O ENSINO DE HISTÓRIA E A RELAÇÃO ENTRE EDUCADORES E EDUCANDOS: INTERFACE, PERSPECTIVA E DESAFIOS. Leonildo José Figueira Resumo: Além de ensinar o conhecimento científico, a escola encarrega-se de preparar os indivíduos para o exercício da cidadania, sendo ela a produção e a apropriação de culturas materiais, imateriais, juntamente com o exercício pleno dos direitos e deveres previstos pela moralidade. Refletiremos o grande desafio de, fazer com que o educando se reconheça como sujeito histórico e não apenas aquele que se submete aos acontecimentos do mundo. Faz-se necessário pensar o trabalho docente (na educação básica especificamente) e os desafios se dão a partir de múltiplos fatores como desigualdade social, metodologia de ensino, tecnologias, redes sociais, entre outros. Considerando que as teorias educacionais estão em constantes movimentos, sendo transformadas, modificadas, com o passar do tempo, será muito importante refletir o processo de ensino aprendizagem da história, considerando sua trajetória e sua importância hoje. Palavras-chave: Historiografia da educação; Ofício do Historiador; Ensino de História; Cultura escolar. O professor enfrenta um grande desafio ao ensinar História aos jovens, nas mais diversas salas de aula, seja pelo ritmo acelerado das tecnologias ou pelas contradições apresentadas pela sociedade brasileira. Para Circe Bittencourt (2009) “uma tarefa complexa envolve o cotidiano dos professores de História ao enfrentarem, ainda, as desigualdades de uma sociedade moderna e arcaica, de contradições não dissimuladas”. Esse fator fica ainda mais agravante se considerarmos que, mesmo com veladas contradições sociais o país “possui em comum um público estudantil com dificuldades para estabelecer relações com os tempos históricos” (BITTENCOURT, 2009). A autora ainda acrescenta que trata-se de um presente contraditório, um futuro duvidoso em um passado confuso, muitas vezes aprendido de uma forma e sentido de outra, considerando a realidade socioeconômica e histórica do aluno. Não pretendemos aqui dar conta de responder a todos os questionamentos caros ao ensino de história, tampouco esgotá-los no que tange os desafios da educação básica no presente século, mas sim fazer apontamentos que possam contribuir para tais discussões, as quais se mostram necessárias. Segundo o professor Marcos Antônio da Silva (2010) as respostas a essas questões não são simples e, certamente elas “dependem de nossas (professores, pesquisadores) posições políticas e escolhas teóricas e metodológicas”. O referido professor e pesquisador da Universidade de São Paulo ainda ressalta que, No caso específico da área de História, as buscas por respostas a essas perguntas [os desafios da educação e do ensino de história , especificamente] sugerem outras questões: “o que fazem os professores de História quando ensinam História? ”; “quais os temas, as fontes, os materiais, os problemas que escolhemos para fazermos as mediações entre o passado e o presente vivido por nós? ”; “como nos relacionamos com o passado, quando ensinamos, hoje, História às crianças e aos jovens brasileiros? ”. (SILVA, 2010) No que diz respeito a proposta curricular de História é, sempre, “produto de escolhas, visões, interpretações, concepções de alguém ou de algum grupo que, em determinados espaços e tempos, detém o poder de dizer e fazer”. (SILVA, 2010) Tais escolhas expressam, consequentemente, tensões, conflitos, rupturas, acordos, consensos, aproximações, distanciamentos, etc. Tudo isso entra em choque com a realidade do educando, uma vez que este pertence a outro contexto, que por sua vez implicam em outras escolhas e outros interesses. De acordo com Circe Bitterncourt (2009), no processo da chamada abertura democrática, em fins dos anos 70, “professores do ensino médio e das universidades iniciaram uma fase de reaproximação entre os dois níveis de ensino e os debates encaminhavam-se na volta de História e Geografia como disciplinas autônomas” (BITTENCOURT, 2009) no ensino fundamental. Precisamos Considerar que não foi um retorno pacífico, uma vez que fora acompanhado