano Dany Glover no primeiro da série). Acostumando com a maneira e o discurso de John Kramer.

Quem conseguir, portanto, assista. Mas comece do primeiro e vá para além do sangue e das torturas. Escute a voz do filósofo Kramer e reflita sobre a importância que você dá à sua vida. Supere a crítica daqueles que dizem que é coisa de carniceiro e busque olhar o outro lado da vida... infelizmente ele existe. Mas, repito, comece do primeiro e se não está acostumado (ou decididamente não aguenta) com as cenas exageradamente violentas é melhor deixar pra lá.

Reforma Protestante de 2007