O Estatuto da Criança e do Adolescente e o Novo Código Civil à luz da Constituição Federal

 

ECA x Novo Código Civil

São extensas as perplexidades e controvérsias que a Lei 10.406, de 10.01.2002 (Código Civil) tem gerado. Entre elas suas conseqüências na Lei 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente-ECA). O novo Código Civil, ao entrar em vigor, terá revogado os dispositivos do Estatuto da criança e do Adolescente ou a Lei 8.069/90, por ser lei especial, haverá de prevalecer sobre o novo Código Civil? Há conflito entre a s normas sobre infância e juventude existentes no Novo Código civil e ao Estatuto da Criança e do Adolescente?

A elaboração do ECA decorreu do imperativo de pormenorizar o sistema especial de proteção dos direitos fundamentais de crianças e adolescente, outorgado a estes cidadãos especiais pela constituição de 1988 em razão das peculiaridades da personalidade do infanto-juvenil. Daí a personalidade deste diploma legal em relação a leis que tratam de numerosas outras matérias.

Assim é que, verbi gratia, ao referir-se a uma das situações que demandariam a colocação em uma família substituta de criança ou adolescente, o Código Civil em seu art. 1.584, § único, remeteu expressamente ao disposto na lei especifica; ao fazê-lo, reconheceu explicitamente a preexistência da lei especial.

Ao editar o ECA o legislador necessariamente teve de atualizar diversos dos anacronismos constantes do velho Código Civil de 1916, fosse para adequá-los ao novo paradigma inaugurado pela CF no tratamento do Direito das Crianças e Adolescentes, fosse para atualizar a legislação civil às demandas da sociedade, em diversos pontos do chamado Direito de Família, à luz da nova ordem constitucional, pontos estes que não guardam relação tão imediata com os especiais interesses de criança e adolescentes.

O Novo código Civil além de manter a dualidade de leis, adotou uma concepção de ambigüidade entre antagônicos paradigmas (da situação irregular de um lado, da proteção integral, de outro), o primeiro deles com o qual a CF rompeu profunda e completamente.

Atentos à complexidade do problema posto pelo imperativo de interpretação conjunta e sistêmica dos dois diplomas legais, decorrência da centralidade da importância axiológica da coerência valorativa do Ordenamento Jurídico no Estado Democrático de Direito contemporâneo, buscar aqui identificar os critérios de solução da questão inicialmente posta.

Importa considerar a particular natureza da especialidade do ECA em relação à Lei Civil, que leva, uma medida muito vasta, a que seus dispositivos sejam especiais em relação ao Novo Código Civil: e, por isso, não sujeitos aos critérios de revogação temporal das leis.

A Constituição Federal instituiu um sistema especial de proteção aos direitos fundamentais de criança e adolescentes, que tem como características básicas: conferir um gama maior de direitos fundamentais a crianças e adolescente, contemplando direitos fundamentais exclusivos desses sujeitos especiais; conformar estruturalmente os direitos fundamentais desses cidadãos especiais de modo a gerarem obrigações eminentemente comissivas aos obrigados; quais sejam os adultos, representados no trinômio Família- Sociedade- Estado, referido no caput do art. 227 da CF, a eles impondo o dever de asseguramento prioritário de todos os direitos fundamentais de crianças e adolescentes.

Daí porque, na essência, a possibilidade de desenvolver as potencialidades do ser humano adulto é pré-requisito da própria noção jurídica de personalidade, como tradicionalmente no direito vinha sendo concebida.

A positivação desses direitos fundamentais exclusivos no êxito constitucional, todos contidos estritamente na conceituação clássica de direitos da personalidade, que é uma das características distintivas básicas do sistema de proteção especial dos direitos fundamentais de criança e adolescentes, obriga reconhecer que a CF, ao reiterar a distinção entre a pessoa adulta e a pessoa infanto-juvenil, que já era feita pelo sistema do direito privado, maioridade e menoridade, que viabilizar a efetiva proteção integral da criança e do adolescente, a fim de que possam exercer os direitos plenos da cidadania, inerentes à sua qualidade de sujeito de direito.

