O Estado Democrático de Direito a partir da análise contemporânea de Constituição[1]

Raissa Campagnaro de Oliveira e Teodora Silva Costa[2]

Sérgio Henrique Sorocaba Ayoub Omena[3]

Isis Boll Bastos Araujo[4]

[1] Paper apresentado à disciplina Teoria do Direito Constitucional, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco - UNDB

[2] Alunas do 2º período do Curso de Direito, da UNDB.

[3] Aluno do 10º período do Curso de Direito, da UNDB

[4] Professora e Mestre

Resumo: Através da analise dos conceitos de constitucionalismo moderno de Canotilho, de constituição dirigente do mesmo autor e de eficácia da constituição de Konrad Hesse é possível observar a relação entre constituição, Estado Democrático de direito e direitos fundamentais. Este último é a premissa para o estudo do constitucionalismo global emergente na contemporaneidade. Aonde por vezes tais direitos humanos são “impostos” ou propagados por nações democráticas e em outras situações o é o povo quem exige a garantia de tais direitos essenciais. Neste último caso percebe-se que o caráter necessário da mudança social e consequentemente constitucional é legitimo para um Estado.

Palavras-chave: Constitucionalismo moderno, eficácia constitucional, constitucionalismo global, direitos fundamentais.

1 INTRODUÇÃO

Canotilho determina as bases do constitucionalismo moderno bem cedo, que servirá como ideal até os dias atuais. Através das diversas transformações sociais ocorridas desde o fim da idade media ate a revolução francesa o novo conceito de constituição é desenvolvido. A constituição ganha o caráter de legitimador do Estado, assim como de garantidor dos direitos fundamentais. Essa garantia, possui relação com a força normativa estabelecida por Hesse, que pressupõe uma vinculação com a realidade social, para que haja eficácia constitucional.

É através dessa importância dada por dois grandes autores constitucionalista  aos direitos essenciais do homem, que se procede em uma analise do constitucionalismo contemporâneo aonde há uma super valorização destes direitos humanos, e aprofundamento de sua defesa no âmbito internacional. Entendendo por fim que a globalização destes direitos pode ser dada de maneira normativa, e por meio da democratização do mundo, onde decretos “impõem” tais direitos, ou através de revoluções onde a população luta por seus direitos subjetivos, caracterizando assim a ideia de constituição dirigente onde as ideias surgem de forma prévia, e a constituição deveria ter o papel de apenas formalizar os ideais.

2 O ESTADO, A CONSTITUIÇÃO E A DEMOCRACIA.

Com o crescimento do comércio, e a crescente acumulação de bens; com a reforma protestante que quebra com o poderio absoluto da igreja católica, e o crescente desenvolvimento da razão questionando dogmas cristãos, temos a transição da idade média para idade moderna palco inicial para o movimento constitucionalista moderno de Canotilho. A idade moderna é por sua vez, caracterizada pela enorme centralização de poder, ou seja, o absolutismo predominou no âmbito politico.

Logo, Canotilho desenvolve o constitucionalismo moderno como modelo que surge no fim da idade média, mas, que só vai se consolidar após um longo período. Este constitucionalismo, apesar de carregar uma terminologia ultrapassada, possui validade até os dias de hoje. Através deste constitucionalismo temos a ideia da constituição como um documento escrito de organização da sociedade, garantidor dos direitos fundamentais e principalmente limitador do poder politico. A Europa ainda viveu por bastante tempo de baixo do governo de um soberano sem muitas limitações, tendo em vista que as forças religiosas recém-criadas da época davam base para esse poder.

No final do século XVIII data em que este constitucionalismo moderno ganha força, é o período da revolução francesa movimento importantíssimo que traduz a insatisfação do povo com as condições de vida precárias que o absolutismo trazia. O homem dotado de razão, então, começou a defesa de seus direitos naturais. A ideia era que todos os homens nasciam livres e iguais, o que demostra o caráter extremamente novo desse fazer politico. Pois na sociedade dividida em estamentos os homens eram considerados “naturalmente desiguais” e no antigo regime a divisão de classes era enaltecida, onde através de filósofos como Locke e Hobbes o soberano deveria ser o próprio Estado dotado de todo o poder (Canotilho, 2003).

