Mediante as barbaridades vistas na política do país ultimamente, fica em xeque os preceitos democráticos? Vive-se o esfacelamento da democracia.
Lexicalmente, democracia é “forma de governo em que o povo elege livremente seus representantes e exerce a soberania do Estado mediante um sistema partidário pluralista, com [...] respeito aos direitos civis e individuais do cidadão”1 [GRIFO]. É ainda, “a forma de governo em que a soberania é exercida pelo povo, é o sistema de governo em que cada cidadão tem sua participação e é o sistema político dedicado aos interesses do povo”2.
Contudo, mediante estas conceituações dicionaristas, vê-se contraposições diversas à sobremaneira de exercer da política democrática desse país. Quem é “o povo” nesses conceitos? O que independe da condição moral ou o idealizado cidadão que tem a disciplina e virtude acima da média?
Se o povo tem o poder de “eleger livremente seus representantes” porque a cada dia que passa a política se torna mais coronelista? Porque não se impede a participação partidária hereditária em que apenas se muda os representantes, mas as famílias continuam no poder? Aponte em que momento os “direitos civis e individuais do cidadão” está sendo respeitado na atual conjuntura desse país? Hipocrisia é vê que o conceito idealizado de democracia está sendo esfacelado pelos próprios representantes e nada fazer, e nada exigir, e nada recorrer?
Na linguagem popular, diz-se que o que se está fazendo é “trocando seis por meia dúzia”. Ou seja, entram e saem governantes sem escrúpulos, destemidos, intocáveis, inabaláveis, blindados por uma corja de corruptos, irônicos representantes do povo, que tiram do povo o mínimo de sua dignidade em troca de uma vida plena de ilusões hierárquicas, subjugados pela pretensão de estarem em favor do povo fazendo o que não é autorizado pelo povo.
O poder dos partidos que dizem ser “políticos”, ficaram mais uma vez, firmemente elucidados na cessão de votação naquele picadeiro tomado por malabaristas, acrobatas, ilusionistas e até palhaços. E, àqueles que dizem reais representantes do povo, restou o silêncio, a abstenção, o ir de encontro aos seus princípios morais e, quiçá, éticos, para dar poder ao poder. E, os políticos “amorais” ficam em cima do muro e sempre caem para o lado em que lhes dão mais privilégios.
Interessante dizer que Temer (1994)3 ao escrever sobre a importância da democracia participativa já compreendia que “quando poucos decidem por muitos a democracia torna-se frágil”. Quanta sabedoria!!!! Ainda em outra ocasião Temer4 declarou que “o custo da democracia” atual é “a ideia de partido político ser organismos de canal do povo com o poder”. Mas, segundo Marx Weber (1998, p. 51)5 essa busca pelo poder “levou os homens a banirem da vida pública os valores supremos e mais sublimes”.
Já compreendera Carl Schimitt (1992)6 que “a legitimidade política na sociedade da democracia de massas não se basearia mais em convicções de valores tradicionais, senão única e exclusivamente na legalidade formal do procedimento”. Ou seja, a sobrevivência das sociedades evoluídas, dependerão das condições de regulamentação, imbuídas no comportamento dos atores participantes, que devem ser controladas, intermediadas e reguladas por uma política pública autorizada, e pela qual os indivíduos se submeterão.
Dessa maneira, reconhece-se que o conceito de política é estreitamente vinculado ao de poder em três fatores básicas: 1) a luta pelo poder; 2) o conjunto de instituições por meio das quais esse poder se exerce; 3) e a reflexão teórica sobre a origem, estrutura e razão de ser do poder. O poder político se caracteriza pela exclusividade do direito do uso da força em relação ao conjunto da sociedade, que lhe confere a legitimidade desse uso7.
Assim, os políticos brasileiros acham que um Estado é o garantidor da sociedade, quando na verdade é a sociedade quem garante o Estado, ou seja, o Estado não financia os elementos da redistribuição, mas a sociedade sim, financia o Estado que redistribui os financiamentos das políticas públicas. Contudo, o sistema federativo centralizado releva aos entes mais próximos da sociedade Estados e Municípios a condição de dependentes, quando a dependência é inversa.
Deve-se compreender, todavia, que a sociedade brasileira não é formada apenas pelo “povo”, Entenda que, segundo Müller8 “o povo” no conceito republicano democrático brasileiro é mero espectador, nesse perspectiva, o povo não é nem homogêneo, nem sujeito. São sempre os representantes que agem por ele. E a democracia ordenada pelo povo é mera ilusão.
Deve-se pois deixar de ser apenas “povo” e passar a ser sujeito, pois de acordo com Touraine (2002, p.24)9 “ O Sujeito é o esforço de transformação de uma situação vivida em ação livre; introduz a liberdade no que aparece, em primeiro lugar, como determinantes sociais e herança cultural.” Mas é somente esse sujeito ativo e participativo que se tornará capaz de fazer com que a democracia seja efetivamente a política do sujeito. Uma vez que
esta será uma maneira de percorrer em direção à racionalidade instrumental da democracia efetivamente participativa.
Poeticamente ilustrou Rui Barbosa (2006)10 um pouco da realidade Brasileira quando historiou o seguinte:
“Dessas democracias, pois, o eixo é a justiça, eixo não abstrato, não supositório, não meramente moral, mas de uma realidade profunda, e tão seriamente implantado no mecanismo do regímen, tão praticamente embebido através de todas as suas peças, que falseando ele ao seu mister, todo o sistema cairá em paralisia, desordem e subversão. Os poderes constitucionais entrarão em conflitos insolúveis, as franquias constitucionais ruirão por terra, e da organização constitucional, do seu caráter, das suas funções, de suas garantias apenas restarão destroços.
Eis o de que nos há de preservar a justiça brasileira, se a deixarem sobreviver, ainda que agredida, oscilante e mal segura, aos outros elementos constitutivos da república, no meio das ruínas, em que mal se conservam ligeiros traços da sua verdade”.
A honra pela defesa deve prevalecer. E, portanto, aos políticos caberá compreender que a sociedade não é um aglomerado informe de pessoas, vivendo na ignorância uma das outras. Muito pelo contrário, é um todo orgânico de inter-relações, uma unidade de interação, enfim, uma ordem de vida (BOBBIO 1996, p.68).
E assim nossa honra vai se esfacelando, nossa dignidade vai se ocultando, nosso amor ao país se acabando.
1 Dicionário Informal. Disponível em: http://www.dicionarioinformal.com.br/democracia/ Acesso em 2017.
2 Dicionario Michaelis. Disponível em http://michaelis.uol.com.br/ Acesso em 2017
3 TEMER, Michel. Constituição e Política. São Paulo: Malheiros, 1994, p. 28.
4 Discurso de posse como presidente interino, 12/05/2016
5 WEBER, Max. Ciência e Política. Duas Vocações. São Paulo: Editora Cultrix, 1998.
6 SCHMITT, Carl. O conceito do político. Trad. Alvaro Luiz Montenegro Valls. Petrópolis: Vozes, 1992.
7 Idem, 1992.
8 MULLER, Friedrich. Quem é o povo? A questão fundamental da democracia. Editora: Max Limonad, s/d.
9 TOURAINE, Alain. O que é Democracia? 2ª ed. Petrópilis Vozes,2002 p.288 10 BARBOSA, Rui. Oração aos Moços. Campinas (SP): Russel, 2005.