de discussões e conflitos ideológicos em defesa do aprofundamento de questões relativas ao conhecimento, ao ensino, apontando para novas tendências tanto no campo historiográfico quanto nas práticas pedagógicas. No contexto da nova Constituição, após a Ditadura Militar, um Projeto de Lei para uma nova LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) foi encaminhado à Câmara Federal, pelo então deputado Octávio Elísio, em 1988. No ano seguinte (1989) o Deputado Jorge Hage enviou à Câmara Federal um substitutivo ao Projeto e, em 1992, o Senador Darcy Ribeiro apresentou um novo Projeto que acabou por ser aprovado em dezembro de 1996. (BELLO, 2001) Circe F. Bittencourt também trata do assunto enfatizando que: A segunda metade da década de 1990 foi um período de redefinições das políticas públicas educacionais incluindo a nova lei de diretrizes e bases (LDB) de 1996 que, diferentemente dos períodos anteriores, fundamentava-se uma estrutura legislativa com base na pluralidade cultural, da sociedade brasileira, proporcionando, dentre outras transformações um redimensionamento do conhecimento curricular. (BITTENCOURT, 2011) O conhecimento histórico, é produzido por um grupo de profissionais, chamados historiadores, estes quando iniciam seu trabalho carregam consigo certas coisas identificáveis e que lhes são particulares. Levam seus valores, suas posições, suas perspectivas ideológicas, seus pressupostos epistemológicos, etc.; tais fatores o acompanham durante todas as fases de uma pesquisa. (JENKINS, 2001) Embora os pressupostos epistemológicos sejam, muitas vezes, inconscientes, o historiador sempre vai ter em mente maneiras de adquirir o conhecimento, revelando diversas outras categorias, nas quais está inserido (econômicas, sociais, políticas, culturais, ideológicas, etc). Em sua rotina de trabalho, o profissional de história desenvolve métodos que vão servir para lidar com o material da pesquisa de modo a verificar sua origem, sua autenticidade, sua fragilidade, sua fidelidade etc. A aí uma gama de técnicas que vão do extravagantemente complexo ao prosaicamente direto; tratam-se do tipo de práticas que muitas vezes são denominadas como habilidades do historiador técnicas que de passagem, podemos ver como momentos também passageiros naquela combinação de fatores que produzem histórias. (BURKE, 1992) É preciso considerar que o aluno já traz um repertório de conhecimentos que são oferecidos pelo meio em que vive, adquire maneiras próprias de lidar com diferentes situações do dia a dia; e isso deve ser lavado em conta no processo educativo. Sendo assim concordamos com Schmidt (2009) ao enfatizar que a sala de aula não é apenas um espaço no qual se transmite informações, mas sim uma relação em que interlocutores produzem sentidos. (...) o aluno já tem um vocabulário histórico de uso cotidiano, adequado para descrever situações da realidade em que ele vive. Isto significa que os alunos trazem, ao cotidiano da sala de aula, ideais próprias sobre o mundo social, por exemplo, sobre economia, poder, família. No entanto, muitas vezes, estas ideias são insuficientes para apreender a essência dos fenômenos sociais. (SCHMIDT, 1999) Segundo as autoras Maria Auxiliadora Moreira dos Santos Schmidt e Tânia Maria F. Braga Garcia “as discussões sobre o ensino desenvolvidas nas últimas décadas, apoiadas em conceitos como cultura escolar e cultura da escola (Forquim, 1993), transposição didática (Chevallard, 1991) e mediação didática (Lopes, 1999) ” parecem ter recolocado em questão os próprios conceitos de aula e de ensino. As teorias do alemão Jörn Rüsen têm contribuído muito para o ensino de História, propriamente dito. O professor Luís Fernando Cerri, ao propor um estudo da ampliação do campo de pesquisa a partir da didática de Rüsen, aponta que (...) o escopo da Didática da História, portanto, passa a incluir o estudo do papel da História na opinião pública, as possibilidades e limites das apresentações históricas visuais e museus e outros campos que possam ser trabalhados por historiadores e educadores de visão não - restrita. Assim, parte-se