O ESTADO E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Uma sociedade sujeita a um governo é uma organização política. Ao Estado, como organização política, são atribuídos poderes, que dimanam da sociedade que os gera, de modo a, concentrados, desenvolverem duas sortes de funções: as de natureza teleológica, e as de natureza metodológica.

Para realização de suas atribuições, o Estado, atuando como administrador dos interesses que lhe são confiados, sejam os da sociedade, sejam os próprios, exerce o seu poder de diversas maneiras, pois o que se divide não é o poder estatal, mas o seu exercício. Tais modalidades de exercício do poder, se apresentam diferenciadas segundo o resultado jurídico pretendido.

À soma de poderes concentrados denomina-se Poder Estatal, que, por servir aos interesses públicos, também se chama de poder público. A palavra poder exprime a aptidão de converter uma vontade específica num ato eficaz.

Somos sabedores que o Direito deve acompanhar as transformações da sociedade, ou antecipar-se aos problemas decorrentes dessas transformações. Daí a necessidade de um Direito Administrativo que acompanhe as mudanças e as exigências sociais.

A fim de melhor apreender o sentido das mudanças que vêm ocorrendo no Direito Administrativo, toma-se oportuno lembrar o momento de sua formação e o respectivo contexto institucional.

Alguns fatores propiciaram a formação do Direito Administrativo que começou a se formar na primeira metade do século XIX, dentre os quais destacamos:

a)            a concepção de Estado de Direito que possibilitou se cogitar de normas para disciplinar o exercício do poder estatal, sobretudo do Poder Executivo, onde se insere a Administração Pública, objeto precípuo do Direito Administrativo;

b)            concepção de separação dos Poderes, que permitiu identificar um Poder, o Executivo, responsável pela função administrativa.

Assim, se no Estado Liberal, abstencionista, garantidor da liberdade e da convivência pacífica, da segurança, da propriedade, houve o predomínio do Legislativo sobre o Executivo e o Judiciário, servindo a Administração Pública para assegurar a ordem pública estabelecida pelas leis, a partir do período citado anteriormente as posições se alteram.

O Estado toma-se Estado intervencionista. Fraciona-se o poder político, embora o Estado permaneça como centralizador político de uma constelação de entes políticos, administrativos, associações e organizações. Sua atuação no âmbito econômico e social passa a ser intensa.

Estabelece-se, então, a hegemonia do Executivo, ocorrendo, inclusive, poderes legislativos atribuídos ao Executivo, com a maioria dos projetos de lei originando-se deste poder.

O Estado Democrático de Direito tem o seu poder, que é o poder político. A sociedade estatal, a sociedade civil, compreende uma multiplicidade de grupo sociais diferenciados e indivíduos, aos quais o poder político tem que coordenar e impor regras e limites em função dos fins globais que ao Estado cumpre realizar. Daí se vê que o poder político é superior a todos os outros poderes sociais, os quais reconhece, rege e domina, visando ordenar as relações entre esses grupos e os indivíduos entre si e reciprocamente, de maneira a manter um mínimo de ordem e estimular um máximo de progresso à vista do bem comum.

O poder político se manifesta mediante suas funções, que são exercidas e cumpridas pelos órgãos de governo. Vale dizer, portanto, que o poder político, uno, indivisível e indelegável, se desdobra por diversas funções, fato que permite falar em distinção de funções do poder, que fundamentalmente são três: a legislativa, a executiva e a jurisdicional. E quando se fala em Administração do Estado, em sentido global, se está precisamente abarcando as manifestações concretas dessas diversas funções, que, no fundo, consistem na Administração Pública, como realização prática da função executiva, e na Administração da Justiça, com fim último da função jurisdicional, ambas subordinadas à lei que emana do exercício da função legislativa.

O Estado Democrático de Direito subordina-se à Constituição e funda-se na legalidade democrática. Sujeita-se ao império da lei, mas da lei que realize o princípio da igualdade e da justiça, pela busca da igualização das condições dos socialmente desiguais. É nisso que está a diferença da lei no estado Democrático de Direito e da lei no Estado de Direito Liberal. Essa concepção da lei no Estado Democrático de direito dá igualmente nova dimensão à Administração do Estado, pois, se administrar é aplicar a lei de ofício, tem-se que a atividade administrativa tem natureza peculiar ao tipo de lei que deve aplicar.

