1-Introdução:

1.1- Conceito de Prisões Especiais:

    O entendimento conceitual das prisões especiais compreende o fato de que “são cabíveis para determinadas pessoas, em razão das funções públicas por elas exercidas, da formação escolar avançada e, finalmente, em razão do exercício de atividades religiosas.” (PACELLI, Eugênio, Curso de Processo Penal, 16ªedição, página 570). Esclarece, neste ponto, o processualista Fernando da Costa Tourinho Filho que é “Especial porque os indiciados ou acusados não ficam no cárcere, mas, tal como diz o artigo 295 do CPC vigente, são recolhidos em “quartéis” ou a “prisão especial”, à disposição da autoridade competente, enquanto presos provisoriamente. Transitada em julgado a eventual sentença condenatória, todos se nivelam, e a pena será cumprida na Penitenciária, se for o caso”.(FILHO, Fernando da Costa Torinho, Código de Processo Penal Comentado, 13ª edição,página 295).

    Conforme o artigo 295 do Código de Processo Penal, em seu parágrafo primeiro, a prisão especial consiste exclusivamente no recolhimento em local distinto da prisão comum. Complementa o parágrafo segundo do mesmo artigo enunciando que caso não haja estabelecimento específico para o preso especial, este será recolhido em cela distinta do mesmo estabelecimento. Além disso, “os presos especiais não serão transportados juntamente com o preso comum”, de acordo ainda com o artigo 295, parágrafo quarto.

    A ideia de separação dos presos comuns e especiais é refutada por muitos sob a perspectiva constitucional do Princípio da Isonomia:“a distinção e a desigualdade revelam, de modo subliminar, uma confissão estatal expressa no sentido de que nossos estabelecimentos prisionais (delegacias, cadeias públicas etc) devem mesmo ser reservadas para as classes sociais menos favorecidas(econômica,financeira etc), o que, aliás, iria exatamente na direção de outra realidade, ainda mais sombria, qual seja, a da seletividade do sistema penal.( PACELLI,Eugênio de Oliveira, Curso de Processo Penal,16ª edição, página 571)

    Diante das ponderações acima, constituídas pelos doutrinadores supracitados, este artigo visa analisar a perspectiva das prisões especiais no Estado Democrático de Direito, ao que repousa a principiologia constitucional e, a contraponto, analisá-las sob a perspectiva de Igualdade Aristotélica , que consiste no tratamento igualitários aos iguais e não igualitário aos desiguais, consideradas as desigualdades remanescentes. Para isso, importante se faz analisar, sobretudo, os elencados no artigo 295 do Código de Processo Penal e, após, analisar o artigo 5º, caput, sempre consideração a relativização dos Princípios constitucionais ante à concretização democrática.

 

2- DAS PRISÕES ESPECIAIS:

2.1- A perspectiva doutrinária quanto aos “privilégios” concedidos aos presidiários especiais.

    Preceitua o caput do artigo 295 do Código de Processo Penal: “Serão recolhidos a quartéis ou prisão especial, à disposição da autoridade competente, quando sujeitos a prisão antes da condenação definitiva.”

     O local distinto, de acordo com Fernando da Costa Tourinho Filho, não existe: “Salas do Estado- Maior, somente nas sedes das Regiões Militares, ou,ainda, que se considere como tal, para esses fins, o Comando da Polícia Militar, só em alguns lugares, e sempre suas acomodações são ocupadas pelos oficiais. Diga-se o mesmo em relação às unidades militares(...) Na grande maioria,essa “cela distinta” não passa de um xadrez utilizado apenas pelo indiciado ou acusado que faça juz à denominada prisão especial. Em regra, é um cubículo. O banho é sempre frio(...) as vezes há cama(...) O vaso sanitário é denominado “bacia turca”, em que as necessidades fisiológicas são satisfeitas em cócoras. Não estamos nos referindo às prisões especiais do interior do mais pobre dos nossos Estados, mas do seu Estado mais opulento, do seu Estado mais rico. E quando não há cela desocupada, argumenta-se: faz-se o que é possível... ad impossibilita Nemo tenetur... e ele fica, promiscuamente, com os demais presos, pouco importando se já definitivamente condenados ou não. Infame hipocrisia da Justiça!”

