O FENÔMENO DA MULTIPLICAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS : A Evolução dos Direitos Sociais e o seu reflexo no Constitucionalismo Brasileiro.

  

                                                          

                                                                   Nelson Fontinhas Nogueira da Cruz*

                                                                                                                                     

 

 

Sumário: Introdução; 1 Os Direitos do Homem nas Declarações Internacionais de Direito; 2 As Gerações dos Direitos Fundamentais; 3 Os Direitos Sociais; 4 O Constitucionalismo; Conclusão.

 

 

RESUMO

 

Estudo teórico sobre a multiplicação dos Direitos Sociais como um fenômeno tutelado pelo Estado a partir de uma análise comparativa dos quase duzentos anos da evolução histórica do constitucionalismo brasileiro em consonância com o movimento mundial de multiplicação das garantias políticas e sociais do homem, alicerce da mudança de paradigma que influenciaram o modo de pensar o Estado , o Direito, o Homem e a Sociedade na contemporaneidade. O trabalho pretende responder: Quais as circunstâncias histórico-jurídicas que nos permite afirmar a mudança do papel do Estado na tutela dos direitos sociais na história constitucional do Brasil ?

 

 

PALAVRAS-CHAVES

     

O Constitucionalismo Brasileiro.Os Direitos do Homem. As Gerações de Direito. As Declarações de Direito. Os Direitos Sociais.

 

 

Introdução

 

 

         A Lei Maior, ou norma de ordem superior que dispõe sobre a organização de um estado e as garantias e direitos individuais do cidadão, dentre outros temas é o que pode-se chamar de Constituição. Todo país politicamente organizado possui uma constituição que estabelece direitos fundamentais do ser humano, além dos fundamentos e objetivos do Estado, forma e regime de governo, sistema político e eleitoral, estrutura e organização de poderes.

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* Economista pela Universidade Federal do Maranhão. Aluno do 10º. Período do Curso de Direito da      Unidade de Ensino Dom Bosco.   

   

 

       A Constituição representa, portanto, a base de qualquer Estado, mesmo que algumas não possuam o caráter de estarem formalizadas em um documento, o conjunto de documentos que apontam para uma relação de poder político-administrativo-burocrático exerce assim a função de poder soberano e representam as características da sociedade.1

 

 

      Os movimentos revolucionários liberais que eclodiram no final do século XVIII, como, principalmente, a Independência dos Estados Unidos da América ( 1776 ) e a Revolução Francesa ( 1789 ), influenciaram direta e decisivamente no surgimento da discussão em torno das garantias dos direitos subjetivos individuais como limites dos poderes do Estado.

 

       A Revolução Francesa e seus ideais, contudo, é que deflagra a proclamação dos Direitos de primeira “dimensão”, chamados liberdades públicas e reconhecidos como: direito à vida, direito à liberdade individual, direito à segurança, direito à igualdade, direito à propriedade, exercidos frente ao Estado, constituindo assim, verdadeiras liberdades negativas pois correspondem um espaço de não intervenção estatal.

 

         A formação do Estado moderno caracteriza-se por uma mudança paradigmática que passa de uma concepção organicista tradicional para uma visão individualista da sociedade, o que produz um alargamento das garantias dos direitos do homem e do cidadão, transformando-o, a partir de então, no que Bobbio chama de homem concreto, cujas necessidades passam a ser garantidas pelo Estado.

 

 

 [...] a ampliação do âmbito dos direitos do homem na passagem do homem abstrato ao homem concreto, através de um processo de gradativa diferenciação ou especificação dos carecimentos e dos interesses, dos quais se solicita o reconhecimento e a proteção. ²

 

 

      A visão individualista da sociedade como um novo paradigma, representar uma nova forma de ser vista a relação Estado/cidadão e que tem como ponto de partida o específico, o indivíduo para chegarmos depois ao geral, a sociedade, invertendo a lógica orgânica tradicional que partia do todo para chegar à parte.

