A questão do  Envelhecimento

 

Dr. Roberto Martins de Souza

Prof. Titular da UNICASTELO (Universidade Camilo Castelo Branco) e Prof. Adjunto da UNICSUL (Universidade Cruzeiro do Sul).                                                                                                                                  

 

 

  • Não podemos falar do envelhecimento sem a sua contra-parte, a imortalidade, este ideal que sempre perseguiu o homem desde tempos remotos. A finitude da vida, para seres conscientes, é algo estranho e a perda da sua consciência uma imponderabilidade. Mas então como conviver com a finitude da vida?! Será necessário encontrar alguma explicação, ou uma possível continuidade... talvez uma além-vida. 

    A continuação da existência numa imortalidade espiritual firma as suas raízes nas sociedades humanas arcaicas. E intrinsecamente ligada a uma justiça divina ou moral está o “outro mundo”, um céu ou um inferno, onde o prolongamento da vida é concedido a todos. Mas mais fundamental que o castigo ou a recompensa divina está o conceito da imortalidade. Raiz comum a muitas religiões e crenças.  A dicotomia mortalidade / imortalidade é um pilares de várias culturas ao longo da história, desde sumérios, arcádios, hebraicos e está presente na própria mitologia cristã. Os egípcios, por exemplo, acreditavam numa vida noutro mundo em tudo semelhante ao nosso, onde todos conhecem a mesma existência. A ideologia budista sugere o princípio da reintegração corpórea; a reencarnação. No entanto o súmito da busca pela vida eterna, ganha o seu real expoente com a busca da pedra filosofal pelos alquimistas chineses, árabes e europeus. Estes proto-cientistas avançaram para a tentativa de eliminar a mortalidade humana.  Como o nosso vizinho medieval, o espanhol Ponce de Leon, na sua procura pela fonte da juventude, será que os bioquímicos estão a reatar este velho mito apoiando-se na ciência. Pois se o código genético é a caixa de Pandora, todo o mecanismo de envelhecimento é o enigma da Esfinge!

Mas afinal o que é realmente o envelhecimento?

O que sabemos sobre ele, e que desenvolvimentos têm sido feitos?

  • Só no último terço do passado século é que realmente o estudo do envelhecimento e doenças associadas deixou a província de charlatães e vendedores de banha de cobra e passou para o ramo central do desenvolvimento científico. Esta mudança foi, todavia, impulsionada pela explosão do número de cidadãos idosos em países desenvolvidos e não propriamente por avanços na biologia do envelhecimento. Mas mesmo assim as descobertas efectuadas contribuíram muito para a explicação dos fenómenos ligados com o avanço da idade, relacionados no entanto, com a cura ou tratamento de doenças ditas da “idade”, e não necessariamente com a sua causa; o porquê do aparecimento dessas doenças. Nos últimos séculos o aumento da esperança de vida à nascença em países desenvolvidos passou de 48 para 76 anos o mesmo ganho ocorrido nos prévios 1900 anos. O exemplo da Roma antiga, onde a esperança de vida era apenas de 20 anos reflecte somente os tremendos valores de morte à nascença ou durante a infância, tal como acontece presentemente nos países não desenvolvidos.  Na sua maioria é o controlo de doenças infecciosas na juventude que explica o aumento da esperança de vida, e não tanto o que pessoas idosas beneficiam em termos de desenvolvimento biomédico na cura de doenças crónicas. É na gerontologia, o ramo da ciência que estuda o envelhecimento, as suas causas e consequências, que encontramos algumas respostas.

    Trata-se de uma disciplina que só recentemente começou a despertar interesse na comunidade científica, mais preocupada no estudo do desenvolvimento (ou seja naquilo que nos torna máquinas mais afinadas) e não tanto no estudo de processo degenerativos (que nos fazem perder qualidades).  A fisiologia celular e a compreensão do genoma humano têm vindo a demonstrar que o fracasso em manter a eficácia de toda a maquinaria que constitui um organismo vivo é um factor inerente ao seu design  evolutivo, mas não necessariamente impossível de ser corrigido. Pois afinal qual a diferença entre envelhecimento e desenvolvimento?

    Em traços largos, desenvolvimento corresponde a todas as mudanças que parecem conduzir a um aumento da eficácia do funcionamento do organismo; enquanto o envelhecimento reporta a todas as alterações, que levam a uma diminuição nas habilidades de um organismo. Das muitas teorias sobre o envelhecimento , quase todas são plausíveis e possuem, na sua maioria, base científica sólida. Uma das razões porque não se chega  a um consenso e a uma sistematização de todas as teorias, é a complexidade inerente ao universo vivo, não se podendo cometer a ingenuidade de atribuir um determinado efeito a uma só causa, pois estaríamos a contrariar a noção de organismo vivo, como sistema integrado.