desde o campo da História na sala de aula, dentro da concepção e referenciais metodológicos expandidos, passando pela análise da função do conhecimento e explanação históricos na vida pública, o estudo das metas da educação histórica e a avaliação da sua consecução, chegando até a abordagem mais ampla da análise da consciência histórica em sua constituição, funcionamento e consequências. (CERRI, 2005) Para Schmidt (1999), quando o professor tem como objetivo um ensino de História renovado, procurando utilizar documentos e diferentes linguagens, ele deve fazer uso de conceitos históricos, fazendo com que este sejam utilizados pelos alunos, compreendidos e, que façam sentido à sua realidade. Dessa maneira “uma das preocupações daqueles que lidam com o ensino de História, hoje em dia, é fazer com que os alunos construam um vocabulário histórico, que seja facilmente assimilável, mas que, principalmente, ele possa utilizar em diferentes situações de sua vida”. (SCHMIDT, 1999) Segundo Rüsen (2001) a consciência histórica não é algo que os homens podem ter ou não, ela é um produto humano universalmente, considerando a intencionalidade da vida prática dos homens. A consciência histórica enraíza-se na historicidade, que consiste no fato de os homens (ao conviverem) relacionarem-se e em dialogarem com a natureza, com os demais homens e consigo mesmos. Partindo desse princípio a escola pública brasileira, nas últimas décadas, passou a atender um número cada vez maior de estudantes oriundos das classes populares; e ao assumir essa função “que por sinal justifica a própria existência da escola pública”, segundo Rüsen (2001), intensificou-se a necessidade de contínuas discussões sobre o papel da educação básica no projeto de sociedade que se quer para o país. De acordo com Maria Auxiliadora Shmidt (2009) “o professor pode ensinar o aluno a adquirir ferramentas de trabalho necessárias; o saber fazer; o saber-fazer-bem, lançar os germes do histórico”. A autora acrescenta ainda que “ele [o professor] é responsável por ensinar o aluno a captar e a valorizar a diversidade dos pontos de vista, (...) ensinar o aluno a levantar problemas e reintegrá-los num conjunto mais vasto de outros problemas” procurando transformar os temas em problemas, à cada aula de História. Segundo Helenice Ciampi (2000) “desde o final do século XX e início do XXI, inúmeras mudanças, como a nova ordem mundial, a revolução tecnológica, a midiatização, e também o esfacelamento de instituições, práticas e paradigmas de análise”, parecem ter estabelecido novas exigências para a educação. Tais mudanças, nos permite repensar a ação de ensinar hoje, e refletir se, seria possível fazer com que os jovens relacionassem os conhecimentos da Física, Química, Literatura, Biologia, história, etc., para resolver suas questões da vida cotidiana como, por exemplo, consertar um rádio, fazer compras no supermercado, acessar as redes sociais, fazer um orçamento familiar, tomar um remédio numa eventual dor de cabeça, reconhecer seus direitos enquanto consumidor, enquanto funcionário de uma empresa, enquanto estudante, etc. Enfim, como escrevia Ciampi (2000), “dominar elementos que lhes possibilitem entender o mundo em que vivem e ter competências para com ele interagir, de forma mais consequente”. Com isso os educandos poderiam se reconhecer como agentes e sujeitos históricos e não apenas como meros observadores dos acontecimentos do mundo. A crescente revolução tecnológica observada no mundo atual possibilita quando não estabelece novas formas de socialização e também “novos processos de produção e até mesmo novas definições de identidade individual e coletiva”. (CIAMPI, 2000) O importante é que os alunos se apropriem de competências básicas a partir das quais seja possível desenvolver a “capacidade de aprender”. Para Ciampi (2000) “a escola, por si mesma, não muda a sociedade, mas pode constituir-se num espaço de reflexão e discussão empenhada na formação de cidadãos críticos”. Contudo, concluímos que são inúmeros os apontamentos que surgem vindos de diversos contextos, sejam a partir dos teóricos