O ESFACELAMENTO DA DEMOCRACIA
Publicado em 11 de agosto de 2017 por Fernanda Freitas de Oliveira Azevedo
Mediante as barbaridades vistas na política do país ultimamente, fica em xeque os preceitos democráticos? Vive-se o esfacelamento da democracia.
Lexicalmente, democracia é “forma de governo em que o povo elege livremente seus representantes e exerce a soberania do Estado mediante um sistema partidário pluralista, com [...] respeito aos direitos civis e individuais do cidadão”1 [GRIFO]. É ainda, “a forma de governo em que a soberania é exercida pelo povo, é o sistema de governo em que cada cidadão tem sua participação e é o sistema político dedicado aos interesses do povo”2.
Contudo, mediante estas conceituações dicionaristas, vê-se contraposições diversas à sobremaneira de exercer da política democrática desse país. Quem é “o povo” nesses conceitos? O que independe da condição moral ou o idealizado cidadão que tem a disciplina e virtude acima da média?
Se o povo tem o poder de “eleger livremente seus representantes” porque a cada dia que passa a política se torna mais coronelista? Porque não se impede a participação partidária hereditária em que apenas se muda os representantes, mas as famílias continuam no poder? Aponte em que momento os “direitos civis e individuais do cidadão” está sendo respeitado na atual conjuntura desse país? Hipocrisia é vê que o conceito idealizado de democracia está sendo esfacelado pelos próprios representantes e nada fazer, e nada exigir, e nada recorrer?
Na linguagem popular, diz-se que o que se está fazendo é “trocando seis por meia dúzia”. Ou seja, entram e saem governantes sem escrúpulos, destemidos, intocáveis, inabaláveis, blindados por uma corja de corruptos, irônicos representantes do povo, que tiram do povo o mínimo de sua dignidade em troca de uma vida plena de ilusões hierárquicas, subjugados pela pretensão de estarem em favor do povo fazendo o que não é autorizado pelo povo.
O poder dos partidos que dizem ser “políticos”, ficaram mais uma vez, firmemente elucidados na cessão de votação naquele picadeiro tomado por malabaristas, acrobatas, ilusionistas e até palhaços. E, àqueles que dizem reais representantes do povo, restou o silêncio, a abstenção, o ir de encontro aos seus princípios morais e, quiçá, éticos, para dar poder ao poder. E, os políticos “amorais” ficam em cima do muro e sempre caem para o lado em que lhes dão mais privilégios.
Interessante dizer que Temer (1994)3 ao escrever sobre a importância da democracia participativa já compreendia que “quando poucos decidem por muitos a democracia torna-se frágil”. Quanta sabedoria!!!! Ainda em outra ocasião Temer4 declarou que “o custo da democracia” atual é “a ideia de partido político ser organismos de canal do povo com o poder”. Mas, segundo Marx Weber (1998, p. 51)5 essa busca pelo poder “levou os homens a banirem da vida pública os valores supremos e mais sublimes”.
Já compreendera Carl Schimitt (1992)6 que “a legitimidade política na sociedade da democracia de massas não se basearia mais em convicções de valores tradicionais, senão única e exclusivamente na legalidade formal do procedimento”. Ou seja, a sobrevivência das sociedades evoluídas, dependerão das condições de regulamentação, imbuídas no comportamento dos atores participantes, que devem ser controladas, intermediadas e reguladas por uma política pública autorizada, e pela qual os indivíduos se submeterão.
Dessa maneira, reconhece-se que o conceito de política é estreitamente vinculado ao de poder em três fatores básicas: 1) a luta pelo poder; 2) o conjunto de instituições por meio das quais esse poder se exerce; 3) e a reflexão teórica sobre a origem, estrutura e razão de ser do poder. O poder político se caracteriza pela exclusividade do direito do uso da força em relação ao conjunto da sociedade, que lhe confere a legitimidade desse uso7.
Assim, os políticos brasileiros acham que um Estado é o garantidor da sociedade, quando na verdade é a sociedade quem garante o Estado, ou seja, o Estado não financia os elementos da redistribuição, mas a sociedade sim, financia o Estado que redistribui os financiamentos das políticas públicas. Contudo, o sistema federativo centralizado releva aos entes mais próximos da sociedade Estados e Municípios a condição de dependentes, quando a dependência é inversa.
Deve-se compreender, todavia, que a sociedade brasileira não é formada apenas pelo “povo”, Entenda que, segundo Müller8 “o povo” no conceito republicano democrático brasileiro é mero espectador, nesse perspectiva, o povo não é nem homogêneo, nem sujeito. São sempre os representantes que agem por ele. E a democracia ordenada pelo povo é mera ilusão.
Deve-se pois deixar de ser apenas “povo” e passar a ser sujeito, pois de acordo com Touraine (2002, p.24)9 “ O Sujeito é o esforço de transformação de uma situação vivida em ação livre; introduz a liberdade no que aparece, em primeiro lugar, como determinantes sociais e herança cultural.” Mas é somente esse sujeito ativo e participativo que se tornará capaz de fazer com que a democracia seja efetivamente a política do sujeito. Uma vez que
esta será uma maneira de percorrer em direção à racionalidade instrumental da democracia efetivamente participativa.
Poeticamente ilustrou Rui Barbosa (2006)10 um pouco da realidade Brasileira quando historiou o seguinte:
“Dessas democracias, pois, o eixo é a justiça, eixo não abstrato, não supositório, não meramente moral, mas de uma realidade profunda, e tão seriamente implantado no mecanismo do regímen, tão praticamente embebido através de todas as suas peças, que falseando ele ao seu mister, todo o sistema cairá em paralisia, desordem e subversão. Os poderes constitucionais entrarão em conflitos insolúveis, as franquias constitucionais ruirão por terra, e da organização constitucional, do seu caráter, das suas funções, de suas garantias apenas restarão destroços.
Eis o de que nos há de preservar a justiça brasileira, se a deixarem sobreviver, ainda que agredida, oscilante e mal segura, aos outros elementos constitutivos da república, no meio das ruínas, em que mal se conservam ligeiros traços da sua verdade”.
A honra pela defesa deve prevalecer. E, portanto, aos políticos caberá compreender que a sociedade não é um aglomerado informe de pessoas, vivendo na ignorância uma das outras. Muito pelo contrário, é um todo orgânico de inter-relações, uma unidade de interação, enfim, uma ordem de vida (BOBBIO 1996, p.68).
E assim nossa honra vai se esfacelando, nossa dignidade vai se ocultando, nosso amor ao país se acabando.
1 Dicionário Informal. Disponível em: http://www.dicionarioinformal.com.br/democracia/ Acesso em 2017.
2 Dicionario Michaelis. Disponível em http://michaelis.uol.com.br/ Acesso em 2017
3 TEMER, Michel. Constituição e Política. São Paulo: Malheiros, 1994, p. 28.
4 Discurso de posse como presidente interino, 12/05/2016
5 WEBER, Max. Ciência e Política. Duas Vocações. São Paulo: Editora Cultrix, 1998.
6 SCHMITT, Carl. O conceito do político. Trad. Alvaro Luiz Montenegro Valls. Petrópolis: Vozes, 1992.
7 Idem, 1992.
8 MULLER, Friedrich. Quem é o povo? A questão fundamental da democracia. Editora: Max Limonad, s/d.
9 TOURAINE, Alain. O que é Democracia? 2ª ed. Petrópilis Vozes,2002 p.288 10 BARBOSA, Rui. Oração aos Moços. Campinas (SP): Russel, 2005.