Dessa forma o Estado como se constitui hoje, ou após o antigo regime precisa de uma constituição como forma de limitar o seu poder. Canotilho (2003) afirma “a constituição informada pelos princípios materiais do constitucionalismo – vinculação do Estado ao direito, reconhecimento e garantia de direitos fundamentais, não confusão de poderes e democracia – é uma estrutura politica conformadora do Estado” Ou seja, a constituição legitima o Estado daí o autor só conceber o Estado atual como Estado Constitucional.

 E com isso observamos a veracidade da afirmação do mesmo autor sobre o constitucionalismo ser uma ideologia completamente dotada de valor peculiar. Ou seja, a ideia de constituição que entendemos hoje não é universal, não é natural, foi construída, conformada, adequada por um período histórico, e pela determinação de povo em particular.

Tendo explicado o cenário histórico de surgimento do constitucionalismo como entendemos hoje podemos relacionar a teoria do autor Konrad Hesse. O autor de maneira a analisar a força normativa da constituição traz a ideia que exatamente foi utilizada na mudança de um regime para outro. Hesse (1991) vai dizer que a constituição é uma ciência normativa que está “a serviço de uma ordem estatal justa”. E não é concebida meramente para “justificar as relações de poder dominantes”. Ora, o constitucionalismo moderno transmite essa ideia de justiça pela primeira vez, se apartando de qualquer função semelhante à de defender as forças dominantes (COELHO, 2004).

Vimos que a constituição é fundamental ao Estado, outro principio legitimador do Estado é o democrático. Canotilho (2003) afirma que “O estado constitucional para ser um estado com as qualidades identificadas pelo constitucionalismo moderno, deve ser um Estado de direito Democrático.” Ou seja, o povo como verdadeiro soberano, o povo como figura participante desse fazer politico. Hesse (1991) afirma que “[...] todos nós estamos permanentemente convocados a dar conformação à vida do Estado, assumindo e resolvendo as tarefas por ele colocadas”.

A democracia é uma forma de governo onde de forma direta ou indireta o povo é responsável pelo fazer politico. De certa forma, a democracia caminha junto com o novo regime, no sentido de que não há mais absolutismo e procura-se defender os direitos do homem. Segundo Canotilho (2003) apenas o principio de soberania popular é capaz de legitimar o estado constitucional como algo real, e não abstrato.

O Estado Democrático de Direito é, portanto, apenas uma terminologia que configura o Estado atual Brasileiro. Pois de acordo com Adorno (2003, Apud Streck e Morais 2000, p. 90) três dos princípios norteadores do Estado Democrático de Direito são: constitucionalidade, organização democrática e defesa dos direitos fundamentais. Adorno (2003 Apud Soares 2004, p. 221) “pressupõe a pré-compreensão do conceito de direito fundamental como categoria básica do modelo constitucional ocidental”. O próximo tópico busca analisar de forma mais profunda a ideia de direitos fundamentais nos sentido de que estes estão presentes tanto na ideia de constituição moderna, como (implicitamente) na teoria de força normativa de Konrad Hesse.

Antes de passar para outra temática é preciso deixar claro que a partir de agora quando se fala em constituição deve se pensar em Estado Democrático de direito e vice-versa. Uma vez que já estabelecemos a união desses conceitos.

2.1 DIREITOS FUNDAMENTAIS

Faz-se necessário conhecer um pouco da historia dos direitos humanos para então definir sua importância para o Estado Democrático de Direito.

2.1.1 FUNDAMENTAÇÃO HISTÓRICA DOS DIREITOS HUMANOS

Segundo Sergio Adorno (2003), as raízes dos direitos humanos (estes entendidos neste trabalho como sinônimos de direitos fundamentais) são encontradas na antiguidade. Porem de forma mínima, entendendo que a escravidão, e a desigualdade de gênero era extremamente normal.

Na era moderna com a grande valorização da razão temos autores como Hobbes, Locke e Rousseau discorrendo sobre os direitos naturais do homem, apesar de se encontrar em Estado Civil, o homem é natural, e portanto possui alguns poucos direitos naturais. Para Hobbes em seu abstrato Estado de Natureza, o direito a vida e a sobrevivência (defender essa vida) eram fundamentais. Locke considera que existe um direito à propriedade para todos. E Rousseau filósofo que inspira a Revolução Francesa traz o direito a igualdade e a liberdade.