 

 

 

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1A Constituição é de fato, a própria estrutura de uma comunidade política organizada, a ordem necessária que deriva da designação de um poder soberano e dos órgãos que o exercem. Desse modo, sendo a Constituição imanente a qualquer sociedade, é necessário distinguir o juízo científico sobre as características próprias de cada Constituição, tanto sob o aspecto formal como sob o aspecto material, do juízo ideológico sobre o caráter constitucional ou não constitucional de um regime. Vide.  BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola ; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. Vol. I . 5ª ed. São PAULO. Ed. Universidade de Brasília. 2000. p.258.

 

² BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos.  Rio de Janeiro. Elsevier. 2004. 6ª. Ed. p.3.

 

 

      Os Direitos do homem, sejam quais forem, nascem de forma histórica atrelados a alguma disputa por novas garantias em detrimento de antigas posições, como bem nos ensina Bobbio:

 

 

[...] que os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias ,caracterizadas por lutas de novas liberdades, contra velhos poderes, nascidos de modo gradual, não todos de uma vez, e nem de uma vez por todas.³

 

     A história dos chamados Direitos Fundamentais garantidos no ordenamento jurídico brasileiro experimentou diversos momentos nesses quase duzentos anos de constitucionalismo no Brasil.                                        

 

     As diferentes gerações de Direitos previstos pelas Constituições Brasileiras podem ser observadas numa perspectiva de evolução da esfera normativa em diversas “dimensões”, que expressam e fundamentam a tese de que gerações anteriores de direitos fundamentais conquistados na desaparecem dando lugar às novas gerações, e sim, estes aos anteriores se agregam para melhor realizá-los.4

              

      O constitucionalismo brasileiro apresentou no curso de sua história mecanismos identificados como evolutivos, atendendo à necessidades das mudanças da sociedade, de maneira que, o ordenamento jurídico vigente, não sofresse defasagem  quanto ao atendimento das demandas sociais próprias do processo de transformações sociais.

               

       O artigo tem a pretensão de estabelecer um parâmetro comparativo entre as várias fases experimentadas pela história constitucional do Brasil, dentro de um contexto histórico, político, econômico e social que formataram a periodização do constitucionalismo brasileiro, destacando o caráter evolutivo das garantias constitucionais dos Direitos Fundamentais do Homem, matéria  freqüente nas Cartas Magnas do Brasil.

 

       As Constituições que representaram e representam a história política e jurídica do nosso país são emblemas característicos de determinadas épocas e por isso servem como uma importante revisão no contexto sócio-econômico que o país vivenciou desde o Império. Os textos constitucionais representarão apenas utopias se não houver efetivamente uma participação da sociedade legitimando as conquistas de direitos para a construção de uma sociedade mais justa e digna que represente a vontade do que Lassalle chamou de forças vitais do país.5

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³ BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos.  Rio de Janeiro. Elsevier. 2004. 6ª. Ed. p.5.

 

4O direito individual de propriedade que, em um contexto de segunda dimensão dos direitos fundamentais , só pode ser exercido observando-se sua função social , com o surgimento da terceira dimensão , observando-se, igualmente , a sua função ambiental.Vide. GUIMARÃES, Justino da Silva. A Importância da Proporcionalidade como Princípio Regente de Políticas Públicas.  São Luís: Associação do Ministério público do Maranhão. 2006.  p.56.

 

 

      O cenário social encontra-se em constante mudança em decorrência da também mutabilidade freqüente das relações humanas, o que nos aponta para a necessidade de adequação permanente do nosso ordenamento constitucional, sob pena deste torna-se ineficaz para a sociedade, perdendo assim sua validade formal e sua vigência, portanto uma pesquisa investigativa da evolução do constitucionalismo brasileiro e o que ele representou como resposta aos asseios da sociedade, produz conhecimento de rara importância numa perspectiva de entendermos quais as possíveis alternativas a serem perseguidas pelas próximas gerações constitucionais.