    Tourinho enfatiza que os presos especiais, apesar de separados dos comuns, não têm o menor respeito à dignidade humana, indagando quais os privilégios injustificados que a Lei pretendeu retirar e restringir o conceito de “prisão especial” às condições que resguardam “segurança,saúde,dignidade humana”. Questiona “Que direitos são esses?” E reforça que o “Governo deveria preocupar-se em propiciar condições condignas a todos os presos e não extinguir um benefício que, na impossibilidade material de se estender a todos,favoreceu apenas alguns,à semelhança do que se dá com o foro pela prerrogativa de função.” Postos tais argumentos, percebe-se que a posição de Tourinho é, contrária à opinião de Pacelli quanto as prisões especiais. O segundo, enxerga o instituto como contraditório à igualdade e isonomia, princípios da Constituição Federal e acredita que os presos especiais tenham privilégios. Já Tourinho, considera que os benefícios que poderiam ser concedidos aos presos especiais são teóricos, sendo que, na prática, o tratamento a esses presos é tão degradante quanto àquele despendido aos presos comuns. Além do mais, Tourinho não acha razoável que os presos especiais, sendo que a sentença sequer transitou em julgado, estejam submetidos ao mesmo tratamento que os presos comuns. Complementa tal raciocínio ao considerar que estes benefícios não devem ser objeto de preocupação da Lei, mas defende que a preocupação deve ser a de melhorar a condição geral de todos os presidiários.

    Como já mencionado, a prisão especial não decorre de condenação definitiva. O artigo 300 do Código de Processo Penal ressalta a necessidade de separação das pessoas presas provisoriamente daquelas que já foram definitivamente condenadas. Isso não fere o princípio da isonomia, sob o qual todos se sujeitam ao mesmo tratamento legal. Deve-se analisar que a prisão provisória não deve ter o mesmo tratamento de uma prisão decorrente de uma sentença já transitada em julgado. Isso porque a que transitou em julgado já admitiu o trâmite do Devido Processo Legal, trazendo em seu bojo o contraditório, a isonomia entre as partes e a ampla defesa. O preso provisoriamente não teve ainda as garantias constitucionais aplicadas ao decorrer do processo ao qual se sobrepõe a condenação. E, sem que haja a paridade entre as partes no trâmite processual, o processo segue inconstitucionalmente.

    O artigo 5º, inciso LIV, da Constituição Federal consagra o Princípio do Devido Processo Legal, exposto, pelo seguinte enunciado “ Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.” Diante disso, como garantia fundamental, acredita-se na procedência do artigo 300 do Código de Processo Penal e na procedência democrática das Prisões Especiais.

2.2- Análise do artigo 295 do Código de Processo Civil:

    Retomando raciocínio supra exposto, o mesmo artigo 5º que institui a imprescindibilidade do Devido Processo Legal e que combinado com o artigo 300 do CPC,que institui a necessidade de separação dos presos comuns e especiais, a outro viés, o mesmo artigo 5º traz em seu caput que “ Todos são iguais perante a Lei, sem distinção de qualquer natureza(...)”. A ideia que se extrai deste artigo, pela interpretação de seu caput, é a de que o Princípio da Igualdade deve ser aplicado, a todo vigor, aos presos. Ou seja, todos devem receber o mesmo tratamento nos presídios, sem qualquer diferenciação. Erroneamente,portanto, entende-se que, para tanto, não deve haver a separabilidade dos presidiários nas categorias especiais ou comuns.

    A relativização deste princípio da Igualdade repousa na ideia Aristotélica -e que é de suma importância na análise presente- de que o tratamento igualitário tão somente deve ser despendido aos iguais. Aos não iguais, como já mencionado, deve-se aplicar tal princípio na medida das desigualdades.

    Analisando subjetivamente o artigo 295 do CPC, tem-se como elencados e sujeitos às prisões especiais:

I-Os ministros de Estado;

II-Os governadores ou interventores de Estados ou Territórios, o prefeito do distrito federal, seus respectivos secretários, os prefeitos municipais,os vereadores e os chefes de Polícia;

III-Os membros do Parlamento Nacional, do Conselho de Economia Nacional e das Assembléias Legislativas dos Estados;

IV-Os cidadãos inscritos no “Livro de Mérito”.

(Por este inciso, compreende pela terminologia destacada àqueles que realizaram doações valiosas ou que tenham prestado desinteressadamente serviços relevantes ou mesmo que hajam cooperado para enriquecimento do patrimônio nacional e merecido reconhecimento público.)

V-Os oficiais das forças Armadas e os Militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios;

VI-Os magistrados;

VII-Os diplomados por qualquer das faculdades superiores da República;

VIII-Os ministros de confissão religiosa;

IX-Os ministros do Tribunal de Contas;

X-Os cidadãos que já tiveram exercido efetivamente a função de jurado, salvo quando excluídos da lista por motivos de incapacidade para o exercício daquela função;

XI-Os delegados de polícia e os guardas civis dos Estados e Territórios, ativos e inativos.