Esta breve análise acima legitima o pensamento de Flávia Piovesan (2012, p. 175 apud ARENDT) sobre os direitos humanos “[...] na medida em que estes não são um dado, mas um construído, uma invenção humana, em constante processo de construção e reconstrução”. Ou seja, dentro do direito positivo é importante distinguir o direito natural, que possui caráter divino, de um direito humano conquistado e posto pelo Estado.

Contudo os direitos humanos vieram a se consolidar como uma preocupação de âmbito internacional no pós-segunda guerra mundial. Mais a frente, veremos que no período que antecede a segunda guerra já haviam indícios de uma quebra da soberania Estatal. De acordo com Adorno (2003) o nazismo, o facismo, a iminente ameaça de guerra armada fruto do mundo bipolar que se estabeleceu, são todos fatores que levaram a essa crescente preocupação com a proteção dos direitos básicos e essenciais do ser humano. Entendendo que a segunda guerra mundial representou o total de desrespeito pelos direitos do homem (tendo em vista os milhões de mortos através das ordens de Hitler), o pós-guerra representa assim a reconstrução dos mesmos (PIOVESAN, 2012). 

Adorno (2003) traz também a ideia de que os movimentos revolucionários inglês, norte americano e francês possuem grande influencia na consolidação destes direitos. Alguns pontos podem ser ressaltados: a quebra com o modelo politico aristotélico. Nova concepção aonde o homem nasce livre, e não subordinado ao Estado ou suas respectivas leis. Essa inexistência de hierarquia leva ao próximo ponto que é o de surgimento da democracia moderna. Ou seja, livre participação do cidadão nas relações politicas que constituem o Estado. E por fim a criação da Declaração Francesa de 1789 pois listava alguns dos direitos fundamentais, assim como atribuía responsabilidade ao Estado para garanti-los.

Esclarecido o assunto direitos humanos, convêm estabelecer a relação destes com o Estado e a Constituição, tema central da pesquisa. Assim:

Direitos do homem constituem base e fundamento do poder político e de uma nova concepção de Estado. Trata-se de um Estado que não é mais absoluto, porém limitado; não é mais fim em si mesmo, porém meio para alcançar fins; os fins antecedem ao próprio Estado e são definidos a partir da sociedade (ADORNO, 2003).

2.1.2 CONSTITUIÇÃO E DIREITOS FUNDAMENTAIS

Como já foi analisado acima, o conceito de constituição moderna trazido por Canotilho (2003) traz a garantia dos direitos fundamentais como uma de suas características. Mais a frente em sua obra, o autor vai tratar da necessidade de se positivar tais direitos como normas constitucionais. Tendo em vista que a constituição funciona como norma suprema do Estado. Ou seja, para que os direitos fundamentais sejam protegidos verdadeiramente, e não sejam apenas teorias, sonhos, desejos, é preciso constitucionaliza-los.

Podemos observar esse efeito da constitucionalização nas clausulas pétreas presentes em nossa constituição. Estas servem de limites para a mutação constitucional, ou seja, o legislador ou ate o operador do direito (judiciário) não pode alterar a essência desses princípios e muito menos elimina-los. Uma das clausulas é a inviolabilidade da dignidade da pessoa humana (resumo dos direitos subjetivos do homem).  Canotilho (2003) vai nos dizer que constitucionalização é inserir esses direitos essenciais do homem em “normas formalmente básicas”, as descreve como “normas jurídicas vinculantes”, ou seja, não possuem autonomia e prestigio como as “declarações de direitos”.  

Ao analisarmos a obra do autor Konrad Hesse (1991) percebemos na prática a importância dos direitos fundamentais. Além do caráter legitimador da constituição e consequentemente do Estado Democrático de Direito, estes princípios possuem caráter reformador.