 

 

1 Os Direitos do Homem nas Declarações Internacionais de Direito.

 

 

       “ Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos”, esse é o marco inicial da Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948 que sofre influências das idéias jusnaturalistas, as quais viam o “estado natureza” como algo comum a todos. Portanto, bem antes, sob a égide dessas idéias, nascem as Declarações de Direitos, em uma primeira fase representam  teorias filosóficas que vão nortear os pensamentos de liberdade e igualdade entre os homens.

 

      As teorias filosóficas entendem os direitos do homem como a expressão pura de um pensamento individual , porém universal, pois são comuns aos homens independendo do lugar ou tempo  de sua existência. Tais preceitos limitam a eficácia das teorias, o que só é resolvido quando são acolhidas pelo legislador com as Declarações de Direitos dos Estados Norte-americanos e a Declaração de Direitos da Revolução Francesa.

 

     O Estado “desenhado” a partir daí assume traços com limitação, o que quer dizer que não pode ser observado como um ente em si mesmo, porém um instrumento para fins exógenos à sua existência. Os direitos dos homens passam a ser o ponto de partida para a concepção de um sistema de direitos positivos e efetivos.

 

      Com a passagem, em um momento posterior, do direito pensado para um direito realizado, tem-se um ganho em concretização e uma perda em generalização dos direitos, pois ao assumem a característica de direito posto, e portanto, protegido e concreto, porém passam a valer apenas no âmbito do Estado que o adota, por isso passam a direitos do cidadão e não direitos do homem de status de universal.

 

 

 

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5 Onde a constituição escrita não corresponder à real, irrompe um conflito que é impossível evitar e no qual, mais dia menos dia, a constituição escrita, a folha de papel, sucumbirá necessariamente, perante a constituição real, a das verdadeiras forças vitais do país. LASSALLE, Ferdinand. A Essência da Constituição. Rio de Janeiro. Editora Lúmen Júris. 1998. p.47 .

 

 

      A Declaração Universal dos Direitos do Homem é considerada um “divisor de águas”, pois ao mesmo tempo, que é universalmente assinada no início por 48 países, das mais variadas culturas do planeta representa um documento em que os direitos do homem encontram-se positivados. Portanto encontramos presente o caráter Universal, por isso Direitos do Homem e o caráter Positivo, ou seja, Direitos Protegidos, inclusive de uma possível violação do próprio Estado.

 

 

A Declaração Universal contem em germe a síntese de um movimento dialético, que começa pela universalidade abstrata dos direitos naturais, transfigura-se na particularidade concreta dos direitos positivos, e termina na universalidade não mais abstrata, mas também ela concreta, dos direitos positivos universais.6

 

     

2 As Gerações dos Direitos Fundamentais.

 

          A denominação de Direito Fundamental, carrega uma característica intrínseca de universalidade, mesmo por que tais direitos podem estar disperso no texto constitucional e identificado através de suas características intrínsecas o que não os fazem menos importantes.

 

         Os direitos fundamentais de primeira geração surgiram com a idéia de Estado de Direito, submisso a uma Constituição. O Estado de Direito é uma categoria em que as funções de poder são distribuídas a órgãos oficiais distintos, descentralizando o arbítrio das decisões. Surgem portanto concomitantemente: O Constitucionalismo e O Estado de Direito e com essas categorias os Direitos Fundamentais de Primeira Geração, também denominados direitos civis ou individuais. São as defesas do indivíduo diante do Estado, que é o ente cuja função é de garantir as liberdades, sem interferir nas relações sociais, o que chamamos de “liberdades negativas” com a abstenção estatal. São os direitos à vida, à intimidade, à inviolabilidade de domicílio.  

 

         Os Direitos Fundamentais de Segunda Geração representam uma evolução na proteção da dignidade Humana, pois o homem agora liberto da ingerência estatal, passa à demandar por uma maior condição de vida o que lhe garante respeito e dignidade satisfazendo suas necessidades mínimas de existência. Com a mudança de paradigma o Estado passa à posição oposta daquela assumida anteriormente, pois a intervenção estatal se faz necessária como condição maior para a garantia do saneamento das carências que promova uma vida com dignidade. A presença do Estado na condição partícipe deste processo, rende o termo “direitos positivos” a essa categoria de direitos. São os direitos sociais, econômicos e os culturais.

