Maria Cecília da Ruí
RESUMO:
O artigo analisa as questões políticas do Estado Reformador e a conseqüente transformação social, representada pela sociedade civil, movimentos sociais e em especial o terceiro setor. Na primeira parte busca-se entender o papel do Estado frente ao Reformismo, enquanto sujeito da reforma e a sociedade o objeto. Muito embora no decorrer do texto observa-se que o próprio Estado emerge em crise onde ele se institui objeto e perante quem será a reforma? Num segundo momento, questiona-se diante das regulações e ditames políticos e sociais a grande questão: "quem controla quem"? Busca-se compreender o Terceiro Setor e a emergência política da sociedade diante da função jurisdicional do Estado. Os desafios para se aprimorar de um lado a política pública de outro as alternativas o Terceiro Setor.
Palavras- chave: Democracia, Terceiro Setor, Reforma do Estado.

INTRODUÇÃO
As questões de cunho social que assolam o aperfeiçoamento do Estado, frente às políticas capazes de promover de forma eficaz os anseios da sociedade, têm merecido destaque no contexto histórico e atual.
De um lado temos o papel do Estado, regulador das políticas públicas, promovendo e assegurando as garantias sociais. De outro destaca-se a sociedade, que emerge na luta em minimizar as desigualdades sociais.
A temática deste contexto, busca elucidar os papéis que cada setor representa e sua legitimação de poder e exercício de cidadania.
Para bem desenvolver o tema, faz-se necessário, preliminarmente, que se delimite o conceito de Terceiro Setor, e que se faça uma breve análise histórica, para situar na atualidade esse fenômeno de emergência da sociedade civil organizada.

BREVE ABORDAGEM SOBRE TERCEIRO SETOR

Sabemos que a ação humana em torno de causas sociais não é fenômeno mundial recente e remonta a períodos anteriores até mesmo antes ao nascimento de Cristo. A existência de registros que a atividade voluntária organizada já existia na antiga China e teria sido institucionalizada sob a influência do Budismo no Século VIII. Tomou animo no inicio da Reforma Protestante do Século XVI, retirando das mãos exclusivas das igrejas e das autoridades eclesiásticas a tradição do dever de ajudar o próximo.
A configuração de uma sociedade industrial capitalista, a partir da Revolução Industrial, abriu, por um lado, caminho para a desigualdade e, por outro espaço para a organização autônoma e reinvidicatória de trabalhadores como estratégia de reação, luta e defesa de direitos.
Essa assimilação do estilo de vida característico deste período se viu desarticulado pela Revolução Industrial. Surgem a partir de então mudanças aos estilos de vida no campo e em áreas urbanas, agravando as condições gerais de vida do povo ao concentrar famílias em áreas insalubres.
Neste momento, faz-se necessário verificarmos o período político em que a ordem está polarizada entre o Estado e o mercado.
Neste cenário, encontramos no texto do sociólogo português Boaventura Sousa Santos (2006) os princípios de regulação na modernidade que compreendem três pilares: o princípio do Estado, o princípio do mercado e o princípio da comunidade. Possuindo os dois primeiros (Estado e Mercado) uma franca hegemonia. Desencadeando desta forma, o papel do Estado, uma mudança social reformista nas estratégias fundamentais de acumulação, hegemonia e confiança.
Por meio das estratégicas de acumulação, o Estado garantiu a estabilidade da produção capitalista. Da hegemonia, a garantia, a lealdade das diferentes classes sociais e a gestão estatal das oportunidades e dos ricos. E na base da confiança, a estabilidade das expectativas dos cidadãos ameaçados pelos riscos decorrentes da acumulação capitalista.
Neste cenário o surgimento do terceiro setor renasce no século XIX, como uma alternativa ao capitalismo. Somente a partir da década de setenta ele reemerge, como uma nova ordem social. Deste modo destacando-se perante a hegemonia do Estado e do mercado.
A concepção e autonomia associativa, conforme Boaventura Sousa Santos (2006), é matricial neste movimento. Sendo ela organizadora e articuladora de todos os vetores normativos. Demonstrando-se através de ajuda mútua, cooperação, solidariedade, confiança e educação como formas alternativas de produção e consumo.
Essas mudanças demandaram medidas de reorganização do aparelho do Estado, seja para enfrentar os conflitos e incorporar novos requerimentos. O que justifica-se para o período, onde as constantes reformas passam a ocorrer. Dá-se então, no político-econômico, o ressurgimento da ideologia liberal, sob redefinições de uma série de funções do Estado, uma vez que a crise no interior do capital determinava outra: a do financiamento dos serviços e das políticas públicas.
Provenientes destas crises de financiamento do Estado, desenvolveram-se organizações não-governamentais. Com a redução da atividade econômica na produção e no consumo e respectivos efeitos no volume do emprego ocasionado pela mudança da base tecnológica mecânica para automática. Os estados nacionais passaram a ter uma série de dificuldades. O terceiro setor, assim, rapidamente passou a crescer na economia, assumindo funções públicas e gerando ocupação sob a forma de trabalho voluntário.
Na década de 90, com a expansão das ONGs, com forte contribuição para o fortalecimento da sociedade civil, surge a figura de um importante ator social. Uma definição do papel de atuação das ONGs está muito bem abordada nas ações desencadeadas por esta, conforme exercido por estas organizações, conforme explanação de Ruscheinsky (1999, pág.235)
(...) retêm ambigüidades inerentes ao assimilar estas novas atribuições, pois, na medida em que se acentua a crise do Estado-providência ou do Bem-Estar Social, tendem a substituir as prerrogativas coletivamente conferidas a estes, como estaria mostrando o perfil em crescimento entre as entidades em nível internacional.