Hesse (1991) afirma que a constituição não é mero pedaço de papel, a constituição precisa estar vinculada aos aspectos sociais de um povo. O direito constitucional não possui sanção material como forma de garantir o cumprimento de suas normas, logo essa obediência deve ser garantida através do campo subjetivo. Ou seja, a vontade de constituição, que se traduz no desejo dos indivíduos em efetivamente cumprir as normas.

A vontade de constituição só existe se as normas constitucionais refletirem a realidade social da época. “[...] a constituição que se vincule a uma situação histórica concreta e suas condicionantes, dotada de uma ordenação jurídica orientada pelos parâmetros da razão, pode, efetivamente, desenvolver-se” (Hesse, 1991) Neste sentido, é a associação com a vida em sociedade, e seus sistemas que dá eficácia à constituição, abordagem central da teoria de Hesse, em que a eficácia é o caráter fundamental para manter a durabilidade e a segurança da constituição.

Os direitos fundamentais dos seres humanos é de forma clara uma expressão dessa realidade social que Hesse tanto enaltece. Os direitos do homem são ideias que foram sendo construídas ao longo dos tempos, e que se tornaram uma demanda a partir da revolução francesa, e se espalharam internacionalmente após a segunda mundial. A partir disso observamos que o Estado e suas constituições não se importavam com essa vinculação com a realidade, resultando nas revoluções.

E até hoje “o observador critico não poderá negar a impressão de que nem sempre predomina, nos dias atuais, a tendência de sacrificar interesses particulares com vistas à preservação de um postulado constitucional” (Hesse, 1991). Em outras palavras, tanto no passado como atualmente o que observamos é a valorização de interesses dos poucos que estão no poder, e a desvalorização dos interesses do povo como um todo. Por isso Hesse enaltece as lutas sociais, como instrumentos de reforma constitucional. A constituição deve estar passível de adaptações para manter sua efetividade real. Se não for assim, um novo regime surge, uma nova constituição surge, assim como aconteceu na revolução francesa.

É valido lembrar que o autor acima citado não possui uma teoria utópica, onde apenas as forças sociais legitimam a força da constituição. Ele afirma que a

eventual ênfase numa ou noutra direção (normatividade positiva e completo condicionamento social) leva quase inevitavelmente aos extremos de uma norma despida de qualquer elemento da realidade ou de uma realidade esvaziada de qualquer elemento normativo. Faz-se mister encontrar, portanto, um caminho entre o abandono da normatividade em favor do domínio das relações fáticas, de um lado, e a normatividade despida de qualquer elemento da realidade, de outro (Hesse, 1991).

Ingo Sarlet vai mais a frente e nos diz que os direitos fundamentais só possuem eficácia dentro do âmbito de um Estado Constitucional. Partindo de outro aspecto o Estado constitucional só possui legitimidade se for garantidor de tais direitos (Canotilho 2003, apud PINTO 1993). Conseguimos observar o ciclo estabelecido entre os conceitos.

Logo, observa-se que “existe um estreito nexo de interdependência genético e funcional entre o Estado de Direito e os direitos fundamentais, uma vez que o Estado de Direito exige e implica, para sê-lo, a garantia dos direitos fundamentais, ao passo que estes exigem e implicam, para sua realização, o reconhecimento e a garantia do Estado de Direito” (PEIXOTO Apud PEREZ).

Por fim de forma pratica ao analisarmos o artigo 1º da Constituição Federal brasileira encontramos expressa a relação intrínseca que analisamos no decorrer do capitulo. Lê-se “A Republica federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] III – a dignidade da pessoa humana; [...]” A dignidade da pessoa humana representa em síntese a gama de direitos fundamentais do homem, base do Estado Democrático de Direito que é previsto na constituição, Lei Suprema.

3 Constituição contemporânea e a super valorização dos direitos fundamentais

Visto que os conceitos e as relações bases foram definidos, analisaremos novas perspectivas constitucionais. Não há que se pensar que existe um constitucionalismo contemporâneo novo, que traz uma ideia completamente original ao direito. O conceito moderno perdura, porém com a valorização de alguns aspectos mais do que outros.

