Observa-se, não raras vezes, que a pessoa natural se ausenta do lar, com ou sem premeditação, sem deixar notícias ou indícios sobre o seu paradeiro. Os demais membros da entidade familiar, que permanecem, de outro lado, necessitam sequenciar os atos da vida civil, a exemplo da gestão patrimonial, e até exercício individual do poder familiar sobre crianças e adolescentes. Note-se, outrossim, que o Legislador criou mecanismos, para formalizar a situação, e possibilitar a continuidade negocial dos atos civis dos demais membros da entidade familiar que permaneceram. Evitou, com isso, que a situação de ausência se prolongasse indefinidamente, sem solução de continuidade.

A legislação civilista leciona que uma das formas de notabilizar civilmente o fim da pessoa natural é a morte presumida, antecipada ou não de declaração de ausência. Este evento será justificado, quando houver indícios ou vestígios suficientes da morte do ausente, provando que esse se fazia presente num contexto de naufrágio, inundação, incêndio, terremoto ou qualquer outra catástrofe, e não foi possível encontrar o seu cadáver para exame. (art. 88, parágrafo único da Lei 6.015-73).1

Acresça-se as hipóteses de morte justificada, as circunstâncias quando o ausente se encontrava em perigo de vida e era extremamente provável a sua morte; ou estando em conflito bélico, e terminado este, não regressou nos últimos dois anos. (art. 7º, I, II, do CC de 2002).2 Se o ausente possuía 80 (oitenta) anos, e as últimas notícias a seu respeito remontam mais de 05 (cinco) anos. (art. 38, do CC de 2002).3

A morte presumida antecedida de uma ação de declaração de ausência dar-se-á por meio de um procedimento, com fases ou etapas bem definidas, que são: curadoria dos ausentes, sucessão provisória e sucessão definitiva. Referidas fases, ao final, somam-se entre si, 21 (vinte e um) anos de duração, salvo os casos de regresso do ausente; comprovação antecipada de sua morte; ou quando esse possuindo mais de 80 (oitenta) anos, as últimas notícias acerca da sua pessoa remontam mais de 05 (cinco) anos.

Inexistindo o retorno do ausente, bem assim a sua morte antecipada, ou não se tratando de situação de pessoa que possuía mais de 80 anos, cujas notícias derradeiras remontavam mais de 05 (cinco) anos, o magistrado declarará, por sentença, após 21 (vinte) anos, a morte presumida deste, a fim de que os seus sucessores possam sequenciar os interesses da família, ou representar a pessoa desaparecida nos atos da vida civil. Ressalte-se, que caso o cônjuge do ausente, que ficou para trás, não queira esperar por tanto tempo, no tocante às suas necessidades afetivas, poderá, a qualquer tempo, requerer o divórcio direto, com a citação editalícia do ausente.

Adentrando o contexto das fases do procedimento de ausência, impende realçar que, na primeira fase, intitulada curadoria dos ausentes, será nomeado curador, com o propósito de fazer a arrecadação e conservação dos bens deixados pelo ausente. (art. 744, do CPC de 2015).4 O juiz fixará os poderes e obrigações dessa curadoria, adotando, no que for aplicável, as disposições previstas para os tutores e curadores. (art. 24, do CC de 2002).5

Dentre as pessoas que poderão ser nomeadas ao encargo de
curador do ausente, deve-se, inicialmente, nomear o cônjuge que não estiver separado judicialmente, ou de fato do ausente, por mais de dois anos, antes da declaração da ausência. (art. 25, do CC).6 Inexistindo cônjuge, serão chamados, pela ordem, os genitores ou descendentes do ausente, que não possuírem impedimentos para o exercício do cargo. (art. 25, § 1º, do CC).7 Note-se, nesta seara, que entre os descendentes, os mais próximos excluem os mais remotos. (art. 25, § 2º, do CC).8 Não afigurando ascendentes ou descendentes, a nomeação do curador dar-se-á pela escolha do Juiz. (art. § 3º, do CC).9