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6 BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos.  Rio de Janeiro. Elsevier. 2004. 6ª. Ed. p.30.

 

 

           Surge, então, uma nova categoria de direitos fundamentais, com a reflexão sobre a existência e perpetuação da espécie humana frente aos avanços das Ciências, os chamados Direitos Fundamentais de Terceira Geração, compreendem direitos com senso de fraternidade e solidariedade, na tentativa de evolução da proteção humana. Podemos destacar, o direito à paz, a preservação da natureza e do patrimônio da humanidade.              

                             

          A concepção do Estado moderno, trouxe consigo uma nova forma de relacionamento do ente estatal com o cidadão, inaugurando uma visão individualista da sociedade representada por demandas dos indivíduos para garantirem seus Direitos pessoais, com o tempo observa-se uma distensão dessas liberdades individuais na direção dos Direitos coletivos, proveniente das conquistas de liberdades frutos das lutas dos diversos segmentos sociais.

 

          As liberdades sociais, nascem do crescimento e da organização da classe dos trabalhadores e camponeses assalariados em torno dos sindicatos e associações, que passam a demandarem do poder público, além de  liberdades pessoais e liberdades negativas, mas também e principalmente liberdades político-sociais, os chamados Direitos Sociais , ou de segunda geração.

 

           A crescente preocupação em garantir uma harmonia da existência humana fez ampliar o raio de abrangência do Direito em discussões que hoje fazem  emergir ainda que de forma vaga os chamados Direitos de terceira e quarta gerações frutos de lutas que impõem  limites às explorações  ambientais e às pesquisas genéticas, respectivamente, reforçando a idéia de que os direitos não nascem todos de uma vez.

 

     Uma análise reducionista observa uma primeira geração composta de direitos fundamentais do homem garantidos pela não intervenção do Estado em suas liberdades ( liberdades negativas ); uma segunda geração caracteriza-se por uma presença do Estado, tutelando ações positivas para garantir benefícios sociais; a terceira e quarta gerações do direito nascem com o “carecimento” de necessidades inerentes ao processo de desenvolvimento científico e tecnológico que se instaura nas sociedades modernas.

 

     As diferentes dimensões que assume o Direito cronologicamente elencadas, podem fazer parte do ordenamento jurídico e/ou “apenas” constar do corpo de declarações que visam firmar solenemente posições de garantias sociais com a função prática de um documento político de aceite coletivo como foi a Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada pela Assembléia das Nações Unidas ( 48 Estados ) em 10 de dezembro de 1948 e que representa uma prova histórica e sem precedente do consenso sobre um determinado sistema de valores.A universalidade dos valores para toda a humanidade ganha corpo a partir da Declaração dos Direitos do Homem em um sentido subjetivo, e que estabelece, portanto um sentimento de que toda a humanidade carece de valores comuns que perpassam por diversos e culturas do mundo como algo historicamente legítimo.

 

 

       A efetivação dos Direitos do Homem seja quais forem suas dimensões, fundamentos, ou instrumentos teóricos que os legitimem é algo que se encontra longe de sua concretude. Este mal, acomete muito menos os direitos de primeira geração efetivamente constantes dos ordenamentos jurídicos, inspirados nos princípios constitucionais modernos e muito mais os direitos de segunda geração proclamados nas declarações de direitos humanos e os direitos de terceira e quarta gerações que representam expressões de anseios.

 

 

Já a maior parte dos direitos sociais, os chamados direitos de segunda geração, que são exibidos brilhantemente em todas as declarações nacionais e internacionais, permaneceram no papel. O que dizer dos direitos de terceira e quarta geração?7 p.9.