Canotilho (2001) em sua obra constituição dirigente desenvolveu a ideia de uma constituição programática, que planeja ações futuras para o cumprimento do próprio Estado. De forma superficial, a constituição dirigente pode nos parecer uma constituição utópica, otimista, sonhadora onde o Estado cria metas a serem cumpridas por ele mesmo, mas, que não deixa de depender da sociedade. Contudo, assim como Hesse, Canotilho reconhece o valor dos aspectos políticos e históricos de uma sociedade nesse dirigismo. Segundo Canotilho há

[...] necessidade de a projecção de valores e a regulação prospectiva da sociedade não poderem abdicar das condições sociais da constituição real. Como hoje se deve dize, a legislação prospectiva (no nosso caso: a constituição dirigente) tem de ter em contas as diferenças sociológicas e ideológicas entre direito e sociedade.

A constituição dirigente possui um caráter pratico acima de tudo. Possui um “accionalismo que se dirige à produção, reprodução e alteração da sociedade [...].”(CANOTILHO, 2001) Se observamos bem, essas são características revolucionarias. Por isso a constituição dirigente objetiva complementar as ideias de transformação social que surgem em meio ao povo, pretende normatizar e validar as mudanças sociais pensadas e demandas.

Dessa forma, pretende-se relacionar tal constituição dirigente com o período de internacionalização dos direitos humanos. Como afirmado anteriormente após os acontecimentos lamentáveis no período do nazismo, surge “a necessidade de reconstruir os direitos humanos, como referencial e paradigma ético que aproxime o direito da moral” (PIOVESAN, 2012). Ou seja, o mundo inteiro se alarma com a situação de violação destes direitos, e cresce a preocupação para mudar tal quadro. Daí surge a necessidade do direito normatizar tais mudanças essenciais. O direito internacional acaba ficando com esse papel, pois é entendido que pela importância destes direitos, as novas normas devem alcançar todos os Estados, todas as nações. O direito internacional age de forma similar à constituição dirigente proposta por Canotilho. Ele torna valido, ou formal a pretensão de defesa dos direitos subjetivos do homem.

Desde então, o direito vem se globalizando, vem alcançando para além das fronteiras de cada Estado. Joaquim Canotilho (2003) afirma que com a expansão das comunicações, levando as informações de todos os lugares, para todo o mundo, assim como o surgimento de instituições que estão acima dos Estados, como a ONU, por exemplo, estão desvalorizando um dos Elementos essenciais do Estado que é a sua soberania. Os Estados cada vez mais dependem um dos outros, economicamente e politicamente, permitindo que existam assim valores e até mesmo normas comuns entre estes.

Canotilho (2003) caracteriza este quadro como um constitucionalismo global que ele descreve com três objetivos: o de consolidar o âmbito jurídico tanto entre Estados, como na relação povo e Estado, emergência de “regras universais” formalizadas em decretos internacionais, e (com destaque) a crescente valorização da dignidade da pessoa humana.

Daniel Sarmento em sua obra O Neoconstitucionalismo no Brasil: Riscos e possibilidades, colabora com a ideia de Canotilho. No sentido de que o novo constitucionalismo “alenta um ideário humanista, que aposta na possibilidade de emancipação humana pela via jurídica, através de um uso engajado da moderna dogmática constitucional” (SARMENTO, 2010). O autor afirma posteriormente, que apesar de levar o prefixo neo, este novo constitucionalismo carrega os objetivos traçados há tempos na modernidade, e termina por aprofunda-los, buscando de forma efetiva a garantia desses direitos humanos.  Essa efetividade só pode ser alcançada se houver uma redefinição no “[...] âmbito e o alcance do tradicional conceito de soberania estatal, a fim de permitir o advento dos direitos humanos como questão de legítimo interesse internacional” (PIOVESAN, 2012).

Outra forma de se denominar essa internacionalização dos direitos humanos é através da democratização do mundo. Como afirmamos no inicio do trabalho constituição só se concebe dentro de um Estado Democrático, por isso essa crescente ideia de levar a forma de governo democrática como a melhor para todas as nações. Gomes Canotilho (2003) ao falar de constitucionalismo global faz este comparativo com a democratização, “em primeiro lugar, a democracia e o caminho para a democracia devem considerar-se como tópicos dotados de centralidade politica interna e internacional. No plano interno a democracia é o “governo menos mau” e no plano externo  a democracia promove a paz.”