    Numa primeira generalização, podemos dividir as teorias do envelhecimento mais aceites em dois grupos, Estocásticas e Sistémicas. Sendo que as primeiras prendem-se com explicações baseadas na ocorrência de acontecimentos individuais e ao acaso, como por exemplo a mutação de genes. Enquanto as teorias sistémicas se baseiam na ocorrência de uma cascata de acontecimentos ligados e hierarquizados.

    Em seguida descreveremos algumas teorias:

    “Wear and Tear”

  • Uma das teorias, durante muito tempo aceite, e até recentemente a mais divulgada e estudada, é a teoria de “Wear and Tear”. Ela é a percursora do conceito de “falhas na reparação” e persiste até hoje pois é reforçada pelas nossas observações de todos os dias.

    Todos os organismos estão constantemente a ser expostos a infecções, feridas ou doenças que causam danos menores nas células e tecidos, que nunca chegam a ser reparados completamente. Por exemplo, um membro quebrado, pode sarar, mas nunca volta a ser tão forte como inicialmente. À medida que um organismo vive e envelhece vai acumulando mais e mais destes danos menores. Esta erosão progressiva pode contribuir para uma diminuição da eficiência funcional de todo o sistema.

     Em 1891, August Weisemann acreditava que este desgaste gradual das células somáticas era a causa mais marcante do envelhecimento.

     Hoje em dia podemos apresentar pelo menos três argumentos lógicos para contrariar esta teoria. Animais criados num ambiente que os proteja de todas estas contrariedades, não só não deixam de envelhecer, como não apresentam nenhum aumento da sua longevidade. Por outro lado muitos destes danos menores não são causa per si do envelhecimento, por exemplo, partir uma perna não provoca um súbito envelhecimento, embora possa ter as suas consequências, não são um mecanismo causal. Por fim, avanços no nosso conhecimento da célula e na biologia molecular criaram a necessidade de explicar o conhecimento celular e orgânico em termos mais precisos e microscópicos.

    À medida que mudamos de níveis de organização mais anatómicos para um nível mais celular ou molecular, vamos descartando esta teoria embora no entanto alguns dos princípios por detrás dela continuem a constituir a base para a maioria das teorias estocáticas intracelulares.

     

     “Teoria do dano oxidativo”

  • Excepto aqueles organismos que estão especialmente adaptados para viver em condições anaeróbias, todos os animais e plantas requerem oxigénio para eficaz produção de energia. Cerca de 95% de energia metabólica é produzida nas mitocôndrias. Se essa reacção é bloqueada perdemos consciência e morremos muito rapidamente.

    No entanto sabe-se há já muito tempo que grandes concentrações de oxigénio se tornam tóxicas para plantas e animais. O oxigénio é tido como factor de aumento dos efeitos do dano da radiação ionizante, nas células vivas. É preciso três vezes menos radiação para matar uma célula numa atmosfera de oxigénio, em comparação com uma atmosfera de nitrogénio. Os efeitos do dano do oxigénio afectam quase todos os tecidos que constituem um organismo, embora o dano em si dependa da espécie, do tecido estudado, das condições fisiológicas, da idade e da dieta do organismo.

    Ironicamente, a molécula da qual dependemos para a nossa vida também contribui para a nossa morte.

    Das várias explicações apresentadas para explicar a toxicidade do oxigénio a mais divulgada e largamente aceite descreve os efeitos do oxigénio a nível de dano celular como causado por radicais livres. Estas moléculas são induzidas a formar na presença de oxigénio e estão implicadas em mais de sessenta disfunções, tal como doenças cardíacas, cancro e cataratas. Também parecem ser um dos principais factores responsáveis por mudanças corporais características da idade e da senescência.

    Um radical livre é definido como sendo uma espécie química que possui um número ímpar de electrões, sendo por isso muito reactiva, pois são termodinamicamente instáveis e procuram ligar-se a outras moléculas para desemparelhar o seu electrão livre. Estes radicais podem ser produzidos por exposição a agentes tóxicos, e por processos enzimáticos que os  produzam e libertem.

    O problema com os radicais livres é que eles se propagam indefinidamente,  alterando a nível molecular, as estruturas da célula. Este ciclo contínuo de propagação e dano celular é parado quando dois radicais se encontram ou quando matéria anti-oxidante anula o radical.

    A maior parte do metabolismo oxidativo processa-se na mitocôndria. Este organito está estruturalmente isolado do resto da célula, e compreende dentro de si uma grande concentração de agentes anti-oxidantes, embora o citoplasma contenha, em menor concentração, outro tipo de agentes anti-oxidantes.

    A teoria do dano oxidativo postula que a maior parte das mudanças fisiológicas relacionadas com a idade podem ser  atribuídas a dano intracelular causado por radicais livres, sendo o dano ao DNA o exemplo mais importante.

    Além disso foi comprovado que o controlo de dano oxidativo e o desenvolvimento das defesas anti-oxidantes em Drosophila e C. elegans, está diretamente relacionado com a esperança de  vida.