 

 

        A questão maior, que observamos diante dos estudos feitos acerca das gerações do Direito que se desenvolveram a partir da concepção do Estado moderna, permite-nos afirmar que não se relaciona aos fundamentos teóricos de cada dimensão apresentada, nem mesmo o grau de abrangência de cada dimensão, nem tão pouco se esta compreende aos direitos naturais ou sociais do homem, mas sim de fazer valer sua proteção e aplicação nas sociedades contemporâneas como mais uma vez nos mostra Bobbio:

 

 

 [...] o problema grave de nosso tempo, com relação aos direitos do homem, não é mais o de fundamentá-los, e sim o de protegê-lo [...] não se trata de saber quais e  quantos são esses direitos, qual é sua natureza e seu fundamento, se são direitos naturais ou históricos, absolutos ou relativos, mais sim qual é o modo mais seguro para garanti-los para impedir que apesar das solenes  declarações, eles sejam continuamente violados.8 p.25            

 

      O jusnaturalismo moderno inspirado nas idéias de John Locke difunde a idéia de que o Homem enquanto tal tem direitos naturais, os quais nem o Estado pode subtraí-los nem o próprio Homem pode aliená-los e que por isso  o verdadeiro estado do homem não é o estado civil, mas o estado natural, pois o estado civil seria uma criação teórica para explicitar as condições de liberdade e igualdade naturais. 

     

        A liberdade e a igualdade entre os homens são ideais perseguidos a algum tempo e devem demandar um outro tanto, porém não são valores que sejam impostos por teorias, normas ou declarações e sim o resultado de um amadurecimento social e político dos ordenamentos jurídicos modernos que passam a acolher as teorias filosóficas acerca dos Direitos do Homem.

 

 

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BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos.  Rio de Janeiro. Elsevier. 2004. 6ª. Ed. p.9.

8 BOBBIO, op.cit., p. 25.

 

 

 

      3 Os Direitos Sociais.

 

     Os Direitos Sociais são direitos fundamentais do homem, são considerados liberdades positivas, pois representam obrigações do Estado para com a melhoria de vida dos indivíduos hipossuficientes. Correspondem matéria obrigatóriaem um EstadoSocialde Direito. No Brasil são consagrados oficialmente como fundamento do Estado democrático, através do art. 1º , IV da Constituição Federal.

 

 

A individualidade de uma categoria de direitos e garantias dos trabalhadores, ao lado dos de caráter pessoal e político, reveste um particular significado constitucional, do ponto em que ela traduz o abandono de uma concepção tradicional dos direitos, liberdades e garantias como direitos do homem ou do cidadão[...]9

 

    

      A proteção do Direitos do Homem dar-se a partir da inclusão no ordenamento jurídico de normas que assim o faça. A violação dos Direitos Naturais pelo Estado produzia o aparecimento do Direito à Resistência que mais tarde nas Constituições passou a ser o direito positivo de acionar judicialmente os órgãos estatais, o que nos dá uma idéia do movimento de positivação dos Direitos do Homem para garantia de proteção constitucional.

 

      Os Direitos Sociais ganham força com uma crescente demanda por proteção das condições sociais, que pioram com o advento da Revolução Industrial que faz emergir gradualmente reivindicações oriundas das lutas de classe.

 

 

O campo dos direitos sociais está em contínuo movimento: assim como as demandas de proteção social nasceram com a revolução industrial, é provável que o rápido desenvolvimento técnico e econômico traga consigo novas demandas, que hoje não somos capazes nem de prever.10

 

 

       Os direitos sociais previstos constitucionalmente são normas de ordem pública, imperativas e invioláveis. A Constituição Federal do Brasil em seu art 6º, estabelece em seu texto os direitos sociais à educação, à saúde, ao trabalho, ao trabalho, ao lazer, à segurança, à previdência social, à  proteção à maternidade, à infância e à assistência aos desamparados.¹¹

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9 CANOTILHO, J.J. Gomes, MOREIRA, Vital. Constituição dirigente e vinculação do legislador. Coimbra: Coimbra Editora, 1991. p.285.