De acordo com Eduardo Viola (1997)

A globalização política reside no avanço de ideologias e regimes democráticos e individualistas em detrimento dos autoritários e socializantes. Na década 80, regimes semidemocráticos ou democráticos têm substituído os regimes autoritários em quase todos os países do mundo. A proteção dos direitos humanos, o pluripartidarismo e a competição eleitoral tornaram-se princípios indiscutíveis da vida politica nacional e internacional [...].

Ou seja, na tentativa de democratizar o mundo, ou levar a ideologia de garantia dos direitos humanos, alguns países, principalmente as grandes potencias econômicas ocidentais entenderam (mesmo que de maneira implícita) que os seus valores morais, suas regras politicas eram as ideias a serem seguidas. Temática que acarreta muitos problemas.

3.1 Os obstáculos da democratização mundial.

A era globalizada com as altas tecnologias de comunicação, com alta interdependência economia entre os Estados, de certa forma deu base para um constitucionalismo internacional com caráter de constituição dirigente, com uma filosofia ativa. Contudo é preciso relembrar de uma dos elementos fundamentais que constituem um Estado, a Soberania. Esta ultima é responsável por dar eficácia aos outros elementos como território e povo. Canotilho (2003) reconhece o a crescente união entre os Estados, a onda de normas com caráter universal, contudo ele afirma que “o constitucionalismo global não está em condições de neutralizar o constitucionalismo nacional”.

Assim a primeira barreira para esse ideal de levar a garantia dos direitos humanos para todos os povos, esta na soberania estatal. Onde muitos Estados, quando permitem a aplicação das leis internacionais em seu governo, fazem uma “conversão” destas, limitando-as às normas constitucionais internas. O ferimento desta soberania gera conflitos graves, que podem produzir consequências para a economia mundial, e de maneira extrema pode levar a guerras.

Em âmbito antropológico, observamos uma segunda barreira: a particularidade de cada cultura. A problemática é antiga, e constante. No fim da idade média, período de colonização onde a Europa ocidental “descobriu” novos territórios e novos povos, como o próprio Brasil observa-se a primeira tentativa de imposição de valores de um povo sobre outro povo. No neocolonialismo vê-se a separação do continente africano de forma totalmente arbitraria, sem levar em consideração as culturas diferentes de cada comunidade africana.

Um estudioso, Boaz, dedicado à antropologia e a analise das culturas, juntamente com outros companheiros conseguiram de modo empírico-cientifico afirmar a relatividade das culturas. Ou seja, não existe cultura superior, e cultura inferior, e após um longo período esta teoria foi aceita e é compartilhada pela maioria da população mundial atualmente. Contudo, há que se questionar o ideário de globalizar a democracia e consequentemente os direitos fundamentais. No sentido em que por vezes algumas culturas não compactuam com essencialidade de tais direitos.

As nações democráticas estariam se auto-julgando como superiores às nações não democráticas. Se faz mister a definição dos termos desta internacionalização pois, se por imposição estaríamos refutando séculos de estudos científicos no tocante ao respeito à  liberdade cultural. É preciso avaliar o que é mais importante: o respeito às diferenças culturais, ou a proteção dos direitos essenciais do homem.

4 A busca natural dos direitos fundamentais

Como observado no inicio do trabalho, a ideia de direitos humanos é bem antiga. A Grécia grande referencial democrático não compartilhava dos ideários de igualdade e liberdade entre os homens, uma vez que era aceita a pratica de escravidão e a mulher era excluída da vida publica grega. Mas a frente, entretanto, vemos uma mudança de interpretação, principalmente no fim da idade moderna. Há que se entender que o homem se rebela frente as adversidades da vida, frente as desigualdades sociais, frente ao fracasso do Estado em garantir a segurança, e a paz , anunciados no contrato social.

Com tudo o que foi afirmado, observamos que existe uma vontade de democratização do mundo, e esta democratização é encabeçada por países bem sucedidos em sua maioria. Ou seja, é evidente a influencia que esses países podem exercer em cima de países não democráticos, no sentido de incentivar o Estado a mudar de politica, ou até mesmo incentivar a população a exigir tal mudança.