A forma de atuação destas novas formas associativas ocorre num momento coincidente, embora diferenciando-se daquela operada pelo discurso neoliberal. Após apontar as contradições e limites entre a democracia sob o ponto de vista liberal e a perspectiva vinculada pelas ONGs, voltando-nos a outras temáticas e às críticas formuladas, cabe lançar um olhar para a cooperação internacional que, aliás, é um caso à parte.
O APRIMORAMENTO DO TERCEIRO SETOR FRENTE ÀS POLÍTICAS E REFORMAS DO ESTADO
Num cenário em que todos alegam restrições financeiras, o Estado passa a mínimo. Emergem, então, novidades organizacionais aliadas a concepções renovadas para promoção do desenvolvimento social, pautadas na união de esforços, com destaque para a responsabilidade social corporativa e para o terceiro setor. É o ressurgimento renovado das organizações sociais provenientes agora da crise dos anos 1970 e da conseqüente reforma do Estado.
A crise e a simultânea reforma do Estado ocasionaram as diversas mudanças: -nas empresas a automação, de forma a reestruturar os meios de produção; - na gestão pública as privatizações de empresas estatais; - no campo social, medidas adotadas pelo Governo em termos de instituição a exemplo da criação da Lei das OSCIPs e do Trabalho Voluntário .
Reportamo-nos neste momento, ao princípio da comunidade, o terceiro pilar da regulação social na modernidade, apontado por Boaventura Sousa Santos (2006) que analisa a obrigação política horizontal cidadão a cidadão. O Terceiro Setor, portanto, vem ocupar o espaço criado com a crise do Estado no seu papel de promover intermediações não mercantis entre cidadãos, através da política fiscal e das políticas sociais.
Ainda de acordo com Boaventura Sousa Santos (2006, pág.356), o terceiro setor ressurge como expectativa aos anseios sociais:
(...) para atuar como amortecedor das tensões produzidas pelos conflitos políticos decorrentes do ataque neoliberal as conquistas políticas dos setores progressistas e populares obtidas no período anterior.
No exercício de um papel compensatório, onde não estaria gestando e sim amortecendo o princípio da cultura política horizontal. No molde de tornar a ação útil e eficaz a sociedade, de forma mais participativa e solidária.
Importante ressaltar que a institucionalização legal das organizações não governamentais, é um impulso ao exercício da democracia. O que se demonstra é a importância no cenário social, muito além dos objetivos individuais ou de grupos, mas a forma eficiente e a originalidade de atuação.
Na realidade, estas demandas não eram novas porque as carências de bens e serviços sempre existiram. O novo foi a forma e o modo de equacionar e de encaminhar as demandas. Criou-se a figura do comunitário, figura híbrida, pois não é nem público nem privado. Trata-se de um público-privado não estatal. A novidade está na redefinição da idéia de comunidade não como um lócus geográfico espacial, mas como uma categoria da realidade social, de intervenção social nesta realidade. (GOHN, 1994 pág. 07)