 

10 BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos.  Rio de Janeiro. Elsevier. 2004. 6ª. Ed. p.33.

 

11 A emenda constitucional nº 26, de 14 de fevereiro de 2000, deu nova redação ao art. 6º, incluindo na Constituição Federal o direito à moradia.

 

 

4 O Constitucionalismo

        

       O constitucionalismo tem sua origem na formalização das Constituições dos Estados Unidos (1787) e da França (1791). A principal característica deste movimento é a organização do Estado e ainda a delimitação de seu campo de ação através da previsão dos direitos e das garantias fundamentais que estabelecem a base da estrutura político-jurídica. A constituição é o documento que estabelece a estrutura, a organização dos órgãos oficiais, as limitações de poder.

 

A parcela da ordem jurídica que rege o próprio Estado, enquanto comunidade e enquanto poder. É o conjunto de normas (disposições e princípios) que recordam o contexto jurídico correspondente à comunidade política como um todo e ai situam os indivíduos e os grupos uns em face dos outros e frente ao Estado-poder.12

 

     4.1 O Constitucionalismo Brasileiro: Um breve histórico do aumento das garantias sociais.

 

        4.1.1 A Constituição de 1824.

 

                A Constituição do Império foi outorgada em 25 de março de 1824 e estabeleceu um governo monárquico, hereditário, constitucional e representativo. O modelo adotado além dos três poderes: Legislativo, Executivo e Judiciário, possuía o poder Moderador, que dava amplos poderes ao Imperador. A Carta Magna trouxe uma declaração de direitos individuais e garantias, cujos fundamentos permaneceram nas Constituições que a seguiram. A Constituição do Império é considerada semi-rígida, pois as matérias constitucionais exigiam critérios para alterações mais flexíveis, enquanto que as matérias relativas ao Estado eram rigorosas.

 

                 O Poder Legislativo era exercido por uma assembléia geral, composta por duas câmaras: a dos deputados, eleita e temporária, e a dos senadores, vitalícia e escolhida pelo Imperador. O Poder Executivo era exercido pelos ministros de Estado e pelo Imperador. O Poder Judiciário era independente, mas o Imperador,  podia suspender juízes.

 

 

          4.1.2 A Constituição de 1891.

 

                  Promulgada em 24 de Fevereiro de 1891,  abandonou a forma unitária imperial para passar ao Federalismo ( República dos Estados Unidos do Brasil ). As províncias viraram Estados-membros com competência próprias e o Município Neutro passou a ser Distrito Federal. Foi adotado o modelo de Tripartição dos poderes e o regime foi o representativo cujo o chefe de governo e de Estado era o Presidente.

 

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12 MIRANDA, Jorge. Manual de direito Constitucional. 4. ed. Coimbra. 1999. p.138.

 

                 O Poder Legislativo continuou com duas casas porém ambas eleitas, obedecendo a proporcionalidade aos representantes da câmara dos deputados. O Poder Judiciário fortaleceu-se, seus membros passaram a ser vitalícios e com vencimentos irredutíveis. O chefe do executivo, o Presidente da República, foi eleito pelo sufrágio direto, findando o voto censitário, prática dos processos eleitorais anteriores. Quanto à Declaração de Direito, o avanço foi a extinção das penas de galés, banimento judicial e de morte, assim como o hábeas corpus foi inserido no texto constitucional.

 

  4.1.3 A Constituição de 1934.

 

           Promulgada em 16 de julho de 1934, sob influência da Constituição de Weimar¹³ , insere a categoria da Democracia Social. Manteve princípios fundamentais formais como : República Federativa, tripartição de poderes, regime representativo, Presidencialismo.

 

           Rompeu com o bicameralismo rígido, uma vez que atribuiu o Poder Legislativo à Câmara dos Deputados, transformando o Senado Federal em órgão de colaboração desta. Sua principal contribuição na declaração de direitos e garantias , foi ter ao lado dos direitos clássicos ter inserido um título sobre a ordem econômica e social, sobre a família, a educação e a cultura como normas de caráter programático.      