que discutem os métodos e os currículos escolares, ou dos próprios docentes que vivenciam os desafios da educação nas escolas cotidianamente. Faz-se necessário considerar que os professores não são os únicos atores no cenário educacional e, considerar que ele está inserido dentro de um sistema complexo que envolve uma comunidade e suas particularidades, a realidade dos alunos, bem como seus interesses, as tendências que o cercam, o próprio sistema de ensino, as teorias educacionais vigentes, a valorização ou não do próprio profissional da educação, entre múltiplos fatores. Referências Bibliográficas BELLO, José Luiz de Paiva. Educação no Brasil: a História das rupturas. Pedagogia em Foco, Rio de Janeiro, 2001. Disponível em: http://www.pedagogiaemfoco.pro.br/heb14.htm. Acesso em: 02/06/2014 BOTTENCOURT, Circe Fernandes. Abordagens históricas sobre a história escolar. Educação e Realidade, Porto Alegre, v. 36, n.1, p. 83-104, janeiro/abril. 2011. Disponível em: http://www.ufrgs.br/edu_realidade ________. Capitalismo e cidadania nas propostas curriculares de História. In: Bittencourt, Circe. (Org.) O saber histórico na sala de aula. 11 ed, São Paulo: Contexto, 2009 BURKE, Peter. A escrita da história: novas perspectivas. São Paulo: Editora da universidade Estadual Paulista, 1992. CARDOSO, C. F.; VAINFAS, R. (orgs.) Domínios da história. Campinas: Campus, 1997. CERRI, Luís Fernando. A didática da história para Jörn Rüsen: uma ampliação do campo de pesquisa. Anpuh – XXIII Simpósio Nacional de História – Londrina, 2005. CERTEAU, Michel de. A escrita da História. Forense Universitária, 2006. CHARTIER, R. A história cultural: entre práticas e representações. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1987. CIAMPI, Helenice. A história pensada e ensinada: da geração das certezas à geração das incertezas. São Paulo: EDUC, FAPESP, 2000. _______. Ensinar História no século XXI: dilemas curriculares. Este artigo constitui parte da exposição na Mesa Redonda ocorrida no XX Encontro Regional da ANPUH - Seção São Paulo, em Franca, em 10/09/2010. Disponível em: http:// www.anpuh.org DOSSE, F. A história em migalhas: dos “Annales” à “Nova História”. São Paulo: Ensiao; Campinas: Unicamp, 1992. GINZBURG, C. O queijo e os vermes: o cotidiano e as ideias de um moleiro perseguido pela inquisição. São Paulo: Companhia das Letras, 1987. História 85 HOBSBAWM. E. Sobre história. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. JENKINS, Keith. A história repensada. São Paulo: Contexto, 2001. NAPOLITANO, Marcos. A televisão como documento. In: Bittencourt, Circe. (Org.) O saber histórico na sala de aula. 11 ed, São Paulo: Contexto, 2009 ORIÁ, Ricardo. Memória e ensino de História. In: Bittencourt, Circe. (Org.) O saber histórico na sala de aula. 11 ed, São Paulo: Contexto, 2009 RÜSEN, Jörn. Razão histórica. Brasília: Editora da UnB, 2001, p. 78. _______. Didática da História: passado, presente e perspectivas a partir do caso alemão. Práxis educativa, v. 1, n.2. Ponta Grossa: UEPG, 2006. SILVA, Marcos Antônio da. Ensino de História hoje: errâncias, conquistas e perdas. Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 31, nº 60, p. 13-33 – 2010. SACRISTÁN, J. G. A educação obrigatória: seu sentido educativo e social. Porto Alegre: Artmed Editora, 2001. ________. O currículo: uma reflexão sobre a prática. Trad. Ernani F. da F. Rosa, Porto Alegre: Artmed, 2000. SCHIMIDT, Maria Auxiliadora Moreira dos Santos. GARCIA, Tânia Maria F. Braga. A formação da consciência histórica de alunos e professores e o cotidiano em aulas de história. Cad. Cedes, Campinas, vol. 25, n. 67, p. 297-308, set./dez. 2005. Disponível em: http://www.cedes.unicamp.br ________. Construindo conceitos no ensino de História: "a captura lógica" da realidade social. Hist. Ensino, Londrina, v. 5, p. 147-163. 1999 ________. A formação do professor de História e o cotidiano na sala de aula. In: Bittencourt, Circe. (Org.) O saber histórico na sala de aula. 11 ed, São Paulo: Contexto, 2009 VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. Rio de Janeiro: Martins Fontes, 1996.