Merece também exame o ponto tocante às balizas que o direito fundamental à convivência familiar impõe para a lei ordinária e para a interpretação dela. É que a estrutura ditada pela CF, já e bem pormenorizada no Estatuto da Criança e do Adolescente, particularmente quanto a este direito exclusivo de crianças e adolescentes é a chave de solução para diversos conflitos específicos entre os dispositivos do Novo Código Civil e do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Hoje a família não decorre somente do casamento civil e nem é concebida exclusivamente como união duradoura entre homem e mulher. Por força do disposto na CF em seu art. 226, § 4º; a família é concebida, na sua noção mínima, como a "comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes", abrangendo também, as outras formas de entidade familiar como aquela decorrente do casamento civil, do casamento religioso e da união estável entre homem e amulher, nos termos do art. 226 da CF.

A discricionariedade do interprete ficou expressivamente reduzida, porque a Lei já realizou boa parte das opções valorativas à respeito da matéria a ser decidida.

O ECA no seu art.2º, § único foi parcialmente derrogado pelo Novo Código Civil. Isto em face da fixação da maioridade civil no patamar de 18 anos regra a qual o Estado deve se ajustar, já que a maioridade civil aos 18 anos é harmônica com o sistema CF/ECA.

O instituto da adoção no ECA vem tratado dentro de um subsistema maior,que antes de mais nada, como regra prioritária, inicia pormenorizando o direito fundamental de convivência familiar e portanto,priorizado a manutenção da criança na guarda dos pais biológicos.

Dá-se que a rela vantagem de que trata o Estatuto veio por ele bem pormenorizada no subsistema que é próprio dessa lei, porque a ela se ligam outras regras, ao passo que efetivo benefício do Código Civil é muito genérico, porque vem isolado na lei civil.

Com a adoção se dará, de maneira irrevogável, a própria extinção do vinculo de parentesco entre a criança e seus pais biológicos.

Com a isso, manter-se-ia integro o sistema da adoção de criança e adolescente regulado pelo ECA, ao mesmo tempo em que estaria dentro do sistema do Código Civil, tanto o regulamento do parentesco, quanto o regime jurídico da adoção de adulto, como convém à lei civil geral.

Com efeito, ao dispor que os filhos menores são postos em tutela em caso de os pais decaírem do poder familiar, a nova lei civil deixou claro que não basta ao deferimento da tutela a simples suspensão do poder familiar, com que se contentava o ECA.

O dispositivo do ECA em questão concede ao magistrado a possibilidade de conferir ao guardião a representação do incapaz, para a pratica de atos determinados.

A regra vem, pois, estritamente ligada a esse primado de urgência, derivado do sistema constitucional de proteção especial de crianças e adolescentes. No dia-a-dia da vida da criança e do adolescente tal providencia é de importância ímpar, posto que permite resolver com urgência imprescindível, questões praticas de relevo relacionadas ao manejo de pequenos valores, seja em situações em que ainda não se pôde nomear o tutor pela demora inerente aos tramites processuais, seja naqueles em que nem se cogita de nomeação do tutor, dando acesso efetivo à justiça a uma parcela imensa de nossa população menos favorecida.

Referencias Bibliográficas

 BARBOZA, Heloísa Helena.  O Estatuto da Criança e do Adolescente e a disciplina da Filiação no Código Civil, in "O Melhor Interesse da Criança: um debate Interdisciplinar", coord. Tânia da Silva Pereira. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. 

 GRISARD FILHO, Waldyr. A Adoção depois do Novo Código Civil, RT 816/26. 

 LIBERATI, Wilson Donizeti. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. 8ª ed. ver. e amp., São Paulo: Malheiros Editores, 2004. 

 NERY JUNIOR, Nelson e Machado, Martha de Toledo. O Estatuto da Criança e do Adolescente e o Novo Código Civilà Luz da Constituição Federal: princípio da especialidade e direito intertemporal, Revista de Direito Privado.