Crônica

 

O ESTADO NO BANCO DOS RÉUS

Edevaldo Leal

 

                                      Os  olhos do mundo se voltaram ontem para Marabá, no Pará. Não é de hoje que a Amazônia desperta o interesse estrangeiro. Rica em madeira nobre, próspera em plantas medicinais, a floresta  amazônica  abriga em seu subsolo as maiores jazidas de ferro, manganês e ouro do planeta. Desta vez – e por pouco – estamos livres da cobiça estrangeira. Mas, ao olhar do  mundo, junta-se o olhar de espanto do nativo a cada vez que um tribunal do júri se reúne para julgar o algoz de quem ousa defender a floresta. Mesmo por aqui, os músculos da indignação se distendem no lamento de quem não aceita que a vida tenha  pouco ou nenhum  valor.

                              Matar, essa palavra que deveria ser quase  impronunciável, matar ativistas ambientais no Brasil e especialmente na Amazônia, só não assusta quem poderia intervir para apagar, do mapa da impunidade ,essa mancha de sangue que cresce sem controle. Só o Estado não se assusta com o sangue e as lágrimas que escorrem   da floresta e se  misturam à lama dos caminhos, ondem tombam as vítimas da morte anunciada. E vamos vivendo de lembranças assim:  Chico Mendes, assassinado no Acre, em 22 de dezembro de 1988. Motivo? Defender a floresta. Irmã Dorothy Stang,  assassinada no Pará, em 12 de fevereiro de 2005. Motivo? Defender a floresta. José Cláudio Ribeiro e Maria do Espírito Santo, marido e mulher, assassinados no Pará, em 24 de maio de 2011. Motivo? Defender a floresta . Todos assassinados a tiros, emboscados na mata. A lista não está completa. Citei apenas os que, pela repercussão internacional de suas mortes, me pareceram os mais famosos.

                                 Não sei quantos hão de concordar comigo, porém no banco dos réus, ontem, em Marabá, não sentaram apenas os três matadores de José Cláudio Ribeiro e Maria do Espírito Santo.

                                Ontem, como em outros julgamentos semelhantes, sentou-se no banco dos réus o ilustre  e intocável personagem escondido por trás dos assassinos: o Estado. Quem ainda tem dúvida de que a política agrária no Brasil estimula a prática desses crimes? Incapaz  de responder  “ por que defensores da floresta morrem assassinados no Brasil” , não por desconhecer a resposta, mas por resistência em submeter-se ao julgamento da opinião pública, o Estado cala. E consente.

                                 A omissão do Estado sustenta a mão do matador que puxa o gatilho.

                                Coautor, o Brasil vem matando, não de hoje, os defensores da flora.

               Coautor, o Brasil vem matando, não de hoje, a sua floresta.

                                Coautor, o Brasil  vem matando...

                               José Cláudio Ribeiro e Maria do Espírito Santo denunciavam os crimes   contra a floresta praticados por madeireiros e carvoeiros, no assentamento onde moravam e trabalhavam, Praia Alta Piranheira , em Nova Ipixuna, no sudeste do Pará. Durante  palestra , José Cláudio disse: “ eu vivo com a bala na cabeça”, referência a sua morte anunciada há tempo, segundo ele, “pelos empresários da madeira”. As sete serrarias clandestinas que operavam no assentamento e as carvoarias, também ilegais, não escaparam das denúncias do casal. E, apesar de destruída mais da metade da cobertura vegetal do assentamento, nem sequer um inquérito policial foi instaurado por prática de crime ambiental, antes da morte dos extrativistas. E nada se fez para impedir o assassinato de José Cláudio e de sua mulher.

                               O que restou da floresta de Praia Alta Piranheira continua lá, não por muito tempo . Amparados por regalias concedidas pelo Estado, os autores do duplo homicídio logo sairão da cadeia. Os tiros que  calaram José Cláudio e Maria do Espírito  atingiram o coração da Amazônia. E ainda ecoam na floresta.

05 de abril de 2013.