 

            4.1.4 A Constituição de 1937.

 

           Outorgada em 10 de novembro de 1937, pelo então presidente Getúlio Vargas, que revogou a Constituição de 34, dissolveu a Câmara de Deputados e o Senado Federal e estabeleceu um regime com características autoritárias e tendências fascistas. Os poderes Legislativo e Judiciário, perderam força em detrimento de um supremacia do poder Executivo.

 

           O Senado deu lugar ao Conselho Federal, que podia a qualquer momento entrar em recesso pelo presidente, que então passava a assumir também a função legislativa.. O Supremo Tribunal Federal ao julgar alguma ação de inconstitucionalidade, o Congresso Nacional poderia rejeitar a decisão., são exemplos do esvaziamento desses poderes.

 

           A Constituição estabeleceu pena de morte para crimes políticos e para os homicídios cometidos por motivos fúteis e perversidades, restringiu os direitos de manifestação de pensamentos, através das censuras às manifestações culturais.

 

            4.1.5 A Constituição de 1946.

 

            Promulgada em 18 de setembro de 1946, reestabelece um Estado Democrático de Direito, com eleições diretas para Presidente da República. O Senado Federal retornou ao sistema bicameral federativo. Restabelecido o controle de constitucionalidade dos atos normativos.

 

            Os Partidos políticos passam a ser entidades previstas constitucionalmente. Desaparecem as penas de morte e o confisco. A ordem econômica passou a ser uma preocupação com os princípios da livre iniciativa e o princípio da justiça social. O direito de Greve foi assegurado constitucionalmente.

 

            O Sistema Parlamentarista de governo foi estabelecido em 2 de setembro de 1961 por intermédio da Emenda Constitucional número 4.

 

              4.1.6 A Constituição de 1967.

       

              O Golpe Militar de 1964 manteve através do Ato Institucional nº 1 q Constituição de 1946, até que em 1967 uma nova Carta Magna é aprovada com um teor autoritária que centralizou o poder nas mãos do chefe do Executivo, esvaziando os poderes Legislativo e Judiciário.

 

              Os Direitos Individuais passam a ser reduzidos com a possibilidade de suspensão dos Direitos Políticos. As questões econômica sofre um tratamento liberal, seguindo a ordem do liberalismo econômico que dominava o capitalismo ocidental.

 

              Uma característica própria do chamado Regime Militar, neste final da década de 60 do século passado, foram os Atos Institucionais. O que mais causou repulsa, foi o AI 5 de 13 de dezembro de 1968, pois estabelecia medidas duras de cerceamento dos direitos sociais e políticos., por exemplo proibia o habeas corpus para crimes políticos contra segurança nacional..

 

              4.1.7 A Emenda Constitucional de 1969

 

             Muitos doutrinadores consideram  a Emenda Constitucional nº 1 de 1969 uma nova Constituição, pois altera sem nem um tipo de limites a Carta de 1967. Estabelece parâmetros para perda de mandatos parlamentares, ferindo os princípios vigentes. Foram criados órgãos como os Tribunais de Contas dos Municípios para o acompanhamento dos gastos municipais.

    

             A dissolução do Congresso Nacional em abril de 1977, pelo presidente Geisel escreve mais um capítulo que golpeia  a história da democracia brasileira. O chamado Pacote de Abril continha catorze emendas e seis decretos que alteravam regras constitucionais e de proporcionalidade na Câmara de Deputados e Senado Federal..

 

 

             4.1.8 A Constituição “Cidadã” de 1988.

 

 

             A Emenda Constitucional no. 26/1985 dispôs sobre A Assembléia Nacional Constituinte, livre e soberana, encarregada de elaborar a nova Constituição Federal que foi promulgada em 5 de outubro de 1988.

