O ESTADO MODERNO COMO PROCESSO HISTÓRICO

A formação do Estado na concepção dialética de Hegel 

ELINE LUQUE TEIXEIRA[1]

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Sumário:Introdução; 1. A dialética hegeliana; 2. A concepção de Estado em Hegel: o fim do jusnaturalismo; Conclusão; Referências Bibliográficas.

Resumo:Este artigo pretende analisar a formação do Estado moderno na perspectiva dialética da filosofia do direito de Hegel, em contraposição ao pensamento dominante na filosofia alemã à sua época, ou seja, o moralismo e o individualismo kantiano.

Palavras-chave:Filosofia do Direito Moderna; Dialética Hegeliana; Estado.

Introdução

Friedrich Hegel foi um filósofo alemão e vivei na época das revoluções europeias (1770-1831). Nesse período, predominava na filosofia alemã os ideais iluministas, defendidos principalmente por Immanuel Kant. O pensamento hegeliano é voltado para o problema filosófico da transformação. Muito diverso da filosofia vigente à sua época, como a de Kant, à medida que para este – imbuído dos propósitos iluministas e racionalistas de busca de orientações universais e eternas – as questões filosóficas a serem trabalhadas eram sempre compreendidas em termos de estruturas que se assentavam de maneira necessária e não histórica. Para Hegel, é importante compreender o porquê e a forma das mudanças, pois é na mudança que se pauta o mundo.[2]

É nesse contexto que este artigo pretende analisar o fenômeno do Estado moderno, ou seja, a constituição do Estado como um processo de contradições do tempo histórico.

Para tanto, é necessário compreender o principal fundamento da filosofia hegeliana: a dialética.

1. A dialética hegeliana

A transformação e a mudança constituem grande parte da filosofia hegeliana. O modo dessa transformação e o sentido da própria história constitui o que conhecemos por processo dialético. Mascaro explica a dialética hegeliana:

Para Hegel, a dialética não é, como era antes dele, um procedimento adotado pelo intelecto humano como forma de desvendar um conflito que estava aparente em dois conceitos opostos. Isso está presente na tradição filosófica platônica, aristotélica, tomista, da qual até Kant tomou proveito, e essa tradição da dialética baseia-se na compreensão dos aparentes opostos, que se resolvem por meio de uma mediação entre tais. Em geral, para essa tradição, a dialética é muito mais um processo de argumentação, de compreensão de argumentos, resolvendo-os e descobrindo suas oposições. [...]

A grande inovação do pensamento hegeliano, no que tange à dialética, reside justamente no fato de que o conflito entre tese e antítese, entre os opostos, é um conflito real. É real, é de se lembrar, tanto no plano de sua efetividade quanto no de sua racionalidade, pois o real e o racional se confundem. Portanto, já conflito na própria realidade. A síntese é a superação desses conflitos. [...] A dialética representa a troca de patamares.

Em síntese, o processo dialético compreende o momento da afirmação, o momento da negação e o momento posterior de afirmação racional positiva, a superação. Tese, antítese e síntese são as três fases desse movimento.

A dialética, então, pode ser compreendida como o processo de entendimento do mundo, bem como de sua transformação, historicamente, por meio da racionalidade. A dialética hegeliana inaugura, em contraposição à imutabilidade da filosofia do direito moderna, a história.

2. A concepção de Estado em Hegel: o fim do jusnaturalismo

O jusnaturalismo moderno atinge seu ápice em Hegel, mas também alcança seu fim definitivo. De acordo com Bovero Bobbio:

A ideia do Estado-razão chega até Hegel, que define o Estado como “racional em si e para si”. Mas Hegel é também o crítico mais impiedoso do jusnaturalismo: a razão de que ele fala quando, desde o início da Filosofia do Direito, anuncia querer compreender o Estado como uma coisa racional em si e não tem nada a ver com a razão dos jusnaturalistas, os quais se deixaram seduzir mais pela ideia de delinear o Estado tal como deveria ser do que pela tarefa de compreendê-lo como é. [...] Com Hegel, o modelo jusnaturalista chegou à sua conclusão. Mas a filosofia de Hegel é não apenas uma antítese, mas também uma síntese. Tudo o que a filosofia política do jusnaturalismo criou não é expulso do seu sistema, mas incluído e superado.[3]