2.2.1- Foro Privilegiado versus o Direito à Prisão Especial: do Presidente da República e do Governador.

    Quanto ao Presidente da República, enquanto não sobrevier sentença condenatória nas infrações comuns, este não se sujeita a prisão ( artigo 86§3º Constituição Federal de 1988).

   Quanto aos Governadores de Estado, o doutrinador Fernando Tourinho ensina que, julgada a ADIn 1021-2/SP, segundo a qual: “Os Estados-membros não podem reproduzir em suas próprias Constituições o conteúdo normativo dos preceitos inscritos no art. 86, §§3º e 4º da Carta Federal, pois as prerrogativas contempladas nesses preceitos da Lei Fundamental- por serem unicamente compatíveis com a condição institucional de Chefe de Estado- são apenas extensíveis ao Presidente da República. Precedente: ADIn 978-PB, Rel. Min. Celso de Mello.” (FILHO, Fernando da Costa Tourinho, Código de Processo Penal Comentado, 13ª ed. Páginas 294/295).

    A inclusão deste tópico no artigo é necessária para que não se confunda a prisão especial com a prerrogativa constitucional do foro privilegiado conferido, dentre outros, aos Governadores e ao Presidente da República- cujo assunto não é objeto deste artigo. Prisão especial ocorre em âmbito processual penal e o foro privilegiado é perspectiva constitucional concedida a determinados cargos políticos e públicos.

    Quanto a prisão especial, concluiu-se que os Governadores de Estado não fazem jus à prisão especial, mas o fazem quanto à prerrogativa do foro privilegiado, conforme o artigo 105, inciso I, alínea “a” da Constituição Federal de 1988- ao que compete ao STJ processar e julgar, originariamente,nos crimes comuns, dentre outros elencados, os Governadores de Estado. Já o artigo 102 ,I,"b"enuncia que cabe ao STF processar e julgar, originariamente, nas infrações penais comuns, dentre outros elencados, o Presidente da República- também não sujeito à prisão especial mas sim ao foro privilegiado.

2.2.2- Do Advogado devidamente inscrito na OAB.

    Quanto ao advogado, o artigo 7º, V, do Estatuto da Advocacia estabelece ser direito dele não ser recolhido preso antes de sentença transitada em julgado, senão em sala de Estado Maior, com instalações e comodidades condignas, assim reconhecidas pela OAB, e, na sua falta, em prisão domiciliar. Importante ressaltar que a ADI n º 1.127-8 suspendeu a eficácia da expressão “ assim reconhecidos pela OAB” por tratar-se de prerrogativa profissional, conforme ensina o doutrinador Fernando Tourinho, e, sendo assim, não admite prerrogativa do Estado. O STF em Habeas Corpus nº81.632-1/SP, conferiu ao impetrante o direito à prisão domiciliar ante a ausência de Sala de Estado Maior (RTJ,184/640, Bol. AASP n.2486, p. 441)- ainda de acordo com Fernando Torinho Filho em seu Código de Processo Penal comentado, página 295, 13ªedição).

3- A impertinência do artigo 295 do CPC: Os Diplomados de Ensino Superior, elencados no inciso VII.

    Traz o artigo 295 do CPC, que também fazem jus às prisões especiais, os diplomados de Ensino Superior. Neste caso, como não ocupam cargos de efetiva importância, crê-se que estes não deveriam estar elencados no artigo . É a única impertinência, posto que, neste ponto, tratar-se-ia apenas de uma segregação econômica e social, sem qualquer relevância prática. Na medida em que as prisões especiais servirem tão somente como segregadoras sociais e econômicos, portanto, diverge-se dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, essencialmente democrática que, segundo o artigo 3º, III,consta em “(...) reduzir as desigualdades sociais e regionais”.

    Logo, as prisões especiais tão somente devem se justificar pela essencialidade de outros requisitos que preservem a integridade dos presos, e não aqueles que promovam a diferenciação dos presos por requisitos socioeconômicos.

4- A Constitucionalidade da Prisão Especial ante a relativização da principiologia constitucional vigente.