Procedida a arrecadação dos bens do ausente, em seguida, publica-se editais, na rede mundial de computadores, no sítio do Tribunal a que estiver vinculado, e na plataforma de editais do CNJ, de 02 (dois) em 02 (dois) meses, durante 01 (um) ano, anunciando a arrecadação e chamando o ausente para entrar na posse de seus bens. (art. 745, do CPC de 2015).10 Arrecadados os bens, e inexistindo posse nesses, através dos herdeiros, após 01 (um) ano dessa arrecadação, ou 03 (três) anos, quando o ausente deixou procurador, os interessados poderão requerer a declaração da ausência, por meio de decisão judicial. (art. 26, do CC).11

Após o encerramento da curadoria dos ausentes, que se dará em 01 (um) ano de sua abertura, os interessados poderão requerer a abertura da sucessão provisória. Inexistindo requerimentos, nesse sentido, o Ministério Público poderá fazê-lo. Note-se, entretanto, que a sentença que abre a sucessão provisória só transitará em julgado, após cento e oitenta (180) dias (art. 28, § 1º, do CC).12 Este lapso temporal de publicação tem o propósito de comover o ausente a regressar, diante da gravidade dos fatos, que serão tomados na sequência dos autos, tal seja: a partilha dos bens deixados por sua pessoa.

Esclareça-se que, por ocasião do pleito de abertura da sucessão provisória, o interessado deverá pleitear a citação pessoal dos herdeiros presentes e do curador. Solicitará, também, por sua vez, a citação por edital dos ausentes, todos, para requerem suas habilitações, na forma legal. (art. 745, § 2º, do CPC de 2015).13

Observe-se, que depois de transitada em julgado, a sentença que abriu a sucessão provisória, caso não compareça herdeiro ou interessado, até 30 (trinta) dias do trânsito em julgado da referida decisão, deve-se adotar os procedimentos previstos para herança jacente e sua conversão posterior em vacante. (art. 28, § 2º, do CC).14 Se no prazo dos 10 (dez) anos da sucessão provisória, o ausente não regressar, e nenhum interessado requerer, dentro do aludido prazo, a conversão da sucessão provisória em definitiva, o acervo patrimonial dessa sucessão será convertido em favor do Município, Distrito Federal ou União, de acordo com as suas respectivas localizações. (art. 39, parágrafo único, do CC).15

Impende ressaltar que as três fases da declaração de ausência
possuem caráter resolutório. Fato que impõe esclarecer, que no curso
dessas, havendo comprovação da morte do ausente, o procedimento de conversão em sucessão definitiva poderá ser requerido. (art. 745, § 3º, do CPC de 2015).16 Some-se a esta hipótese, a circunstância do ausente possuir mais de 80 (oitenta) anos, e as últimas notícias obtidas a seu respeito remontarem mais de 05 (cinco) anos. (art. 38, do CC).17

Saliente-se ainda, nesta seara de caráter resolutório do processo declaratório de ausência, que na fase curadoria dos ausentes, poderá haver suspensão ou interrupção da aludida etapa, durante o prazo de 03 anos, pelo comparecimento de qualquer representante legal, ou procurador do ausente. (art. 740, § 6º, do CC).18 Note-se, todavia, que os sucessores provisórios ou definitivos, assim como o Mi-nistério Público e o representante da Fazenda Pública deverão ser citados para contestar, caso existam pleitos formulados pelo ausente que regressou, ou algum de seus descendentes ou ascendentes, requerendo ao juiz a entrega de bens. (art. 745, § 4º, do CPC de 2015).19

A partir dessa perspectiva de caráter resolutório do procedimento de ausência, impende realçar algumas circunstâncias que poderão ocorrer, com o retorno do ausente. Saliente-se, pois, que regressando o ausente, nas fases da curadoria ou sucessão provisória, ele poderá ser beneficiado com o ressarcimento de lucros, rendimentos, benfeitorias e frutos dos seus bens, amealhados pelos herdeiros provisórios. Pondere-se, noutra parte, que regressando o ausente, na fase da sucessão definitiva, ele receberá os bens no estado em que se encontram. (art. 39, do CC).20 Cabe anotar, não obstante, que o ausente só fará jus aos referidos bens, quando restar provada que a sua ausência não foi espontânea ou premeditada. (art. 33, parágrafo único, do CC).21 Consigne, enfim, que regressando o ausente, após a fase de sucessão definitiva, os seus direitos estarão exauridos.