Não há, para Hegel, uma etapa pré-social e outra social, na qual, então, passasse a se desenvolver a história da sociedade. O individualismo é rejeitado por Hegel em favor de uma original concepção política orgânica. Assim exprime Charles Taylor:

Antes de Hegel, os homens eram induzidos a reverenciar as estruturas de sua sociedade: a monarquia, a aristocracia, a hierarquia sacerdotal ou quaisquer outras, pelo motivo de refletirem a vontade de Deus ou a ordem do ser.[4]

Hegel dirá que a compreensão da história é a compreensão da realidade, e para tanto utilizará da dialética para explicar o fenômeno do Estado. O Estado, em Hegel, fundamenta-se em si mesmo, em sua própria substancialidade. Não é o resultado do acordo de vontades dos indivíduos (Hegel se opõe à teoria do contrato social). Não é, tampouco, uma instância que encontra limites na moralidade individual – o Estado é um momento dialético superior ao plano da moralidade e da individualidade.

A respeito do Estado trata Hegel em sua obra Princípios da filosofia do direito:

O Estado é racional em si e para si: esta unidade substancial é um fim próprio absoluto, imóvel, nele a liberdade obtém o seu valor supremo, e assim este último fim possui um direito soberano perante os indivíduos que em serem membros do Estado possuem o seu mais elevado dever.

Se o Estado é o espírito objetivo, então só como membro é que o indivíduo tem objetividade, verdade e moralidade. A associação como tal é o verdadeiro conteúdo e o verdadeiro fim, e o destino dos indivíduos está em participarem numa vida coletiva; quaisquer outras satisfações, atividades e modalidades de comportamento têm o seu ponto de partida e o seu resultado neste ato substancial e universal.[5]

O Estado na concepção de Hegel não é, portanto, um ente resultante do acordo de vontades individuais. Sua existência é para além dos indivíduos e da sociedade civil, e postula-se, também, pela insuficiência dessas esferas como racionais em si mesmas. Nesse sentido, ensina o professor Alysson Leandro Mascaro:

O Estado, para Hegel, não será uma instância que universalmente instaure um só conteúdo jurídico inexorável – um direito natural eterno e universal nos moldes modernos kantianos -, mas será o elemento processual de organização da própria vida do povo. O Estado é uma individualidade com seus próprios interesses e necessidades históricas.[6]

 

Conclusão

Neste artigo, vimos que, com Hegel, o Estado consolida bases ainda mais rigorosas e modernas, deixando este de ser um poder unitário e concentrado, totalitário e absoluto, superando a perspectiva jusnaturalista vigente ao seu tempo. Por outro lado, o Estado passa a ter caráter essencial, institucional e organizativo na sociedade, fruto de um projeto racionalizado da humanidade em torno do próprio destino.

A noção de Estado de Hegel implica em uma compreensão do homem e dos elementos que o expressam. De um lado, o homem é animal, um objeto material, exteriorizado sob a dominação das leis da natureza. De outro lado, o homem é um ser espiritual – razão externa, materializada no tempo e no espaço. Com o homem começa o espírito. No momento da natureza a ideia estava, em certa medida, sem condições de se manifestar porque a pura exterioridade jamais seria condição de manifestação do que é pura interioridade e subjetividade. É na transição do estado de natureza que o espírito se manifesta.

Referências bibliográficas

BOBBIO, Bovero. Sociedade e estado na filosofia política moderna. São Paulo: Brasiliense, 1991.

HEGEL, Princípios da filosofia do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

MASCARO, Alysson Leandro. Filosofia do Direito. São Paulo: Atlas, 2013.

TAYLOR, Charles. Hegel e a sociedade moderna. São Paulo: Loyola, 2005.



[1] Advogada, graduada em Direito pela Faculdade Municipal de Direito de Franca e pós-graduando em Direito Contratual pelo Inage - USP Ribeirão Preto.

[2] MASCARO, Alysson Leandro. Filosofia do Direito. São Paulo: Atlas, 2013, p. 239.

[3] BOBBIO, Bovero. Sociedade e estado na filosofia política moderna.São Paulo: Brasiliense, 1991, p. 96-97.

[4] TAYLOR, Charles. Hegel e a sociedade moderna. São Paulo: Loyola, 2005, p. 105.

[5] HEGEL, Princípios da filosofia do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 217.

[6] MASCARO, Alysson Leandro. Filosofia do Direito. São Paulo: Atlas, 2013, p. 262.