    Apesar das indignações quanto a existência das prisões especiais, entende-se, portanto, de maior valia, a aplicação não engessada dos princípios constitucionais. Não se pode considerar, literalmente, que todos sejam iguais e que o mesmo tratamento deve ser despendido de forma indistinta. O artigo 5º da Constituição Federal é programático e não é, portanto, passível de uma hermenêutica generalizada. Isto é, a democracia de fato não foi implementada com êxito em nosso Estado. A aplicação da Igualdade sem distinções deveria suceder o princípio da dignidade humana. Ou seja, apenas se pode considerar iguais àqueles cujo princípio da Dignidade da Pessoa Humana é plenamente efetivo- condições de integridade física, psíquica e ideológica. Os elencados no artigo 295 do Código de Processo Penal ocupam cargos políticos, essencialmente. Além da relevância social que exerceram os ocupantes de cargos políticos, aos magistrados, foi cabível decisão de assuntos alheios, também exercendo função intrinsecamente Estatal. Aqueles que exercem funções religiosas também são alvo de polêmica e de ressentimento por suas opiniões/ideologias propagadas. Os que exerceram funções de jurados também já decidiram, de alguma forma, assuntos alheios. Ou seja, todos aqueles taxativamente enumerados- com exceção aos diplomados em Ensino Superior- exercem funções e cargos diferenciados, representando o Estado ou representando ideologias polêmicas. A liberdade de expressão, como garantia fundamental, implementada no artigo 5º, de forma alguma é respeitada. Logo, não estamos efetivamente no Estado Democrático. Como então aplicar sua principiologia com total rigidez ou literalidade?

    O penalista Pacelli discorre sobre o caráter social e econômico discriminador dos cárceres, defendendo a aplicação do princípio da isonomia e a reivindicação das prisões especiais : “O problema maior que resulta da apontada desigualdade diz respeito à possibilidade prática de aplicação do princípio da isonomia na solução:o que deveria ser feito é a reivindicação das prisões especiais, ou melhor, prisões melhores e mais adequadas para a generalidade dos presos provisórios e não a extinção de qualquer prisão especial. Em outros termos:a melhoria de todos os cárceres, em vez da socialização do terror(...) Portanto, entende-se pela necessidade de revisar o Instituto da Prisão Especial neste aspecto, de privilegiar alguns por cargos públicos e funções exercidas.”

    O Instituto das Prisões Especiais, sem dúvida, deve ser revisitado, mas no momento certo. Quando efetivamente se implementar o Estado Democrático, cuja égide se remonte sobre o princípio da Dignidade Humana, corolário constitucional, garantindo respeitabilidade ao indivíduo- somando-se à integridade física, à preferência partidária, religiosa e, sobretudo, quando se efetivar a garantia da liberdade de expressão- crê-se que o Princípio da Igualdade possa ser literalmente aplicado. Mas, como ainda deixamos a desejar quanto à eficácia democrática do Estado constitucional, crê-se que o mais adequado é a percepção Aristotélica do que realmente seja a igualdade. Ou seja, os ocupantes de cargos políticos, ministros de confissão religiosa, dentre outros cargos ao qual a Lei atribui funções especificamente política ou ideológica, devem sim fazer jus ao tratamento diferenciado das prisões especiais. Isso para evitar que o tratamento digno , que, sem dúvida, é o mais importante- por corresponder à integridade humana, seja rompido. Sabe-se que determinados presos, conforme a realidade posta, sofreriam torturas ou seriam descriminados. Logo, o princípio da primazia da realidade e o da dignidade prevalecem sobre o da Igualdade enumerado na norma programática do artigo 5º da Constituição Federal da República.

    Além do mais, corrobora o raciocínio da Constitucionalidade das Prisões Especiais, o constante no artigo 300 do próprio Código de Processo penal, segundo o qual “ Sempre que possível, as pessoas presas provisoriamente ficarão separadas das que já estiverem definitivamente condenadas.” Por mais esse requisito transitório das prisões especiais, justifica-se a separação dos presos especiais e comuns -não só por uma questão constitucional, mas processual. A sentença transitada em julgado, já transcorreu as etapas do Devido Processo Legal, como já citado anteriormente. Por fim, cabe relembrar as lições de Tourinho trazidas neste artigo: não se trata de privilégios concedidos, já que as instalações disponíveis aos presos especiais são terríveis! Trata-se, portanto, de uma medida de separação dos presos provisoriamente dos presos definitivamente, além de maior segurança aos ocupantes de cargos políticos/religiosos frente ao não reconhecimento da liberdade de expressão e a não efetivação do Estado Democrático, conforme já discutido.

                                                                   Gabriela Mendes Soares



BIBLIOGRAFIA:

PACELLI, Eugênio: Curso de Processo Penal, 16ª edição,2012: Atlas.

FILHO,Fernando da Costa Tourinho: Código de Processo penal Comentado, 13ª edição,2010: Saraiva