Aberta a sucessão provisória, dá-se início à partilha dos bens. Os herdeiros necessários serão imitidos na posse dos bens que lhes couberem, independentemente de caução. (art. 30, § 2º, do CC).22 Os demais sucessores, a exemplo dos colaterais, entretanto, deverão prestar caução, a fim de poderem ser imitidos na posse. (art. 30, do CC).23 Grife-se que os herdeiros facultativos, que possuam bens na sucessão provisória, mas que não tenham caução para prestar sobre esses, serão excluídos, passando os referidos bens para a gestão do curador, ou do herdeiro indicado pelo juiz, que possa prestar essa garantia. (art. 30, § 1º, do CC).24

Registre-se, nesta vertente dos frutos e rendimentos, oriundos dos bens partilhados durante a sucessão provisória, que os herdeiros facultativos, que forem excluídos por falta de garantia, poderão requerer, justificando a falta de meios para subsistência, que lhes sejam repassados 50% (cinquenta por cento) dos rendimentos do possível quinhão que lhes tocariam. (art. 34, do CC).25


No tocante ainda aos frutos e benfeitorias, gerados pelos bens deixados pelo ausente, os herdeiros necessários poderão usufruí-los em relação à parte da herança que lhe tocaria, na condição de sucessores provisórios, sem a exigência de qualquer garantia. Tratando-se, de outro lado, dos demais sucessores, a exemplo dos herdeiros colaterais, esses deverão capitalizar 50% (cinquenta por cento), dos referidos frutos e rendimentos, e prestar contas anualmente ao juiz competente. (art. 33, do CC).26 Grife-se, que caso a ausência tenha se dado de forma espontânea e premeditada, e havendo regresso do ausente, mesmo nas fases de curadoria ou sucessão provisória, referido ausente não fará jus a esses rendimentos e benfeitorias, perdendo-os em favor dos demais sucessores. (art. 33, parágrafo único, do CC).27

Impende anotar que os sucessores que entrarem na posse dos bens, benfeitorias ou rendimentos do ausente, durante a sucessão provisória, deverão, por conseqüência, representar o referido ausente nas ações postuladas contra a sua pessoa, além daquelas que se fizerem necessárias, na defesa desse patrimônio. (art. 32, do CC).28

Acentue-se, que poderá o magistrado, com o propósito de evitar perecimento ou extravio dos bens móveis, deixados pelo ausente, determinar a conversão destes em imóveis ou em título garantidos pela União. (art. 29, do CC).29 O referido juiz poderá, também, autorizar a alienação judicial desses, para evitar a ruína, aplicando o valor arrecadado em depósito bancário remunerado. Ressalte-se, que tais bens, nestas condições, jamais poderão ser desapropriados. (art. 31, do CC).30

Cabe registrar, enfim, que superados os 10 (dez) anos da sucessão provisória, e uma vez homologada judicialmente esta fase, os interessados poderão requerer a abertura da sucessão definitiva do ausente. O trâmite dessa etapa dar-se-á por mais 10 (dez) anos, caso inexista o implemento de qualquer condição resolutória. (art. 37, do CC).31 Saliente-se, por derradeiro, que inexistindo qualquer evento, durante as fases do procedimento de declaração de ausência, que justifique dar implemento a uma condição resolutória, após 21 (vinte e um) anos, a sentença final declarará a morte presumida.

O instituto da ausência evita situações, que se prolongam no tempo, sem solução de continuidade. Cite-se, a título de ilustração, pessoas que, subitamente, desaparecem, deixando patrimônio, obrigações, compromissos e família para trás. Com o reconhecimento da ausência, de forma judicial, o sequenciamento da vida familiar, e substituição por meio de representantes legais, permitirá que atos e questões sejam solucionadas, dando normalidade ao curso existencial das pessoas e negócios jurídicos, que algum modo, estavam vinculados ao ausente.

 

ZILMAR WOLNEY AIRES FILHO
- Advogado e Professor Universitário, Especialista-
em processo civil e Mestre em Direito.