Esta citação de Gohn, de acordo com o contexto histórico, vem ao encontro de que estas organizações não desenvolveram novos valores. O que existe é a redefinição, com formas e alternativas eficientes para se atingir os resultados.
O espaço encontrado pelas organizações não governamentais tem sido baseado na proposta de minorar as carências sociais não suportadas pelo Estado. Fundamentadas na invocação do direito, no exercício da cidadania e dos direitos fundamentais garantidos Constitucionalmente. Importante aspecto na caracterização e funcionamento das ONGs, o de não assumir o papel efetivo do Estado, mas propiciar e resgatar da esfera pública o fortalecimento da cidadania.
A sociedade civil no exercício da democracia, quando encontra apoio e alternativa nas organizações não-governamentais, muitas vezes deixa de abstrair-se para melhor entender a diversidade de interesses que permeiam este setor. A disputa pela legitimidade de poder fica evidente em determinadas ações para ocupação de espaços. É necessário tornar legítima a representatividade, dentro de uma lógica democrática, fundada em garantias aos membros envolvidos.
É necessário, pois, (re)pensar a representatividade destas instituições, de que forma a atuação dos cidadãos tem se manifestado nestes espaços. E mais importante do que isso, quais as alternativas para se melhorar esta forma de participação de maneira eficaz nas ações.
A questão aqui levantada, não está associada a uma conotação negativa, mas um alerta aos custos e aos benefícios desta via alternativa. Sendo tarefa primordial o controle público, fundamental no processo de regular as ações, até mesmo para desmitificar um monopolismo estatal das ações públicas. E, de outro lado a exigência de respostas criativas e emergenciais, aos problemas, representados pelos atores sociais.
Neste ponto situa-se a atuação das ONGs, com o desafio no mercado globalizado na gama de diversidades de interesses, sociais, políticos e econômicos, propiciar o exercício pleno da democracia.
REFERÊNCIAS
SOUZA, José. Washington. Fascículo de Responsabilidade Social. Cuiabá: UFMT, 2008. Disponível em: <www.nead.ufmt.br>. Acesso em: 10 set. 2008.
BRESSER-PEREIRA, L. C; GRAU, N. C. Entre o Estado e o Mercado: o Público Não-
Estatal. In: Bresser-Pereira, L. C. e Nuria Cunill Grau (orgs). O Público Não-Estatal na
Reforma do Estado. Rio de Janeiro: FGV, 1999.
GOHN, Maria da Glória. História dos movimentos e lutas sociais: a construção da cidadania dos brasileiros, São Paulo: Loyola, 1994.
SANTOS, B.S. A gramática do tempo para uma nova cultura política. SP: Cortez, 2006.
RUSCHEINSKY, Aloísio. Metamorfoses da Cidadania. Sujeitos sociais, cultura política institucionalidade. Editora Unisinos, 1999.
http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/L9608.htm acesso em 03.01.2009.
http://www.planalto.gov.br/Ccivil_03/Leis/L9790.htm acesso em 03.01.2009.
http://www.gestaosocial.org.br acesso em 03.01.2009.