Sabemos que o movimento de internacionalização da democracia é bem recente, mas é valido lembrar que a busca, de certa forma autônoma, do homem pela garantia de seus direitos essenciais também continua atual. Tomemos como exemplo a primavera árabe ocorrida em 2011.

A primavera árabe, foi o termo dado à varias manifestações populares que ocorreram nos países do norte da África, e parte do oriente médio. Com analise do artigo de George Joffé (2011) as manifestações foram causadas por fatores econômicos, e principalmente insatisfação politica.

Um pouco antes do período de revoltas, os preços dos alimentos subiram de forma assustadora no quadro econômico mundial. Contudo, os países árabes foram atingidos de maneira mais significativa pelo fato destes possuírem grande parte da população abaixo da linha de pobreza, ou próximo desta. Joffé (2011) afirma, entretanto, que o verdadeiro motivo dessa insurgência da população é “[...] a incoerência entre as afirmações feitas pelos regimes nas suas tentativas de autolegitimação e a realidade do desprezo e da repressão por eles praticados”.

Os governos autoritários dos países árabes limitavam a participação popular no governo, reprimindo-os. O que claramente leva a insatisfação do povo, que ao se utilizar das tecnologias atuais criou e manteve um movimento forte capaz de derrubar regimes autocratas que vêm reafirmando a desigualdade social há anos.

É de extrema importância ressaltar dois pontos da fala de Joffé expressa acima: autolegitimação e realidade do desprezo. Um Estado não pode de forma alguma ter legitimação própria. De modo formal o Estado é legitimado pela constituição, e de modo pratico a constituição é legitimada pelo povo como afirma a teoria de Hesse. Ao desprezar os desejos do povo, ao permanecer fechando os olhos para a pobreza da população, o Estado perdeu sua eficácia e assim foi abolido, para que um novo regime surja.

As manifestações funcionaram como verdadeiros movimentos sociais que mostraram a soberania do povo, assegurada no governo democrático que implicitamente estava sendo reivindicado.  Segundo George Joffé (2011) “Os movimentos sociais são um resultado das políticas de contestação e constituem o pilar do qual dependem as oportunidades para as grandes mudanças políticas”. Canotilho (2001) exalta as diferentes praticas onde as ideias do povo são expressas, ao discorrer sobre o sentido de constituição dirigente ele diz “ [...] o direito como conceito de força e a necessidade de complementar a mudança social através de um programa apelativo de ação, destinado à transformação das relações sociais”.

5 conclusão

A constituição se concebe atualmente é herança do constitucionalismo moderno de Canotilho. Esta possui características essenciais como a limitação do poder e a garantia dos direitos fundamentais. Através da obra de 2003 do autor, conseguimos perceber que a constituição funciona como caráter legitimador do Estado. Fazendo alguns comparativos entende-se que o regime democrático também possui sua função de legitimação do Estado. Neste caso, a democracia concebida como governo de participação popular e defesa dos direitos fundamentais.

Percebemos que mais do que legitimador os direitos subjetivos do homem possuem caráter reformador. No sentido de que eles são um exemplo de forçar fáticas sociais, uma forma de expressão da realidade social. Onde Hesse afirma que sem a vinculação com os aspectos sociais a constituição do Estado esta fadada a acabar eventualmente. Pois para que esta possua eficácia é preciso que os interesses do povo estejam sendo defendidos.

No quadro atual há um enaltecimento do constitucionalismo global. Entendendo que alguns valores como os direitos humanos devem ser levados para fora das fronteiras de cada Estado. O que gera uma polemica sobre o que mais importante: democratizar o mundo ou respeitar a particularidade de cada cultura?

Em meio a isso, diversos povos continuam insurgindo contra o descaso do governo, exigindo uma constituição realmente eficácia como afirmava Hesse, e um governo com participação popular. É o exemplo das recentes manifestações ocorridas em alguns países árabes, onde o povo cansado de tanta pobreza e desigualdade social e tanta repressão saiu as ruas reivindicando nada mais nada menos do que um Estado Democrático de direito, acompanhado de uma constituição garantidora de direitos essenciais ao homem. Legitimando os discursos de Hesse e Canotilho.

 

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