 

 

 

             A Constituição de 1988, consagrou cláusulas que transformaram a relação de poder entre o Estado e a Sociedade, pois estabeleceu os parâmetros de regulação das relações econômicas, políticas e sociais com imenso apelo diferenciado a temas como: “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”; Título II, seguindo tendência mundial inspirada no constitucionalismo europeu.

 

             Observa-se na Carta de 88, uma forte inclinação para uma expansão sem precedente na história do constitucionalismo no Brasil dos Direitos e Individuais e Coletivos, onde há uma valorização das ações processuais coletivas de grande alcance social, assim como no campo dos chamados Direitos Sócias, deu-se uma considerável inclusão de tais garantias no texto constitucional.

 

              No campo Econômico foram introduzidas novas regras de controle dos impactos das políticas econômicas na vida dos cidadãos, assim como novos capítulos  relacionados às Políticas Urbanas; Políticas Agrícolas e Fundiárias e o Sistema Financeiro Nacional. Na área Social os avanços ainda foram na direção das temáticas inovadoras da Seguridade e Assistência Social, assim como deu especial atenção a novos temas como: Ciência e Tecnologia; Comunicação; Meio Ambiente; Criança; Adolescente e Povos Indígenas.

          

               A Carta Magna de 88, alargou sobremaneira o campo de atuação do Estado para garantir uma gama maior de Direitos e que representara aspirações individuais e coletivas no contexto da época o que lhe conferiu o apelido de “Constituição Cidadã”.

             

Conclusão

                 

            A Multiplicação do Direitos Sociais na contemporaneidade deve-se a fatores como o aumento considerável de bens tutelados pelo Estado ou a mudança de paradigma em que desaparece , pouco a pouco, o homem genérico e abstrato, para dar lugar ao homem dotado de uma maneira específica de ser na sociedade, seja como indivíduo seja pertencente a uma coletividade na condição de criança, homem, idoso ou doente, dentro de um contexto histórico-social.

 

            Uma análise pormenorizada dos fatores que “detonaram” o processo de multiplicação dos Direitos Sociais, nos remete à passagem das chamadas liberdades negativas de religião, opinião, imprensa etc, para os chamados direitos sociais tutelados pelo Estado. O outro fator apontado como partícipe deste processo é uma mudança do paradigma que tinha o homem como ente ao qual foram atribuídos direitos naturais ou morais para ter agora o foco  em grupos como a família, minorias étnicas etc, que representam as diversas faces em que se apresentam os indivíduos singularmente ou em sociedade.

 

 

            As diferentes “metamorfoses” sofridas pelo homem, que estabelecem seu status social com base nas especificidades histórico-sociais ( sexo, idade, condições materiais e culturais ) não podem ser traduzidos em igualdade de tratamento e proteção. O processo de multiplicação das garantias deu-se potencialmente no âmbito dos chamados Direitos Sociais, marca característica da atual fase do desenvolvimento sócio-econômico da Humanidade.

                                 

           O Poder Econômico passa a dominar o cenário mundial e a determinar as decisões políticas e sociais que vão interferir diretamente na vida das pessoas e para além dos seus direitos, o que torna importante a necessidade de controles constitucionais que possam frear os ímpetos de quem detém tais poderes e que assim o faça de forma legítima fazendo uso dos dispositivos legais presentes no ordenamento jurídico.

 

           O Liberalismo Econômico lança suas bases no processo de auto-regulação do mercado, o que por se só já aponta para, uma tendência ao distanciamento da normativa do sistema jurídico. O Capitalismo caracterizou-se, ao longo de sua história, por uma ordem autônoma que rejeita os institutos normativos voltados aos freios às lógicas exploratórias deste modo de produção hegemônico no mundo.

 

           O Mercado passou a ser palco, onde se observa práticas monopolistas características do abuso do poder econômico, o que torna como necessidade premente uma ordem jurídica que contemple regras específicas das relações econômicas em um processo de “Constitucionalização da Economia”, tema que pretendo debater em uma próxima oportunidade.