Assim, o Estado Democrático de Direito aponta para um regime democrático de conteúdo social que resolva a questionada antítese entre a liberdade e a igualdade, portanto com a função básica de elaborar e executar política públicas no interesse da coletividade como um todo.

Então, o Estado, através dos poderes administrativos, deve conseguir alcançar seus fins, sendo sua finalidade maior a de garantir o "bem-estar social.” Considere-se que a má utilização desses poderes pode levar a um desvio da finalidade primeira do Estado.

A Constituição Brasileira de 1988 estabeleceu o chamado Estado Democrático de Direito, prevendo implícita ou explicitamente, uma série de objetivos a serem alcançados e que se traduzem em finalidades constitucionais, como garantir a saúde pública, a eficiência do serviço público prestado, educação, segurança, etc.

Portanto, é correto afirmarmos que o Direito Administrativo é um conjunto de valores, princípios e leis juspublicistas que regem os órgãos, a gente e atividades públicas, limitado pelo respeito aos direitos e garantias fundamentais aos administrados, cujo objetivo é concretizar os fins de um Estado Democrático de Direito.

No entanto, para que o Estado possa cumprir seus fins, necessita de poderes administrativos (poder hierárquico, poder disciplinar....). A existência de poderes deve sempre ser compreendida dentro da idéia de Estado Constitucional, ou seja, não se admite a utilização de poderes administrativos de modo a violar a lei, princípios e valores constitucionais.

A Administração Pública, em toda a sua atividade, está sujeita aos mandamentos da lei, deles não se podendo afastar, sobe pena de nulidade do ato e responsabilidade de seu autor. Qualquer ação estatal sem o correspondente amparo legal, ou que exceda o âmbito demandado pela lei, é injurídica e expõe-se à anulação, pois a eficácia de toda atividade administrativa está condicionada ao atendimento da lei: na Administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal, e só é permitido fazer o que a lei autoriza.

É importante que o administrador tenha a consciência de que os poderes não são privilégios pessoais, eis que, dentro da idéia de Celso Antônio Bandeira de Mello, constituem-se em um “dever-poder*.

A Administração Pública deixa de ser considerada mera executora da iei, atuando na elaboração da lei. Suas atividades se ampliam e ser diversificam, principalmente ante a atuação econômica e social do Estado. Há criação de grande número de entes administrativos: autarquias, fundações, sociedades de economia mista, empresas públicas, etc.. A administração apresenta-se descentralizada, fragmentada, com vários núcleos de poder administrativo.

Importante observar que ocorre um vínculo maior entre o Direito Administrativo e a Constituição, tomando-se a Administração Pública a principal operadora dos direitos assegurados pela Constituição e garantia de sua efetividade. Saliente-se que nossa Constituição de 1988 abre as perspectivas de realização social profunda pela prática dos direitos sociais que ela inscreve e pelo exercício dos instrumentos que oferece à cidadania e que possibilita concretizar as exigências de um Estado de justiça social, fundado na dignidade de pessoa humana.

Cresce a importância conferida aos princípios do Direito Administrativo, sobretudo quanto aos expressamente consagrados na Constituição. Observe-se que, expressamente, estes princípios valem tanto para administração direta como indireta. Eles têm função hermenêutica, como ordem de valor, mandato de otimização, vão ajudar na compreensão das leis. São normas jurídicas. Como função secundária, não menos importante, criam direitos e deveres.

O mérito do ato administrativo, dentro e uma concepção tradicional, constitui- se em uma zona de valoração intrínseca do poder público, em que são decididas as questões da conveniência e da oportunidade. Desta forma, o administrador público é que pode identificar aquilo que é conveniente ou não para a satisfação do interesse da administração pública, bem como qual o melhor momento para a prática do ato administrativo.

Finalizando, observando-se a doutrina e a jurisprudência, evidencia-se que Direito Administrativo, exercido dentro de um Estado Democrático de Direito, subordina-se ao estabelecido na Constituição. Porém, importante frisar: subordina- se a todos os princípios insculpidos na Constituição e não somente aos artigos relacionados no Capítulo VII.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição de 1988. 25a ed. São Paulo: Saraiva, 2000.

FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de Teoria Geral do Estado e Ciência Política. 3a ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária,999.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 17a ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1992.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 12a ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2000.

MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de Direito Administrativo. 10a ed. Rio de janeiro: Forense, 1992.

REVISTA DA OAB. Brasília: Reginaldo Oscar de Castro, n. 61, jul./dez. 1995